ENFOQUE SANTA MARTA
SÃO LEOPOLDO / rs MARÇO/ABRIL DE 2017
EDIÇÃO
1
JOÃO ROSA
histórias do seu vilson
Quadra inaugurada
Abertura oficial teve a presença do prefeito Vanazzi. Página 4
LUANA ROSALES
MAINARA TORCHETO
GUILHERME SANTOS
Brincando, ele lembra que muitas vezes foi “delegado, pastor e prefeito” página 3
Serviços de saúde
Moradores reclamam da falta de médicos e de assistência. Página 7
Lazer e diversão
Sobra criatividade, mas faltam áreas de convívio e recreação. Páginas 22 e 23
2. EDITORIAL
V
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Uma vila de lutas e solidariedade
ocê já conhece a Vila Santa Marta em São Leopoldo? Se a resposta for não, poderá conhecê-la através do Enfoque, que contará as histórias desta região. Muitas já estão nesta edição, a começar pela história do seu Vilson, reconhecido como o líder fundador da vila. Pelas ruas percorridas vimos uma comunidade feita
de desejos e anseios. Com ar bucólico, casas simples e um pórtico charmoso, Santa Marta está repleta de histórias de quem acredita nela como um bom lugar para viver, se preocupa com os comentários que desfazem da vila e luta para deixá-la melhor. Como a turma do clube de futebol, cujos jogadores contribuem para a boa divulgação do lugar.
As histórias contadas se entrelaçam. Muitos moradores abriram empresas por conta própria na vila, na maioria das vezes administradas pelos seus familiares. Uma das principais características da comunidade é a força de “todos juntos”. Da união surgiu a ideia de criar uma cooperativa. A comunidade se une para tentar resolver os problemas locais e mantém
bruna henssler e Thais Ramirez
ativa e atuante uma respeitada associação de moradores. A vila carrega com ela as marcas das enchentes, da falta de uma rede elétrica bem estruturada, do esgoto a céu aberto em muitas ruas, da ausência de postos de saúde. Da falta de locais para a diversão e o lazer. Estas são consequências de um local praticamente abandonado pelos órgãos públicos.
Mas Santa Marta é de luta. Apesar das dificuldades, os adultos continuam acreditando no desenvolvimento local e as crianças alimentam seus sonhos com a esperança de terem um futuro melhor. Um exemplo concreto disso foi a recente inauguração da quadra poliesportiva, construída com recursos estrangeiros conquistados pela comunidade.
LUANA ROSALES
QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Santa Marta é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Santa Marta, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, são publicadas três edições por semestre e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo. Telefone: (51) 3591.1122, ramal 1329 / E-mail: posorio@unisinos.br
EDIÇÃO E REPORTAGEM Disciplina: Jornalismo Cidadão
Edição de fotos: Lurdinha Matos
Orientação: Pedro Luiz S. Osório
Reportagem: Alessandro Garcia Amanda Cunha Anderson Huber Bruna Henssler Carolina Schaefer Deivid Duarte Elisa Ponciano Fernanda Fauth Júlia Flores Laura Pavessi Leonardo Severo
Edição de textos: Carolina Schaefer Deivid Duarte Elisa Ponciano Fernanda Fauth Luísa Boéssio Natália Collor
FOTOGRAFIA Lidiane Menezes Liege Barcelos Luísa Boéssio Lurdinha Matos Manoela Petry Mel Quincozes Milene Magnus Mirian Centeno Natália Collor Rafael Erthal Thais Ramirez Thamyres Thomazini Verônica Luize Victor Dias Thiesen Victória Freire
Disciplina: Fotojornalismo Orientação: Flávio Dutra Fotos: André Cardoso André Martins Andrea Aquini Bruna Bertoldi Bruna Flach César Weiler Diego Mello Estephani Richter
ARTE Fernanda Ochoa Guilherme Santos Igor Mallmann Isabelle Wrasse João Rosa Júlia Maciel Lisandra Steffen Luana Rosales Luana Tavares Lucas Schardong Luciana Abdur Mainara Torcheto Mariana Dambrós Renan Neves Renata Oliveira Silva
Saskia Ebenriter Tainah Gil Thaís Lauck Tuhana Pinheiro Vinícius Emmanuelli
Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia Diagramação: Mariana Matté
IMPRESSÃO Realização: Gráfica UMA / Grupo RBS Tiragem: 1.000 exemplares
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente dos Cursos de Bacharelados e Tecnológicos: Paula Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.
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HISTÓRIA .3
As batalhas do fundador Um pouco da história do homem cuja vida se confunde com a Vila Santa Marta
A
s pernas e os braços que ajudaram a construir a Vila Santa Marta, em São Leopoldo, já não tem a mesma desenvoltura. Vilson Prestes, um dos fundadores da vila e várias vezes Presidente da Associação de Moradores, se locomove com o auxílio de uma muleta. Talvez o joelho falhe em suportar tanta experiência. Talvez o peso por se importar com tanta gente tenha arqueado suas costas. Afinal, foram muitos quilômetros de chão e muitas batalhas vencidas pelos pés que caminham há mais de 70 anos. Mas a cabeça não falha, ele garante poder desenhar de memória o mapa da vila com todas as ruas onde moram mais de cinco mil habitantes. “Fui delegado, pastor e prefeito da Santa Marta”, resume, em tom de brincadeira, sua luta dentro da comunidade. O humor não foge tanto à realidade. Quando Vilson ficou encarregado pelo Conselho de Desenvolvimento da Comunidade de São Leopoldo (CDC-SL) para distribuir as terras da vila para os novos moradores, teve de mediar várias brigas e garantir que as famílias mais necessitadas fossem priorizadas. Uma vez foi chamado no meio da noite para resolver a briga de um casal: o homem alegava que a casa era dele, portanto a mulher e os filhos deveriam ir embora. Para o presidente da Associação de moradores na época, a solução era clara: “a casa era das crianças, ele que deveria sair”. Aposentado pela Secretaria de Serviços Públicos de São Leopoldo, Vilson trabalhou muito em benefício da comunidade. Ele lembra bem, foi durante o mandato do prefeito Olímpio Albrecht, em 1989, que Santa Marta começou a crescer. Como ele conta, a vila era formada apenas por duas ruas mal organizadas. Antes de chegar lá, ele morava na mesma cidade mas em outra vila. Na Antônio Leite, onde também esteve algumas conquistas como presidente da associação de moradores. Por seu trabalho, ele foi chamado para se mudar para a vila onde ainda mora. Sua casa, pobre comparada com sua trajetória no bairro, fica
próxima da Associação de Moradores da Vila Santa Marta. Logo que chegou na comunidade, conseguiu pela igreja luterana da cidade a doação de 1500 canos para levar água a vila. Também, em 1989, ele foi presidente do CDC. Ligado a prefeitura, o Conselho de Desenvolvimento era responsável pela negociação de terras privadas e a organização de áreas verdes para habitação. Grande parte dos contemplados estavam sendo realocados: vinham de outras cidades, vilas ou bairros. Semelhante a política do programa atual Minha Casa, Minha Vida. Mas apenas o terreno era cedido - ou vendido por um valor simbólico para custear a abertura de ruas e limpeza urbana. Pelo CDC, como ele conta,
Vilson ficou encarregado de distribuir 464 terrenos. Ele era rigoroso na metragem do espaço distribuído: os de esquina mediam 10x20, e os demais 8x20. Enquanto as famílias não construíam suas casas, ele, como presidente da Associação de Moradores da Vila Santa Marta, emprestava lonas e barracas para os vizinhos se abrigarem.
Anos 2000 Para Vilson, os anos 2000 também foram de muito trabalho e conquistas na vila. Em 2006, ele coordenou o Programa Auxílio Solidário. O PAS era um programa de transferência de renda para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Os membros do projeto ajudavam na
limpeza urbana da cidade, e realizam cursos de formação. Apesar de não possuírem vínculo empregatício, eles recebiam benefício no valor de 25% do salário mínimo. Criado na gestão do prefeito Ary Vanazzi, atendeu mais de cinco mil leopoldenses. No PAS, Vilson chefiou duas equipes de 320 pessoas: uma pela manhã, outra pela tarde. Vilson, que nunca desistiu de lutar, teve uma grande vitória pessoal depois dos 60 anos. Para ter acesso a um benefício como servidor público, ele precisava cursar até a sexta série. Ele não recuou: se formou na escola que ajudou a trazer para a vila: a Escola Municipal Santa Marta. Vilson não perdia uma aula, ia depois de passar o dia trabalhando com o PAS. Ele conta que seu
Vilson Prestes foi um dos fundadores da Santa Marta, mas sua história começou longe de São Leopoldo
maior desafio foi o inglês: “não conseguia entender aquelas palavras estranhas”. Entretanto, a trajetória do defensor do Santa Marta se iniciou distante da comunidade que tanto lutou. Ele nasceu dia 20 de setembro de 1943 na cidade de Tucunduva, cerca de 500 quilômetros distantes de São Leopoldo. De lá foi para Três Passos e ainda jovem para El Soberbio, na Argentina. A cidade fica próxima da fronteira brasileira.
NA ARGENTINA Em terreno onde se falava espanhol, a Vilson foi permitido cursar somente até o segundo ano por sua nacionalidade. Por isso, ele compreende ainda a língua espanhola. Por lá ficou até o início da sua vida adulta, onde trabalhou como serralheiro - profissão que o fez perder o dedo médio da mão direita. No país vizinho, conheceu sua mulher e teve o primeiro de seus três filhos. Maria Helena, a primeira de duas filhas, que hoje mora com o pai, se considera argentina apesar de ter vindo para o Brasil com cinco anos. As fotos em preto e branco, com trajes típicos dos pampas, guardam as alegrias daquele tempo ao lado do pai e da mãe, hoje falecida. Enquanto morava na Argentina, Vilson serviu por dez meses no Exército Brasileiro, em São Borja. Entretanto, o país onde ele morava passava por um regime autoritário e violento. O medo do que Maria Helena, ainda pequena, entendia como uma guerra fez a família fugir para Venâncio Aires. Foi no ano de 1982 que o lutador da vila Santa Marta botou o pé em São Leopoldo. DEIVID DUArTE JOÃO ROSA
4. COMUNIDADE
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Prefeito Ary Vanazzi (ao centro, de azul) inaugurou quadra construída com dinheiro de prêmio internacional. Sandra Silveira Grohe (esquerda) e Ana Carolina Kertes (direita) viajaram até Michigan para ver o projeto Togheter You Make Santa Marta Home finalizado
Quadra poliesportiva é inaugurada Projeto da Escola Santa Marta chamou atenção de estudantes americanos, garantindo investimentos para a comunidade
N
a última sexta-feira, 31 de março, o dia foi de reconhecimento dos esforços da comunidade residente. A quadra poliesportiva, localizada no pátio da Associação de Moradores, foi inaugurada pelo Prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi. No evento, também foi assinada pela prefeitura a Carta de Adesão da Escola Santa Marta ao Rally Continental Escuelas con Futuro Sostenible. O documento oficializa a escola como representante brasileira do Rally Continental, que tem como objetivo conduzir processos de educação para o desenvolvimento sustentável, além da gestão de riscos e desastres na América Latina e Caribe. A competição oferece bolsas de estudo. Porém, mesmo que alunos não sejam contemplados com essa oportunidade, eles participarão do comitê, que tem regência de 2017 a 2018. Durante a solenidade, Vanazzi destacou o esforço da comunidade, que construiu a quadra sem recursos públicos, apenas com o dinheiro recebido de prêmios da parceria com
a Universidade de Michigan. “Parabéns! Vocês fizeram esse projeto com tanto esforço. O poder público está aqui, pois considera importante enxergar as conquistas da vila”, disse. O prefeito também prometeu investimentos em bairros populares durante sua gestão. “Vamos cuidar do centro, mas é na Santa Marta, Tancredo Neves e lá no Rio dos Sinos, que vamos ter um olhar especial. E aquilo que juntarmos de dinheiro aplicaremos nestes bairros, pois aqui mora o trabalhador”. O ato ainda contou com a presença do Secretário de Educação da cidade, Oneide Bobsin, representantes da Associação de Moradores, além de alunos e professores da Escola Santa Marta, que ocuparam boa parte da quadra para festejar o novo espaço. Em discurso emocionado, Dilce Maria da Rosa, presidente da associação, agradeceu a escola por ser parceira da associação, cumprindo seu papel de inserir-se na realidade da vila. Ela lembrou que sem a dedicação da instituição, muitos projetos, como a quadra, não seriam realizados por falta de incentivo público. “O desejo da nossa vila é ser vida, mas nós da sociedade civil organizada não damos conta sozinhos. É preciso que o poder público
não se esqueça das áreas mais pobres. Qualquer atitude que torne a vida mais digna não pode ser negada”, pontuou.
A trajetória até Ann Arbor Sandra Silveira Grohe leciona desde 2010 na escola Santa Marta, e decidiu encarar a realidade local e olhar por cima do muro escolar. Em 2011, ela começou um projeto com sua turma de 5º ano: uma reflexão dos alunos sobre a comunidade, seus problemas e como resolvê-los. Há seis anos, estes projetos abraçam alunos que antes lidavam com a violência dentro da própria instituição de ensino. “Para mim, educação é isso! Nós aprendemos juntos a fazer uma educação de outro jeito. Hoje, os alunos pensam em sustentabilidade e sabem o que isso significa. Eles perceberam o quanto são importantes e se sentem assim. Sentem orgulho de fazer parte dessa mudança”, frisa. Foi a partir do incentivo da professora e do anseio em ser diferente que Ana Carolina Kertes se engajou em projetos escolares que mudariam sua vida. A menina, que tinha 10 anos na época, tinha perdido seu melhor amigo e viu seus dois irmãos serem presos por causa da violência.
“A professora Sandra sempre me encorajou, ela viu meu potencial. Eu acredito que se ela não tivesse visto, eu não teria ido tão longe”, comenta. Ana participava do projeto “Águas Vivas”, que tinha objetivo de pesquisar os arroios contaminados da vila, a fim de divulgar os riscos decorrentes e a necessidade de cuidar da própria água. O projeto ultrapassou os muros da escola, conquistando parcerias. Porém, foi a partir do Mestrado em Educação da Pontífica Universidade Católica do Rio Grande do Sul, local onde Sandra estudou, que tudo avançou. “A Universidade de Michigan fez contato com a PUCRS para saber se tinha alguém trabalhando com projetos que vissem as demandas de comunidades. Como tínhamos o Águas Vivas, fomos escolhidos. O estudo fazia parte da conclusão do Mestrado em Planejamento Urbano daquela Universidade”, explicou Sandra. Quinze pessoas, sendo 12 estudantes e três professores, viajaram do norte dos Estados Unidos até a Santa Marta para realizar o mapeamento da vila e da Tancredo Neves. Na época, eles utilizaram a associação para descobrir quais eram as principais necessidades da comunidade, criando o “Juntos fazemos da Santa Marta nosso lar”. A diretora
da escola, Márcia Kehl, Sandra e Ana Carolina embarcaram para conhecer a universidade, que fica em Ann Arbor. “Nós ficamos 15 dias viajando. Passamos por Miami, Chicago e Michigan. Nós ainda fomos conhecer o projeto pronto, com o mapeamento concluído”, relembra Sandra.
Prêmios retornam para a comunidade Together You Make Santa Marta Home foi um sucesso. Estudantes que assinaram o projeto o inscreveram em concursos. Dois foram conquistados, fazendo com que todo dinheiro da premiação retornasse para a comunidade. Cerca de 190 mil reais foram recebidos como prêmio. R$77 mil da Ford Motor Company College Community Challenge e R$115 mil do Dow Sustainability Distinguished Award. Na quadra inaugurada foram aplicados 48 mil reais. O pórtico de entrada da vila também foi construído a partir dessa verba. O dinheiro ainda será investido em tablets para a escola e internet e roteadores para a comunidade, garantindo a expansão e o acesso digital dos moradores da Santa Marta. carolina schaefer Guilherme SANTOS
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COMUNIDADE .5
Santa Marta: ontem e hoje Após 28 anos de fundação, o que mudou na vila pela visão dos primeiros moradores
S
anta Marta está localizada em São Leopoldo e como a maioria das áreas periféricas das grandes cidades sofre com alguns problemas. Uma única rua asfaltada corta o lugar, no entorno ruas estreitas e de chão batido, ao redor centenas de casas com pessoas circulando por todas as partes. Um cenário completamente diferente de 28 anos atrás. No início dos anos 90 os primeiros moradores encontraram por uma extensa área verde, com terras a perder de vista, como conta Dona Helena Carvalho, 76 anos, que mudou-se com o marido e a família no primeiro ano da Vila. Como a maioria dos moradores da região, vieram de um pequeno município do interior do Estado, Tenente Portela, distante cerca de 460 quilômetros de São Leopoldo, onde a família desenvolvia atividades ligadas a agricultura. Viúva há oito anos, mãe de doze filhos, um deles já falecido, ela mora atualmente com um dos filhos em uma casa aconchegante na parte asfaltada do bairro. Helena nos recebeu com uma cuia de chimarrão e acompanhada do neto. Simpática e acolhedora ela contou como foram os primeiros anos na vila que ainda
estava se formando. Atraídos por promessas de emprego, mudaram-se com a esperança de uma vida melhor, sem as dificuldades impostas pelo trabalho na roça. “Três dos meus filhos vieram primeiro, eles disseram que a cidade era melhor, com bastante serviço, então, nos mudamos. Chegamos em um sábado e na segunda-feira meu marido já estava trabalhando”, afirma. Os primeiros anos não foram fáceis, a falta de infraestrutura dificultava a vida dos novos habitantes. Os afazeres simples do dia-a-dia, como lavar roupa e cozinhar se transformavam em árduas tarefas. “Era tudo mato, não tinha estrada, luz elétrica e nem água. Às vezes durante a noite tínhamos que buscar água de balde na igreja mais próxima. Era uma vida difícil”, resume.
O crescimento As primeiras ruas foram abertas pelos próprios moradores, os terrenos divididos pelo fundador, Vilson Prestes - cada um recebeu o seu pedacinho de terra. As poucas famílias que moravam no lugar construíram moradias simples, em sua maioria de madeira. Nos primeiros anos, ainda acostumados a viver do que plantavam, hortas e pequenas plantações eram comuns. Por estar localizado em um dos pontos mais distantes da área central da cidade, o
silêncio e o sossego assemelhavam-se à vida no campo. Mas a calmaria daqueles tempos deu lugar a agitação. Atualmente, por exemplo, o neto de Dona Helena, o menino Roberto Carvalho de Souza, nove anos, que cursa o 4º ano na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Santa Marta, costuma brincar dentro do pátio pois as ruas movimentadas com carros já não são tão seguras. “Gosto de brincar de jogar bola e pega-pega, mas na minha casa ou na dos meus
medida em que o bairro cresceu e os moradores aumentaram, os problemas e impasses cresceram na mesma Helena p r o p o r ç ã o. e o neto acompanham o Uma das áreas crescimento da Vila mais delicadas envolve a saúde de quem vive no lugar. A vila não conta com um posto de saúde. Médicos costumam atender na sede da única escola do local a EMEF Santa Marta, mas apenas dois dias por semana. Para Angélica da Silva Correa, 32 anos, mãe de cinco filhos, três morando com ela, a parte da saúde é bastante precária: “Precisamos de um médico que atenda os moradores, um posto de saúde, pois nunca se sabe quando vamos precisar”, diz. Diariamente o povo da Vila Santa Marta enfrenta percalços, mas mesmo assim são receptivos amigos”, conta o garoto. e acolhedores com seus visitanAo longo dos anos novos mo- tes. Para quem visita o lugar fica radores chegaram vindos dos claro o carinho que os moradores mais diversos lugares e o bairro nutrem pela terra onde vivem, é cresceu. Segundo estimativas nítido o quanto gostam de morar da Associação de Moradores da aqui. A vila é um local de gente Vila Santa Marta, hoje o número simples e trabalhadora, uma rede habitantes pode ultrapassar gião que abriga todos em busca cinco mil pessoas. As mudanças de um cantinho para ter um lar. foram muitas, mas o crescimento Para aqueles que escolheram a acentuado, somado à falta de área para residir, a Vila Santa Marplanejamento, criou vias estreitas ta do passado e do presente é um de barro vermelho sem canaliza- ótimo lugar para se viver. ção para esgotos. Essas ruas, em Lidiane Menezes dias de chuva intensa alagam Tuhana Pinheiro as partes mais baixas da vila. À
Dificuldades que não desanimam Uma bela roseira enfeita o arco de boas-vindas a quem chega à vila. O arco recém-inaugurado é a porta de entrada quase perfeita, mas a beleza das rosas pouco diz sobre a realidade da comunidade. Esquecido pelos poderes públicos, o bairro originado no final da década de 80, aos poucos, foi invadindo as ruas com suas casas. “Quando distribui os terrenos, deixei espaço, mas agora as ruas ficaram muito estreitas”, lembraVilson Prestes, 73, tido como fundador do Santa Marta.
Lazer Cedo do dia e as crianças já jogam bola na quadra poliesportiva, localizada ao lado da Associação de Moradores da Vila Santa Marta. Entregue em dezembro de 2016, a quadra foi construída com o prêmio de US$ 25 mil, concedido pelo desafio Ford Motor Company College
Community, dos Estados Unidos. Mestrandos de Planejamento Urbano da Universidade de Michigan visitaram o lugarejo com o objetivo de promover a melhora na qualidade de vida da comunidade. Deixando a bicicleta rosa deitada sobre a quadra, Isabelly Batista Machado, cinco anos, senta no banco da quadra para ver o irmão, João Vitor, seis anos, comemorar os gols feitos. A mãe Cristiane, 29 anos, vê ali um bom lugar para as crianças se divertirem. “Eles passam o tempo todo jogando bola e correndo na quadra. Agora ficou mais tranquilo”, declara a doméstica. Pouco mais se vê de investimento em lazer neste local. Apenas outra praça é vista na vila.
Pavimentação Com a dificuldade de os carros subirem as finas vielas,
o barulho dos motores pouco chega nessas ruas. Tranquilidade é a palavra. Contraditoriamente, o coração acelerado de Janir Roiz de Lima, 60 anos, o obriga a parar alguns minutos. “Moro aqui há 12, 15 anos, a vizinhança é boa. Já tentei me mudar mas prefiro aqui”, conta. A reclamação é óbvia: o poder público abandonou a área. A falta de desaguadouros faz com que a chuva que desce do morro leve consigo o barro que pinta a Santa Marta. “Essa é minha única reivindicação: pavimentação por parte da prefeitura. Eles já vieram aqui, mas só colocaram o asfalto e não pensaram na estrutura”, finaliza ele enquanto deixa a bicicleta escorada no muro da casa da esquina para ir à madeireira. Ali mora a tranquilidade.
A música alta embalava o sono de Paçoca, vira-lata preto, deitado na varanda. O dono Elias da Rosa, 38 anos, morador da Santa Marta há cinco anos, também reclama da falta de estrutura da vila, mas, principalmente, dos candidatos eleitos que fugiram de suas promessas.“Em época de eleição todo candidato visita a comunidade, quando chove, tu não vê ninguém aqui”, declara.
Segurança Se político faz visita de eleição em eleição, o policiamento só chega com ligação. As denúncias parecem ser poucas. Elias afirma que os moradores vivem a “lei do silêncio”, pois, “aqui ninguém vê nada para não se complicar”. Por esse e outros pretextos,
Elias, a mulher, Roberta Fernandes, e os três filhos ainda querem sair da Santa Marta. As dificuldades são muitas: não há saneamento básico, distribuição irregular ou desigual de luz, falta de pavimentação, pouca ou nenhuma estrutura urbana. Contudo, o povo participa das reuniões da associação, mantém boa convivência com a vizinhança e anseia pela melhoria de toda a região. A Santa Marta precisa de ajuda, mas quem mora nela sabe muito bem com quem pode contar. A beleza disso esquecimento nenhum pode mudar. MILENE MAGNUS Bruna BertoldI
6. COMUNIDADE
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Falta um pouquinho de tudo Ausência do poder público aumenta as dificuldades dos moradores
A
carência em investimentos na vila Santa Marta é visível da varanda de Marisete Machado, 45 anos e Cristiano dos Santos, 38. Dos poucos passos que a separam da rua, é possível ver os estragos causados pela chuva torrencial da sexta-feira, 10 de março. Um dia antes, uma patrola da Prefeitura assentava a viela, tentando diminuir os buracos do chão batido. As ruas esburacadas geram insegurança à família que reside há nove anos na comunidade. Quatro, dos nove filhos de Marisete e Cristiano, moram com eles. Os três meninos e a netinha fruto de Marcelo, o filho mais velho, não conseguem brincar na frente de casa por causa dos buracos e precisam descer até ruas paralelas para se divertirem com vizinhos e primos. A falta de redes de esgoto doméstico e pluviais atinge boa parte das ruelas da Santa Marta, mas não chega a casa da família Santos. A fim de garantir mais dignidade e assistência para todos, Cristiano realizou reparos em canos dentro de casa, garantindo certo conforto para a família. Porém, atualmente os canos da residência estão entupidos. Segundo ele, é a mesma coisa que não ter nada de saneamento. “Eu não sei se a gente consegue chamar o Semae, pois não pagamos esgoto, nem nada, somos “invasores”.
com a vila. Em questão de segurança, em questão de saneamento básico, em questão de água e luz”, pontua.
Meu irmão e eu até tentamos arrumar. A rede de casa está toda cheia! Enfiamos um ferro, tá tudo aberto ali, mas não conseguimos desentupir. A rede não aguentou”, comenta. Por telefone, a assessoria do Serviço Municipal de Água e Esgoto de São Leopoldo informou que o órgão não pode realizar manutenções em residências. Seu trabalho é limitado do ramal até o registro de água no portão de moradias.
Paixão pela comunidade
caso de saúde pública Durante sete anos, Cristiano trabalhou numa empresa de limpa fossas, no bairro Rio Branco, em São Leopoldo. Segundo ele, em decorrência do trabalho precário, sem higienização necessária, pegou um vírus. Cristiano contraiu e tratou de uma tuberculose. Um ano e meio depois, após muitos exames e poucas conclusões médicas, ele ainda convive com o vírus. Atualmente, ele aguarda para ser atendido em Porto Alegre pelo SUS. Suas calças que antes lhe serviam hoje ficam extremamente folgadas.“Eu usava número 46, atualmente uso 38 e ainda aperto com uma cinta”, enfatiza. O convívio com a falta de saneamento básico, segundo ele, o faz piorar. “Aqui na rua é tudo esgoto. Se o cheiro está forte como hoje, eu tusso. É só eu chegar perto da rua que ataca”, exclama. Mesmo com as limitações, Cristiano não deixa de sair. Durante a conversa, foi chamado por um vizinho para ir até a Vila Vicentina visitar amigos. Foi sem pestane-
jar. Não tirou nem foto durante a nossa passagem.
Ligações clandestinas, outro problema O “gato” na rede elétrica é outra adversidade presente na casa da família. Segundo Cristiano, eles já foram para comunidade sabendo das limitações que encontrariam, mas na época, não havia outra casa disponível dentro das possibilidades financeiras do casal. Junto de vizinhos, participaram de quatro abaixo assinados, pedindo a colocação de um poste de concreto perto de sua casa, para obtenção de luz e a regularização da energia local. A distribuição de energia pela
Moradora há nove anos na vila, Marisete aguarda a colocação de um poste perto de sua casa Companhia Estadual de Energia Elétrica é vista apenas nas ruas principais da Santa Marta. Caminhando as vielas da comunidade, é possível observar paus improvisados e inúmeros fios desviados dos postes de concretos instalados pela concessionária. A situação se complica pelo fato da vila Santa Marta ser resultado de uma ocupação, em 1989. Como não há escrituras de terrenos, o serviço para esses moradores se torna ainda mais defasado e distante. Marisete caracteriza a falta de luz legal como um descaso do serviço público com quem mais precisa. “Na minha opinião, a prefeitura deixa a desejar
Marisete e Cristiano, casados há 22 anos, criaram seus filhos na Vicentina, em São Leopoldo. Viveram durante muito tempo numa casa com luz elétrica, saneamento básico e tudo “bonitinho”, como caracteriza a mulher. Mesmo assim, são enfáticos nas comparações: a Santa Marta é muito melhor. A escolha pela comunidade foi em virtude da segurança. Ela explica que não se sentia segura no antigo bairro, além de ficar apreensiva pela chance de perder seus filhos para o tráfico. A simplicidade e união da vila foram a saída para uma vida melhor. “Sabe o que eu vejo aqui? Por mais que tu saiba das dificuldades, é tão engraçado, as vezes uma família toda vai no mercado para comprar pão e leite para tomar café. E lá na Vicentina não tem isso”, garante. Segundo Marisete, como não há incentivo da Prefeitura, os moradores da comunidade dão muito valor para o trabalho e tudo aquilo que conseguem conquistar com seu suor. A lamentação da mulher é pelo poder executivo municipal praticamente não enxergar as pessoas que ali vivem e não perceber como elas mereceriam mais. CAROLINA SCHAEFER ESTEPHANI RICHTER
Falta de investimento público resulta em problemas como rede de luz irregular e saneamento básico escasso
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COMUNIDADE .7
Saúde preocupa moradores Famílias precisam se deslocar até bairro vizinho quando precisam de atendimento
U
ma sala pequena na escola Santa Marta, chamada de espaço de saúde, recebe médicos apenas duas vezes por semana. Esta é a realidade dos mais de cinco mil moradores da Vila Santa Marta, em São Leopoldo. A falta de estrutura e de profissionais da saúde causa indignação aos moradores. Eles precisam se deslocar até a Unidade Básica de Saúde do bairro Campestre para ter atendimento médico. Grávida de 6 meses, Deisi Liseane dos Santos é uma das moradoras que encontra problemas na hora de ir a um hospital. Ela conta que está fazendo seu pré-natal no Posto de saúde do bairro Campestre, vizinho da comunidade. “Queria ser atendida aqui perto mesmo, mas só tem clínico geral no espaço de saúde”, aponta a jovem de 21 anos. Os horários de atendimento no espaço de saúde são apenas às quartas-feiras, quando um clínico geral e um pediatra, que começou recentemente, atendem no local. Durante o resto do tempo, uma enfermeira e uma técnica em enfermagem tomam conta do posto improvisado. “O pior é que a gente até vai ao espaço aqui na Santa Marta, mas eles não podem fazer nada pela gente, porque não são médicos”, explica Gisele de Souza Vieira, de 18 anos. Os atendimentos realizados por esses profissionais são limitados à medição de pressão e outros cuidados básicos.
Deisi está grávida de seis meses e faz o prénatal no Campestre, bairro vizinho
nidade o mesmo esquema seguido pelo posto do bairro vizinho. “O que a gente precisava era de uma estratégia no espaço de saúde daqui, mas não adianta, não tem estrutura”, lamenta. De acordo com a profissional, a estratégia de saúde da família que é seguida no posto proporciona visitas nas casas das famílias e um acompanhamento próximo. Já no espaço de saúde da comunidade, não há nenhuma agente de saúde. “Eu atendo 150 famílias da Santa Marta, as mesmas há quase 8 anos, isso cria um vínculo com eles”, conta. Por não haver estrutura para um projeto desses no próprio bairro, quando necessitam de um médico, o agendamento é feito pelas agentes no posto do Campestre.
Falta de estrutura Quando Gisele precisa levar a filha de seis meses para ser vacinada ou a avó idosa para algum atendimento, precisa que algum parente ou amigo se disponha a conduzi -las. “É meia hora a pé ou até mais até o Campestre, minha avó não tem nem condições de caminhar até lá”, desabafa a jovem. No caminho até o posto de saúde, uma lomba dificulta o acesso e Matilde Martins, de 76 anos, sempre que vai ao local, também depende de outras pessoas. “Não tenho condições de ir até lá caminhando, meus filhos precisam me levar de carro”, explica. A senhora afirma que os pedidos pelo posto de saúde
A agente de saúde Cleunice criou um vínculo com as 150 famílias da Santa Marta que atende há oito anos
na vila Santa Marta ocorrem há mais de cinco anos. No posto de saúde do bairro Campestre, uma médica cubana é responsável pelos moradores de Santa Marta e agentes de saúde fazem um monitoramento destas pessoas. Cleunice Hartmann é uma destas agentes. Ela conta que o ideal seria ter na comu-
Sexo seguro Outro ponto que Cleunice destaca é a importância da conscientização do sexo seguro. “Existem muitas meninas menores de idade engravidando por medo das mães, elas não pegam preservativo por puro medo”, conta. As visitas feitas nas casas da comunidade seriam justa-
mente para um contato mais próximo com os moradores, mas de acordo com a agente, isso intimida os jovens. Além de os pais seguirem com um pensamento fechado em relação aos filhos e filhas e sua sexualidade.
Ônibus hospital Uma das representantes da Associação de moradores da Santa Marta, Terezinha da Rosa, relembra da época em que um ônibus fazia o atendimento de saúde dos moradores. O ônibus atendia uma vez por semana, sendo dividido o atendimento entre associação de moradores e a Rua Tancredo Neves. “Esse ônibus foi ficando velho e não conseguia mais subir o morro, então começou a atender em frente ao colégio”, recorda. Essa era a opção dos moradores por muitos anos, mas depois parecia que seria ainda melhor por ter um espaço só para a saúde. Por ser fixo o atendimento no novo espaço, Terezinha comenta que deveria haver mais fichas, o que não acontece na prática. NATÁLIA COLLOR MAINARA TORCHETO
8. COMUNIDADE
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As“irmãs Marias” : solidariedade que alimenta Responsáveis pelo preparo do sopão beneficente, as irmãs Marias conduzem a cozinha da igreja Assembléia de Deus Unida na Comunidade Santa Marta
Maria Helena Saraiva (esquerda) e Maria Primmaz contam que sentem satisfação em preparar o alimento beneficente
A
manhece o dia e lá se vão as Marias, prontas a comandar o fogão por uma causa nobre. No melhor sentido possível da expressão, Maria Helena Saraiva , 71 anos, e, Maria Primmaz, 59 anos, são responsáveis pela produção da iguaria carregada solidariedade: o sopão, que alimenta também de felicidade a o quem recebe. A ação é desenvolvida no salão da igreja Assembléia de Deus Unida (ADU) , situado no número 193, da Rua Um, na comunidade Santa Marta, em São Leopoldo. É lá, que, religiosamente todos os sábados das 8h às 16h, é preparado é distribuído o sopão beneficente - iniciativa social da própria Igreja. As “irmãs Marias” são participantes da comunidade religiosa. Elas contam que em dias mais frios a fila de pessoas que vem em busca do alimento, ultrapassa os portões da congregação - como referem-se à igreja - chegando até mesmo a invadir a calçada. A alcunha “irmãs” surgiu da fala de uma criança presente no local, mas também é característica da crença religiosa. Na igreja todos tratam-se como filhos do mesmo Deus, por consequência, os praticantes são irmãos na fé. Quanto à produção da sopa, os ingredientes são fruto de doações angariadas pela Igreja, em maioria, oriundas de fiéis e de pessoas da própria comunidade do Santa Marta. Esses ingredientes são em geral legumes e carne, esta podendo ser de frango ou gado, dependendo do que estiver disponível. Os legumes também variam bastante, igualmente condicionados as doações. A responsabilidade pela seleção desses ingredientes também é das Marias. No caso de uma eventual impossibilidade de comparecerem, têm a incumbência de indicar suas substitutas. Tanto Maria Primmaz, que divide seu tempo entre o voluntariado e
seu trabalho como auxiliar de limpeza, quanto Maria Helena Saraiva, que faz questão de participar de toda a ação desenvolvida pela ADU, dizem-se muito gratas pelo papel que desempenham dentro da comunidade Santa Marta. A sopa é produzida numa panela de 30 litros, semelhante às de grandes cozinhas industriais. O salão da igreja, onde é servido o alimento, conta com algumas mesas, onde é possível o consumo no local. Uma grande quantidade de porções são servidas, elas ultrapassam a casa das 400 por mês, seguindo uma média de 100 por sábado, dia da semana em que a refeição é servida.
Hora de servir a sopa A distribuição do sopão beneficente na comunidade Santa Marta já é prática consolidada da Igreja Assembléia de Deus Unida , que está estabelecida a mais de 24 anos na
vila. Tanto é reconhecida por moradores do bairro, que a todo momento eles reiteram a notabilidade da atitude. Como é o caso de João Alves, 50 anos , morador da comunidade há mais de 20. Ele diz acompanhar de perto o trabalho desenvolvido pela Igreja, que fica a algumas quadras de sua casa. João aponta para importância de ações como essa dentro da Santa Marta, onde a necessidade de caridade é muito grande. Ele identifica-se como membro da Assembléia de Deus Unida, e reforça seu prazer em ser parte da comunidade e contribuir para o desenvolvimento da ação ”é uma história linda e que deve ser contada”. Já por volta das 11h começam a chegar as primeiras pessoas em busca da sua porção do alimento. Dentre elas muitas crianças munidas de seus “baldinhos plásticos”, recipiente de 3,4lt. Essas crianças ainda em estado de agitação apontavam para a
qualidade da sopa, atestando-a com um sorriso. Dos adultos, destaque para o “seu Romário”, que é como apresenta-se Romário Sérgio Rodrigues, catador de materiais recicláveis. Enquanto aguardava sua vianda ser servida, o homem fez questão de contar sobre a diferença que a sopa faria no seu cardápio do dia, e que quando pode, também contribui com ingredientes para o sopão. A distribuição da sopa beneficente na Santa Marta é realizada há mais de dois anos, como conta o Pastor Ari Martins, que preside a Igreja na região do Vale dos Sinos. “A doação de sopa é uma atividade comum na Assembléia de Deus Unida, inclusive também realizamos um trabalho á noite na cidade de São Leopoldo. Onde utilizamos um veículo Kombi no qual voluntários se deslocam e fazem a distribuição do sopão, principalmente para moradores de rua”. O Pastor Ari conta ainda
que a ADU possui seis igrejas em São leopoldo e duas em Novo Hamburgo. Nesta última cidade o sopão passará a ser servido no bairro Santo Afonso, onde, como diz, também há grande necessidade por parte dos moradores. “Quando entro no bairro as crianças me perguntam sobre a sopa”, diz. Antigamente o alimento era servido no Santo Afonso, mas por uma questão de falta de doações a distribuição teve de ser suspensa, só podendo ser retomada agora. Quem tiver interesse praticar alguma doação para a produção do sopão pode dirigir-se a Igreja Assembléia de Deus Unida, da Vila Santa Marta aos sábados e o fazê-la diretamente, o endereço é Rua Um, número 193. Ou ainda, entrar em contato com a Igreja pelo telefone número (51) 3592-4652 para maiores informações. aLESSANDRO GARCIA Saskia Ebenriter
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SANEAMENTO .9
As ruas-rio de Santa Marta Alagamentos na parte baixa do bairro mudam rotina na vila e deixam moradores ilhados a cada chuva
Valdenor mora no bairro há 17 anos e não se conforma com o descaso das autoridades
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aldenor da Silva não esconde o amor que sente pela comunidade de Santa Marta, assim como a vontade de melhorar as condições do lugar onde vive. Aposentado, ele mora no bairro há mais de 17 anos, e é com bastante revolta que descreve o principal problema do local: “É uma chuva um pouquinho mais forte e a água toma conta do pátio. Fica tudo ilhado por aqui, a gente não consegue sair de casa e depois ainda precisa enfrentar o barro e a sujeir que ficam de ‘herança’.” Segundo o morador, todos os que vivem na parte mais baixa da vila, como ele, sofrem com os alagamentos causados pelo grande volume de água que desce na parte mais alta. De acordo com Valdenor, além da chuva, a água das residências, de pias e esgotos, também são responsáveis pelas cheias e, por isso, a correnteza é constante. O aposentado explica que no meio da vila, atrás de sua residência, passa uma vala, que deveria assegurar que a água não tomasse conta dos pátios e ruas. Aberta em 2012, ela ajudou a diminuir as enxurradas, mas está longe de ser a solução para o problema. “A vala ficou bem estreita e rasa. Não precisa chover muito para ver que ela não é suficiente. Como fica atrás da nossa casa, vem água por trás e pela frente. Não temos pra onde fugir”, r e c l a m a V a l d e n o r. Embora Valdenor saiba da importância do auxílio da Administração Municipal, ele reconhece que os moradores têm responsabilidades, e que não estavam sendo cumpridas. Muitos pontos da valeta, por exemplo, estão mais estreitos do que quando ela foi aberta. “O pessoal joga lixo e larga até animais mortos aqui. Às vezes não dá pra aguentar o cheiro dos entulhos, de bicho morto e esgoto”, conta. Além disso, o aposentado destaca a falta de cuidado com as áreas verdes e grama que rodeiam as moradias e ficam próximas ao famoso valão. “A maioria dos moradores deixa o mato tomar conta e diminui ainda mais
o espaço pra água passar.” Isso causa também outros problemas, como a aparição de cobras e aranhas. Quase cinco anos depois da última grande obra no bairro, os moradores se consideram abandonados pelos órgãos públicos e, para Valdenor, acabam se desmotivando. O aposentado considera óbvio o que precisa ser feito para acabar, ou pelo menos diminuir, os alagamentos no bairro: aumentar a vala, em largura e altura também. Outra medida seria investir
no encanamento do esgoto, principalmente das casas da área mais alta, o que evitaria que tudo fosse parar no local. De acordo com o aposentado, é necessário que enxerguem Santa Marta com mais cuidado e atenção.
CHEIAS IMPEDEM CRIANÇAS DE IREM À ESCOLA Há mais de 20 anos, Rosângela Aparecida de Souza, 48 anos, se mudou com a família para Santa Marta. Ir-
mãos, filhos, cunhados, tios e primos construíram suas casas de madeira na mesma região do bairro, exatamente onde a água toma conta nos dias de chuvarada. Recicladora de uma das cooperativas que funciona na comunidade, Rosângela vive com o marido e quatro filhos. Segundo ela, logo que chegou à vila, o problema dos alagamentos era bem maior. “A gente tinha uma horta, que na primeira chuvarada ficou debaixo d’água”, conta. De acordo com a reci-
cladora, o problema persiste, mas pelo menos a água vai embora com o passar de algumas horas, o que não acontecia a uns anos atrás. “Mas ainda assim, enche de água e traz muito lixo e barro pro pátio”, reclama. Para a moradora, o principal problema dos alagamentos é o fato de os filhos não conseguirem sair de casa, nem para ir à escola. Amanda Vitória Pavão de Souza, 15 anos, filha de Rosângela, conta que já perdeu diversas aulas por causa da chuva. “Não podemos sair de casa. E, caso a gente vá e comece a chover quando estamos na escola, temos que vir correndo pra não ficar na rua, sem conseguir entrar”, relata. Segundo a mãe, Amanda e os irmãos também sofrem quando a água baixa e dá lugar ao barro. Nesses momentos, é preciso sair de casa com um calçado e, ao passar a lama, colocar um limpo para chegar na escola. Amanda destaca que a água não chega a entrar em casa – que é construída a alguns centímetros do chão -, mas fica a meio degrau de invadir a sala da residência. Além disso, tem uma correnteza muito forte, o que carrega lixo para o pátio e leva coisas embora. “A água fica pra cima daquelas flores”, diz, apontando para uma bromélia no meio da grama. G i l c i a n e Fe r n a n d a d e Lima, filha de Rosângela e que mora em uma casa próxima, diz que o pior é ter que ficar presa dentro da própria casa. Ela não tem para onde ir porque simplesmente não tem como sair. Como a mãe, ela também precisa assistir os filhos perderem aulas a cada alagamento. Segundo a dona de casa, o problema é grave e já a assustou muito. Porém, com o tempo, ela e a vizinhança se acostumaram com a situação, embora ainda sonhem com mudanças. “A gente quer ver o nosso bairro melhor, né. Pena que o governo não.” Manoela Petry Renata Oliveira Silva
10. INFÂNCIA
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O que eu quero ser quando crescer? Crianças da comunidade revelaram ao Enfoque seus sonhos para o futuro
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difícil passar por alguma rua da Vila Santa Marta e não encontrar crianças brincando, correndo ou jogando futebol. Muitas dessas crianças são assistidas pela Associação Arte Cultura pela Paz Isaura Maia (AAPPIM), que promove atividades e oficinas no contra turno escolar, fortalecendo a relação dos pequenos com a escola, tentando assim evitar a evasão escolar. As ações auxiliam no desenvolvimento das crianças do bairro e reforçam a vivência deles em comunidade. Mesmo no sábado, vários meninos brincavam na quadra da AAPIM, em meio as poças d’água da última chuva. Ali entre um empurrão e outro para derrubar o amiguinho na água, as expectativas de futuro vão criando forma. As idades e os sonhos de vida são os mais variados e o Enfoque Santa Marta foi perguntar para essas crianças: afinal, o que você quer ser quando crescer?
Capoeirista
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Bruno Leonardo da Silva Padilha tem dez anos e quer ser capoeirista. A escolha tem influência nas ações da Fundação, onde o Leonardo começou aprender capoeira e dança, outra oficina que está entre suas favoritas. O menino está no quarto ano e mora com a avó, que trabalha como cozinheira na AAPPIM. Ele tem outros quatro irmãos, mas apenas um mora com
o futuro capoeirista na comunidade Santa Marta. Antes de correr para jogar futebol com os amigos, Leonardo teve tempo de mostrar um dos passos da capoeira.
Professora A tímida Camile Évelin Bastos Quintanilha, de oito anos, sonha em ser professora. A menina está no terceiro ano e gosta muito da professora Cíntia, uma inspiração para seus desejos futuros. Camile mora com os avós e tem outros cinco irmãos dos quais ela não quis falar muito pois quis correr rua abaixo para brincar.
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Mesmo demonstrando certa timidez, Jenyffer quer brilhar nas passarelas
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Camisa 10 Só com uma pequena ajuda do pai consegui convencer o Alex Rodrigo Machados Alves, dez anos, a falar conosco. O colorado quer ser jogador de futebol, mas não qualquer jogador de futebol, ele quer ser como o ídolo D’Alessandro e fazer história no Internacional. O estudante do quarto ano tem dois irmãos e mora com os pais bem na frente da Fundação Isaura Marta.
Modelo Com o rosto escondido atrás do celular a pequena Jenyffer Miorando da Silva de sete anos demorou para admitir o sonho de ser modelo. A menina que mora com a mãe e as duas irmãs já fotografou para uma revista mas não quis descer da sua cadeira para mostrar seu primeiro tra-
balho como modelo. Aluna do primeiro ano, Jenyffer apenas sorria com os olhos vidrados na tela do celular.
Motocross Caminhando no meio da rua com a cabeça baixa e balançando duas notas de dois reais na mão estava Manoel da Silva. O menino tem nove anos e cursa o quarto ano no colégio Tancredo Neves. A profissão escolhida por Manoel é piloto de MotoCross, pela aventura de atravessar obstáculos e fazer manobras radicais. Enquanto não se torna piloto, o jovem mora com os pais, o irmão de 14 anos e um cachorro.
Zagueiro Dentro da quadra de areia, Douglas de dez anos não disse seu sobrenome, tampouco olhava para o lado para responder as perguntas. O estudante do quinto ano, assim como outros de seus amigos, quer ser jogador de futebol. Diferente de muitos que sonham com a camisa 10, Douglas prefere ser zagueiro. O menino colorado gosta do Paulão e acha o defensor do inter um bom jogador, espelhando-se no ídolo para seguir na profissão. O futuro zagueiro vive com os pais e um de seus três irmãos. Aos dez anos Bruno ensaia os primeiros passos de capoeira para atingir o sonho da profissão
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Bombeiro Correndo diversas vezes para não responder as perguntas, Thiago da Rocha
finalmente cedeu e resolveu explicar o quer ser quando crescer. Aos nove anos o estudante do terceiro ano sonha em tornar-se bombeiro. Os colegas interferiam nas respostas, até surgir no meio da gritaria um defeito de Thiago: as faltas na aula. O menino que mora com os pais e os dois irmãos explica que o pai sofreu um acidente no trabalho e estava se recuperando e prometeu não matar mais aulas.
Goleiro Empolgado e falante, Wesley Régis Oliveira de Oliveira tem 13 anos e quer ser goleiro. Aluno do oitavo ano, ele mora com a mãe e o padrasto e tem três irmãos (duas irmãs e um irmão). Feliz por falar o nome bem rápido para que eu não compreendesse o menino gargalhava quando eu pedia para que ele repetisse. Auto intitulado o terceiro melhor jogador do bairro, Wesley conta com um plano B. Caso a carreira de boleiro não engrene, ele pretende ser professor. Algumas das crianças tiveram vergonha ou receio de abrir seus sonhos e precisaram de duas ou mais tentativas para explicar a profissão almejada no futuro. Todas elas, porém, mostraram muita convicção nas suas escolhas e carregavam no olhar a esperança de obter sucesso naquilo que planejam. lurdINHA matos Lisandra Steffen Guilherme Santos
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INFÂNCIA .11
Pastoral da Criança: superação de vida União entre comunidade e Pastoral em prol dos seus direitos
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oradores da Vila Santa Marta, zona norte de São Leopoldo, fundada em 09 de julho de 1989, participam da Pastoral da Criança, (leia box) instituição filantrópica com objetivo de amparar e ajudar as famílias da comunidade. Juntamente com a coordenadora e presidente da Associação dos Moradores do bairro, Dilce Maria da Rosa. Dilce Maria, emociona-se ao falar do bairro onde mora. A Presidente da associação retrata com amor, o trabalho de ajudar as famílias mais necessitadas. A população é muito carente e a coordenadora considera um dever ajudar o próximo. “É um desafio diário, mas estamos aí para superá-lo, afirma Dilce. Os encontros da Pastoral acontecem todo o terceiro sábado do mês na sede da associação dos moradores, loca-
lizada na Rua 1. Em companhia da Salete Zórzi, coordenadora em atividade mais antiga da vila, e das demais agentes pastorais, que realizam visitas as famílias. Nas visitações as voluntárias aconselham, informam e prestam todo o tipo de assistência necessária.
Nutrição A Pastoral da Criança faz acompanhamento nutricional com as crianças, precavendo a desnutrição na comunidade. As idades variam de zero a seis anos. A maioria da criançada está acima do peso recomendado. Os fast food são uma preocupação das agentes pastorais com a qualidade de vida saudável dessas crianças, muitas estão obesas. São grandes as dificuldades para encontrar líderes pastorais, pois poucas pessoas aceitam trabalhar sem receber salário mensal. No bairro há mais de cinco mil moradores, sendo 11 líderes auxiliando 27 famílias com total de 50 crianças. As líderes ajudam as mães
na solicitação de documentos, cadastramento do CadÚnico, além de encaminharem para o Cras - Centro de Referência de Assistência Social.
Inspiração Salete serve de inspiração para muitas colaboradoras da vila, além de ser a mais experiente na localidade. Desde 1990, vem trabalhando em prol das crianças e mães da vila. Uma das ações realizadas pela Pastoral é a celebração da vida, momento de união e troca de experiências entre mães e coordenadoras. Sem contar a pesagem e, vacinação das crianças bem como as dicas sobre a necessária amamentação até os seis meses de idade no peito, sendo isso muito importante para o desenvolvimento dos pequenos. Devido as ações dentro da comunidade, familiares e amigos desenvolvem respeito e amor. A alegria de Daiane Franco da Silva, auxiliar de cozinha, casada, mãe de três filhos, moradora há um ano da
Irmãos Marques são atendidos pela Pastoral da Criança
vila, é participar da Pastoral da Criança. Há cinco meses, leva os seus dois meninos. Através do amparo prestado Daiane enxerga o bem que a Pastoral está fazendo na sua família, criando laços de caráter, educação e amizade dos filhos com as demais crianças.
Superação São visíveis os resultados na vida dessas pessoas. Um exemplo nítido desse benefício é a história de Teresinha Aparecida Marques, mais conhecida por Terê. Teresinha é muito grata a Dilce Rosa, que através da Pastoral da Criança, conseguiu tirar de casa o marido violento com ordem judicial. Através da Pastoral, Teresinha e muitos moradores receberam cestas básicas, material escolar para seus filhos, transporte para atendimento médico e odontológico, além do abraço e de uma palavra de conforto nos momentos difíceis das suas vidas. Através de seus colaboradores a Pastoral da Criança, está
sempre em busca de melhorias, diferentes perspectivas e oportunidades para ajudar o pessoal da vila. Em 27 anos de trabalho na vila nunca deixou esmorecer o trabalho de estender a mão para os mais necessitados. Sem contar o esforço das voluntárias e dedicação de todas para proporcionar uma vida melhor e mais digna para os indivíduos a sua volta. Mirian Centeno IGOR MALLMANN
História Em 1983 foi fundada a Pastoral da Criança, na cidade de Florestópolis no Paraná com Dom Geraldo Majella Agnelo e a Dra. Zilda Arns Neuman. Essa união trouxe muito alento e inspiração para que mais pessoas, de ambos os sexos pudessem contribuir de alguma forma para salvar vidas de crianças desnutridas e prematuras, evitando assim, mortes materna-infantis.
12. CIDADANIA
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Um laço de esperança A Casa Caminho Padre Orestes, em parceria com a Associação Isaura Maia, oferece às crianças e adolescentes oportunidades de inclusão e desenvolvimento social
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logo ali, no topo de uma subida de chão batido, a Casa Caminho Padre Orestes (CCPO). Localizada no loteamento Tancredo Neves, à cerca de 350 metros da Rua Um, principal via de acesso da Vila Santa Marta. A instituição oferece o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) a crianças e jovens de seis a 17 anos do bairro Arroio da Manteiga. Batizada em homenagem ao pároco Padre Orestes João Stragliotto (leia box), foi fundada em 2012 e há três anos é administrada pela Organização Não Governamental Associação Arte e Cultura para Paz Isaura Maia (leia box). Atua na defesa e garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social. Atualmente são beneficiados pelo projeto 120 jovens e suas famílias. As oficinas acontecem de terça a sexta nos turnos da manhã e da tarde e seguem um cronograma estabelecido
Casa Caminho Padre Orestes é um espaço de cidadania, diálogo com a comunidade e acolhimento de crianças e adolescente, conforme explica a coordenadora pedagógica Eliene Amorim. “Acima de tudo queremos proporcionar a essas crianças e adolescentes a oportunidade de serem protagonistas de uma infância e adolescência dignas”, completa. Simbolizando esperança, liberdade, saúde e vitalidade, o verde é a cor escolhida para tonalizar as paredes externas. Está associada ao crescimento, à renovação e à plenitude. Basicamente os valores praticados pela instituição. A estrutura que recebe as crianças, conta com refeitório, sala de dança revestida por espelhos, brinquedoteca com livros para atender as diferentes faixas etárias e uma sala para atividades didáticas. O refeitório onde a gurizada faz o lanche, e a cozinha da “tia Mareli”. Organizada de modo a prevenir as situações de risco social, incentivar a socialização e a convivência comunitária, a entidade promove oficinas de hip hop, capoeira, dança afro, música e teatro. Os alunos participam dessas atividades no contra turno escolar. Durante o período em que
estão na instituição as crianças e os jovens recebem alimentação, carinho e cuidados. Bruno da Silva, 10 anos é uma das crianças beneficiadas pelo projeto. Tímido, o menino de poucas palavras, elegeu a capoeira como seu esporte preferido dentre as atividades praticadas no local. A cozinheira Mareli de Lourdes da Silva, 52 anos, avó de Bruno, incentiva a participação dele nas oficinas. “É muito bom que ele passe as tardes aqui, para a ocupar a cabeça”, afirma dona Mareli. Além das atividades os alunos e familiares recebem acompanhamento de psicólogas e assistentes sociais em suas residências. No mínimo uma vez por mês pais, crianças, educadores e comunidade se encontram para um momento de interação.. “A participação dos pais e da comunidade é fundamental para continuidade do trabalho que desenvolvemos aqui”, reforça Rosângela Andrade Ferraz, educadora social da casa. Cristiano Valim Vicente, 13 anos frequenta as oficinas oferecidas na Casa Caminho Padre Orestes há cerca de um ano. O incentivo para participar do projeto, surgiu da mãe, a costureira Dora Valim, 52 anos, que viu uma oportunidade de apro-
ximar o filho da convivência com outras crianças. Além das novas amizades, Ted, como é conhecido no bairro, desenvolveu habilidades com a dança. “Ele aprendeu a dançar. As notas na escola e o comportamento de modo geral melhoraram muito, depois que ele passou a frequentar a Padre Orestes”, ressalta satisfeita dona Dora. O valor destinado do município ao projeto é utilizado para pagar os salários das cinco pessoas que atuam de maneira permanente; e também os oficineiros, nutricionistas e assistentes sociais que se revezam no atendimento da casa. Segundo a pedagoga Liliane Borondi, 39 anos, cerca de 80% da alimentação servida no período em que as crianças e jovens permanecem no espaço é fruto de doações da comunidade e de outros bairros, empresas e grupos de jovens. Além das contribuições, a Casa Caminho Padre Orestes organiza promoções e eventos para arrecadar recursos, que são investidos em compra de materiais e melhorias nos espaços de convivência das crianças e jovens. Essas ações possibilitaram restaurar a quadra de futebol de areia. Na fila aguardando receber melhorias, está o pro-
jeto de reforma dos brinquedos da pracinha (leia box). Alunos das oficinas de hip hop e musicalidade gravaram um CD que é comercializado nos locais em que eles se apresentam. As sete faixas que compõem o cd, são de autoria dos alunos, sob a orientação do rapper Mano Vini, responsável pelas aulas de hip e hop. As letras abordam temas como a importância da família, empoderamento feminino, assuntos discutidos frequentemente nas aulas de cidadania. Existe uma preocupação da instituição em inserir a comunidade em suas atividades, por isso, com frequência os alunos do projeto se apresentam no bairro. Dilce Maria da Rosa, 40 anos, presidente da Associação de Moradores do Santa Marta, enaltece a importância do trabalho social realizado. “A Padre Orestes é essencial na formação e desenvolvimento das nossas crianças e adolescentes”, completa, Dilce. A C a s a C a m i n h o Pa d re Orestes funciona de terça à sexta das 8h30min às 12h e das 13h30min às 17h. Liege Barcelos Luana Tavares Diego Mello
Quem foi Pe. Orestes João Stragliotto (1928 - 2002)
Diego Mello
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Comprometimento e com as questões sociais do município, mobilizou a comunidade na criação do movimento pró dique, em prol da familias ribeirinhas que sofrem até hoje com as alagações do Rio dos Sinos. Fundador de diversas pastorais e movimentos sociais em defesa das mulheres, crianças e idosos.
Mulher, negra, militante social da Pastoral da Mulher e colaboradora do movimento negro de São Leopoldo. Sempre trabalhou em defesa da vida e dos direitos humanos. Doméstica, dona de casa e educadora social, acreditava que as crianças e adolescentes deveriam ser prioridades na sociedade.
Para ajudar
Luana Tavares
Quem foi Isaura Maia de Oliveira (1947 - 2008)
Diego Mello
A Casa Caminho Padre Orestes recebe todos os tipos de doações. No momento está buscando parceiros que possam ajudar na revitalização da pracinha. Se você pode ajudar, entre em contato. Informações: 51 99871.7940 ou isauramaiaporestes@gmail.com.
A instituição propicia às crianças e jovens momentos de recreação e aprendizado
14. COOPERATIVISMO
| ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MARÇO/ABRIL DE 2017
Empoderamento feminino no trabalho coletivo Mulheres tiveram papel decisivo na fundação da cooperativa
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Associação Nova Conquista é uma cooperativa habitacional, de produção e trabalho localizada na vila Santa Marta, em São Leopoldo. Ela possui uma longa trajetória na economia do bairro e da cidade, tendo sido originalmente constituída há mais de dez anos e fundada por moradores do bairro. Formada em sua maioria por mulheres. O propósito de construir uma cooperativa na própria vila surgiu para que as mulheres pudessem trabalhar perto de casa. Além da experiência vivida em 2006, como catadoras que prestavam serviço para a prefeitura de São Leopoldo, onde recolhiam e varriam o lixo dos bairros da cidade. “A ideia da cooperativa, inicialmente, foi para dar trabalho aos moradores da Santa Marta e conscientizar sobre a quantidade de lixo que existia no lugar’’, diz uma das fundadoras, Rosangela Aparecida, 48 anos conhecida como Mana pelas colegas. Foram criados grupos de trabalho para homens e mulheres no entorno da região. Os grupos
se dividiam, recolhendo o lixo das moradias na Santa Marta. Maria da Rosa, conhecida como Dona Maria pelas colegas, é a mais velha da equipe, hoje aposentada aos 69 anos. Foi uma das primeiras a fazer o trabalho de coleta seletiva e ajudar as pessoas a entender a importância de separar o lixo. Com ajuda da prefeitura municipal de São Leopoldo, a Nova Conquista aos poucos, foi ganhando espaço dentre as iniciativas da área localizadas na cidade. A presidente e fundadora, Claudete Tavares, lembra que foi com muito esforço e persistência que elas conquistaram os equipamentos, o galpão para trabalhar, realizando o sonho de ter uma cooperativa na Santa Marta.“Demorou um ano para a prefeitura fornecer os equipamentos e montar o galpão para que pudéssemos começar a trabalhar’’, afirma a presidente. Após esse ano, a cooperativa Nova Conquista conseguiu o galpão cedido pela prefeitura, que foi inaugurado com muita festa. Estabelecido em um espaço com boas dimensões, equipamentos apropriados para o trabalho da coleta seletiva. Além da ajuda da prefeitura, a Unisinos cedeu computadores, mesas e equipamentos de cozi-
nha, como micro-ondas e geladeira para que as recicladoras pudessem montar seu refeitório no galpão. Também foram ofertados cursos de capacitação para aprender sobre coleta seletiva e a manusear o computador. Assim, elas puderam adquirir conhecimentos que hoje fazem a diferença na hora da contabilizar os custos e até administrar o galpão. A responsável pelo financeiro, Daiana dos Anjos, foi a primeira a montar uma estrutura que pudesse organizar a parte de finanças e ajustar todos os documentos que a equipe precisava para efetuar a venda dos produtos reciclados que são comercializados pelas empresas. Hoje, o grupo é formado por 14 pessoas, sendo nove mulheres e cinco homens. Em julho, comemorarão 11 anos de cooperativa, que já está consolidada. Todos têm orgulho de falar que se tornaram independentes, depois de um longo processo que valeu a pena. “Foi com muita luta que conquistamos isso para a Santa Marta e agora fizemos parte de uma cooperativa na cidade de São Leopoldo’’, destaca Daiana. A Nova Conquista é considerada um empreendimento para a cidade, como prestadora
A iniciativa gera renda e oportunidade de emprego para os moradores da Santa Marta
de serviço da prefeitura, fazendo a reciclagem do lixo. O município ainda conta com mais nove cooperativas. Uma quantia é recebida a cada trimestre no valor de R$ 2.000,00 para manutenção do galpão. As recicladoras que conquistaram esse repasse, em 2005, com a Câmara Municipal de vereadores de São Leopoldo.
Produção e coleta seletiva Os recicladores são responsáveis na recuperação de resíduos para a indústria de reciclagem.
É muito importante separar o lixo como os resto de resíduos, papel, papelão, vidro e metal. Tudo isso pode ser reciclado. Cada funcionaria é responsável por um serviço diferente, dentre eles separação do lixo, manuseio das maquinas, empacotar finalizado esse processo o lixo é posto na máquina de pensamento para que todos os resíduos que possam ser aproveitados e recicláveis. Após isso as empresas De São Leopoldo compram o produto reciclado. Amanda Cunha Lucas Schardong
Depósitos de lixo geram reclamações É grande o desconforto causado pela quantidade de moscas e outros insetos em áreas próximas de três terrenos usados como depósito de resíduos. Moradores próximos reclamam que parte da população aproveita o descaso com uma das áreas, usada como lixão, para fazer descarte irregular de todo tipo de lixo. Na região onde ocorrem estes problemas, há duas áreas que ficam no mesmo terreno, mas que estão em situações opostas. Na parte mais alta da quadra, está instalada uma usina de reciclagem. O local recebe, principalmente, restos da construção civil ou rejeitos de fábricas locais. O terreno acumula materiais por causa da paralisação dos serviços da usina. As porcelanas, que deveriam ficar no lo-
cal apenas por alguns dias, não têm data virarem caliça porque criminosos roubaram peças de um triturador, o que inviabiliza a operação do centro de reciclagem. À reportagem, o único segurança do local, que não quis
a região tem muitos mosquitos tanto de dia, quanto de noite. “Depois que começaram a armazenar esse material aí, de dia claro eles estão ferroando o cara. Não tem hora do dia. De noite, tu não conseÁrea onde são gues ficar na rua”, depositados reclama. refugos de Na parte mais construção civil tem baixa da rua, onde milhares de vasos e estão descartados pias armazenados rejeitos de vários tipos, como madeira e árvores, um grupo para queima a fiação para a retirada de cobre. Essa área e a usina são separadas apenas por uma riser identificado, disse que não banceira feita com os rejeitos conseguiu evitar o furto. da construção civil. Com tanto Os moradores reclamam lixo, se proliferam insetos e aldos problemas que o depósi- guns moradores se aproveitam to causa à população desde a para realizar o descarte irregusua instalação, há quatro anos. lar de resíduos das casas na Conforme João Otávio Souza, área de matagal próxima de
onde se queima o cobre. A Vila Santa Marta possui a circulação de caminhões de lixo três vezes na semana – segunda, quarta e sexta. Mas nem as placas colocadas para alertar que os locais não são próprios para o descarte são inibem a prática. A dona de casa Maria Aparecida de Lima mora perto da SL Ambiental e critica ter que retirar os restos abandonados. A dona de casa colocou placas pedindo para que não houvesse descarte irregular. “O povo aqui não respeita. Eles trazem lixo de caminhão, de carro. Preferem colocar nos cantos”, desabafa. Ela também critica que a prefeitura não faz a retirada de lixo deixado por moradores de maneira irregular. Leonardo Severo Vinícius Emmanuelli
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PERFIL .15
Liderança feminina na Santa Marta
A história de engajamento de Dilce mostra que mulheres fazem a diferença
U
ma breve caminhada pelas ruas da Santa Marta ao lado de Dilce Maria da Rosa, 40 anos, é suficiente para perceber que quase todos os moradores da vila a conhecem. Afinal, são duas décadas morando no local e dois anos à frente da Associação de Moradores da Vila Santa Marta. Hoje ela consegue desenhar um mapa de qualquer parte da vila facilmente, ‘de cabeça’. A atuação dela na comunidade faz parecer normal conhecer quase todo mundo em um ambiente que abriga, em estimativa, cerca de cinco mil pessoas. Um pouco “culpa” da sua natureza extrovertida, garante ela. No começo dessa história, Dilce não foi parar na Santa Marta por escolha, mas por necessidade: com filhos pequenos
e pouco dinheiro, não haviam muitas opções de onde adquirir a casa própria. A má fama que o bairro tinha na época, e que se mantém até hoje para quem é de fora, fez com que, em um primeiro momento, ela não se envolvesse muito na comunidade. A vila Santa Marta é marcada por estigmas como tráfico de drogas, crime organizado, prostituição, além de enfrentar problemas com a falta de saneamento básico, enchentes e pouco acesso a transporte público. Mas, naturalmente, com o passar do tempo, conhecendo melhor os vizinhos e os problemas do bairro, Dilce começou a se engajar nas lutas por melhores condições de vida na região. Uma das reivindicações que aconteciam nessa época era para a construção de uma escola dentro da vila, o que rendeu diversas manifestações junto à Prefeitura até que, por fim, a Escola Municipal Santa Marta fosse erguida. Até
Além de presidente da Associação de Moradores da Vila Santa Marta, Dilce é costureira autônoma
então, as crianças precisavam ser matriculadas nas instituições mais próximas, no bairro Campina. Logo Dilce passou a participar da Comunidade Católica da região fazendo trabalho voluntário. Lá, foi incentivada a atuar na Associação de Moradores que preside hoje. Na Associação, que existe desde 1989, ela e os outros membros da diretoria tentam mobilizar os moradores para participar das decisões sobre as necessidades da comunidade e dialogam com o poder público, apresentando essas demandas. As últimas conquistas fruto desse trabalho foram a troca de lâmpadas da iluminação pública na vila por novas, mais potentes e econômicas, a extensão da rede de luz para ruas onde antes não havia eletricidade e a iluminação externa da sede da Associação, que permitiu que o espaço pudesse começar a ser utilizado também à noite. Agora, os esforços ime-
diatos se concentram em fazer um cadastro com os dados de todas as famílias da Santa Marta para conhecer melhor a realidade da população. E muitos são os moradores da vila que reconhecem o trabalho feito pela Associação e pela sua presidente. Para as mulheres que a conhecem, Dilce, que além de atuar pela comunidade é costureira autônoma, acaba sendo um exemplo de força e independência. Durante uma caminhada pelas ruas da região ao lado dela, dentre vários outros de seus vizinhos, conhecemos Dona Ana Maria Pedroso dos Santos, que mora há 32 anos na primeira rua que surgiu na vila. “E pra eu sair daqui, só quando Deus me levar”, brinca. Com a naturalidade de uma conhecida de longa data, ela convida Dilce para um chimarrão e nos conta que frequentemente a encontra assim, durante suas correrias por aí. Já para o Seu Vilson Prestes, fundador da Santa Marta e hoje
conselheiro da Associação de Moradores, uma palavra define Dilce: guerreira. Ele declara que poucos são os que conseguiriam se doar da forma que ela faz pela comunidade, dialogando com e atuando em prol de todos, sem fazer distinção. Andando pela vila conhecemos histórias que se confundem com a de Dilce: pessoas que gostariam de fazer da sua comunidade um lugar melhor para a sua família e seus vizinhos. Entre as principais preocupações que ouvimos, está a do descaso do poder público com ações e projetos sociais nas áreas de habitação, obras, transporte, educação e saúde, que poderiam mudar a realidade de muitos moradores. Gente que vem pra Santa Marta por necessidade, se familiarizam com a vila e sonham vê-la se transformar. Laura Pavessi Bruna Flach
16. EMPREENDEDORISMO
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Uma empresa bem sucedida Supermercado Ziller é um dos estabelecimentos mais antigos da Santa Marta
R
ua Um, números 45 e 47. É neste endereço da Vila Santa Marta, que está localizado um negócio familiar, um dos comércios mais conhecidos e antigos do local. Marcado pelo sobrenome da família, possui produtos alimentícios, padaria, açougue, fruteira e itens de vestuário e casa. Ele já foi ampliado algumas vezes para melhor atender ao público. Estamos falando do Supermercado Ziller. Abrir um mercadinho foi ideia de Clenir Ziller. Desejava ter seu próprio empreendimento, trabalhando, assim, por conta. Ela e seu Marido, José da Silva, moravam no interior do Paraná, e vieram há 24 anos para o Rio Grande do Sul. Buscando melhores condições de trabalho, deixaram suas famílias e, chegados em São Leopoldo, trabalharam em indústrias. Há aproximadamente 16 anos eles decidiram abrir um mercado. Mas há 11 anos foi que eles registraram oficialmente a empresa, possuindo, desde então, razão social. Quando inauguraram, o local possuía apenas 170m². A variedade e quantidade de produtos era menor, e não havia tanta necessidade de funcionários. Hoje, a estrutura antiga é o atual depósito. O supermercado foi ampliado
há cerca de cinco anos, quando começou a ocupar o terreno ao lado. “Sentimos que o ambiente estava pequeno e a exigência dos nossos clientes, maior. Com os bons resultados, resolvemos aumentar aqui”, relata Clenir. Com 450m², agora o empreendimento conta com oito funcionários, além dos integrantes da família. O filho mais velho, Dione Ziller da Silva, cuida do caixa. Apesar de ser um supermercado grande, ele comenta que para os clientes mais antigos, ainda trabalha com o sistema do caderninho. “Nós temos aquelas pessoas fixas, que
tradição, não se mostra muito preocupado com a concorrência. “Não fazemos comparação de preços. Acho que nunca nem entrei em outro supermercado para O proprietário saber quanto custa José da Silva e se está mais barato exerce várias algum produto”, diz atividades no Supermercado Ziller. Dione. Conforme o Além de cuidar do filho, os produtos setor financeiro, que mais tem saída também trabalha no são o pão e o leite. caixa e no estoque De acordo com José, quando preciso há ainda o pensamento de colocar o dia de ofertas das verduras e frutas uma vez por semana. “Terça-feira é quando se busca os hortifrutigranjeiros, por isso, geralmente as vendas são na quarta. Mas eu gostaria de fugir dessa data, que já é um dia comum, queremos inovar”, diz. vêm sempre e pagam certinho. Arlindo Giehl, 64 anos, deMas já tivemos alguns calotes sempregado, é um cliente que também”, relata. Quem cuida da sempre está por lá. Comprando parte fiscal é a irmã Carina Ziller há mais de 10 anos no Ziller, ele da Silva, de 20 anos, enquanto afirma que geralmente vai onde é que o setor financeiro do negócio mais em conta para o bolso.“Acho é responsabilidade do pai, José. o mercado bem diversificado, o Quando questionado sobre a situ- que a gente procura, a gente ação econômica do mercado, ele encontra”, fala o cliente. afirma não sentir grandes dificulApesar de ser um supermercadades. “Acho que estamos bem, do grande, o fluxo permanece a de caso contrário, não estaríamos bairro quando se fala em horário crescendo e ampliando cada vez de atendimento. O Ziller funciona mais aqui”, fala entre risos. diariamente, das 8h às 12h, e das Na Vila Santa Marta existem 14h às 20h. Nos domingos não vários mercados. Contudo, o abre no período da tarde, e nos supermercado Ziller, com sua feriados a loja fecha. Em todos
os 16 anos, o estabelecimento esteve com as portas trancadas apenas duas vezes, durante 15 dias, para férias coletivas, sempre no mês de fevereiro. Segundo a família, a ideia é uma vez por ano fechar por esse período, para poder descansar. Já para quem quer comodidade, pode contar com a entrega de rancho. Conforme José, o frete pode ser feito inclusive para outros bairros. “Já atravessamos a cidade, fomos até o Morro do Paula. Até entregamos para ex-moradores daqui da Vila que foram para outros bairros e ainda compram algumas coisas com a gente”, conta. Para o futuro, o Ziller deve continuar de portas abertas. Ao menos esse é o desejo do filho mais velho, Dione. O jovem começou a trabalhar cedo no empreendimento da família e estudou até a sétima série no colégio Santa Marta. O jovem diz querer ampliar ainda mais o negócio da família, que atualmente conta com seu José, dona Clenir, Dione e sua irmã Carina trabalhando no crescimento da empresa. Apenas o irmão mais novo, Jeferson, de 17 anos, ainda não está no Supermercado.“Aqui que eu aprendi a trabalhar, quero levar adiante. Tenho certeza que tanto eu, quanto meus irmãos, têm essa vontade”, finaliza. Fernanda Fauth MARIANA DAMBRÓS
Um bazar que conquistou os moradores Édson da Silva Viera (45), residente da Santa Marta há 19 anos iniciou seu negócio em 1999 e tem como público os moradores da vila. O comerciante já viajou ao Paraguai e Uruguai em busca de seus produtos, e hoje vai a São Paulo. Sua mercadoria é muito útil para a população local que não precisa ir até o centro da cidade para comprar artigos como materiais escolares, roupas e utilitários domésticos. Há oito anos já na Vila, o Bazar Silva foi criado por Édson depois de ter trabalhado 14 anos vendendo verduras em sua Kombi, direto para o cliente. A dinâmica dos dois negócios é parecida. No primeiro, comprava na CEASA/ POA e vendia para o cliente. No Bazar, vai até a 25 de Março, mais importante centro de comércio de São Paulo, para trazer seus produtos. “A vantagem é que
tudo vem com nota”, diz. Aberto de segunda a sábado das 8h às 12h e das 14h às 20h o Bazar tem o fluxo do comércio: vende bem no natal e em datas comemorativas. Também tem picos menos pontuais como na época de volta às aulas. Édson trabalha com sua esposa, Gersi. Aberto também aos amigos que comÉdson abre partilham o mate, o loo bazar de cal agrada moradores segunda à sábado por estar próximo de há 19 anos casa. Natalício Ferreira “amigo que a vida dá”, comenta que Édson está sempre por ali, conversando com amigos, também estava por lá, alfinetanvendendo para clientes, e tam- do o amigo negociante. Do poder público, Édbém, muitas vezes, conversando com clientes e vendendo para son reclama da falta de um amigos! “Ele ainda não ofereceu quebra-molas em frente ao nada pra vocês?”, perguntou o bazar. Isso porque do outro compadre, José da Silva, que lado da rua fica a praça e
locidade colocando em risco as vidas dos menores.
Negócio de veículos
o campo de futebol, onde muitas crianças circulam. Como o último redutor de velocidade fica a pelo menos cem metros do local, os veículos embalam na reta e ultrapassam o limite de ve-
Seu espírito de empreendedor também se manifesta na paixão por carros. Édson conta que teve mais de 50 idos e vindos em negociações. “É sério?” “É sério!”, respondeu. Lista é grande: 30 Kombis; 5 Fuscas; 4 Chevettes; 1 Opala “76, 4 Marchas”; e outros. A lista conta ainda com alguns carros que foram negociados com José, como o Tipo. Os amigos, cientes dessa obsessão por carros, ou por negociar carros, apostaram que Édson não ficará com o carro atual por três anos. Victor Dias Thiesen ANDRÉ CARDOSO
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EMPREENDEDORISMO .17
Cortar cabelos, a vocação de Hélio há mais de 20 anos
Além de cabeleireiro, ele trabalha como funcionário público na Prefeitura de São Leopoldo
E
m meio a algumas opções de se tornar o dono do próprio negócio, Hélio de Sousa, morador da Vila Santa Marta a mais de vinte anos, já percebia desde a juventude seu talento para cortar cabelos. Hoje, com 40 anos, trabalha como funcionário público da prefeitura de São Leopoldo, como marceneiro, e cabeleireiro no bairro em que mora.
Família O ponto de partida é Santa Catarina, na cidade de São José do Cedro. Hélio e sua família moravam no estado vizinho. Seu pai, Ernesto de Sousa, resolveu mudar de vida na década de 90. Enxergou no estado do Rio Grande do Sul uma região com mais oportunidade de trabalho. Anteriormente na sua antiga cidade, trabalhava na agricultura local. “Eu tinha uma família gran-
Felipe Aparecido é um dos clientes mais jovens de Hélio
de para sustentar. Nossas terras já não produziam o suficiente para o nosso sustento. Estavamos em uma situação delicada por lá. Mesmo se eu não viesse morar aqui, eles viriam da mesma forma”, falou Seu Ernesto. A questão familiar realmente foi o fator principal para a mudança. A família veio em massa, não ficou ninguém no antigo endereço. Logo nos primeiros anos em sua nova cidade, Ernesto já se destacava dentro de casa pelos seus dotes com a tesoura. Seus primeiros cortes de cabelo foram para a família mesmo. Irmãos, primos, tios, todos eram cobaias para suas primeiras experiências. Aos poucos as coisas foram tomando proporções maiores. Seus vizinhos o pediam para cortar o cabelo, mais ainda tudo gratuitamente, até um dia fazer parte de sua renda financeira. Mas não só disso se manteve Hélio. Trabalhou na Usepoxi, empresa de tinturaria, MM Maquinas Industriais, desenvolvedora de máquinas especiais, e nos Supermercados Unidão. Ao longo de sua jornada como
cabeleireiro, Hélio conquistou um público fiel, não somente da Santa Marta, como de outras localidades próximas. Moradores do Jardim Luciana, Campina, e até mesmo pessoas que mudam-se da Santa Marta, permanecem cortando com ele. Felipe Aparecido, 20, é um dos jovens clientes do Cabeleireiro, morador da Santa Marta. “Eu corto cabelo com ele há bastante tempo porque confio no seu trabalho. O pessoal aqui da região gosta bastante dele”, comenta Felipe.
Profissão Mesmo sendo uma figura querida e tendo um público leal na região, sua principal renda ainda é seu trabalho como marceneiro. Porém, mesmo atuando em dois empregos, Hélio de Sousa está sempre de bem com a vida e se sente feliz profissionalmente. “Eu sei que tenho pouco tempo livre, mas é gratificante ter saúde e disposição para fazer o que faço”, afirma Hélio. Em sua região, ele não é o único que atua cortando cabe-
los. “Aqui nas redondezas não é somente eu, porém eu faço um preço razoável e isso ajuda a atrair a clientela”, complementa, Hélio. Seus preços variam de 10 à 20 reais, tanto no corte com máquina, quanto na tesoura. Seu principal público são os homens. Seu maior número de clientela é no final de semana. No sábado, ele chega a atender 35 pessoas, uma quantia relevante levando em consideração o fato de ser em uma área com um público mais restrito. Sua jornada de trabalho na prefeitura é no turno da manhã. O trabalho como cabeleireiro inicia as 16 horas e geralmente encerra entorno das 20 horas. Sua atividade como funcionário da prefeitura é a manutenção das praças públicas da cidade. Hélio atua em diversos bairros. Sua demanda é bem satisfatória para sua permanência no cargo. Dentre as localidades, a Santa Marta está eventualmente em sua rota, pois têm duas praças disponíveis para a população. Hélio prioriza a importância de ser dono do próprio negó-
cio. Ele considera uma fonte importante de renda em meio à crise que o país enfrenta. E não é apenas o cabeleireiro da Santa Marta que pensa assim. “Aqui mesmo no nosso bairro, cresceu bastante o número de pessoas que começaram a trabalhar em casa por conta própria. Seja com pizzaria, borracharia, bazar, todos então se virando como podem”,conta Hélio. Rafael Erthal Renan Neves
Saiba mais No site do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), há vários casos de microempreendedores que colhem bons resultados a partir de suas iniciativas privadas. É um incentivo a mais para quem quer trilhar esse caminho e se aprofundar no assunto, através do site: www.sebrae.com.br.
18. EDUCAÇÃO
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Lutando por um diploma Ensino superior ainda é destino para poucos na comunidade
N
a Vila Santa Marta, todos sabem indicar o caminho. É só perguntar pelo filho do Seu Arlindo ou a casa da Dona Irma. O ponto de referência é sempre a Padaria Brasil. Se a vizinha não está, saiu com o namorado ou volta ao meio dia. Mas uma pergunta geralmente coloca os moradores do bairro em silêncio, pensativos: vocês conhecem alguém que faz faculdade?Quando a resposta é positiva, os mesmos três ou quatro nomes são citados com frequência. Andrei Seidel de Oliveira figura entre eles. Esse menino da Rua 10 é esforçado, dizem os conhecidos, e sua trajetória não desmente as boas línguas. Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, ele dirige na contramão da realidade local. O fator decisivo para o sucesso do jovem, segundo o próprio, foi o incentivo dos pais. “A minha mãe me ensinou a enxergar diferentes perspectivas para o meu futuro”, conta. Cecília de Oliveira é auxiliar de serviços gerais e insistiu para que o filho realizasse o ENEM ao concluir o terceiro ano na escola Emílio Sander, situada no Arroio da Manteiga. Naquela época, já trabalhando, Andrei se preparava para o teste nas horas livres. Conquistou a bolsa integral na instituição de ensino de São Leopoldo em sua segunda tentativa. Sobre a escolha da área
de atuação, explica que “queria entender como uma empresa resolve contratar pessoas, de que forma o banco decide fazer um empréstimo, porque o PIB sobe e aquela taxa de juros na televisão afeta tanto a nossa vida”. Grande parte dos ex-colegas sequer cogitou continuar os estudos após o colegial. “Apesar de existirem tantas bolsas, cotas e financiamentos, a comunidade ainda carece de informações, principalmente as famílias que não possuem internet”, afirma. Andrei também acredita que os adolescentes sofrem com a baixa autoestima, não acreditam serem capazes de enfrentar o vestibular. “Escolher uma faculdade para se dedicar ao longo de tantos anos é algo que requer um pouco mais de maturidade”, reflete. Diante das incertezas oferecidas pelo investimento a longo prazo no bacharelado, tecnólogo e licenciatura, os adolescentes buscam logo os empregos que estão ao alcance. A necessidade imediata de garantir o sustento prejudica maiores planejamentos profissionais.
Para o futuro Aos 23 anos, Andrei é técnico legislativo da Câmara de Vereadores de Parobé. A biblioteca da Unisinos foi sua principal fonte de conhecimentos para a prova do concurso. Antes disso, experimentou uma vida acadêmica ativa, participando do Diretório Central dos Estudantes e como bolsista de iniciação científica. Apesar do apre-
ço pela pesquisa, o baixo aporte financeiro contribuiu para o seu distanciamento da função. Com o canudo em mãos, Andrei almeja um cargo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ou Ministério da Fazenda. Seu verdadeiro sonho, no entanto, é ingressar no mestrado e doutorado. Se possível, realizá-los no exterior. Instruir-se é um prazer para o leopoldense, que aprendeu a falar inglês sozinho. Ele comenta que, quando há gosto pelo conteúdo, a dedicação flui naturalmente. “A gente nem se dá conta de que está estudando, é como comer e dormir”. O pai, Emo de Oliveira, carpinteiro, desabrocha um sorriso ao confessar o orgulho pelo rapaz. O trabalhador ainda destaca que o irmão do primogênito, que hoje atua como Jovem Aprendiz, também será estimulado e receberá todo o apoio necessário para entrar na universidade.
Oportunidade de transformação Conforme o Balanço Social de 2015 apresentado pela Unisinos, dos 31.690 alunos matriculados, 3.635 recebem bolsa integral, enquanto outros 8.713 estudantes são beneficiados com bolsas parciais. O número de favorecidos é inferior ao do ano precedente, espelhando os cortes orçamentários realizados pelo governo no período em questão. Como muitas das pessoas que usufruem de programas governamentais de assistência estudantil, Andrei
Oportunidades pelo ENEM Sisu – O Sistema de Seleção Unificada é um mecanismo informatizado por meio do qual instituições públicas de Ensino Superior admitem alunos. Pode participar o estudante que realizou o ENEM no ano anterior e atingiu nota maior de zero na redação. As inscrições são abertas em janeiro, pelo site do Sisu. É necessário informar o número de cadastro e a senha usados no ENEM. Site: http://sisu.mec.gov.br/ ProUni – O Programa Universidade Para Todos concede bolsas integrais para indivíduos com renda familiar de até um salário mínimo e meio, e bolsas parciais aos que recebem até três salários mínimos. Para concorrer, é necessário ter cursado todo o Ensino Médio em escola pública ou ter cursado parte ou todo o Ensino Médio em escola privada com bolsa integral. Portadores de deficiência e professores da rede pública de Ensino Básico também podem participar da seleção. Os candidatos são pré-selecionados pelos resultados obtidos no ENEM, e devem escolher três opções de curso na universidade visada. Inscrições através do portal. Site: http://siteprouni.mec.gov.br/ Fies – O Fundo de Financiamento Estudantil é um programa destinado a financiar prioritariamente estudantes de cursos de graduação. O interessado deve se inscrever no processo seletivo pela internet e estar regularmente matriculado em curso de graduação não gratuito. Para adquirir o Fies, exige-se comprovação da renda per capita de até dois salários mínimos e meio. Site: http://sisfiesportal.mec.gov.br/ Mais informações sobre o ENEM: http://enem.inep.gov.br/ será o primeiro da família a obter um diploma de nível superior. “Do ponto de vista econômico, a gente pode dizer que são políticas públicas que visam, no futuro, reduzir a desigualdade no país”, defende as medidas.
acesso à universidade O Ministério da Educação oferece diferentes portas de entrada para universidades públicas e privadas do território nacional.
Realizar o ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio é o primeiro passo para quem deseja uma vaga nestas instituições. A prova ocorre anualmente e afere conhecimentos do Ensino Médio. Todos podem participar do processo, sendo as inscrições disponibilizadas online. O desempenho na avaliação constitui critério fundamental para a conquista de um benefício financeiro. victória FREIRE Thaís Lauck
Com o ENEM, Andrei conquistou uma bolsa de estudos integral na Unisinos e se forma em Ciências Econômicas neste ano
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SUPERAÇÃO .19
A família De Lima, feliz com as vitórias de Lucineia
Da roça à Santa Marta: uma jornada de conquistas Em meio à simplicidade da Vila Santa Marta, uma menina surda supera-se e, como o apoio da família, tenta realizar o sonho de ser professora de Libras
H
á 27 anos Seu João Pedro de Lima e Dona Edi Velsa de Lima deixaram a vida de agricultores para viver no Bairro Santa Marta. 27 anos também é a idade da filha Lucineia; filha caçula criada no bairro, venceu obstáculos, superou limitações e tornou-se a mulher que é hoje e que deixa os pais orgulhosos. Quando alguém bate palmas em frente à casa da família de Lima, dona Edi, 59 anos, recepciona com receio e certa timidez, mas assim que o bate papo começa todos são recebidos com sorrisos e um bom humor contagiante; Seu João, 61 anos, logo chega já fazendo piadas e contando toda a trajetória de vida até os dias de hoje porque “amanhã a gente vê”. Contaram desde quando
saíram da roça e arriscariam no bairro. “A vida na roça era ruim, não estava mais dando, não. A gente trabalhava muito mais e era pior. A gente teve que se mexer. Tinha as crianças”, contou seu João em tom sério, questionado como chegou a Santa Marta o tom sério volta ao riso com a resposta “de ônibus, ué”. Dona Edi trabalha há 11 anos como cozinheira na Escola Sapeca localizada no bairro e João trabalha há 15 na Coopresíduos. O casal conta que “juntos não ganhamos mil reais mensais, mas com dedicação e esforço conseguimos construir a casa com o necessário”. Além da nova moradia, criaram as três filhas, Marilise, de 36 anos, Maritania, de 28 anos e Lucineia, de 27 anos. O orgulho transborda quando contam que todas as filhas estão “bem encaminhadas, graça a Deus nós conseguimos. Nunca tiveram problemas, nunca nem passaram perto das drogas. Por que eu acredito que a gente educou bem”, diz seu João aliviado com a situação
da filha que está em Canoas, da que está morando no Paraná e da filha menor. A caçula inclusive passou em duas universidades e infelizmente não pode fazer o curso por não haver formas de transporte acessíveis no bairro.
LIMITES E ESFORÇOS Lucineia cresceu no Santa Marta. Ela é deficiente auditiva desde o nascimento, o que nunca foi uma barreira. Teve três aparelhos auditivos, mas somente o último e atual foi comprado pela família, abaixo de muita dificuldade. “Nós conseguimos, fizemos sorteio de bicicleta, mesmo com gente dizendo que a gente estava querendo comprar cachaça. Conseguimos, mesmo custando setecentos reais só o exame, nós gastamos o que nem tínhamos, mas ela precisava, então nós conseguimos para ela”, relata seu João, num misto de emoção e orgulho pela filha. Dona Edi, sorridente e mui-
to receptiva, conta que a filha mais nova “sempre gostou de estudar, ela sempre teve gosto e se esforçava muito na escola. Sempre foi dedicada.” E mesmo aprendendo Libras somente no ensino médio, Lucineia nunca apresentou dificuldades na aprendizagem “ela fez todo o segundo grau, foi direto. Se formou. A única das três que fez tudo, até o fim”.
E o sonho continua... Hoje, a filha caçula da família de Lima trabalha na Gedore, fábrica de ferramentas, e só falta o ensino superior para poder realizar o sonho de ser professora de Libras e trabalhar com crianças, já que quando ela passou nos vestibulares da Unisinos e da Ulbra não pode fazer a tão sonhada faculdade pela questão de não ter transporte disponível no bairro. “Não tínhamos condições de ter um carro, ônibus para ir à universidade tinha, mas não para voltar. Táxi era caro. E assim, com as dificulda-
des, a faculdade teve que ser adiada”, disse Seu João, lembrando com tristeza. Lucineia e seus pais pretendem retomar esse sonho, já que ela está noiva de Cristiano da Silva Correa, também deficiente auditivo. Juntos eles pretendem morar em um apartamento no bairro São Miguel. Apartamento comprado com carinho e que está sendo reformado com dedicação pelos seus pais. “O lugar é mais perto, tem mais transporte e mais condições” diz dona Edi, sonhadora, pensando no futuro de sua filha. A Santa Marta é o lugar da família de Lima, mas uma mudança vai ocorrer e a torcida é que Lucineia estude e realize o seu sonho. A garra e perseverança é uma qualidade dessa família e Lucineia mostra que as herdou. Sorridente ela afirma com toda a certeza que “ela vai estudar sim para ser professora de Libras e ajudar outras crianças como ela”. Verônica Luize Andrea AquinI
20. SUPERAÇÃO
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Uma batalha silenciosa Moradora da Vila Santa Marta conta como sobreviveu às agressões em casa
S
obrevivência. Uma palavra forte para descrever a vida de Ivete da Silva, moradora da Vila Santa Marta, de São Leopoldo. A dona de casa, de 51 anos, sofreu violência doméstica e cárcere privado durante os sete anos em que esteva casada. Impedida pelo marido de ter contato com outras pessoas, além dos filhos, ela passava seus dias em uma casa com uma janela e uma porta, ambas sempre trancadas. Ivete, residente há cerca de 24 anos no bairro, conta que veio de Palhoça, Santa Catarina, para fugir do marido. Esta fuga foi a primeira de muitas tentativas a dar certo. Vítima de agressões físicas e psicológicas, resolveu tomar uma atitude por não suportar mais a situação e ver também seus filhos sofrerem na mão no pai. O ex companheiro, que hoje é falecido, trabalhava como músico e durante suas apresentações mantinha a família toda presa dentro casa.“Ele deixava um fio de cabelo na abertura da janela. Se na volta visse que tinha arrebentado sabia que tinha sido aberta. Na porta de casa colocava areia
Katiura e a mãe, Dona Ivete, sempre enfrentaram juntas as dificuldades
para ver se íamos deixar pegadas tentando fugir”, relata a filha mais velha de dona Ivete, Katiura Aparecida da Silva, com os olhos tomados pelas lágrimas. “Antes me envolver com ele eu trabalhava de babá e também em um restaurante, mas depois eu não podia ver mais ninguém, não tinha mais convívio com outras pessoas, não conversava com ninguém”, expõe a dona de casa. A possibilidade de fugir do abuso diário veio com a mudança da família para um novo espaço, na cidade de Palhoça. Compartilhada em um terreno com outras duas famílias, incluindo a proprietária da casa noturna onde o marido fazia seus shows, o novo lar da família era construído. A chefe do ex-marido se tornou uma das poucas pessoas com quem dona Ivete tinha contato, por isso explicou a ela a situação que vivia e sua vontade de fugir. A oportunidade surgiu quando nova vizinha decidiu visitar a mãe que morava no Rio Grande do Sul, na cidade de São Leopoldo. Ao descobrir a história da dona de casa e de seus filhos a mãe de sua amiga abriu a porta de casa e o coração para recebê-los. “Nós colocamos as malas escondidas no carro para ele não ver e depois que chegamos no Sul
cuidei para ninguém descobrir e contar, senão ia vir atrás da gente”, conta Ivete. Já vivendo em São Leopoldo, dona Ivete teve que passar por mais uma situação complicada: a gravidez na adolescência da filha Katiura, que hoje tem 30 anos.“Eu estava bem magoada com porque ela fugiu com o namorado, mas depois que ela me contou que estava grávida eu aceitei. O que eu não queria era que ela passasse o trabalho que eu passei. Criei meus quatro filhos praticamente sozinha”, conta. Hoje a filha ainda lembra da violência que sua família sofria nas mãos do pai. Inclusive, acredita que a agressividade e o descaso dele são os motivos de ser uma pessoa fechada em seus relacionamentos atuais. “Eu não lembro se ele me batia, mas lembro da mãe mandando eu pular a janela para buscar comida”, descreve. Ela já foi casada duas vezes e hoje mora sozinha com os dois filhos, uma menina de 14 e um menino de 4 anos, em Montenegro. Atualmente dona Ivete está em tratando uma embolia pulmonar e conta que quando os médicos fizeram seu diagnóstico não lhe deram muita esperança. Entre idas e vindas do hospital chegou
A violência doméstica no Brasil Apesar dos avanços alcançados na legislação com a Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, os dados sobre violência doméstica no Brasil são alarmantes. De acordo com o Atlas da Violência Doméstica, de 2016, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, cerca de 2 mulheres são assassinadas por hora no Brasil. Em 2016 foram contabilizados cerca 4,8 assassinatos a cada 100 mil mulheres, tornando o Brasil o 5º colocado no ranking mundial, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar disso, nem todos os dados são pessimistas. Em comparação com 2014, a Central de Atendimento à Mulher teve um aumento de 44,74% nas denúncias de violência doméstica. Para fazer a denúncia basta ligar para a Central do Ligue 180. A ligação é gratuita, a vítima receberá as orientações necessárias e será encaminhada à uma das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM). Todos os procedimentos, assim como o abrigo serão sigilosos.
a pesar 39 quilos e ficou à beira da morte. Hoje, finalmente, se considera uma pessoa feliz, apesar das circunstâncias, e um dos grandes motivos dessa felicidade são os netos. Mesmo com a distância e a saudade constante a relação de carinho é grande. Essa história de violência doméstica é muito comum. Há muitas mulheres que sofrem agressões físicas, sexuais e psicológicas diariamente. A Delegacia de Defesa da Mulher, presente
em diversas cidades, constatou que quando a violência parte de alguém com quem a vítima mantém uma relação de afeto, o registro da ocorrência é mais difícil. A separação, na maioria das vezes, envolve questões emocionais, financeiras, desestruturação familiar e até risco de morte, o que faz que muitas mulheres permaneçam omissas. Thamyres Thomazini Júlia Maciel
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A arte também representa a comunidade Em um bairro muitas vezes estigmatizado pela violência, o artesão Rogério Batista mostra que Santa Marta tem muito a oferecer
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ão é raro que bairros como Santa Mar ta fiquem conhecidos apenas pelas páginas policiais. A violência, o tráfico e os precários atendimentos dos serviços públicos são os mais noticiados pela mídia. Mas apenas isso não pode definir uma comunidade inteira, onde mais de cinco mil pessoas lutam todos os dias para serem reconhecidas e respeitadas. Quantas histórias esperando para serem contadas, gente interessante, inteligente e cheia de vontade de expressar aquilo que aprendeu com a vida. Histórias de artistas que não são divulgadas e, muitas vezes, nem conhecidas pelos próprios moradores. Acontece que lá tem muita arte de qualidade para se oferecer. E é logo na entrada, atrás da praça em que somos carinhosamente recebidos pela placa “Bem Vindos à Santa Marta”, que encontramos o primeiro sinal de vida artística. Em uma pequena casa coberta por grafite, mora o artesão Rogério Batista Lemã, de 44 anos. Há 25 vive no bairro do qual tem grande apreço. “Para mim é bom, fico apenas chateado que em qualquer lugar tem preconceito. As pessoas se afastam, julgando sem nos conhecer”, afirma o artista.
a placas de número de casas, os produtos são variados, mas todos talhados em madeira. Quando questionado sobre suas inspirações, o escultor não sabe dizer ao certo. “Vem de todo o conhecimento que adquiri, das coisas que leio e converso. Eu olho para aquela coisa e imagino as várias maneiras de transformá-la”
Descobrindo um dom O dom que Rogério espera ser reconhecido veio do pai que era carpinteiro. Olhando-o a trabalhar, aprendeu muito do que põe na prática hoje. “Um dom que consegui segurar”, ressalta. Mas a descoberta desse talento para esculpir só apareceu tempos depois, aos 23 anos, quando observava um rapaz chamado Toquinho Escultor. “Pensei: eu posso fazer isso também”, relata. Humildemente, o artista conta que ainda não se considera um escultor. “Enquanto não chegar a perfeição como escultor, sou um artesão, um talhador”
Vida de artista Viver da arte nunca foi fácil. Independente do talento do artista, encontram inúmeras dificuldades no percurso de suas carreiras. Nesse caso não seria diferente: o material usado por Rogério é caro, e a maioria que consegue vem do lixo ou de alguma doação. No final, falta investimento e divulgação. As peças que vende a maioria são por encomenda, que ocorrem da divulgação boca-a-boca, pessoas que o conhecem e divulgam seu trabalho. Assim, já vendeu algumas peças até para fora do Estado. Falta quem acredite e apoie. “Nunca fiz uma exposição, mas não foi por falta de vontade. Quero ser reconhecido como artista, nem que seja vovozinho. A esperança é a última que morre”. Para ele a vida de artista é complicada, mas acaba por ser compensador “É divertida, sempre buscando novas ideias, imagens”, comenta.
sangue. A menina se interessa pela fotografia e usa das redes sociais para expor seu trabalho. Gosta de fotografar paisagens. Vê no pai uma fonte de inspiração e orgulho. “Acho legal, ele é rápido, poucas pessoas fazem. É um dom, eu tiro meu chapéu”, afirma a adolescente. O futuro que Rogério es-
pera, é que assim como fez seu pai, possa passar seus conhecimentos adiante e ensinar crianças. Ele sabe que aprender leva tempo, mas que a prática é um caminho. “Tudo é paciência e vontade”, comenta o artista. LUÍSA BOÉSSIO André Martins
Futuro A filha Taína, 17 anos, já mostram que a arte está no
História de vida A história desse morador é semelhante a tantos outros, de muito trabalho e luta pela sobrevivência. Começou novo. Aos 13 anos, teve que arranjar seu primeiro emprego e largar os estudos na sexta série. O pai faleceu de cirrose e coube a ele ajudar a mãe, dona Ivani Maria de Oliveira. “Guerreira”, como define o filho, uma senhora de 67 anos, que trabalhando como doméstica, criou cinco crianças sozinha. Hoje, Rogério está encostado por problemas de saúde, sofre de bronquite e problemas no pulmão. O trabalho pesado como operário deteriora a saúde de qualquer um. Tem como fonte de renda, a pensão e a venda de algumas poucas peças que esculpe. De carrancas
De carrancas a placas de números de casas os produtos são variados, todos talhados em madeira
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Pedalar e jogar bola são algumas das atividades preferidas dos jovens da comunidade
Moradores querem mais áreas de convívio Praças e quadra esportiva são as principais opções de recreação na Santa Marta
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ara quem mora em cidade grande, ver crianças brincando nas ruas tornou-se cada vez menos corriqueiro, principalmente após a chegada dos eletrônicos e a crescente sensação de insegurança. Mas na Vila Santa Marta um pouco dessa realidade ainda se preserva, e em pleno sábado pela manhã, é possível ver crianças correndo e pedalando suas bicicletas pelas ruas da comunidade. Apesar da inocência, essas cenas revelam também um dos principais problemas relatados pelos moradores locais: a falta de opções de lazer para os mais jovens. Em uma comunidade com mais de cinco mil habitantes, de acordo com a Associação de Moradores da Vila Santa Marta, são poucas as alternativas de recreação que podem ser encontradas ali. A principal área de lazer encontra-se no terreno da Associação, onde há brinquedos de madeira, como balanços e gangorras, e uma quadra esportiva. Além disso, há uma pequena praça com poucos brinquedos na entrada da comunidade, mas ainda assim faltam opções para atender a todas as crianças do bairro.
UMA VONTADE ANTIGA Segundo a presidente da Associação de Moradores, Dilce Ma-
ria, 40, essa é uma das lutas mais antigas da entidade. Ela conta que antes da construção da área de lazer, em 2013, enfrentaram muitas críticas de alguns vizinhos, pois estes acreditavam que o espaço iria facilitar a aglomeração de criminosos e usuários de drogas. Mesmo assim, conseguiram convencê-los da importância de oferecer lazer às crianças da comunidade para que, dessa forma, elas tivessem atividades também no turno oposto às aulas. A pracinha foi a primeira conquista do espaço. Mais recentemente, em dezembro do ano passado, foi concluída a construção da quadra esportiva, doada como parte das ações de melhoria propostas por um projeto de Planejamento Urbano da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, que recebeu um prêmio em dinheiro para investir em melhorias na Santa Marta. Tão logo foi construída, a quadra de concreto já passou a ser utilizada pelas crianças do bairro, que antes praticavam esportes em um campo de areia com goleiras velhas. Josué, 16, é um dos que mais aproveita o espaço. Apesar de ter largado os estudos, o jovem conta que gosta de passar o tempo jogando bola ali com os amigos, principalmente às tardes.
Faltam vagas e iniciativa É por casos como o de Josué que Teresinha da Rosa, 49, acredita ser tão importante a existência
de um lugar onde os jovens, além de se divertir, possam se sentir acolhidos.“O problema é que eles ficam vulneráveis e começam a buscar formas de ganhar uns trocados, pois não tem motivação de estudar. Eu acho que temos que investir neles enquanto jovens, pois depois é muito mais difícil de resgatar”, afirma a tesoureira da Associação de Moradores, que enxerga no espaço uma forma de diminuir a evasão escolar na comunidade. O número de jovens fora das escolas, segundo Teresinha, também pode ser explicado pela falta de projetos na área do esporte e lazer para ocupar essas crianças e adolescentes e fazer com que eles queiram mudar suas realidades. A Escola Aberta, que abria as portas para os moradores nos finais de semana, parou de realizar essas ações há cerca de dois anos, segundo ela, por falta de segurança. Atualmente, algumas crianças se deslocam até comunidades vizinhas, como o Loteamento Tancredo Neves, para participar de atividades de turno inverso, mas não há vagas para todas. As representantes da associação de moradores já pediram auxílio à Secretaria de Esporte e Lazer de São Leopoldo para ampliar a oferta de recreação para as crianças. O desejo delas é receber iniciativas como o projeto Viver Bem, que leva esporte e lazer para diversos bairros da cidade, ou então uma escolinha de futebol para as crianças.
Quem usa, cuida Enquanto novos projetos não chegam, os moradores e seus representantes vão se virando como podem. Dilce afirma que, da mesma forma como o espaço atual de lazer é de todos, cabe à toda a vizinhança cuidar dele. A limpeza e manutenção do local é feita de forma voluntária, mas o vandalismo (poucos dias após a inauguração, as redes das goleiras foram arrancadas) e a falta de cuidado de alguns fez com que ela espalhasse placas pelo local pedindo para os usuários recolherem seus lixos e preservarem esse espaço tão raro na vila. O jovem Alisson Gabriel, 11, também acredita que a área deveria ser mais bem cuidada, para poder receber melhorias. A principal, segundo ele, é a colocação de novas redes nas goleiras da quadra, mas ele afirma que também seria legal poder contar com arquibancadas ou bancos para sentarem e grades para impedir a saída da bola durante as partidas.
Comunidade envolvida Moradora da vila há 20 anos, Cristina Boeno, 50, criou três meninas ali. Sua filha mais nova, Brenda, de 13 anos, adora brincar com os amigos na praça após as aulas e a mãe é só elogios ao lugar. “Esse espaço aqui para nós é muito bom. As crianças aproveitam bastante. O bom é que em vez de estar em casa, elas têm um lugar para brincar”, afirma a dona de
casa, que mora em frente ao terreno da associação e fica de olho na filha enquanto brinca. Para amenizar um pouco a falta de atividades, a comunidade encontrou uma solução bem simples e que fez o maior sucesso com as crianças: a Nova Rua do Lazer, um dia repleto de brincadeiras antigas - desde pé de lata até amarelinha -, roda de chimarrão e apresentações artísticas. A iniciativa envolveu todos os moradores de forma muito positiva, segundo Dilce, e contou com a participação de famílias inteiras. A recepção foi tão boa que a Associação já está organizando uma nova edição, para acontecer perto da Páscoa - e, mais uma vez, o evento irá agitar um pouco a rotina da Santa Marta. Mel Quincozes LUCIANA ABDUR
Sobre o prêmio Um grupo de alunos da Universidade de Michigan (UM), da cidade de Ann Harbor, no norte dos Estados Unidos, criou um projeto de Planejamento Urbano em parceria com a EMEF Santa Marta, sugerindo formas de ampliar a qualidade de vida dos moradores da comunidade. O projeto ganhou em 2015 o prêmio Ford Motor Company College Community e recebeu a quantia de 25 mil dólares para investir em melhorias na Santa Marta - entre elas, a criação da área esportiva.
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A cidadania também está nos pés dos jogadores Forte ferramenta de integração social, o futebol realiza com excelência tal função na Vila Santa Marta
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as comunidades Brasil afora, inúmeros times de futebol amador são criados, a fim de proporcionar uma forma de entretenimento nos fins de semana. Na Vila Santa Marta não seria diferente. Há aproximadamente um ano e três meses foi fundada a A.E.S.M (Associação Esportiva Santa Marta), time que reúne jogadores com idade entre 16 e 41 anos. Atualmente o clube conta com 22 atletas, e é composto por moradores da Santa Marta e do Tancredo Neves, que são vizinhos. O presidente Ronaldo Santos, de 41 anos, conta que o time surgiu a partir de uma ideia para reunir o grupo de amigos. Como não há um campo na região, sempre quando é mandante dos jogos, o time aluga o campo na localidade de Jardim Lucena. Embora seja um clube amador com pouco tempo de existência, a equipe de Santa Marta tem planejamento. Há um calendário de jogos pré-agendado para a temporada, que sempre
Ronaldo Santos conta as principais dificuldades e o planos para o futuro do clube
começa no mês de março. Os jogos são disputados nas tardes de sábado, pois é considerado este o melhor horário para todos.
O DESEJO DE JOGAR NA Liga Municipal Por mais que o time de Santa Marta consiga realizar um número considerável de jogos durante o ano, todos são de caráter amistoso, sem valer por algum campeonato. Para que possa participar da LIMFA (Liga Municipal
Paraíso particular Depois de uma semana inO que chama atenção na retensa de trabalho, os moradores sidência é a parte dos fundos, da Vila Santa Marta buscam, aos com uma área de lazer cercada finais de semana, um momen- por árvores e folhagens que deto de descanso e distração para limitam o terreno e uma piscina repor as energias. Na Mercearia de chão, com cerca de 3 metros. Lopes, o primeiro bar da vila, Com uma base de cimento e coum grupo de amigos se reúne berta por azulejos, a piscina foi para tomar uma cerveja gelada construída por Valdecir com a ajue colocar a conversa em dia ao som de uma canção tradicionalista, que toca no local. Próximo dali, na rua Santa Marta, seu Valdecir Ferreira, 48 anos, Tião aproveita mais conhecido o espaço com por seu apelido piscina construída por “Tião” toma seu ele no pátio de casa habitual mate. Aposentado, o mestre de obras, que ainda realiza alguns trabalhos esporádicos na área de construção, mora há quinze anos na Santa Marta e construiu ele mesmo sua casa.
veterana, além, é claro, da equipe principal. Esses e alguns outros problemas impedem o time de disputar o torneio municipal. A ideia da A.E Santa Marta é utilizar um campo que há no bairro pertencente à prefeitura municipal de São Leopoldo. A área fora utilizada outrora pela Vega, empresa que realizava a coleta de lixo urbano na cidade, para a realização do campeonato interno de futebol, disputado entre os funcionários da empresa. Há aproximadamente dois anos e meio a empresa abandonou o local, que retornou comando da prefeitura.
Custear os gastos se faz necessário
de Futebol Amador), há alguns pré-requisitos básicos a serem atendidos. O principal obstáculo é a falta de uma área sob responsabilidade do clube, para assim poder disputar os jogos. Outro empecilho é a apresentação de uma equipe de categoria de base sub-13, para que os jovens da comunidade possam ter a oportunidade de realizar atividades em turno inverso ao das aulas. Além da categoria sub-13, é necessário também abrir espaço para uma equipe na modalidade
Apesar de o time estar em atividade todo esse tempo, ainda não conta com um fardamento próprio. Todas as vezes que vão realizar um jogo é utilizado o fardamento do Botafogo do bairro Santa Tereza. Segundo o orçamento feito pelo presidente, o custo do fardamento completo para os 22 atletas chegaria na casa de R$ 2.300,00, valor considerado alto para os padrões econômicos dos integrantes. Para resolver isso, se planeja realizar a venda de almoços, como meio galeto assado
da de um de seus filhos. Como tem água de poço, é fácil para ele manter os custos do local, já que a fonte de onde a água sai vem diretamente de um cano ligado ao poço, que age como uma espécie de torneira, permitindo que seja acionado quando é necessário encher a piscina após as limpezas. A manutenção também é realizada de forma prática, quando esvazia a piscina a água
corre para o arroio que fica atrás do terreno. A piscina, segundo ele, foi feita para receber os filhos, que moram em outras cidades, e os amigos aos finais de semana, quando fazem churrasco e confraternizam. A criatividade do morador vai longe, na área da piscina ele adaptou também uma tirolesa. O equipamento, comum em clubes e espaços com opções radicais, consiste em uma extensão de fio que fica no alto e permite atravessar, de forma suspensa, determinada área. Na casa de seu Valdecir o equipamento foi feito com um cabo e uma roldana e atravessa o quintal em direção à piscina. Ele comenta orgulhoso que a tirolesa é uma atração no espaço, além da piscina, e foi pensada para complementar a área de lazer já existente. Valdecir comenta que alguns moradores já o procuraram para saber se poderiam utilizar a piscina também, mediante pagamento.“Até já me procuraram pergun-
aos domingos, para que parte do valor seja arrecadado. Outra ideia colocada pelo dirigente é a de realizar um torneio entre os times da cidade, organizado pelo Santa Marta, para custear despesas como deslocamento e arbitragem. Além disso, os integrantes contribuem com uma mensalidade de quarenta reais.
Trabalho contra o preconceito Santa Marta, por se tratar de uma vila na periferia da cidade, tem sobre si um rótulo de “ambiente hostil”, local pouco recomendável para se frequentar. Consequentemente, o time local também carrega tal alcunha. Segundo Ronaldo, o A. E. Santa Marta também tem como missão desconstruir essa imagem. Para isso, ele relata que, quando vai marcar algum amistoso, procura sempre deixar claro o real propósito de jogar futebol, sem causar qualquer tipo de alvoroço. Segundo ele “hoje em dia respeitam muito mais a vila por conta do comportamento do time. Anderson huber CÉSAR WEILER
tando quanto eu cobraria para usarem a piscina, mas eu prefiro manter mais para a família e amigos mesmo”. O morador comenta que devido a vila ter poucas opções de lazer, principalmente no verão, tudo é válido para espantar o calor, desde banhos de mangueira até idas aos balneários, que ficam fora da localidade. Ainda no bairro encontramos outra alternativa particular de entretenimento dos moradores. É o caso do terreno onde reside o mecânico automotivo Cristofer Brito Machado, 25 anos, que o mesmo pátio abriga sua casa e a oficina mecânica onde trabalha. Atrás de sua casa ele instalou uma rede de vôlei para jogar com os primos e amigos que o visitam, principalmente aos finais de semana. Para usufruir do espaço ele brinca que exige apenas uma condição dos visitantes: que tragam cerveja. Elisa Ponciano Luana Rosales
Um olhar inicial
GUILHERME SANTOS
ENFOQUE SANTA MARTA
Em nossa primeira visita à Vila Santa Marta fomos rapidamente acolhidos por pessoas alegres, apesar das dificuldades, e engajadas em buscar visibilidade para a comunidade. Tentamos apresentar um pouquinho do bairro através das lentes de vários fotógrafos, cada um trazendo um pedacinho desse local que nem todos conhecem. Aqui vamos mostrar a alegria de quem tem esperança e luta por um futuro melhor. LURDINHA MATOS
ISABELLE WRASSE
Tainah Gil
Mainara Torcheto
Renata Oliveira Silva
LUCIANA ABDUR
SÃO LEOPOLDO (RS)
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EDIÇÃO
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