ENFOQUE SANTA MARTA
SÃO LEOPOLDO / rs OUTUBRO/NOVEMBRO DE 2017
EDIÇÃO
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LAURA SANTOS
E aí, Prefeito, vamos dar um jeito?
Gente trabalhadora e feliz Moradores antigos que enfrentam a vida com energia. Páginas 4 e 5
Encarando o assédio sexual Casos que precisam ser contados e sempre combatidos. Páginas 16 e 17
Nicole Fritzen
Mayana Serafini
Eduarda Bitencourt
Entre outros problemas, as ruas da Vila esperam a atenção das autoridades municipais, que a cada ano prometem melhorá-las. páginas centrais
Velar pela saúde das mulheres Os cuidados permanentes com as DSTs e a contracepção. Páginas 20 e 21
2. Editorial
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A má situação das ruas é uma reclamação constante dos moradores
Vila que impõe a sua voz
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esta 5ª edição do Enfoque Santa Marta temas como saneamento básico, ruas, games, brincadeiras, estupro, saúde da mulher, habitação e histórias de vida são abordados com um olhar mais atento. Os repórteres percorreram vários pontos da vila, abertos a ouvir as reivindicações dos moradores.
As ruas, que já foram citadas em outras edições, nesta receberam uma análise mais completa, bem como o mapeamento das que apresentavam situação mais crítica. Essa matéria servirá como um documento para a comunidade e a auxiliará na cobrança por providências junto ao poder público.
Em relação às mulheres, dois temas receberam destaque. O estupro foi tratado de forma sensível, preservando as fontes e ao mesmo tempo colocando em debate um assunto que faz calar. Outra matéria relacionada ao público feminino abordou a saúde, citando métodos contraceptivos, casos de submissão ao parceiro
e uma enquete para saber hábitos das entrevistadas. Temas complexos e desafiadores que oportunizam a exposição dos problemas da Vila e de seus moradores, mas também de suas vitórias e conquistas, que não são poucas. Trabalhadores e trabalhadoras da Vila Santa Marta lutam todos os dias pela sua
comunidade. Mas esperam o indispensável apoio do poder público. Daí porque, revendo os problemas já conhecidos pelas autoridades municipais, indagam: “E aí Prefeito, vamos dar um jeito?” IGOR MALLMANN Júlia Bozzetto LAURA SANTOS
QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Santa Mar ta é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Santa Mar ta, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, são publicadas três edições por semestre e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo. Telefone: (51) 3591.1122, ramal 1329 / E-mail: posorio@unisinos.br
EDIÇÃO E REPORTAGEM —
Disciplina: Jornalismo Cidadão. Orientação: Pedro Luiz S. Osório. Edição de textos: Arthur Serra Isoppo, Igor Mallmann, Júlia Bozzetto, Matheus Miranda de Freitas e Tamires de Souza. Edição de fotos: Dankiele Tibolla, Marco Prass e Vanessa dos Santos Souza. Reportagem: Amanda Büneker, Amanda Oliveira, Aniele Cerutti, Arthur Serra Isoppo, Bolívar Gomes, Dankiele Tibolla, Dyessica Abadi, Eduarda Moraes, Eric Machado de Freitas, Fernanda Salla, Gustavo Bauer Willrich, Igor Mallmann, Júlia Bozzetto, Karina Verona, Marco Prass, Maria Carolina de Melo, Mariana Dambrós, Matheus Miranda de Freitas, Milena Riboli, Paola Oliveira, Paula Câmara Ferreira, Stephany Foscarini, Tamires de Souza, Thayná Bandasz da Silva, Vanessa dos Santos Souza, Vinícius Bühler da Rosa e Vitória Padilha. FOTOGRAFIA — Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Amanda Bier, Dana Moraes, Eduarda Bitencourt, Felipe da Silva, Gabriel Reis, Gabriel Oliveira, Igor Mesquita, Jacqueline Santos, Jonas Santos, Laura Hahner Nienow, Laura Santos, Laura Saraiva, Luana Quintana, Martina Belotto, Mayana Serafini, Millena Nonemacher, Nicole Fritzen, Patrícia Wisnieski e Thomás Domanski. ARTE — Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. Diagramação: Mariana Matté. IMPRESSÃO — Realização: Gráfica UMA / Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos. br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente dos Cursos de Bacharelados e Tecnológicos: Paula Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.
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Esporte .3
Jovem atleta do bairro ganha competição nacional Integrante da equipe de canoagem leopoldense traz medalha de ouro para casa e planeja continuar competindo
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nquanto a maioria das crianças sonha em ser jogador de futebol, Gilson Siduoski Napiwoski, 18 anos, coleciona idas ao pódio pelas competições de canoagem. Ao todo são 27 medalhas, contando a última conquista do jovem no Campeonato Brasileiro de Canoagem. O torneio ocorreu na cidade de Curitiba no início de setembro onde Gilson e sua equipe ficaram em primeiro lugar a categoria K4- 500 metros. Atualmente atleta da Associação Leopoldense de Ecologia e Canoagem (ALECA), Gilson conta que começou a aprender o esporte em 2010 no projeto Canoagem na Escola, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação de São Leopoldo (Smed). O jovem revela que se interessou pelo exercício por influência do seu irmão mais velho, pois ele já praticava o esporte “Eu era gordinho e vi que meu irmão perdeu peso indo nos treinos, aí quis ir também. Nunca imaginei que se tornaria uma paixão”, revela.
Importância do esporte
Muitas pessoas tratam as atividades esportivas como mera diversão e não percebem os benefícios que existem em ser um atleta. Gilson conta com orgulho as coisas positivas que a canoagem trouxe para sua vida. “O esporte me ensinou a ter mais disciplina, ser mais inteligente, mais ligado nos pequenos detalhes. Me deixou mais ligeiro, me ajudou muito”, explica. Além disso, para ele, o projeto social da canoagem é essencial para a comunidade. “Acho muito importante as crianças do bairro se envolverem com o projeto, porque muitas delas acabam desde cedo se envolvendo com drogas, com armas... Por isso o valor do esporte, porque de certa forma, ele tira as crianças da rua e desses caminhos”, afirma. Ana Inê Siduoski, 54 anos, costureira, mãe do medalhista, concorda que o esporte muda as pessoas. “Eu tenho muito orgulho dele, penso assim aqui na Vila, geralmente os jovens estão na rua fazendo coisas que não devem. Então é muito bom ver o resultado do Gilson com a canoagem. Eu me sinto realizada como mãe, pois eu consegui levar ele para o caminho do bem e dou o maior apoio para ele continuar” fala emocionada.
Foco que vale ouro
Sonhador, Gilson revela que gostaria de permanecer pelo menos mais dois anos se dedicando somente às competições. Desde da sua formatura no ensino médio , ele treina de segunda a sexta, durante os turnos da manhã e da tarde e, quando pode, vai na aca-
Gilson mostra com orgulho todas as medalhas que conquistou até hoje, incluindo a primeira de ouro em competição nacional
demia do bairro à noite. “Quanto eu mais permanecer na canoagem melhor, trazendo mais coisas boas para a categoria. O Brasil não é muito conhecido por este esporte, então eu quero buscar algo que dê um destaque a mais para o nosso país na canoagem”, conta. Dedicado e humilde, Gilson mantém no seu quarto um cantinho especial para as suas medalhas. Organizadas pelo nível de importância, beleza e data, ele exibe suas recordações com orgulho. Relembrando a última competição, conta como ficou feliz quando viu sua equipe ultrapassar os outros competidores. “Eu comecei a focar mais na prova para tentar liderá-la. Quando eu vi acabou, aí não pensei em mais nada. Só aproveitei o momento”, conta. Muito disciplinado, o esporte continua dentro dos seus planos futuros, mas ele quer cursar faculdade de Educação Física para poder trabalhar sem deixar de treinar. “Após me formar eu pretendo começar trabalhando nas escolas do bairro. Com o tempo, irei trabalhar somente em academias, para ter um horário flexível e continuar praticando canoagem”, explica.
Apoio da família
Inês e seu esposo Jaulicio Zelmar Napiwoski, carpinteiro, 55 anos, guardam todos os recortes de jornais em que o medalhista já foi mencionado. Eles acreditam que o apoio da família é essencial para os jovens atletas. “Na primeira competição do Gilson em Curitiba a professora do projeto falou comigo, pois era a sua primeira vez, a vitória não era certa. Por isso, se perdesse, iria precisar do nosso apoio. E realmente aconteceu isso, ele voltou para casa sem medalha, mas nós o aconselhamos e apoiamos. E deu certo, porque o Gilson continuou e no outro ano trouxe uma de prata, depois de bronze e agora a de ouro”, comenta com orgulho.. Em relação a ficar longe do filho durante as competições, Inês conta que no início ficava com o coração partido, mas hoje está acostumada. “Cada vez que ganha alguma coisa, ele me manda mensagem e eu faço a maior festa aqui entre nós. Sabendo que ele está bem, sabendo que é um vencedor”, explica. Quando questionada sobre como foi deixar Gilson participar do projeto de canoagem, Inês conta que ficou muito tranquila. “Eu nunca tive medo de deixá-lo ir porque desde a primeira reunião, os responsáveis dos projetos deixaram claro que sempre tem instrutores, salva vidas dentro da água, caso a criança caia. Eles cuidam muito bem e é um esporte para tirar as crianças da rua. Então se alguém tem esse medo de deixar a criança ir para as aulas não precisar ter”, finaliza. Paula Câmara Ferreira Laura Hahner Nienow
4. Comunidade
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Sonhos
Conheça histórias de moradores da vila que alcançaram os objetivos de suas vidas
Para Ernesto, Helga e Lúcia, a felicidade da vida está na estruturação de uma família e na construção de uma velhice tranquila
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m uma sociedade capitalista, muitas vezes as pessoas associam a felicidade às conquistas materiais: viagens, grandes moradas, carros potentes. Na contramão dessa lógica, no entanto, moradores da Santa Marta evidenciam que os bens de consumo nem sempre são o fator mais almejado na vida. Pelo contrário: a eles, mais valem as simplicidades conquistadas, dádivas recebidas, que as grandiosidades inalcançáveis à maioria da população. “Em colégio de interior se estudava até o quarto ano.
Aprendia pouco. Me criei no mato”, recorda Helga Puhl, 76, ao contar suas origens. Natural de Bom Princípio, Helga explana uma história junto de pais e irmãos que flui em direção a uma nova família: seu grande sonho. “Casei aos 17 anos e tenho cinco filhos, seis netos e os bisnetos eu até perdi a conta, acho que tem até mais”, brinca. Casada durante mais de 50 anos, ela se mudou para a Santa Marta na companhia de seu marido. A mudança era um dos últimos desejos dele antes de falecer em de-
corrência de um câncer. “Ele queria ficar perto da Cleunice [filha mais nova]. Fizemos a mudança e um mês depois ele faleceu”, lembra. Desde então, Helga mora no bairro.
REGOZIJO
Com um largo sorriso, Carmelinda Shull, 81, não perde tempo de contar coisas boas que ocorrem em seu cotidiano. “Fui ao mercado hoje e vim carregada de compras. Minha nora me encontrou e perguntou ‘o que é isso?’, eu disse, tu tá vendo o que eu tô carregando!”, diverte-se. Sua história se as-
semelha à de Helga, como no tempo em que mora no bairro – quase 11 anos –, na idade em que casaram – aos 17 –, na extensão das duas (grandes) famílias e até mesmo no terreno no qual morava, que atualmente é da família de Helga. Receptiva, Carmelinda, também conhecida como Carmen, gosta de conversar e se irrita com pessoas quietas demais. “Gente parada eu não quero perto de mim. Não gosto de pessoa que não proseia, sabe?”, brinca, às gargalhadas. Relembrando momentos de sua vida, evidencia, assim como Helga,
que o sonho que sempre teve de formar uma extensa família se realizou. Nascida em Palmeira, Carmen é mãe de dez filhos. Após a partida de dois deles, decidiu adotar outros dois. “Eu devo ter uns vinte netos e já tenho tataranetos”, relata. Entre as diversas brincadeiras, contudo, Carmen oculta uma vida árdua. Ela trabalhava na roça porque era impedida pelo marido de trabalhar fora. “Eu fazia pães em casa ajudava uma filha que morava ao lado e a outra que morava mais para baixo. Cuidava da vida delas e da minha, fazia os pães e lavava
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realizados Dona Carmelinda é otimista e encara as adversidades da vida de maneira descontraída e leve, “rindo e cantando pra não andar chorando”
as roupas delas”, expõe. Sua maior dificuldade foi lidar com as fraquezas do marido, que bebia em excesso e faleceu de cirrose aos 76 anos. Ainda assim, não expressa mágoas. Pelo contrário, recorda do casamento com alegria. “Eu noivei em Três Passos e ele foi ao Paraná para comprar terra, fazer uma casa. Meu pai disse a ele: ‘quem quer casar, tem que ter casa’. Ô, tempo bom!”, exclama. Otimista, a posição de Carmen diante da vida é exatamente essa: agradecer em todos os momentos e lidar com as
intempéries de maneira leve. “Pois olha, meu filho... é assim! Fomos e viemos, conhecemos uns aqui, outros lá, e outros cá, e assim tu vai levando a vida, rindo e cantando pra não andar chorando”, declara.
TRANQUILIDADE
A filosofia de vida de Carmen também é adotada por Ernesto de Souza, 71, natural de Vicente Dutra. Ainda criança, perdeu pai e mãe. O que poderia ser o fim da linha para muitas pessoas, serviu de impulso a ele. “Fiquei solito, órfão com doze anos. Andei
por tudo: Caiçara, Paraná, por tudo”, lembra. O choque pela perda fez com que Ernesto, em suas palavras, “botasse fora” o dinheiro que seu pai deixou de herança. Ainda assim, mostra conquistas que contrastam com as tormentas da vida: a tranquila criação de seus filhos, o maior sonho realizado. “Fui bem porque não me envolvi com nada [ruim]. Tenho nove filhos, nenhum se envolveu com drogas. Tenho um que corta cabelo, aliás. O Hélio. Nunca fui preso, nem fiz nada de ruim contra as pessoas. Todos meus filhos
trabalham. Uns ganham menos, outros mais, mas todos trabalham. Então, me sinto bem assim”, conforta-se. Recentemente, Ernesto descobriu que foi acometido pelo mal de Parkinson, uma das doenças neurodegenerativas mais comuns e que afeta os movimentos. Muitas vezes, a doença inclui tremores pelo corpo. No caso de Ernesto, atinge as pernas. Ainda assim, pondera calmamente: “a gente vai lutando”. Ernesto é casado há 15 anos com Lúcia Gueno, 53. Para ela, a vida deles melhorou quando
se casaram e construíram uma casa – algo essencial para uma vida tranquila, no entendimento de Ernesto. “É muito bom um a pessoa de idade ter um cantinho para morar, um salário para sobreviver. Está bom assim. Não adianta crescer muito e cair lá de cima”, reflete, sintetizando o sentimento de Helga, Carmelinda, Lúcia e de muitas outras pessoas diante da vida. Para eles, é como diz o provérbio: mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. MARCO PRASS Eduarda Bitencourt
6. Comunidade
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Ação social para as crianças Moradora da Vila Santa Marta arrecada brinquedos e alimentos para festa no dia 29
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este ano, a diversão é garantida para os pequenos em homenagem ao Dia das Crianças, que ganhará um toque especial na Vila Santa Marta. No dia 29 de outubro, domingo, será realizada uma ação durante à tarde na Igreja Nossa Senhora Aparecida. As atividades estão sendo organizadas pela moradora Lore dos Santos, 38 anos e com quatro filhos. “Na semana que vem, vou ir às casas para saber a quantidade de crianças que participará para não deixar faltar nada. Ainda mais que podem vir de outras comunidades”, comenta. Ela conta que finalmente a ideia vai sair do papel e se concretizar. Nos outros anos havia a distribuição de balas e brinquedos através de arrecadações. Esta é a primeira vez que acontecerá uma ação voltada totalmente para as
crianças até 12 anos. No dia será distribuído cachorroquente e sorvete. Também terá camas elásticas e infláveis. Lore conta com a ajuda de dez amigas para a produção dos lanches e organização no local. As doações de brinquedos ainda Fazer o bem sem olhar serão feitas. Para isso, Lore irá até São a quem: este é o Paulo para com- lema da Lore prar bolas para os meninos e bonecas para as meninas. A viagem será feita, pois acredita que lá os brinquedos são baratos. Assim poderá comprar mais. Para ajudar nos custos da festa, Lore elaborou uma rifa, que já está circulando pela deixadas para a vizinha CéVila. Ela também realizou um lia. “Eu sempre tive o desejo brechó e os lucros serão des- de fazer algo maior para as tinados para as compras das crianças carentes aqui da cobolas e bonecas e o aluguel munidade e estou satisfeita, dos brinquedos. As doações pois finalmente irá acontesão bem-vindas e podem ser cer”, diz, orgulhosa. entregues na casa da Lore, Dilce Maria da Rosa, 40 localizada na Rua dos Euca- anos, presidente da Associação liptos, número 244, do lado dos moradores do bairro reveda Igreja, na qual acontecerá la que está disposta para ajua celebração. Caso ela não dar na organização do evento. estiver em casa, podem ser Ela ainda afirma que como
EXPECTATIVA
há muitas crianças carentes, este tipo de festa é essencial, pois traz algo diferente e fora do cotidiano delas. Para o futuro, Dilce espera que o evento prospere cada vez mais. De acordo com ela, o objetivo principal nas ações futuras é procurar mais parcerias e voluntários. “Partindo das pessoas que moram aqui, a tendência é crescer e fazer diferentes movimentações”, declara.
Filha da Lore, Ana Luísa dos Santos, sete anos, relata que está ansiosa para a festa. Conforme a menina, a diversão preferida é pular na cama elástica e comer sorvete. “No dia quero brincar muito e aproveitar o que a minha mãe está fazendo”, salienta Ana, fã do trabalho. Andressa Ferreira, 24 anos, ficou surpresa e feliz com a ideia, pois é mãe de um menino de quatro anos e está grávida do segundo filho. Para ela, esta ação será muito boa, visto que mora há pouco tempo na vila e assim poderá conhecer outros moradores, principalmente mães. “Não só para mim, mas será ótimo para o meu filho, porque terá interação com outras crianças. Além disso, receberão muitos presentes e brincarão bastante”, destaca. A moça garante que levará o filho no dia 29 e nas próximas ações. Stephany Foscarini DANA MOARES
Sábado na vila Logo no pórtico de entrada, que diz “Bem-vindo à Santa Marta”, é possível perceber se tratar de uma comunidade simples e carente de políticas públicas. Mas engana-se quem faz mau juízo dos seus moradores. Eles são a melhor parte da vila, levam a vida de forma tranquila e estão sempre mobilizados para resolver os problemas. Era sábado de manhã, por volta das 10h30, e o movimento da Rua Um estava intenso pois, conforme a população local, é o dia com maior fluxo de pessoas e veículos. Ao longo do percurso desde a entrada da vila até a Associação de Moradores da Vila Santa Marta, vários aspectos são identificados. Mulheres conversando, crianças brincando, pessoas limpando as casas, gatos e cachorros passeando pelas vielas, vias com forte movimentação e a inexistência de calçadas. Boa parte dos comércios estavam abertos, principal-
mente os mercados, com clientes comprando. Por conta disso, a grande maioria dos passantes portava sacolas com mantimentos, talvez contendo o café da manhã ou delícias para o fim de semana. Embora a vila estivesse bem movimentada, algumas pessoas ainda estavam abrindo suas casas e pensando no que fazer no sábado nublado. Havia algumas pessoas reunidas em grupos na frente de suas casas com-
partilhando uma cuia de chimarrão e conversando sobre a vida. Comadres nos portões às gargalhadas, fazendo combinações para o domingo e repreendendo as crianças travessas. Os pequenos saboreavam balas de goma e pareciam não se importar com os xinGurizada aproveita a folga para brincar. Animais também passeiam pela vila livremente
gamentos das mães. Trânsito agitado: carros, motos, caminhões, charretes, bicicletas, além de pedestres, disputavam espaço na apertada rua. O som de buzinas alertando o perigo era constante. E o som do funk, que tocava nas moradias, se misturava com os anúncios do comércio ambulante. “Olha a cuca recheada, o salame italiano”, dizia uma voz que vinha de um veículo com produtos coloniais. Crianças se divertindo na praça próxima ao pórtico e andando de mãos dadas com suas mães, pois na Rua Um não há calçadas. Meninos andando de bicicleta e skate em meio aos veículos, sem dimensionar o risco, apenas aproveitando a folga da escola. Aliás, o fato de haver crianças e jovens praticando atividades físicas ou brincando é admirá-
vel e uma das características da vila Santa Marta. Outro aspecto bem peculiar da localidade é o de praticamente todos os moradores se conhecerem. As pessoas se tratam pelo nome e interagem com intimidade. “Pintou o campeão”, diz um homem de bicicleta a outro que chegava no seu lar junto com a família. É provável que a expressão se referisse à classificação do Grêmio na Libertadores da América, pois o homem responde “que campeão que nada”, devendo este ser colorado. Vila com estrutura simples, mas que em nada desvaloriza suas qualidades, as quais seus moradores gostam de contar. Viver em paz e perto dos familiares é o que têm valor para eles. Estar na Santa Marta é mergulhar em uma rotina adversa dos grandes centros, é se aproximar de gente e suas histórias. Júlia Bozzetto Laura Hahner Nienow
Cultura .7
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Leitura que dá asas à imaginação Moradores mirins da Santa Marta encontram nos livros fonte de inspiração para a vida
A tia Maria Roseli (27) serve de grande inspiração para a pequena, bastante curiosa e comunicativa. Foi por cauVitor faz uma leitura sa dela que Alana descobriu o dom diferente e para o Jornalismo. interpreta as notas para tocar S e g u n d o c o n t a , poderia trabalhar seu violoncelo na televisão, no rádio ou em uma redação de jornal impresso, pois acha que se daria bem em qualquer um destes lugares. A visita que fez à Unisinos, onde a tia se formou, serviu para confirmar a vocação. “Falei que queria estudar lá por causa dela, fazer Jornalismo também. Na hora até caiu uma lágrima do olho dela”, recorda.
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lana Gabrielli Santtos é uma menina alegre de 11 anos que frequenta o sexto ano da EMEF Santa Marta. Vestindo uma camisa vermelha do seu time do coração – o Sport Club Internacional – ela brincava junto às amigas, jogando bola. Karry (9) e Maria Eduarda (10), ambas estudando no quarto ano de Ensino Fundamental, são as amigas da “camisa dez” Alana. Elas a acompanham até sua casa, onde a menina me promete mostrar os livros que tem por lá. Apesar de pequena a simples, a casa é excelente para abrigar os livros da menina, que estão por todas as partes. Entre seus preferidos estão alguns gibis, revistas e até mesmo o recente “Quatro Vidas de Um Cachorro”. Falando em animais, ela tem muito carinho por eles. Em uma de suas casas, como ela mesma disse, há Alana sonha em dois cachorros ser jornalista, grandes, John assim como a tia, e Luna. “‘John’ Maria Roseli com ‘h’ depois do ‘o’”, a pequena me auxilia para que não haja erros. Na casa da mãe, a companhia é felina: Tigresa, que tem pouco mais de um ano, é uma gata extremamente carinhosa e aventureira. Como me explicou assim que nos conhecemos, Alana vive em duas casas: parte do tempo na avó e outra parte do tempo junto à mãe, Rosilei, de 38 anos. Que, como forma de sustento, trabalha em um frigorífico distante e precisa acordar bastante cedo, às 4h da manhã. É perto das 5h acordo com a mãe, sempre que a condução da empre- que alguém vai para o centro, aos sábados, Alana pede sa a busca em casa. Com a rotina da escola, é novos livros. Suas matérias possível que a menina retire preferidas de estudar são livros uma vez por semana. “Português, Inglês, Artes e Em suas palavras, as leitu- Matemática”, conta. ras que faz falam “de tudo um pouco”. A Biblioteca escola e vida Dentre os assuntos que já da escola é grande, repleta dos mais variados volumes. abordou em trabalhos da esEla parece estar tentando cola, ela relembra dos mais deixar sua coleção pessoal marcantes. “Já fiz sobre ratão grande quanto, pois de cismo no futebol, doenças
Leitura E imagens
que a água pode trazer e tuberculose”, relembra. Ela também menciona que em breve a escola estará fazendo uma palestra sobre machismo, colocando o assunto como algo necessário e extremamente importante para ser debatido. Ao explicar os motivos pelos quais escolheu as temáticas, a menina pontua: “No primeiro trabalho a gente precisava falar so-
bre algo relacionado com o esporte, então eu achei esse assunto interessante porque o racismo é horrível. No trabalho sobre a água eu falei de várias doenças que as pessoas podem pegar no contato com ela, e aí passamos nas casas explicando pras pessoas sobre isso”. O trabalho sobre a tuberculose surgiu após a doença ter atingido um dos familiares.
Sucesso entre os pequenos, o gibi não é companheiro apenas de Alana. Vitor Ismael Hudson, de 10 anos, tem grande amor pelas obras de Mauricio de Sousa. Seus preferidos são os livrinhos do Cebolinha, que focam suas histórias na personagem em questão. Estudante do quarto ano do Ensino Fundamental, o garoto adora jogar futebol e aprender Matemática, matéria na qual tem facilidade. Vitor estuda na EMEF Paulo da Silva Couto, localizada no Arroio da Manteiga. Por ser um pouco mais afastada da vila onde mora, ele conta que vai para a escola de bicicleta. Lá, a leitura é estimulada entre os alunos em momentos que vão de terça à sexta-feira, onde eles têm um tempo para ler histórias diversas. Além disso, os estudantes retiram um livro por semana, todas às sextasfeiras. O garoto também tem paixão pelos jogos e brincadeiras de rua, que ele intercala com momentos em que toca violoncelo. É assim que Vitor e Alana, entre uma brincadeira de “esconde-esconde” e “pega-pega” vão vivendo a vida, usando a leitura para estimular a imaginação, construir um futuro melhor e tornar a vida mais doce. MILENA RIBOLI Jacqueline Santos
8. Infância
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Geração videogame? Crianças da Santa Marta deixam os controles de lado para estarem entre amigos, jogando futebol ou brincando de pega-pega
emocional, função motora e principalmente relacional”, comenta a profissional. Além disso, Andréa fala sobre o papel dos pais em incentivar os filhos a dar preferência as brincadeiras mais tradicionais a fim de prevenir futuros problemas psicológicos. “Ter cognição, parte intelectual desenvolvida, mas não ter capacidade de se relacionar, é um problema. Podemos com isso, estar ocasionando futuras patologias, como neuroses e psicoses”, diz Andréa. Em sua visão, muitas vezes é cômodo para os pais colocar o filho na frente de um vídeo game ou dar um telefone celular. Mas ressalta, “o universo infantil é muito maior que uma tela”. A profissional então orienta: “Deixem as crianças brincarem, se sujarem e até caírem. É importante aprender a lidar com suas próprias frustrações nestes pequenos e grandes jogos. As crianças precisam desse espaço para viverem a infância”.
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o que as crianças que você conhece gostam de brincar? O crescimento do mercado de jogos eletrônicos no Brasil nos induz pensar a resposta. Números divulgados pela consultoria PWC mostram que o país se tornou em 2016 o segundo maior consumidor de games da América Latina. As crianças da Santa Marta têm algo diferente a dizer sobre isso. Andando pelas ruas da vila, acompanhado de dois amigos, Nicolas Mendes da Silva (13) carregava uma antiga forma de diversão nas mãos: o estilingue - pedaço de pau em formato de ‘Y’, com as duas extremidades mais próximas ligadas por um elástico, usado para lançar pedras ou “coquinhos”. Já Cleiton Costa (17), está concentrado na montagem de sua bicicleta. Segurando o aro, ele conta que está quase no final. “Falta só o pedal, o raio e o cubo (as duas últimas são peças da roda) ”, especifica o adolescente. Para Vitor Vieira Ferreira (13), e seu irmão Igor Luís Vieira (9), nada como estar com os amigos brincando ao ar livre. “Gosto mais de estar com meus amigos, jogando futebol ou brincando de pega-pega. De noite a gente acaba ficando em casa, né? E daí jogamos vídeo game ou joguinhos no celular, mas eu prefiro estar jogando futebol”, diz o mais velho. Se o tempo está ruim? Pelo menos para Vitor, isso é o que menos importa. O entusiasmo é o mesmo. “Quando está chovendo nós jogamos igual. Nós nunca paramos de brincar”, responde o sorridente garoto.Além do futebol, o menino lista uma série de outras brincadeiras que a turma de amigos realiza quase diariamente na quadra de futebol localizada ao lado da Associação da vila. Seja pega-pega ou esconde-esconde, o importante é estarem juntos. Igor não pensa duas vezes em responder, futebol também é sua diversão favorita. Porém, segundo o pai Luís Valdecir Ferreira (59), ele e sua mãe, Solange Ferreira (31), precisam interferir mais nas escolhas do filho menor. “O pequeno é danado. A gente controla mais. Se deixar, parece que ele se alimenta do vídeo game”, diz o pai preocupado com a forma que o aparelho eletrônico rouba sua atenção.
SEMPRE NA moda
A criançada prefere brincar na rua
Embora, feita a ressalva em relação ao filho mais novo, Luís avalia que apesar de tudo não é difícil convencê-lo. “É largar uma bola para eles que a festa já está feita. E a gente entende que eles têm muito mais para aprender convivendo com os amigos, do que na frente da televisão. Então enquanto o dia estiver claro eles estão lá brincando”, completa Luís, orgulhoso de ver os filhos vivendo uma infância bem diferente da sua. Mais velho de nove irmãos, Luís conta que precisou começar a trabalhar cedo para ajudar a sustentar a família e acabou não aprendendo a ler e escrever perfeitamente por não frequentar a escola corretamente. “A gente não tem muito recurso para dar tudo que eles gostariam né? Mas fazemos um esforço para tentar proporcionar o melhor possível”, diz Luís. “Para encurtar o
caso até analfabeto na verdade eu sou”, completou, explicando os motivos que lhe deixam feliz de proporcionar aos filhos o que não pode ter.
Brincar é viver
No complexo processo de formação da criança, o ato de brincar possui também sua parcela de importância. Entre tantas contribuições, as recreações são capazes de desenvolver a função motora, inteligência, sociabilidade, criatividade e afetividade. Constituindo-se assim, não só em um momento de prazer e diversão, mas de aprendizagem. De acordo com Andréa Diehl Leal da Silva, formada em Psicopedagogia Social pela Faculdade Cenecista de Osório, e especializada em trabalho de inclusão na escola e na sociedade, as atividades lúdicas – relacionadas com jogos e o ato de
brincar - durante a infância têm papel fundamental na formação integral do ser humano. “A criança está sendo estimulada a pular, correr, se equilibrar e a desenvolver o ritmo. E isto é positivo no desenvolvimento de várias áreas do corpo e do cérebro, além da questão social”, explica Andréa. Contudo, ela ressalta que as atividades desenvolvidas através de aparelhos eletrônicos, não possuem a mesma capacidade de propiciar estímulos às crianças. “O cérebro não apresenta o mesmo desempenho nestas atividades. Esse mundo tecnológico interfere diretamente no aspecto social, implicando futuramente em adultos solitários. Elas podem até desenvolver a questão cognitiva (conhecimentos adquiridos através da percepção), mas pecam pela ausência de estímulos à inteligência
Sabrina Feijó (21), funcionária do Bazar Silva, conta que os brinquedos representam 30% da venda do estabelecimento. Entretanto, a ascensão dos jogos eletrônicos tem reduzido este comércio, vendendo mais para adultos que desejam comprar presentes, por exemplo. O que não perde forças são os jogos de cartas e umas velhas conhecidas: as bolitas.“Por vezes jogam cartas, em outras o jogo é a bolita”, afirma Sabrina mostrando o pote com as bolinhas de vidro e o pacote de baralhos. Pensando sobre as escolhas das crianças, a funcionária diz que avalia pelo seu irmão, que tem 8 anos. “Acho que eles são muito influenciados pelos amigos na escola”, analisa. Ela relata ainda que comprou carrinhos de brinquedo e ofereceu ao irmão mais novo, mas a resposta foi inesperada. ”Ele disse que “não brincava mais disso”, conta. Em geral, Sabrina Feijó especifica que os adultos compram muitos brinquedos para presentear as crianças e que é mais difícil os pais virem junto dos filhos. Para meninos os carrinhos e bonecas às meninas. Algo que também vende bastante é maquiagem, inclusive para crianças. “Acima de 4 anos já têm interesse”, afirma. Arthur Isoppo Bolívar Gomes IGOR MESQUITA
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Infraestrutura .9
Lixo, um problema antigo no dia a dia da vila Descarte irregular persiste e atrapalha os moradores, embora a coleta de lixo doméstico funcione
geral na cidade.” explica. Se hoje a situação da coleta está bem resolvida, durante muito tempo o lixo espalhado pelas ruas foi um grande problema. A presidente da Associação de Moradores, Dilce Maria da Silva, 40 anos, conta que foi preciso muitas reclamações na prefeitura até que houvesse uma mudança. “A coleta de lixo aqui na Santa Marta existe a cerca de 20 anos. Para isso acontecer, nós protestamos muito na prefeitura”, explica. Fátima Duarte, 61 anos, reside há 23 anos na vila e lembra como era quando ela se mudou. “Havia muito lixo nas ruas e tinha um cheiro ruim muito forte.” conta. Elsa possui uma opinião semelhante.“Antigamente as nossas ruas tinham muito lixo. Agora, além da coleta de lixo da prefeitura, os catadores recolhem para vender para as cooperativas.” comenta.
“D
e mãos atadas”, é assim que Terezinha da Rosa, integrante da Associação de Moradores, descreve como os residentes da Santa Marta se sentem em relação ao descarte incorreto de lixo. Em vários pontos da vila, é possível encontrar entulhos jogados em terrenos baldios, calçadas e córregos. Há, segundo relatos, a constante tentativa, sem sucesso, de conscientizar os vizinhos para que a prática acabe. Segundo Terezinha, a coleta seletiva passa no bairro três vezes por semana, mas entulhos maiores, como os de construções civis e móveis, não são levados.
INSUCESSO
Na rua, sem nome, que leva a cooperativa de reciclagem do bairro, o lixo é um problema antigo. Luciano Silveira, que mora na vila há pouco mais de um ano, fez uma placa pedindo a colaboração dos vizinhos para manter o lugar limpo.“Os entulhos atrapalham a circulação”, diz. Elizete Severo, moradora da mesma rua, está no bairro há cerca de seis anos. Nesse período, viu várias vezes os moradores da área se mobilizarem para tentar impedir o descarte incorreto. “Isso acontece mesmo com a coleta passando regularmente nas ruas” diz. Ana Maria, que mora na Rua Santa Marta ao lado de um córrego, diz que muitos tentam impedir que o descarte aconteça, mas nada muda. “Já desisti de tentar convencer, porque a própria população não se ajuda”, declara. “Agora,” relata, “vejo que meu vizinho tem cuidado para que não joguem lixo”. Ela se refere a João Valdomiro, catador de papel, que mora do outro lado do riacho. Ele conta que costuma advertir as pessoas que flagra jogando lixo no lugar, mas nem sempre adianta. Na Rua 1, próximo a Escola Santa Marta, mais uma pilha de entulhos se acumula, dessa vez, na frente da residência de Claudiomiro Oliveira. Segundo relata, o lixo atrapalha seu dia a dia, principalmente no que se diz respeito ao entupimento dos bueiros. “Os moradores daqui costumam limpar
Apesar das tentativas de conscientizar comunidade, o lixo acumula-se nas ruas
reciclagem
Segundo os moradores, deveria haver também a coleta de lixo reciclável nas quartasfeiras. Mas, conforme contam, a realidade é diferente. Elsa conta que o serviço funcionou durante pouco tempo e foi interrompido há cerca de quatro meses. “Não sei o que aconteceu, de repente o caminhão não veio mais, mas, eu ainda separo o lixo reciclado e os catadores levam”, explica.
prefeitura
tudo por iniciativa própria”, comenta, completando que ele e os vizinhos contrataram os serviços de um caminhão para realizar a limpeza.
Coleta
Apesar dos problemas com os entulhos, a coleta de lixo regular funciona corretamente, segundo os moradores. Na lista
dos serviços de infraestrutura básicos de um município, a coleta na Santa Marta é realizada de um modo semelhante ao resto de São Leopoldo. O caminhão da prefeitura passa regularmente, em todo o bairro, às segundas, quartas e sextas. Para Elsa Amaral de Quadra, 55 anos, que trabalha como Auxiliar de Expedição e reside
na Santa Marta desde a sua fundação, o serviço funciona bem. “O caminhão passa de duas a três vezes por semana, o horário não é certo, mas ele sempre vem no dia que é para vir”, comenta. A comerciante Sandra Regina Nogueira, 49 anos, também aprova o serviço. “O caminhão de lixo só não passa quando há um problema
Segundo Cláudio Cunha, coordenador da Coleta Seletiva da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de São Leopoldo, a coleta do lixo reciclável abrange toda a área urbana do município. “Na Santa Marta, a coleta seletiva é realizada nas terças-feiras. Pode ocorrer do caminhão, por diversos problemas, deixar de passar em alguma rua ou outra, mas não é regra” afirma. Ele também explica que a coleta não recolhe os entulhos maiores e que, segundo a legislação ambiental, cada cidadão é responsável pelo lixo que produz. Foi criado um espaço para o descarte correto deste tipo de lixo. O local fica na rua Leopoldo Albino Scherer, 430, no bairro Scharlau. AMANDA OLIVEIRA VITÓRIA PADILHA JONAS SANTOS Patrícia Wisnieski
10. Infraestrutura
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Dinheiro público em ruínas Postos de saúde e da BM que reduziriam problemas crônicos da Santa Marta hoje abrigam criminosos
C
omum em grande parte dos municípios, o desperdício de dinheiro público também possui exemplos concretos na Santa Marta. Paradas há mais de oito anos, as obras de construção do posto de saúde e de um posto da Brigada Militar tornaram-se apenas ruínas. Se a falta deles já era um problema, as estruturas quase prontas passaram a ser usadas para outras finalidades. O local serve agora para consumo de drogas, esconderijo de fugitivos e motel em tempo integral. Inconformada, a comunidade conta as dificuldades de conviver com a situação e pede providências à prefeitura. Iniciadas em 2005, as construções eram feitas por uma empreiteira contratada pela prefeitura, mas foram paralisadas no final de 2008. Sem explicações do Executivo, moradores acreditam que a falta de continuidade foi motivada pela ausência de
vontade política decorrente da troca de governos. Na época o posto de saúde estava sendo concluído, faltando apenas a colocação de aberturas, instalações elétricas e acabamentos. O posto da BM também estava com suas paredes de pé. Hoje sobrou somente um cenário fantasma, acumulando entulhos, garrafas de bebidas alcoólicas, roupas íntimas e muitos preservativos pelo chão. Para a moradora Dinorá Dias, 42 anos, a interrupção nas obras ocorreu na mesma época do início de um loteamento. Com o descaso por parte de autoridades, a população foi tratando de pegar o que lá estava abandonado, sem ninguém cuidando ou preservando, para construir suas casas. “Investiram um dinheirão ali para deixar o pessoal roubar e não fazer nada. A obra chegou a andar, foi colocado estrutura metálica e telhado de zinco. Faltava só fazer os acabamentos, mas levaram tudo”, relatou Dinorá.
Abrigo do crime
Abandonadas pelo poder público, as estruturas
dos prédios rapidamente se tornaram um abrigo para a criminalidade. Além de ser utilizado por usuários de drogas do bairro, o local também atrai pessoas de outras vilas, que acabam escondendo objetos furtados e fugindo da ação da polícia. Dessa forma, causam medo e insegurança em moradores que residem próximos às ruínas. Janete Oliveira, 39 anos é uma dessas moradoras que se mudou para o local pouco antes da paralisação das obras. Sonhando com tempos melhores, acabou iludida e insatisfeita. “Pensamos que ia ser uma maravilha: vai ter polícia e segurança na frente da minha casa. Olha só o que aconteceu, nada, e ao invés de melhorar piorou. Se tivesse apenas um terreno baldio não aconteciam todas essas coisas”, disse, indignada. Segundo a moradora, as obras resolveriam dois problemas crônicos do bairro: a saúde e a segurança, mas infelizmente o cenário hoje é outro. “Quando cheguei aqui o posto estava quase pronto, mas não sobrou
Devido ao descaso do Poder Público, estruturas de concreto se transformaram em espaço para drogadição
Enquanto a família Silva sofre com a falta de um posto de saúde, Janete (D) reclama da criminalidade
nada. Agora serve de motel, ponto de drogas e esconderijo de bandidos. Fica ruim para nós que moramos na frente e temos que presenciar isso. Não é fácil”, desabafou. Devido à situação diária, Janete opta por não deixar a casa sozinha à noite e lastima pelas crianças da vizinhança que convivem com essa realidade.
Terra de ninguém
Assim muitos moradores descrevem aquela parte da vila, creditando tal fato à falta de investimentos e de sensibilidade do poder público. Para Mariléia Pinheiro, 40 anos, vizinha do que seria o posto de saúde, políticos só frequentam o bairro em época de eleição – depois não retornam nunca mais. A moradora relatou cenas lamentáveis que presencia com frequência nas construções paralisadas. “Tá uma pouca vergonha. Esses dias tinha um cara se masturbando ali, de frente pra minha casa. Não era nem de noite, era uma da tarde. Aqui é terra de ninguém, o povo ta cansado. Pra mim o certo seria der-
rubar ou aproveitar o que sobrou para fazer casas populares”, ressaltou.
Saúde afetada
Dentre os problemas reclamados pela comunidade local estão infraestrutura e segurança, mas mais reivindicada é a saúde. Sem um posto próximo de casa, muitas pessoas como Djalmo da Silva, 57 anos, acabam desassistidas pela dificuldade de locomoção. Mesmo com um postinho aberto no ano passado, especialidades mais complexas exigem que o paciente da Santa Marta se desloque até a UPA da Scharlau. Com a saúde debilitada e encostado por invalidez, o morador é servidor municipal e reclama da desassistência por parte da prefeitura. “Faz cinco anos que espero uma operação, e como digo, vou morrer e não vou ser operado. Trabalhei mais de 20 anos na saúde da prefeitura e hoje estou atirado igual um buldogue velho”, criticou Djalmo. GUSTAVO BAUER FELIPE DA SILVA
Habitação .11
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Situação precária do arroio ameaça moradores Cadastro para realocar famílias foi feito há dez anos, mas projeto ainda não se concretizou
S
acos de lixo, brinquedos e até peças de mobília são jogadas no Arroio Manteiga, que passa pela Vila Santa Marta. Os moradores das margens usam entulho para conter os deslizamentos que ameaçam os terrenos. Em 2007, as casas foram cadastradas pela prefeitura para remoção do local, mas isso nunca aconteceu. I vo n e G o n ç a l ve s , 2 6 anos, puxa o filho pequeno pelo braço e o adverte para sair da beirada do arroio. O lixo, o esgoto e os ratos que ali vivem causam temor de proliferação de alguma doença. “Tem muita criança que entra ali, mesmo que a gente fale para não entrar. As pessoas jogam lixo, ele vai descendo pelo arroio e se acumulando. Quando chove, a água sobe bastante”, explica Ivone. O cubículo de madeira onde Ivone lava as roupas, ao lado da casa, está em risco de desbarrancar. Várias sacolas de lixo e entulho estão empilhadas junto à lateral do arroio, em uma tentativa de remediar o muro de contenção que está comprometido. “Muitos moradores não se preocupam, jogam de tudo na água. Até bichos mortos a gente encontra”, conta Graciela Dettenborn, que morava ao lado do arroio e acabou se mudando para o lado oposto da Rua 3, devido às más condições do terreno onde residia antes. Há muito tempo, conta Ivone, a prefeitura não aparece para analisar a situação dos muros do arroio ou para recolher o lixo. As únicas placas alertando para que não se jogue lixo na água são aquelas colocadas por um projeto ambiental realizado pela Escola Santa Marta.
sem remoção
“A gente não quer sair daqui. Moro na vila desde os 11 anos, estou criando meu filho aqui e não seria bom ter que mudar tudo agora”, afirma Ivone. Quem tem a mesma opinião e acompanha
“Nós aqui somos bem esquecidos pelo poder público. Já escutamos promessas há anos”, queixa-se Márcia. Segundo ela, desde a posse do prefeito Vanazzi (eleito novamente, para a gestão 2017-2020), no início do ano, a prefeitura não se fez presente na vila para tratar da questão do arroio com os moradores.
Moradores das margens usam entulho para tentar conter deslizamentos de terra
recursos federais
Márcia Clemente não crê que realocação seja a melhor solução
a questão da possível remoção desde o início é Márcia Clemente, 43 anos. “A maioria tem ou está construindo casa de material, não tem sentido abandonar esse lugar agora. Eu gosto muito de morar aqui. Acho que só iria querer se mudar quem tem uma casa em condições piores. Até porque as casas que íamos ganhar seriam aquelas geminadas, bem pequenas, que não têm espaço para uma família grande”, esclarece Márcia, que está concluindo uma reforma na sua casa.
Na primeira gestão do prefeito Ary Vanazzi (PT), iniciada em 2005, foi prometida a construção de novas casas para as famílias, no Loteamento Tancredo Neves. Porém, o projeto não se concretizou até hoje. Ainda durante aquela gestão, os moradores se mobilizaram e votaram na eleição das prioridades do Orçamento Participativo. A demanda eleita foi a construção de uma calha aberta ao longo de todo o arroio, incluindo uma proteção para impedir as pessoas de jogarem
lixo. Essa proposta também não teve progresso. O governo seguinte, de Aníbal Moacir (PSDB), praticamente não tocou na questão, conforme Márcia. “O melhor seria o poder público ajudar a gente a legalizar esses terrenos, colocar luz direito para todo mundo e dar a atenção adequada ao arroio”, argumenta Márcia. Muitas casas não são abrangidas pela rede elétrica, dependendo de ligações com outras casas – os “gatos”. O esgoto é escoado diretamente na água do arroio.
A realocação dos moradores das áreas de risco prevê o uso de recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Outras localidades de São Leopoldo cortadas por arroios também tiveram famílias cadastradas. Ao lado do Loteamento Tancredo Neves, a prefeitura tem uma área destinada ao reassentamento de famílias das margens do Arroio Manteiga, englobando a Vila Santa Marta e localidades vizinhas. O projeto inclui a construção de 574 unidades habitacionais, centro comunitário, praça e cancha de esportes, além da recuperação ambiental do arroio. Segundo Linara Gerarde, diretora de Projetos e Obras Estratégicas da Secretaria de Gestão e Governo de São Leopoldo, a instabilidade dos programas do governo federal, com os sucessivos cortes de verbas, tem impedido o andamento das obras. A construção das unidades habitacionais, inclusive, migrou do PAC para o programa Minha Casa Minha Vida, mas a falta de dinheiro se mantém. Portanto, não há previsão de quando as novas moradias serão construídas. Em todo o município de São Leopoldo, a projeção é de realocar 768 famílias que vivem nas margens dos arroios Manteiga e Cerquinha. Outras 1222 famílias poderão ser beneficiadas com regularização fundiária, melhorias urbanísticas e recuperação ambiental. Além da área do Loteamento Tancredo Neves, há um espaço para reassentamento no bairro Scharlau, que também depende de recursos federais para o início das obras. Igor Mallmann Martina Belotto
12. Rede viária
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E aí, poder RUA 4
Essa é uma via estreita, que corta as demais. Inclinada e irregular, seus principais problemas consistem no surgimento de buracos, principalmente, em dias de chuvas e o esgoto entupido. Segundo Santino da Silva, proprietário do comércio “Mercadinho”, localizado na Rua 4 esquina com a Rua 5, o bueiro entupido gera diversos transtornos aos moradores, que já pediram reparos da Prefeitura. “Já solicitamos através de protocolo, para que a Prefeitura viesse fazer o conserto. Responderam dizendo já ter regularizado a situação, porém o problema per-
siste”, relata o morador.
seus veículos por aqui”.
RUA 5
RUA 6
Nessa via a situação não é muito diferente, o lixo e o esgoto causam mau cheiro, sentido por quem passa ou mora por ali. Além dos buracos causados pela chuva, há o descarte de carros estragados, estreitando ainda mais a via, dificultando o trânsito de pedestres. De acordo com Santino, o proprietário da Usina de Reciclagem de Resíduos de Construção Civil auxilia na manutenção da rua. “Volta e meia o dono da usina, passa com os caminhões e larga alguns resíduos de obra para tapar os buracos, pois ele precisa passar com
As ruas visitadas
Rua 4
Rua 6 Rua 7
A
ndando pelas estreitas ruas, pisando em resíduos de obras, desviando de buracos, poeira nos dias secos e em dias de chuva sujando os calçados de barro. Essa é a realidade dos moradores da Santa Marta, que vivem esquecidos e esperando por compromissos que o governo municipal deveria cumprir e dos quais se omite. Integrante da Associação dos Moradores, Dilce Maria da Rosa conta que há três meses representantes do Orçamento Participativo, Geraldo Passos, Secretário de Obras e um engenheiro estiveram na comunidade analisando o trabalho a ser feito. “Escolheram as ruas 4, 5, 6, 9 e 8 para serem as primeiras beneficiadas, mas depois não disseram mais nada”, informa. O Prefeito, Ary Vanazzi (PT), inclusive, afirmou em uma reunião com a Associação que as primeiras medidas tomadas na Vila seriam o calçamento e o saneamento básico. O Enfoque mapeou algumas dessas ruas da comunidade, enumerando todos os problemas que ainda persistem e incomodam. Buscou também, uma resposta da Prefeitura e Secretarias responsáveis pela manutenção das vias, bem como pelas soluções na questão do saneamento básico.
Rua 5
Rua 1
Uma das primeiras coisas perceptíveis nesta rua é o esgoto à céu aberto. O cano fica totalmente exposto em grande parte da estreita via, inclusive passando rente a uma das poucas calçadas que se consegue encontrar. O descarte de lixo e principalmente carros abandonados também são comuns. “A Rua 6 é umas piores que temos aqui na Vila”, observa Dilce.
RUA 7
Conhecida por muitos moradores por ser uma rua sem nome e sem a numeração, ela é uma das que possui a maior extensão. Começa no final da Rua 1 e segue até a Usina de Reciclagem de Resíduos de Construção Civil. Há pouco menos de um mês ela recebeu uma pequena camada de saibro, mas não foi o suficiente para eliminar as valetas e os problemas continuaram. Entre eles, o barral quando chove, lixo acumulado de forma absurda por toda encosta e os buracos. A rua é passagem principal de caminhões que trazem entulhos para a Usina, causando buracos por conta do peso. O proprietário do Mercado Souza, Daniel Pereira de Souza, conta que há cerca de sete meses um dos caminhões acabou tombando na via. “Eles
vieram com guindaste, retroescavadeira, tudo para conseguir tirar o caminhão. Depois disso ficou por meses com um buraco enorme na rua, e a prefeitura só veio arrumar porque a reciclagem é deles e os caminhões precisam de um lugar para passar”, afirma Daniel.
SEM RETORNO
O Enfoque tentou entrar em contato com a Prefeitura e com assessoria do Secretário de Obras, Geraldo Passos, para buscar respostas sobre as manutenções das vias e todas promessas que fizeram. Na segunda - feira, não fomos atendidos. Terça - feira, falamos com a assessora Juliana, que avisou que o secretário estava em reunião, ficamos de retornar em outro horário e não fomos atendidos. Quarta, ligamos para o celular da assessora e não fomos atendidos. Quinta - feira, entramos em contato com o Rafael do gabinete do secretário, ficou de dar uma resposta por email ou por telefone. Até o fechamento da edição não obtivemos retorno. O horário de expediente da secretaria de Obras Viárias, de São Leopoldo, é 9h às 16h, como consta no site da prefeitura. Dankiele Tibolla Thayná Bandasz LAURA SANTOS
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O (RS) | OUTUBRO/NOVEMBRO DE 2017
Esquina da Rua 4 com a Rua 5: valetas e lixo são comuns nas ruas. Santino já protocolou pedido na Prefeitura para arrumar a Rua 4 e, até hoje, nada
público?
Esquina da Rua 6 com a Rua 4: esgoto a céu aberto já é comum na comunidade
Ruas precárias e a promessa de melhorias não cumpridas frustram moradores da Vila
Rua 6: além de ser estreita, é considerada uma das piores da comunidade. A chuva só prejudica a situação
Rua 7: há pouco menos de um mês, a Prefeitura colocou uma camada bem fina de saibro. Mas o acesso constante de caminhões prejudica a situação
Esquina da Rua 4 com a Rua 1: a tampa do bueiro é constantemente quebrada e os moradores sempre tentam arrumar
14. Transporte
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Andar de ônibus na vila exige paciência Principais problemas são a demora e a falta de paradas cobertas
N
a precária parada da Rua 1, a única coberta do bairro, um cachorro dormia enroscado em cima da pedra úmida que deveria servir de banco para quem espera o ônibus. São 9h30 de uma manhã de sábado, primeiro dia da primavera, e o tempo está frio e nublado. A chuva marcada pela previsão do tempo ameaça começar a qualquer momento. O último ônibus, segundo o cronograma da empresa que atende o bairro, havia passado às 9h22. Esperamos. Aos poucos, as crianças começam a chegar para brincar na quadra poliesportiva, localizada na Associação de Moradores, que está molhada devido à chuva do dia anterior. Decidem pegar rodos e vassouras para tentar espalhar, sem muito sucesso, a água que formou poças. O cachorro continua a dormir, sem se importar com o barulho das crianças, com a nossa presença ou com as fotos que são tiradas dele. Por volta das 10h, uma senhora chega à parada. Ela nos mostra um papel com os horários e o itinerário dos ônibus, sinalizando que o próximo só passa às 10h31. Aos sábados, domingos e feriados, o transporte do bairro para o centro – e vice-versa – é de uma em uma hora. “Acho que vai demorar muito. Vou pegar lá na A única parada frente”, diz, e sai apressada coberta do bairro: em direção à parada loca- precária e sem reparos lizada fora do bairro, onde há mais ônibus e horários. A caminhada é de cerca de 10 minutos pelo meio da estrada, já que mesmo a rua principal da vila não possui calçadas. O cachorro na parada levanta sem descer da pedra, se espreguiça e volta a dormir tranquilamente. A espera é fria e demorada. Às 10h40, chega o ônibus. O motorista e a cobradora são simpáticos. Uma música baixa toca no rádio. Pagamos a passagem: R$ 3,70 cada. O ônibus parece relativamente limpo e confortável. Porém, apesar de circular apenas em ruas asfaltadas, sacode e faz bastante barulho. É difícil distinguir a música que está tocando no rádio. Como está frio, a temperatura dentro do veículo é agradável. O carro não possui ar-condicionado. Dentro do ônibus, o único morador da Santa Marta é o aposentado Breno Soares. Ele explica que Seu Breno, pegou o transporte na parada morador há do Escola Santa Marta e está indo 15 anos, afirma trabalhar no bairro Campina, que situação onde cuida de cavalos. Sobre o está melhor ônibus, ele comenta que agora está bom , pois antes a única opção de transporte coletivo era na faixa fora do bairro. Reclama, apenas, dos horários nos finais de semana. “É ruim, sempre atrasa. Todo mundo se queixa. Nos dias de semana, o horário é de 30 em 30 minutos. Bem melhor”, avalia. Seu Breno reside há 15 anos na vila e
diz gostar muito. Ele conta que o bairro melhorou muito, Cobradores e motoristas reclamavam porque eram assaltados, mas agora está tudo bem mais calmo. Antes de descer do ônibus para ir trabalhar, elogia o jornal produzido pelos alunos de Jornalismo da Unisinos sobre a Santa Marta . “É muito bom o que vocês estão fazendo”, afirma. Questionada sobre os Os carros sacolejam problemas no transporte bastante, fazem relatados por moradores muitas paradas e não do bairro, a cobradora repossuem ar-condicionado lata que todos os carros da empresa são parecidos. Ela explica que não é apenas um ônibus que faz a linha que passa pelo bairro. “Eu e o motorista, por exemplo, só cobrimos a Santa Marta neste horário. Depois, é outro ônibus e outra dupla que vai fazer este itinerário. Tem um rodízio dos carros entre os bairros”, afirma a cobradora, que prefere não ser identificada. Sobre a Santa Marta, em um primeiro momento ela prefere não falar nada. Porém, após alguns segundos de reflexão, faz um comentário: “Trabalho há 15 anos como cobradora. Nesse tempo o bairro melhorou bastante.Antes as pessoas jogavam pedras, não saíam do meio da rua para o ônibus passar. Hoje estão mais educadas”. Pegando e largando passageiros de outros bairros em praticamente todas as paradas do caminho, o ônibus demora cerca de meia hora até a estação Unisinos, um pouco menos até a estação Rio do Sinos. Em reportagem da Edição 4 do Enfoque Santa Marta (página 8), os moradores reclamam principalmente que os veículos destinados ao itinerário são velhos, quentes e superlotados. O revezamento dos ônibus entre os bairros mostra que os problemas enfrentados com o transporte público de São Leopoldo não são exclusividade da Santa Marta. O que agrava a situação dos moradores da vila é contar com apenas uma linha no bairro, além da falta de infraestrutura tão prometida pelo poder público. O projeto de asfaltamento das ruas e de ter mais paradas cobertas - e em melhores condições do que a única existente - nunca sai do papel. Os pedidos insistentes de providências feitos aos vereadores e ao prefeito parecem não ter importância alguma para os representantes do povo, que têm a chance e o dever de melhorar muito a situação. Para quem mora nas ruas mais afastadas da principal, a grande maioria de terra batida, andar até a parada na saída do bairro é muito difícil, principalmente em dias de chuva. O jeito é aguentar a longa espera pelo ônibus que entra no bairro de uma em uma hora nos finais de semana e feriados. Muita coisa melhorou na Santa Marta nos últimos anos, mas com um pouco mais de interesse dos órgãos municipais, a vida dos moradores poderia ser extremamente mais fácil. PAOLA OLIVEIRA LAURA SARAIVA
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Saneamento .15
Esgoto entupido causa transtorno à população Água de dejetos cobre a rua, invade residências e causa transtornos à comunidade
gem pelo meio da rua. Já o esgoto pluvial é de responsabilidade da Secretária Municipal de Obras Viárias de São Leopoldo (Semov).
falta de calçadas faz com que a população da Vila Santa Marta percorra o trajeto rente à estrada. Em um desses momentos, o morador de 85 anos, Sebastião Lopes, aborda estudantes do jornal para opinar sobre o entupimento da rede de esgoto em sua rua. Ele observava a manutenção da rede cloacal de esgoto realizada pelo Serviço Municipal de Água e Esgotos de São Leopoldo (Semae). Sebastião reside a duas quadras da Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Marta. A sua casa é baixa em relação à rua, e nela vivem ele e a esposa Anamélia Ferreira, 74 anos. A idosa salienta que faz o uso de andador para locomover-se e o entupimento do bueiro dificulta a sua movimentação devido o alagamento da casa. Problema resultou também na destruição da pequena horta do casal. Na frente da casa dos idosos estão localizados dois
ALAGAMENTOS
A
Sebastião reclama do alagamento causado em sua casa por conta dos bueiros trancados
bueiros, um do esgoto cloacal e outro do esgoto pluvial. O motorista do Semae Julio Cesar acompanhava a manutenção e explica que a obstrução do primeiro é gerada pelo acúmulo de gordura do encanamento, no segundo, o entupimento ocorre devi-
do ao aglomerado de lixo na boca de lobo. De acordo com Sebastião, o episódio acontece com freqüência, principalmente no inverno. Sebastião ressalta que já utilizou diversos produtos de limpeza para amenizar o cheiro. Mas quando o esgoto
“estoura” todo o conteúdo acaba entrando em sua casa. “Como pode dois velhinhos terem que passar por isso? Não aguentamos o fedor”, exclama. Julio esclarece que a responsabilidade da instituição é pelo esgoto cloacal, esgoto tratado com passa-
Lixo, pedaços de plásticos, papéis de bala e garrafas plásticas causam o entupimento das bocas de lobo do esgoto pluvial. Na maioria das vezes, o valo fica repleto de materiais, o que impende a entrada das águas da chuva na boca de lobo e gera o transbordamento para a rua. Para o servidor do Semae, o maior problema são as garrafas de plásticos que trancam o fluxo da água. A moradora Noêmia Vieira Rodrigues, 55 anos reside em frente a um terreno baldio e salienta que o excesso de lixo na rua é causado pela população. “O caminhão de lixo sempre passa, mas há pessoas que não conseguem esperar e acabam largando por aí. Caso morra algum animal, eles entram no terreno e queimam o corpo, deixando o cheio de carniça”, desabafa. ANIELE CERUTTI Millena Nonemacher
Cooperesíduos poderá ampliar triagem Mudanças estão acontecendo na Cooperesíduos Cooperativa de Catadores de Resíduos e Prestação de São Leopoldo Ltda. Em uma parceria com a Prefeitura, espera-se que os 4,5% triados atualmente pelos sócios passe para 15%, resultando ganhos ao município e também mais qualidade de No primeiro vida as famílias dos semestre cooperados que, foram recolhidas em sua maioria, 3.965 toneladas são moradores da de resíduos sólidos Vila Santa Marta. no município Conforme dados da Prefeitura, no primeiro sendo 178 disponibilizadas semestre deste ano a Urban para triagem na esteira da - empresa contratada para Cooperativa que já tem 19 as coletas, recolheu 3.965,5 anos de atuação. “Mudando toneladas de resíduos sólidos as atuais 178 toneladas para produzidos pelos habitantes, 600, aproximadamente, es-
peramos um acréscimo de ao menos 60 cooperados”, prevê o diretor de limpeza urbana da Secretaria Municipal do Meio Ambiente Mário Selli. O presidente da Coopere-
síduos Júlio Lima conta que todos estão ansiosos pelos resultados. “Sempre desejamos trabalhar com tranquilidade”, observa. Não é para menos, afinal, ao aumentar a quantidade de resíduos triados haverá redução dos vestígios enviados para a disposição final. A Prefeitura também está com as melhores expectativas sobre a mudança. “O trabalho de transbordo até o aterro sanitário da CRVR - Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos é feito até às 15h. Com a parceria, o transbordo se dá até às 22h30”, explica Mário. Sendo assim, os sócios da Cooperesíduos ganham, já que o reciclado e enfardado é vendido. “E o pró-labore tem
possibilidade de crescimento”, completa o presidente.
Benefícios
A parceria entre Prefeitura e Cooperesíduos estima vantagens que vão além de mais sócios e ganhos às famílias: a adequação da central de triagem fica de acordo com as exigências da FEPAM - Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler. Há também previsão de redução dos valores pagos pelo município, prevendo-se uma economia de em torno 30% sobre o contrato de prestação de serviço atual. Maria Carolina de Melo GABRIEL OLIVEIRA
16. Violência
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Medo que faz Casos de assédio e abuso sexual acontecem frequentemente em nossa volta, mas muitos não são revelados pelas vítimas, por receio
S
e ao caminhar na rua você já foi surpreendida por assovios, piadas, cantadas, frases que fazem referência ao seu corpo ou à sua roupa, você já foi assediada. Uma pesquisa quantitativa realizada pelo Enfoque na Santa Marta com 31 mulheres, revelou que 20 delas já sofreram ou presenciaram assédio sexual na vila, mas nenhum relato de abuso. As idades das entrevistadas variam de 11 a 63 anos. A pracinha e os bares são os principais locais em que ocorrem tais situações. Mas aglomeração de homens e a relação com pessoas de fora
da vila também propiciam tais atos. As mulheres que relataram nunca ter sofrido ou presenciado qualquer ato de assédio disseram que na vila “todo mundo respeita”. Confira mais dados no gráfico da página 17. No entanto, a situação nem sempre é resolvida com xingamentos ou indiferença, há casos em que o assédio evolui para o abuso. Nos próximos parágrafos serão contadas histórias de meninas abusadas quando ainda eram crianças e adolescentes. Elas preferiram não se identificar, por isso seus nomes foram alterados.
Caronas E AMEAÇA
Um passeio para encontrar um namorado acabou não sendo tão romântico. Por morar em outra cidade Gabriela e sua irmã pegaram uma carona com um conhecido do menino. O trajeto foi tranquilo e tudo corria bem, até o momento que Gabriela foi deixada sozinha no quarto do parceiro. O motorista que as havia levado até o local abriu a porta, entrou e tentou abusá -la. “Ele tava fazendo força pra cima de mim e eu tava fazendo força pra cima dele”. Tentando intimidá-la, o homem disse: “Se tu não fizer nada comigo vocês vão embora caminhando”. Gabriela conseguiu se desvencilhar da situação, encontrou a irmã e foi embora caminhando na noite chuvosa. Com o pesado sentimento de ter sido assediada e ameaçada. Mas caronas mal-intencionadas não acabaram nesse episódio. Em uma madrugada Gabriela e uma amiga voltando de um baile funk na cidade vizinha. Por falta de transportes pú-
blicos funcionando no horário, estavam novamente a pé. Um homem dizendo ser policial ofereceu carona para as meninas, que inocentemente aceitaram. De repente um desvio de rota alertou as adolescentes, em seguida veio a ordem: “Uma de vocês duas vai ter que fazer alguma coisa”. O pavor tomou conta e a resposta foi rápida. “Não precisa mais levar a gente que nós paramos por aqui”. Gabriela rapidamente desceu do carro, o dito policial segurou a amiga tentando impedir a fuga, mas elas conseguiram sair. Correram, até ouvirem a primeira ameaça. “Se fugirem eu vou dar uns tiros em vocês”. O medo paralisou as duas jovens, “o meu coração disparou né”. Sem opções, voltaram até o carro, o homem pediu para que uma entrasse. Diante de uma troca de olhares nervosos e a negativa da amiga, Gabriela se viu obrigada a entrar. “Ele olhou pra mim, começou a abrir a calça e eu tive que fazer”, finaliza embargando a voz e sem conseguir conter
as lágrimas. “Eu tenho muita vergonha disso”, desabafa. O estupro sofrido é mantido em segredo, pelo medo de ser culpada por quem a cerca.
Abuso infantil
“Faz muitos anos que isso aconteceu” diz Carem, hoje com 40 anos, ao lembrar o momento mais doloroso de sua vida. Já são trinta anos convivendo com um medo e pavor frequente. Dos 10 até os 13 anos, ainda menina, ela sofreu constantemente abusos sexuais de seu padrasto. Situação da qual sua mãe se tornou ciente ainda no início, ao entrar um dia em seu quarto e ver o ato de estupro, em flagrante. Contudo, sua única reação no momento foi dar dois tapas, um em cada lado do rosto da filha, e dizê-la que a partir daquele momento não seria mais sua mãe. Essa é uma das mágoas que mais pesa na vida de Carem. A reação e rejeição de sua mãe na época e de como até hoje ela se porta, negando o ocorrido. Outra grande mágoa é a perda da
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O que é De acordo com a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, “assédio sexual é todo o comportamento indesejado de caráter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”. Sentimento de impotência diante de abusos sexuais são frequentes, principalmente quando as vítimas são menores de idade
calar adolescência, período em que ao invés de aproveitar e se divertir, ela foi brutalmente obrigada a se tornar adulta. Talvez, por isso, hoje em dia ela procure, de certa forma, recuperar o tempo perdido indo a bailes e festas, onde após alguns copos de cerveja, consegue se sentir verdadeiramente livre e feliz. Conta que aos doze anos, começou a trabalhar em uma casa de família. Então, com um salário próprio, ela foi até uma loja e pediu o cadeado mais difícil de abrir, um que apenas ela saberia abrir. Com essa compra ela trancou seu quarto e passou a viver e guardar tudo que era seu no local que considerava como o único seguro da casa. Essa foi a forma que na época a ainda criança encontrou para se proteger, pois em sua mente nunca passou a possibilidade de que poderia denunciar o ocorrido à polícia. Com 15 anos, casou e saiu de casa. Teve um casamento duradouro, de 25 anos, porém, nunca se sentiu à vontade em
Você já sofreu assédio sexual? A reportagem do Enfoque fez a pergunta a 31 pessoas na Vila Santa Marta. Confira o resultado: 8 7
8 7
7
6 5 4
4
3 2
3 2
1 10 a 20 anos
21 a 40 anos Sim
Não
Mais de 40 anos
situações de intimidade. A mesma dificuldade refletindo-se no ato de amar o seu companheiro. “Eu sei do sentimento companheirismo, mas amor só pelas minhas filhas e o meu neto, porque eu sinto que eles não vão me magoar”, fala Carem. Novamente, os abusos da infância lhe assombravam. Atualmente divorciada, possui inseguranças e ressentimentos sobre a violência de qual foi vítima. Não só a sexual, realizada pelo padrasto, mas também a de sua mãe. “É impossível ao fechar os olhos não lembrar de tudo. Dos tapas na cara, as agressões com palavras, que muitas vezes doem mais que um tapa”, diz Carem ressentida com a falta do apoio de sua mãe. Convivendo hoje com a depressão, ela evoca várias vezes em sua fala “esse meu lado triste”, ao referir-se aos momentos em que se sente presa ao passado. Pondera que várias das dificuldades como esposa, mãe e mulher surgiram do impacto do acontecido. In-
cluindo a insegurança de que algum dia uma das filhas passe pelo mesmo. Um medo presente na vida de todas as mulheres na sociedade atual.
Você não está só
Se você sofreu algum tipo de abuso sexual, a recomendação geral da Secretaria de Segurança e Defesa Comunitária (Sesdec) é que procure um assistente social do município no Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Os encaminhamentos posteriores variam dependendo do caso. Para melhoria do atendimento nessas situações o município dispõe de uma Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica e Sexual contra a Criança e Adolescente. O grupo é composto pela Sesdec, Creas, Conselho Tutelar e entidades da sociedade civil que abordam a temática. AMANDA BÜNEKER EDUARDA MORAES Mayana Serafini
18. Associativismo
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Casal da Santa Marta cria grupo para idosos Dona Roseli conta como administra e precisa de ajuda para conseguir mais integrantes
R
oseli Rodrigues Camargo, aposentada e moradora da Vila Santa Marta há cinco anos, é a presidente da Associação do Grupo Amigos para Sempre. Junto com seu esposo Marino da Silva, vice-presidente, administram um local onde idosos podem se juntar, conversar e se divertir. Esse grupo existe desde 2004, mas fazia parte da Associação dos Idosos de São Leopoldo. Então, quando o casal tomou posse da presidência e da vice-presidência, decidiu trazer a entidade para mais perto da comunidade. Dona Roseli explica que era muito difícil participar do outro grupo devido à distância, “Tu tinha que ficar se movimentando de lá para cá e era muito ruim participar das reuniões. Então a gente resolveu fundar aqui, né”. Quando foram empossados, em março do ano passado, tiveram que fazer muitas mudanças para que o grupo desse certo. “Agora temos CNPJ, toda a documentação de terreno e tudo mais. Mas não foi fácil”, explica Roseli.
sal, pode-se notar a diferença. Com pessoas de diversos bairros próximos participando do grupo, aos poucos a comunidade foi crescendo. No início eram apenas 19 pessoas que faziam parte ativamente, hoje já contam com cerca de 60 associados.
Dona Roseli e Seu Marino lembram que quando tiveram a ideia de se candidatar à direção não esperavam que fosse crescer tanto.
o que se faz lá?
Para quem gosta se divertir com jogos, há uma
cancha de bocha no local que é o ponto alto do grupo. “Os homens vêm aqui durante alguns dias da semana para jogar bocha, botar o papo em dia e tomar uma cer veja de vez em quando”, conta Seu Marino. As mulheres pre-
Jogo de bocha, atividade preferida pelos homens
Marino e Roseli esperam o apoio das comunidades
sonho e realidade
Pertinho da Santa Marta, na rua Manoel Bandeira 127, bairro Arroio da Manteiga, o terreno agora pertence ao grupo. A sede conta com cozinha, churrasqueira, cancha de bocha, uma horta comunitária. Tudo para os participantes. Mas isso não estava lá quando eles chegaram. O casal conta que a única casa lá existente havia sido destruída e até mesmo as portas e janelas haviam sido roubadas. Por isso, tiveram que botar a mão na massa para reconstruir o local e tudo foi possível graças a ajuda dos participantes do grupo. “Quando a gente precisa de ajuda, seja nos eventos ou até nas reformas, eles (os idosos) sempre pegam junto”, diz Roseli. Não foi fácil o processo de restauração e ainda não está completo, mas no álbum de fotos, mostrado com muito orgulho pelo ca-
ferem um carteado. Jogam de tudo: pife, canastra e às vezes até apostam dinheiro. Obviamente não são valores altos, para participar são apenas dez centavos por rodada. Para ser sócio é preciso apenas pagar dez reais de mensalidade, como ajuda nos custos. As atividades ocorrem normalmente às terças, quartas e sábados. Também ocorrem bailes duas vezes por mês durante o dia, com direito a almoço e um conjunto musical contratado para animar a festa. Lá o grande diferencial é a amizade entre todos. João Pedro Rodrigues Lima, um dos participantes do grupo, conta que vale a pena vir de um pouco longe para contin u a r c u l t i v a n d o a a m izade que se tem ali. Sendo a mais velha do grupo, Maria Irma, com seus 85 anos, é vizinha da Amigos para Sempre e diz que adora passar os seus dias lá. “Eu gosto muito daqui me sinto muito bem tendo um lugar para sair. O pessoal se ajuda e é muito unido”. Seu Lorival, responsável por cuidar da cancha de bocha, faz tudo com o maior prazer. Já participa há cerca de três meses do grupo e conta que o grupo brinca muito e nunca teve um desentendimento entre os participantes.
ajuda necessária
Fugir da solidão Quando os idosos não litária. Outras, como Edí vas para o seu tempo livre. Welzel de Lima, 60, “Só aqui perto de casa têm opções de lazer vivem uma vida tem uns 10 (idosos). perto de casa, muitos ativa. Ao conJá daria para formar acabam não saindo versar com um grupo de alguma com frequência e, idosos da Vila coisa. Sei de várias consequentemente, Santa Marta, logo pessoas que participaficam isolados do resto da comunidade. Algu- Edí percebe-se que eles, Helza riam”, conta Edí. mas pessoas, como Helza mesmo os que já tem um KARINA VERONA Pehl, 76, descrevem a sua cotidiano dinâmico, gostaFELIPE DA SILVA rotina como pacata e so- riam de ter mais alternati-
Mas não é tarefa fácil administrar e manter o grupo. Todas as compras e reformas até agora foram feitas apenas usando o valor das mensalidades e contribuições dos próprios idosos. Praticamente não há pessoas que apoiem a entidade. Para as compras, Dona Roseli e seu Maria saem pesquisando preços para tentar pagar um pouco mais barato. Por isso é necessário um apoio maior das comunidades da região para que esse grupo cresça cada vez mais. Com doações de alimentos para os eventos, materiais de construção para as reformas e principalmente mais participantes. Eric Machado de Freitas
Comunidade .19
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Um bom lugar para viver Entre chegadas e partidas, a vila vai sendo reconhecida como hospitaleira e agradável
D
e tempos em tempos a Vila Santa Marta recebe novos moradores. Pessoas vem da região metropolitana, da campanha e do próprio Vale do Rio dos Sinos, em busca de oportunidades e com objetivo de melhorar de vida. Mudanças são sempre bem-vindas, às vezes elas acontecem por vontade própria e outras vezes por necessidades. Emprego, estudos, família, casamento, muitas coisas motivam à mudança e para a família da Jeocli Vargas, voltar para a Santa Marta foi uma atitude certa, além de necessária. Natural da cidade de São Paulo das Missões, Jeocli se mudou primeiro para o bairro da Campina, em São Leopoldo. No ano de 2003, após o falecimento de seu pai, decidiu se mudar com a família para a vila Santa Marta, para ficar mais perto da mãe e de familiares que já moravam na região. Em sete anos, Jeocli, o marido Valcir e os três filhos do casal, mudaram de casa, mas continuaram a morar na Santa Marta. “Decidimos trocar de casa porque aqui ficamos mais perto das paradas de ônibus e do posto de saúde. E meu tio mora bem aqui na frente, o que deixa a família mais próxima”, comenta. Por sete anos a família tocou a vida, e em 2015 um quase acidente fez com que a ideia de deixar o bairro, fosse a coisa mais certa a se fazer.
Apesar dos problemas que a vila ainda enfrenta em relação a segurança, a família fica tranquila de ter voltado. “Acho que precisamos de mais proteção para o bairro, mas não pretendo me mudar de novo porque aqui é um bom lugar para morar”, diz Jeocli. No pátio da casa é possível ver a nova construção, uma cozinha. Para o futuro, a família pretende ampliar a casa e construir um segundo andar, além de ter a escritura regulamentada e enfim dizer que a residência pertence a eles.
Após retornarem para a comunidade, a família de Jeocli decidiu ampliar a casa
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai e quer voltar
Para o casal, a decisão de sair da vila Santa Marta foi necessária. “Conversamos e decidimos nos mudar. Na época o Samuel tinha 4 anos e não queríamos levar outro susto” explica Jeocli. O filho mais novo quase foi atropelado na frente de casa. Por ser a principal rua da comunidade, os carros passavam em alta velocidade e isso quase gerou uma tragédia na família. O episódio, aliado à violência que o bairro enfrentava na época, foram suficientes para provocar a mudança, que a princípio era sem volta. Como a vida é uma caixinha de surpresas, em junho de 2017, a família decidiu que gostaria de voltar para a Santa Marta. “ O bairro que nós fomos morar era mais retirado e longe de tudo, pensamos em voltar para ficar perto da família de novo e também colocaram um quebra-molas em frente a nossa casa”, relata Jeocli. Representando mais segurança para as crianças e a comunidade, o quebra-molas foi um dos motivos para a família retornar a vila.
A mudança, além de aproximar a família de Joreci, trouxe a esperança de novas oportunidades
A casa laranja, na esquina da Associação dos Moradores da Vila Santa Marta, tem uma nova moradora, a dona Marlene Ribeiro, de 68 anos. Ela, o filho Joreci Santos e sua esposa Roselaine Lacerna, vieram buscar na comunidade novas oportunidades e um emprego. Esse pode ser denominado o principal motivo para a mudança de Joreci e sua esposa, que saíram de Bagé há dois meses com a intenção de construir uma vida melhor. “A ideia de se mudar para cá foi do meu irmão, que já morava aqui há tempos” explica Joreci. Logo após a mudança, Joreci começou a trabalhar em uma cooperativa nova, que está sendo instalada na Santa Marta. “A gente saiu de Bagé porque não tinha emprego e aqui, em pouco tempo, eu já tenho um. Agora, com a família mais perto, pretendemos ficar” comenta Joreci. Atualmente o casal, que está juntos há 10 anos, mora de aluguel perto da casa da dona Marlene, mas pretendem comprar uma casa assim que for possível. Quando chegaram na Santa Marta, os comentários que ouviram eram relacionados à violência e à falta de segurança do bairro, mas isso não foi motivo para desanimar. Para a dona Marlene a vila é boa e não tem com o que se preocupar. ”Nesses dois meses que estamos morando aqui não temos o que reclamar, gostamos daqui e os vizinhos são muito gente boa”. Natural de Alegrete, dona Marlene morou durante 34 anos na cidade de Bagé. Com a aposentadoria garantida, ela mudou-se para a Santa Marta com a intenção de ficar mais perto dos filhos. “Eu vim porque era sozinha lá. Eu não pretendo me mudar mais, aqui é meu último lugar” afirma. Quando questionados sobre o futuro, a família fala apenas em melhorias “Queremos trabalhar e construir uma boa vida” diz Roselaine. Para Joreci, só o tempo vai dizer e mostrar as coisas. “Todo lugar tem violência e isso é inevitável, mas eu digo que quem faz o bairro é a gente”. MARIANA DAMBRÓS GABRIEL REIS
20. Contracepção
A
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A saúde delas
inda visto como tabu na sociedade, falar sobre saúde feminina e métodos preventivos se torna uma tarefa delicada. Com muitas negações pelo caminho, é por meio de ruas paralelas às principais que surgem pessoas a fim de conversar sobre o assunto. Na vila, há apenas o Espaço da Saúde, que aparece como alternativa para quem não pode ir até o Posto, situado no Campestre. Em nenhum dos dois lugares há ginecologistas, o que pode ser determinante para que as mulheres da região não sejam estimuladas a conversarem sobre saúde feminina. Aposentada, Nair dos Santos, de 71 anos, é moradora da vila há aproximadamente 20 anos. Mãe de oito filhos, com netos que já se perde ao contar (são mais de 30) e seis bisnetos, a família está espalhada pela região metropolitana e até mesmo pelo exterior. Divorciada, Nair conta que há duas décadas “se livrou” de um casamento ruim. Alcoólatra, o ex-marido começou a beber com frequência nos primeiros anos do casamento e desde então passou a agredi-la verbalmente e fisicamente. A violência doméstica acontecia na frente dos próprios filhos, e depois de anos Nair tomou coragem para se separar, o que acredita ser uma das melhores decisões já tomada na vida. “Eu não estaria viva se continuasse com ele”, salienta. Além de viver com um agressor, ela estava submetida a ter relações sexuais de acordo com o seu até então parceiro.
Nair nasceu em 1946. Quando passou a ter relações com seu marido, não havia discussão: nenhum método contraceptivo era utilizado. De acordo com Nair, foram feitas várias tentativas de conversa por parte dela para utilizar algo preventivo, mas nunca houve compreensão nem debate da parte do homem. Nenhuma relação sexual, em todo o tempo de casados, foi feita com algum tipo de proteção. Nair conta Sem nenhuma que não pode projeção, oito filhos usar métodos nasceram. Nair não contraceptivos por teve nenhuma do- causa do ex-marido ença derivada da falta de proteção nesse período, mas fica feliz em ver que os tempos mudaram e já não é mais aceitável, por senso comum, não se prevenir. “Hoje em dia, felizmente, os tempos são outros e as mulheres têm mais poder”, salienta. De acordo com ela, antigamente a mulher só servia para reproduzir e era explorada fazendo restritamente todos os serviços domésticos, coisa que já não se aceita tados foram ainda piores. Com a injeção de três em mais nos dias atuais. três meses, os efeitos colaterais DIFICULDADES foram fortes: tinha ciclos mensJovem de 19 anos, Alessan- truais longos e os sangramentos dra da Silva Furtado já teve se estendiam até mesmo em problemas com dois métodos relações sexuais. Sempre buscou contraceptivos: pílula anticon- ajuda médica para resolver o cepcional (AC) e injeção hormo- problema. Ao consultar no Posto nal. Para regular a menstruação, de Campestre, fez exames de aos 13 anos começou a utilizar urina, ecografia transvaginal AC. Contudo, os efeitos não fo- e pré-câncer. De acordo com ram positivos: sentia enjoos e a médica, Alessandra possui tonturas. Depois de um tempo, miomas no útero, que são turesolveu tentar outro método: a mores não-cancerígenos. injeção. Primeiro a mensal e deComo os dois métodos conpois a trimestral, mas os resul- traceptivos tiveram resultados
negativos, atualmente a jovem não utiliza nenhuma forma de prevenção. Ela fez o tratamento que a médica passou ao descobrir os miomas, mas o problema continua. Aguardando para fazer uma nova consulta e tentar resolver o problema, a jovem não está se relacionando com ninguém por conta do impasse. O caso não foi solucionado e continua com sangramentos. Mãe de três filhos, aos 20 anos Taís Severo de Trindade conta que sua relação com métodos contraceptivos começou aos 14 anos. Aos 16, esqueceu de
usar a pílula anticoncepcional, acabou ficando grávida. Depois disso, parou com o AC e teve mais duas crianças. Não querendo mais ter filhos, adotou o método da injeção hormonal trimestral. Fez apenas uma vez e os efeitos colaterais a fizeram não querer mais. Taís menstruou durante muito tempo continuamente e desde que decidiu tentar outro tipo de prevenção, está usando preservativos.
Planejamento
Ser mãe ou pai é um trabalho em turno integral que exige
Os principais métodos contraceptivos PÍLULA ANTICONCEPCIONAL — Pílula ingerida sempre no mesmo horário durante 21 dias. Estima-se que a pílula anticoncepcional é o método mais utilizado em todo o mundo, com aproximadamente 100 milhões de usuárias. Ela pretende regular o ciclo menstrual, além de reduzir o risco de anemia, câncer de ovário e de endométrio. Desvantagens: não protege contra DSTs; alguns dos principais efeitos são náuseas, sangramento inesperado, ganho de peso e acne; embora raros, há incidência de efeitos colaterais como trombose venosa profunda, infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
OUTROS MÉTODOS HORMONAIS — Pílula do dia seguinte, anel vaginal, adesivo, implante, injeção, diu e siu são outras opções de métodos contraceptivos que fazem uso de hormônios para controlar a fertilidade feminina. Determinados dispositivos só podem ser inseridos nas pacientes por profissionais da saúde. As vantagens, em sua maioria, são as mesmas da pílula anticoncepcional. Desvantagens: não protege contra DSTs; sangramento menstrual irregular; alguns dos principais efeitos são náuseas, cólicas, nervosismo, queda de cabelo, hipersensibilidade nos seios, diarréia, vômito, ganho de peso e acne; incidência de infecção na área onde
o objeto foi inserido; diu/siu podem escapar e perfurar o útero. PRESERVATIVOS — Os preservativos, tanto o masculino, quanto o feminino, são os únicos métodos contraceptivos capazes de proteger contra DSTs. A camisinha masculina é facilmente encontrada em farmácias ou no SUS. Desvantagens: falhas relacionadas ao uso incorreto (ruptura ou deslizamento); reação alérgica; irritação vaginal. MÉTODOS DE BARREIRA — O diafragma e o espermaticida devem ser utilizados juntos. O primeiro consiste em uma “capa” de borracha inserida
no útero por um médico. O segundo, uma substância química que bloqueia a passagem de espermatozoides no útero. Desvantagens: não protege contra DSTs; apresentam baixa eficácia quando usado isoladamente; pode provocar irritação no local, dor pélvica, cólicas ou retenção urinária; incidência de candidíase genital, vaginose bacteriana e infecção urinária na mulher; aumento do risco de transmissão do HIV e outras DSTs, pelo efeito de provocar fissuras vaginais, cervicais e retais. NATURAIS — O método da tabelinha se baseia no ciclo menstrual da mulher, estimando a data e duração
do seu próximo período fértil. Já o método sintotermal identifica as alterações da temperatura do útero para descobrir se a mulher está ovulando. Desvantagens: não protege contra DSTs; taxa de falha alta devido a irregularidade do ciclo de cada mulher. DEFINITIVOS — A ligadura de trompas e a vasectomia são métodos definitivos que necessitam de uma decisão única que protegerá contra a gestação pelo resto da vida. Desvantagens: não protege contra DSTs; realizada através de procedimento cirúrgico; a cirurgia de reversão é eficaz em torno de 60% das vezes para se conseguir gestação de forma natural.
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importa
Através de histórias e pesquisa, foi possível registrar como as mulheres previnem-se
Taís já experimentou dois métodos hormonais e agora opta pela camisinha
esforço e dedicação. O planejamento familiar é um assunto importante na construção da vida do casal. Entretanto, as mulheres são as grandes protagonistas desta história. Os métodos contraceptivos pretendem inibir a fecundação de um óvulo pelo espermatozóide. Ou seja, o objetivo é evitar a gravidez. No entanto, apenas poucos métodos são destinados ao uso masculino, enquanto a grande maioria é reservada às mulheres. Com mais de 15 opções, são elas que devem escolher o tratamento que se adapta mais facilmente às suas rotinas e que não provoque reações adversas à saúde. O manual da Federação Nacional de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) elegeu os métodos contraceptivos mais populares (veja no quadro “Os principais métodos contraceptivos”).
Pesquisa
Como as moradoras se protegem A reportagem do Enfoque realizou pesquisa com 33 moradoras da vila Santa Marta para entender como as mulheres da região se protegem das DSTs ou se previnem da gravidêz indesejada:
Alguns métodos contraceptivos podem ser melhores ou piores que outros, mas todos geram certa consequência. A reportagem realizou uma pesquisa com as moradoras da vila Santa Marta, para entender como é a realidade da saúde sexual feminina da comunidade através de um questionário com 33 pessoas (confira no gráfico “Como as moradoras se protegem”). A pílula anticoncepcional lidera o ranking de principal método contraceptivo na Santa Marta com 51,5% de mulheres usuárias. Tendo uma eficiência
de aproximadamente 98%, essa pequena “bomba hormonal” contém dois tipos de hormônios (estrogênio e progestina). Alguns efeitos colaterais podem ser leves, mas também existem casos mais graves que são raros, como o desenvolvimento de trombose venosa profunda. A cartilha de Protocolo de Atenção Básica à Saúde da Mulher do Ministério da Saúde afirma: “Muitas vezes, a escolha do método por parte da mulher é resultado dos processos sociais e históricos permeados de sensações, emoções e recordações vividas por ela”. Um exemplo disso pode ser visto no fato de que muitas mulheres têm vergonha de pegar ou comprar camisinhas. Entre os dados levantados pela reportagem, o que mais causa preocupação é que apenas 12,1% das entrevistadas usam o preservativo. A camisinha é o único método que, além de contraceptivo, é capaz de proteger contra as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Com uma eficácia de 85%, o preservativo de látex é amplamente disponível – sendo ofertado pelo SUS ou encontrado em farmácias por preços acessíveis. Os dados sobre DSTs no Brasil são preocupantes e, numa realidade onde o serviço de saúde é precário e a condição financeira baixa, o melhor é prevenir-se. Dyessica Abadi Fernanda Salla Nicole Fritzen
Sífilis ameaça gestantes e bebês Atualmente, há um surto de sífilis no país. Essa doença ameaça cada vez mais gestantes e bebês. De 2005 a 2013, os casos de grávidas com a infecção pularam de 1.863 para 21.382, uma elevação de mais de 1000%. A enfermidade pode passar de mãe para filho, gerando a sífilis congênita. É necessário que a população seja conscientizada sobre os perigos das DSTs e aprenda a se prevenir. Desta forma, a informação é imprescindível: conversar com pais ou familiares sobre sexualidade, além de debater esse assunto na escola e na comunidade são formas de conscientizar a população sobre a necessidade do combate às DSTs através da prevenção.
Trombose pode matar São mais de 150 mil casos por ano no Brasil de Trombose Venosa Profunda, tornando-se uma doença “comum” na população. Ela surge através de um coágulo de sangue em uma veia profunda, geralmente nas pernas, causando dor ou inchaço na região. Se não tratada logo, essa condição pode se agravar: os coágulos sanguíneos afrouxam e podem alojar-se nos pulmões ou cérebro, levando a óbito. Os tratamentos incluem medicamentos e uso de meias de compressão.
22. Comportamento
Jenyfer
Diversidade é a marca que se encontra em cada esquina
B
asta uma rápida circulada para notar a identidade rica em estilos na Vila Santa Marta. Cores, estampas, abas retas, o brilho do colar de prata ou o néon do tênis do momento. Um mix que pode revelar a personalidade das pessoas dali. Que forma a personalidade do lugar. A moda representa muito mais que apenas o ato de se vestir - ela cria linguagens, muda comportamentos e, em alguns casos, pode ter influência na expressão de uma sociedade. Na Santa Marta ela se expressa através da mistura. O estilo
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José
Denis
O estilo da Vila
não é linear, não é sóbrio e muito menos monótono. Quem pode afirmar isso com conhecimento de causa é Ingrid Pereira Rocha, cabeleireira de 22 anos que transforma a cabeça dos mais jovens em arco-íris. “A tendência por aqui é o cabelo colorido. O pessoal está radicalizando nos últimos tempos, tingindo os fios de azul, rosa, verde, e as meninas buscando cortes mais curtos”, afirma a profissional. Ela atua na área de beleza há alguns anos e garante que, na Vila, as pessoas prezam muito por uma boa aparência. Comprovando o que a cabeleireira diz, Jenyfer Silveira da Rocha desfila com seus longos cabelos azuis. A estudante de 13
anos foi encorajada pela Mc Tati Zaqui a fazer a mudança, seguindo a tendência ditada pela funkeira. Compondo o visual, Jenyfer ostenta roupas super coloridas e estampadas e as peças jeans são as suas favoritas. Ela costuma comprar os itens pela Vila mesmo, nos diversos bazares e brechós que o lugar possui.
Moda como negócio
Um deles é a Loja e Bazar Karolina.A proprietária, Melyssa da Silva, conta que tudo começou quando ela trabalhava em outra área e resolveu vender sapatos para compor a renda. O negócio deu tão certo que se ampliou também para vestuário, então abriu a loja, a quatro anos
atrás. Ela procura escolher os produtos de acordo com o gosto dos clientes.“E outra, temos vários estilos aqui, então tem que pensar em todo mundo. Desde evangélicas, aos que seguem a “modinha”, cada um tem um jeito de se vestir e é preciso oferecer opções. Os coringas da loja, no entanto, são os tênis da Nike, e as camisetas estilo “surf”. Coringas estes que estão no repertório de - em dedução livre - nove entre dez moradores da Vila. José Antônio Miguel Sobrinho, vendedor de 21 anos e Denis da Silva Padilha, de 16 anos sustentam essa hipótese. Eles têm um discurso parecido, ambos gostam de expressar nas roupas uma preocupação com a
aparência e a vontade de externar suas personalidades. Embora essas personalidades sejam diferentes, elas conversam. João, assim como Denis, é adepto ao boné de aba reta, ao tênis colorido e às estampas. A diferença é que Denis ostenta brincos brilhantes nas orelhas e colares reluzentes no pescoço, enquanto João é mais “neutro”. Quando questionados sobre qual o estilo que seguem, nenhum soube responder. O estilo é construído com base na intuição, nos gostos e nas referências que encontram por onde passam. VANESSA SOUZA Millena Nonemacher
Música que inspira Funk, rock, sertanejo ou música gospel são os estilos mais ouvidos pelos moradores da Vila Santa Marta, em São Leopoldo. Quem passa pelas ruas da comunidade sente o fervor do alto som. Movidos a cantorias e alegria por quem as escuta, é através da música que os jovens expressam suas atitudes e a forma como se inserem na comunidade, as quais os fazem ter experiências distintas, influenciando na formação cultural e também opinativa de cada um. Diferentemente de quem nasceu nas décadas passadas, os jovens da atualidade, também conhecidos como geração Z, possuem diversas formas de se conectar a música. Através de aplicativos como Spotify, Deezer e o próprio YouTube, são ali que conhecem novas músicas, encontram suas melodias favoritas e criam suas playlists musicais. Segundo pesquisa divulgada no site Exame.com, as
Yago músicas favoritas dos brasileiros vem de cantores britânicos, como a banda londrina Coldplay, que foi colocada em primeiro lugar no ranking, com 41%. Em seguida, na segunda posição, com 31%, surge o cantor inglês Ed Sheeran, empatado com a dupla brasileira de cantores Jorge e Mateus. Além deles, destacaram-se os cantores Maroon 5, com 30% e a banda brasileira Charlie Brown Jr., com 21%. Yago Wladimir Miguel, de 18 anos, diz que quanto mais ouve música, mais vontade tem de dançar e que isso o motiva a outras coisas. O jovem con-
Claudio ta que gosta muito de ouvir as músicas da cantora Anitta, destaque entre os cantores brasileiros dos dias de hoje. “No meu dia a dia, eu gosto de ouvir funk, sertanejo e também gosto de dançar. Infelizmente, o funk se vulgarizou muito e as letras costumam ter palavrões, o que acaba manchando o estilo musical”, comenta o jovem. Claudio Roberto da Silva, 44 anos, arruma o teto do seu futuro mercado, que está em reforma. Ele afirma que a música é uma forma de descontração para seu dia a dia. “Eu gosto de ouvir música enquanto estou trabalhando, pois me inspira.
Vilson Gosto de ouvir música gospel, independentemente do seu ritmo. As canções do passado, no geral, tinham uma melodia mais romântica, contrária das de hoje, que muitas vezes são agressivas e influenciam nossos jovens a culturas totalmente distorcidas”, relata. Já para Vilson de Vargas, 35 anos, não existe apenas um gênero musical que goste. Na manhã de sábado, ouvindo rádio e organizando o pátio da sua casa, ele diz que a geração de hoje possui mais acesso a diferentes mídias e está mais antenada a tudo. “Eu ouço de tudo, desde funk, até dance.
Tenho filhos e eles gostam de escutar mais o funk, creio porque a geração de hoje possui mais liberdade”, explica. Diferentemente das músicas de hoje, as melodias de quem é da geração passada trazem boas lembranças e marcantes momentos. Anildo Souza dos Santos tem 55 anos, é aposentado e relembra seus tempos de adolescência e quanto as melodias transmitiam questões políticas, culturais e românticas. “Eu acho que as músicas de hoje são cópias das músicas antigas e de maior sucesso. Hoje em dia algumas letras ditam o que os jovens devem seguir, são carregadas de palavrões e possuem pouco incentivo a coisas boas. No meu tempo, se eu falasse um palavrão ou ouvisse uma música assim era repreendido pelos meus pais”, afirma. Matheus Miranda de Freitas DANA MORAES Millena Nonemacher
Futebol .23
ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | OUTUBRO/NOVEMBRO DE 2017
O vermelho e o azul que os movem Torcedores da dupla Gre-Nal relembram suas histórias de fidelidade aos gigantes do futebol gaúcho
O torcedor Darcio tem fé na volta do Inter para a série A
D
entes cerrados, suor escorrendo pelo rosto, garganta dolorida, olhos esbugalhados e uma adrenalina que toma conta do corpo. O futebol costuma provocar sentimentos irracionais, despertando paixões, por vezes, inexplicáveis. Na Vila Santa Marta, não é diferente. Por coincidência, dois torcedores fiéis à dupla GreNal moram na mesma rua, mas em lado opostos. O amor de Darcio de Freitas, 62 anos, pela camisa vermelha e branca começou na juventude, ainda no Paraná. “Eu tinha um professor gremista, e ele chegou na aula feliz por uma vitória do Grêmio, e só para contrariar, disse que torcia para o Inter, embora acompanhasse o Atlético Paranaense”, lembra. Cerca de 20 anos depois nasceu o torcedor gremista Jerônimo Veiga, que diz ser “apaixonado desde sempre”. Por mais que torçam para times rivais, Darcio e Jerônimo têm o mesmo hábito de mostrar para os que visitam em suas casas a paixão pelo futebol. De um lado da rua, o colorado guarda pôsteres, DVDs, revistas e o fardamento. “A sala era cheia de quadros, mas acabei tirando, as revistas meu genro presenteia e o DVD com o título de bicampeão da América está sempre ali”, conta. Já Jerônimo guarda consigo os mesmos objetos, além de uma tatuagem peculiar nas costas: o super-herói Homem Aranha em um mastro com a bandeira do Grêmio. “A ideia veio de uma cena que vi, adoro o mundo dos heróis como amo o meu time”. Eufórico ao contar todos os seus momentos como torcedor, destaca um: a primeira vez que Ronaldinho Gaúcho voltou ao Olímpico depois de assinar com o Flamengo. “Estávamos perdendo de dois a zero, e no fim fizemos quatro gols. Tirei a camisa, e
Tatuagens de Jerônimo marcam duas grandes paixões: super-heróis e Grêmio batia no peito com muita força e emoção”. Mas Darcio é nostálgico e prefere lembrar do fim da década de 70, quando o Internacional ganhou invicto o Campeonato Brasileiro. “Naquela época ganhávamos muitos títulos, mas não posso deixar de lembrar quando fomos campeões do mundo em 2006”. Hoje, a época não é a melhor para o time do Saci que está na série B, mas o torcedor afirma: “Time gigante cai, mas levanta”.
INFLUENCIADORES
A fidelidade pelos gigantes gaúchos fez Jerônimo e Darcio tornarem-se exemplos para as pesso-
as próximas. O vizinho e amigo de Jerônimo, Willian dos Santos, o vê como um paizão. “Esse é o cara que me levou pela primeira vez no estádio tricolor”, relembra. E essa foi uma das motivações para que hoje Willian escute todas as noites nas rádios tudo o que está acontece n d o n o f u t e b o l . N a c a s a q u a s e co l o rada, exceto pela esposa gremista Eliane, a pequena Evellin Yasmin, 7 anos, diz já ser colorada. “Gosto de escutar o pai gritando quando o Inter faz gol”, explica em meio a risadas. Além de Evellin, mais duas filhas torcem pelo colorado, e outras duas são gremistas. “Sempre digo para serem o que quiserem”, garante Darcio. Na residência totalmente tricolor, Jerônimo brinca que para isto acontecer a
esposa virou gremista na marra. Além disto, o torcedor menciona que um outro amigo se sentiu inspirado com a sua tatuagem e também fez uma com o tema super-heróis e Grêmio. “Ele tem na perna o escudo do Capitão América com o símbolo gremista dentro”, conta Jerônimo. Mesmo sendo fiéis a times rivais, isso não os impedem de terem opiniões semelhantes sobre respeito e amizade, que devem estar acima de qualquer jogo. O colorado Darcio não discute ”religião, futebol e política, pois cada pessoa tem a sua opinião”. As relações são tão mais importantes, que o gremista relembra uma situação: “Assisti com um amigo colorado o jogo que o Inter caiu para a Série B, e embora ele parecesse conformado, sei que estava chateado, então, não flauteei muito”.
Mais que um jogo l Segundo o IG Esporte, a Univer-
sidade de Coimbra em Portugal comprovou que a paixão despertada em torcedores é similar ao sentimento de uma pessoa apaixonada.
l Isto por que diante de situações
emocionais positivas, como um gol, o córtex frontal é ativado, onde é liberada a dopamina, proporcionando uma sensação de recompensa.
l Nos próximos dois anos outro
estudo será efetuado para saber a relação de competição entre o amor pessoal e futebolísticos. Situações de escolhas serão construídas aos torcedores. Maria Carolina de Melo GABRIEL CHRISTOVAM
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SÃO LEOPOLDO (RS)
OUTUBRO/NOVEMBRO DE 2017
ENSAIO FOTOGRÁFICO
A criançada agita a Vila IGOR MESQUITA
Jacqueline Santos
O
Luana Ely Quintana
s guris e as gurias são protagonistas fundamentais no cotidiano da comunidade. Jogando, lendo, ouvindo música e tocando instrumentos, correndo de um lado para outro com suas bicis, brincando, essa turma movimenta a vila, alegra o ambiente e estimula todo mundo a seguir batalhando por vidas melhores.
EDIÇÃO
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Luana Ely Quintana
Amanda Bier
Jacqueline Santos
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