ENFOQUE
BAIRRO FARRAPOS
PORTO ALEGRE A invisibilidade das mães solo
Páginas 8 e 9
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A menor Rua da capital fica na Vila Farrapos Página 11
EDUARDA CIDADE
Páginas 4 e 5
Vida no Bairro: ensaio fotográfico
PORTO ALEGRE / RS JUNHO DE 2022
Jaderson Cardoso: o vitorioso atleta do Remo Página 13
2. Editorial
ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | JUNHO DE 2022
Maternidade: uma palavra com diferentes significados
M
aternidade, por definição, significa estado ou qualidade de mãe ou um laço que liga a mãe aos filhos. Ao longo de mais de uma dezena de histórias apuradas para esta edição do jornal Enfoque, é possível perceber que esse tema se sobrepôs aos demais. Talita e Tatiane compartilham com o leitor a importância do apoio na busca pela realização dos sonhos de seus filhos. Cátia e Liziane transmitem a determinação em proporcionar uma vida confortável aos
seus, mesmo lidando com os preconceitos e dificuldades que a vida de uma mãe solo traz consigo. E não é somente por laços de sangue que a “qualidade de mãe” é vivida — a maternidade não é necessariamente biológica. A maternidade tem diversas faces, que não podem ser caracterizadas somente como positivas ou negativas. Elas condizem com um universo de realidades diferentes, algumas planejadas e esperadas e, outras, infelizmente, sem consentimento, de forma violenta.
A sociedade brasileira idealiza o que é ser mãe, invisibiliza as responsabilidades e as obrigações que isso acarreta, sobrecarregando, ainda, nos dias de hoje, a mulher como a única responsável pela criação da criança. Ao mesmo tempo, nem toda mulher quer ser mãe e nem toda mãe participa ativamente do processo da maternidade — e nem por isso é menos mulher. As mulheres retratadas nesta edição do Enfoque relataram a vivência de situações desafiadoras, dolorosas
e também alegres no processo de criação de seus filhos. Para essas mulheres a maternidade é uma ação que se faz todos os dias. As mães da Vila Farrapos levantam diariamente na esperança de ter lazer, alimentação, moradia e perspectivas futuras para proporcionar qualidade de vida e oportunidades para os seus filhos, netos e todos os agregados. n AMANDA BORMIDA GIULIA GODOY NÍCOLAS CRUSE
QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Porto Alegre - Bairro Farrapos é um jornallaboratório dirigido ao bairro Farrapos, localizado em Porto Alegre (RS). A publicação tem tiragem de 1 mil exemplares, que são distribuídos gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do curso de Jornalismo da Unisinos (campi de Porto Alegre e São Leopoldo).
enfoqueportoalegre@gmail.com
| REDAÇÃO | REPORTAGENS – Disciplina: Jornalismo Comunitário e Cidadão. Orientação: Sabrina Franzoni (franzoni@unisinos.br). Repórteres: Amanda Bernardo, Gabriel Jaeger, Gabrielli Zanfran, Jaime Zanata, Jessica Montanha, José Hameyer, Julia Schutz, Juliana Peruchini, Lucas Kominkiewicz, Marco Antonio Moreira, Marília Port, Matheus Ramos, Michele Alves, Milla Lima, Tuane Moreira e Yasmim Borges. Editores: Amanda Bormida, Giulia Godoy e Rodrigo Westphalen. IMAGENS – Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Beatriz Sallet (bsallet@unisinos.br). Repórteres fotográficos: Andy Miritz, Bárbara Bühler, Bárbara de Oliveira, Dominik Machado, Eduarda Cidade, Laura Santiago, Lorenzo Mascia, Luísa Bell, Matheus Terra, Nícolas Córdova, Nícolas Cruse, Raquel Losekann, Valentina Lopardo e Vinícius Alves. Monitora: Dandara Toniolo. | ARTE | Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. | IMPRESSÃO | Gráfica UMA / Grupo RBS.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Campus de Porto Alegre (RS): Av. Dr. Nilo Peçanha, 1600, Boa Vista (CEP 91330 002). Campus de São Leopoldo (RS): Av. Unisinos, 950, Cristo Rei (CEP 93022 750). Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Sergio Eduardo Mariucci. Vicereitor: Artur Eugênio Jacobus. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Guilherme Trez. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretora da Unidade de Graduação: Paula Dal Bó Campagnolo. Coordenadores do Curso de Jornalismo: Débora Lapa Gadret (Porto Alegre) e Micael Vier Behs (São Leopoldo).
Transporte .3
ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | JUNHO DE 2022
Menos ônibus é igual a mais tempo na parada Moradores da Vila Farrapos reclamam da demora e da redução de horários
dos criminosos. “Quando eu trabalhava à noite era um caos. Fui duas vezes assaltada por aqui. O ônibus não passa no horário e acaba que os bandidos passam antes dele. É muito escuro”, conta.
P
ela principal via da Vila Farrapos, a Avenida A.J. Renner, passam três linhas de ônibus. São elas: B25 Arroio Feijó/Humaitá, 701 Vila Farrapos/Voluntários, 703 Vila Farrapos, além de uma linha de lotação. Para passageiros de todas as conduções, a reclamação é a mesma: menos ônibus, mais espera, e lotação dentro dos coletivos. Funcionária de uma loja de calçados no Centro de Porto Alegre, Jociane Meurer está acostumada com a demora do 701. “Se eu perder o das 8h05, o próximo é só às 9h10, e pego no trabalho às 8h50. Ou vou mais cedo ou chego atrasada. Antes da pandemia tinha o das 8h30 que vinha vazio e chegava bem rápido no camelódromo.” Para voltar, o problema é ainda maior. “Solto às 18h30 e só tem ônibus às 19h15, que está sempre atrasado.” Porto Alegre tem, atualmente, 244 linhas de ônibus que circulam diariamente, conforme dados da Empresa Pública de Transportes e Circulação (EPTC). O número apresenta uma redução de quase 30% no comparativo com a época pré-pandemia de Covid-19. Em 2019, eram 371 itinerários. A queda expressiva é sentida pela população, que enfrenta cada vez mais tempo de espera nas paradas.
“O ônibus não passa no horário e os bandidos passam antes dele” Solange Pereira Aposentada
Na última edição, o Enfoque trouxe uma reportagem relatando que os moradores apontam a falta de policiamento no bairro. Para alguns, só há policiais andando nas ruas em dias de jogos na Arena. O comentário é o mesmo em relação ao transporte coletivo. “Quando tem jogo, a EPTC monta até operação especial. Motorista de aplicativo também tem aos montes. Pena que o bairro vira um caos”, relata um comerciante, que preferiu não ser identificado.
Moradores do Bairro Farrapos relatam a falta de coletivo na comunidade e a grande espera por um ônibus na parada
TARIFA TAMBÉM É RECLAMAÇÃO
MAIS HORÁRIOS
Em maio, a Prefeitura de Porto Alegre e a EPTC ampliaram a oferta da linha 701 até às 23h. A redução no número de viagens tinha acontecido no início da pandemia. A justificativa era a diminuição do número de passageiros. “Minhas aulas voltaram ao presencial neste ano e eu precisava desembolsar com transporte por aplicativo. Agora, consigo usar o TRI – sistema de bilhetagem eletrônica utilizado pelas empresas de ônibus de Porto Alegre – para pagar passagem de estudante e voltar para casa”, conta Marcos Ribas. Mas, não é todo mundo que percebe o aumento de horários nas paradas. “Tu pega o horário do B25 na internet e vê que tem um monte. Chega
na parada e o que acontece contigo? Tu acaba ficando um tempão esperando porque eles não praticam o que está no papel”, conta o aposentado José Luiz, que costuma usar o coletivo para ir até um banco na Avenida Assis Brasil.
APLICATIVO É A OPÇÃO DE MUITOS MORADORES
Atrasada para ir trabalhar, a caixa operadora de um supermercado na Cidade Baixa precisa da linha 703 para ir até o Centro e, de lá, pegar um coletivo que vai até o destino
final, na Rua República. Porém, Márcia Santos acaba optando por chamar uma viagem por aplicativo. “Sábado é muito ruim. Passa de hora em hora, quando passa. O ônibus estraga e a gente nem fica sabendo. Acabo pegando um carro por aplicativo e indo direto até o supermercado. O problema é que pago para não perder o emprego, já que a empresa só me paga o ônibus.” O representante comercial Luciano Cunha também opta pelo transporte individual, mas não somente por causa dos atrasos. “Sai mais caro, ad-
mito. Mas pensa: não preciso ficar na parada, porque o carro me pega na porta de casa. Não preciso ficar em pé e dividir espaço, além de ir sentado e bem confortável. Acabei deixando de usar ônibus quando começou a pandemia e agora, não consigo voltar.”
ESPERA QUE GERA INSEGURANÇA
Não são apenas os atrasos que geram reclamações entre os usuários. Ficar muito tempo na parada, para a aposentada Solange Pereira, também representa ser vítima da ação
“A gente paga caro demais para não ter ônibus”, comenta Jociane Meurer. Atualmente, o passageiro desembolsa R$ 4,80 para andar no transporte coletivo. Em 2021, a Prefeitura de Porto Alegre anunciou uma série de medidas para baratear a operação e fazer com que o usuário pague menos. Entre elas, está a circulação de coletivos sem cobrador, o que segundo o Executivo Municipal, representa 45% do custo que compõe o cálculo tarifário. Na prática, 56 linhas não têm mais o profissional. Isso representa mais de 19% do número de trajetos que o sistema de transporte possui. Em quatro anos, as demissões dos cobradores devem gerar a expectativa da Prefeitura de reduzir em até R$ 0,71 centavos a tarifa. Além disso, para 2022, o Executivo Municipal prometeu que não haverá reajustes na passagem. n JAIME ZANATTA NÍCOLAS CÓRDOVA
4. Maternidade
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Mães chefes de família: uma dura realidade Ser mãe não é uma tarefa fácil, mas a batalha de ser mãe solo segue invisível
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o Brasil, a cada dez famílias, quatro são chefiadas por mulheres. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 37,7% das famílias brasileiras têm mulheres como gestoras do lar. Chamadas de mães solo, o termo intitula mulheres que são inteiramente responsáveis pela criação de seus filhos, o que inclui garantir o sustento financeiro da família. Em muitos casos, mães solos não têm uma rede de apoio, alguém que possa cuidar das crianças enquanto elas batalham pelo pão de cada dia, para resolver alguma coisa fora de casa ou até mesmo para descansar. Por estes motivos, no mês de maio, em comemoração ao Dia das Mães, o Enfoque conversou com mães solo moradoras da Vila Farrapos, para elas compartilharem os de todos da casa. O coração desafios e alegrias da jornada gigante não deixa ninguém de fora. Sempre cabe mais de criação dos filhos. As histórias contadas aqui um. São dez filhos no total. poderiam ser apenas depoi- Andressa, Tiago, Rafael e mentos de mães que viven- Lucas moram em suas casas. ciam na pele os contratempos Com ela moram a filha Ani e as benesses da maternidade. de 16, Maria de 8, Estér de Todavia, elas surpreendem 5, Fabrício de 13, os gêmeos com seus relatos de vida. São a Isaac e Elias de 15 anos. A ocupação de Lizi é ser personificação de milhões de mães que não desistiram da dona do lar. Mas revela que árdua tarefa de assumirem so- para manter os gastos da casa, zinhas a criação de seus filhos, também faz reciclagem. No ser ombro, ouvido, e ainda momento está se resguardanem meio a tantas coisas, ter do mais e deixa seu carrinho um tempo para estacionado si. Inspiração “É muito em frente à sua em cada palavra, c a s a . Po r t e r em cada olhar. corrido. Sou só problemas de Com uma saúde, recolhe eu para tudo” sacola cheia de o que encontra pães para o café Liziane Teixeira Santos pelo caminho e da manhã, acom- Dona de casa deposita em caipanhada de sua xas e casinhas no filha Estér, lá vem ela, Liziane outro lado da rua, e uma vez Teixeira Santos, ao nosso en- por semana faz a reciclagem contro. Mesmo demonstrando e troca por dinheiro. timidez com tantas pessoas As recordações de quando em frente à sua casa, de longe ainda era apenas uma mejá foi nos cumprimentando nina mexem com seu emocom um largo sorriso. cional. Sua mãe teve 18 fiAo entrar na residência, lhos. A infância foi marcada uma chaleira, sobre uma boca pelo abandono. “Tínhamos de gás acesa, aquecia a água uma expectativa em receber do banho para o neto, Kalebe, nosso maninho(a) em casa de 2 anos. Com o chuveiro assim que minha mãe saísestragado, essa tem sido a se do hospital. Mas logo que maneira de garantir a higiene ela ganhava o bebê, olhava,
Liziane com suas filhas Maria, Ester e Ani e seu neto Kalebe
interagia um pouquinho, e dava para a primeira pessoa que aparecesse. As roupinhas vinham pra casa, a criança não”, conta. Ela não teve oportunidade de frequentar a escola, não sabe ler, nem escrever. Afirmou que deseja um futuro diferente para os filhos. Com cerca de 14 anos foi levada por um homem bem mais velho para buscar alimentos para a família em um estabelecimento próximo. Ela não sabia, mas não voltaria mais para casa com sua mãe e irmãos. Segundo Lizi, no início o homem a tratava como uma princesa. Tudo o que pedia, ganhava. Mas não podia sair desacompanhada, não conhecia os vizinhos, vivia dentro de uma casa sem janelas. Acreditava que pelo passado da mãe em doar seus filhos, fora através desta que o homem tornara-se seu companheiro. Entretanto, estava vivenciando, sem perceber, um cárcere privado. Relata que quando foi morar com ele “ainda era mocinha”, pouco tempo depois deu à luz ao seu primeiro filho. Ela sofreu muito nas mãos deste homem, que além das marcas físicas que por diversas vezes quase a mataram, as
marcas psicológicas vão sendo curadas com o passar do tempo. Foram oito anos vivenciando momentos de horror. O pior disso é que, na época, leis de apoio às mulheres que sofriam todo o tipo de violência ainda não existiam. Quando conheceu o segundo marido, pai de sete dos seus filhos, achou que tudo seria diferente. Infelizmente, depois de um tempo ele começou a agredi-la verbal e fisicamente. Então,
Curiosidades A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006, com isso, foi possível criar mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher de acordo com a Constituição Federal. O artigo 5º desta lei diz:“Violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Caso você saiba de alguém ou esteja sofrendo esse tipo de violência, denuncie! Ligue 180 para uma escuta e acolhimento qualificado.
com outra mentalidade e mais instruída, resolveu dar fim e denunciá-lo. Liziane fala que hoje pode contar com uma rede de apoio sólida, para lidar com as dificuldades do dia a dia. O Centro Social Fé e Alegria, igrejas próximas, fruteira e minimercado que vendem os itens e ela paga quando pode, entre outros. Por outro lado, diz que está sobrecarregada. “É muito corrido. Sou só eu para tudo. É médico, escola, limpar a casa, lavar e dobrar roupas, fazer comida, é muita coisa. Se eu sair pra ver algo pra mim, falta para fazer as outras atividades”, desabafa. Apesar das dificuldades, Lizi é grata por poder estar junto aos seus filhos e criá-los dignamente. “Às vezes as pessoas me perguntam porque eu fiz tantos filhos para acabar passando trabalho. E eu respondo: ‘Porque eu amo os meus filhos, eu amo estar junto. Eu não tive esse afeto vindo da minha mãe’”, finaliza. Liziane é uma mulher que experimentou uma vida amarga, mas hoje consegue experimentar, na vivência junto aos filhos, a doçura dos pequenos momentos. n
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“Os meus filhos são a minha maior motivação” C
om o sorriso capaz de preencher um ambiente inteiro, Eliane Terezinha de Souza Amorim Cardozo da Silva, 44 anos, já aguardava no portão improvisado de sua residência. Uma mulher bem resolvida, que procura sempre ver o lado bom da vida. Muito receptiva, foi logo puxando assunto. Relatou como tem sido criar os filhos sozinha. São seis no total. A mais velha, de 24, está casada. Em sua casa vivem ela e mais cinco filhos. Aos 20 anos, foi mãe de Yasmin Janaina. Enfrentou frio, chuva, fome, morou um período na rua, mas jamais pensou em abandonar sua filha. “O melhor lugar para os meus filhos estarem é ao meu lado. Mesmo diante de muita dificuldade, eu sabia que um dia as coisas iriam melhorar”, ressaltou. Sua residência é considerada “casinha de passagem”, as paredes são feitas com materiais recicláveis, pode-se ouvir os vizinhos conversando e escutando músicas, devido à proximidade, mas isso não é problema para ela. Seu filho Wesley, de 16 anos, participou dos projetos no Fé e Alegria, e hoje frequenta outro projeto. Willian de 13 anos e Estér de 8, participam das atividades do Centro Social no contraturno escolar. Lorenzo de cinco e Brenda de três anos vão à creche. Criada pela avó, morou com ela no interior do estado até seu falecimento. Então, seus tios a adotaram, mas para os parentes o trabalho na roça e cuidar da casa eram muito mais importantes que os estudos. “Eu sempre tive o sonho de estudar. Ficava escorada na cerca admirando as professoras e seus alunos passarem e queria isso para mim. Já estava com oito anos e nunca tinha ido à escola”, lembra Eliane. Pela falta de documentação exigida e de interesse de seus responsáveis, não podia frequentar o ambiente escolar. Mas, aos 13 anos, Eliane começou a trabalhar cuidando do filho de uma professora. Nesse ambiente, recebia e era ensinada. Mais tarde, ela mesma providenciou a emissão do seu registro. Aos 15 anos, foi ao Cartório de Canoas e como era de menor, precisou contar com alguém que assinasse a
certidão como responsável. uma família que a adotou aos 21 Para isso, foi ajudada pela anos. “Um pessoal da igreja me merendeira da escola. levou para dentro de casa com “Foram momentos tortuo- meus filhos para nos resguardar sos da minha vida. Passei pelo dos perigos da rua. Eu os amo mundo das drogas, precisei me demais e sou muito agradecida prostituir, eu vi muita coisa. por tudo que eles fizeram pela Consegui me formar no Ensi- gente. Os meus filhos os chano Médio, mas foi com a vida mam de vô e vó”, conta. mesmo que tive os maiores Eliane vive um dia após o aprendizados. Caí, levantei, e outro, sabendo que precisanunca desisti!”, rá enfrentar as comenta Eliane. dificuldades de “A gente se vira Seu lema de vida cabeça erguié que pra tudo é nos trinta para da. Seu coração preciso ter força transborda de de vontade. “Eu tentar preencher felicidade em não tive a opor- essas lacunas” poder compartitunidade de ter lhar os momenuma infância, Cátia Rosa Barbosa tos bons ao lado nem adolescên- Auxiliar de serviços gerais dos filhos. “Eles, cia feliz. O meu sem dúvida, são maior sonho era ter uma fa- a minha maior motivação pra mília, para que com eles fos- seguir em frente. Ser mãe é se diferente”, afirma. uma dádiva para mim. Não é A referência que ela tem é de fácil criar filhos sem ter um
companheiro, mas desistir não é opção. Um dia as coisas vão melhorar”, finaliza. Cátia Viviane Rosa Barbosa, de 46 anos, é auxiliar de serviços gerais em uma escola municipal e tem quatro filhos. Nasceu em Canoas, mas mora desde pequena na capital gaúcha. Há pouco mais de um ano reside em frente a uma pequena praça, localizada na Vila Farrapos. Cátia tem o olhar gentil e é de poucas palavras, mas relata com sinceridade os percalços da maternidade solo. Dos quatro filhos, duas moram com ela, a Laura, 11 anos, e a Paola, 8 anos. Duas meninas de sorrisos tímidos e de cabelos molhados por conta do banho tomado há pouco. A mais velha Franciele, de 29 anos, mora no Paraná. “Conseguiu um emprego lá”, Cátia conta com orgulho. O se-
Eliane com seus filhos Lorenzo, Ester e Brenda. Abaixo, Cátia com sua mãe Irene e suas filhas Laura e Paola
gundo filho, Luiz Eduardo, de 23 anos, é deficiente auditivo e mora com a namorada. A auxiliar de serviços gerais também divide a casa com a mãe Irene, aposentada de 76 anos que comenta, brevemente, sobre a preocupação com os problemas de saúde causados pela idade e a demora do SUS (Sistema Único de Saúde) para a realização de uma cirurgia. Do pouco que se vê da garagem improvisada com os varais, Irene está preparando algo no fogão, enquanto Cátia fala que, apesar das dificuldades, se sente forte para qualquer situação em relação à maternidade. Em tom direto e esperançoso diz: “É difícil, mas Deus me dá força para lutar, correr atrás”. Ela conta que as duas meninas menores sentem falta do pai. Apesar de, às vezes, ter contato por telefone com o ex-companheiro, o mesmo não se faz presente na vida das filhas. “O lado afetivo conta muito, as gurias sentem muita falta da presença paterna”. Além do lado emocional, Cátia completa o seu relato apontando que o compromisso paterno com o auxílio financeiro também é ausente e que, acima de tudo, faz falta. Em relação à rede de apoio, Cátia conta que sua mãe Irene é quem dá o suporte. “Principalmente ela! O projeto da Fundação Fé e Alegria ajuda também”. Ressalta com alívio que as filhas, apesar de novas, têm mais autonomia: “agora se arrumam sozinhas, vão pra escola... Já não dependo tanto assim de outras pessoas”. Mas lembra da recente preocupação com a sua saúde e o dever de se manter trabalhando. “Está meio complicado, porque agora eu estou com problema na coluna. Não sei até onde vou conseguir continuar”. Cátia é categórica em respeito a sua vida social, “por questão de escolha, eu estou fechada para essas coisas”. Encabulada, ela explica que tem a sensação de ter feito o possível e o impossível pelas filhas e pelo filho. “A gente se vira nos trinta, para tentar preencher de uma maneira essas lacunas e eles reconhecem isso”, finaliza. n JESSICA MONTANHA MICHELE ALVES LORENZO MASCIA
6. Cotidiano
ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | JUNHO DE 2022
Outra manhã de sábado O bairro é um palco em contínua transformação para diversas vivências familiares
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manhã já havia começado, o barulho era presente e a porta estava aberta, para arejar. A movimentação era grande, entre os preparativos para o almoço e a organização para a noite, quando a família se reuniria para a festa de uma vizinha. Dali, da porta de entrada, nem se imagina que a casa, que hoje estampa dois grandes quadros com fotografias da família em frente à Arena, já foi menor. Antes daquela manhã de sábado, antes das fotos e antes do corredor, a casa media cerca de 18 metros quadrados e abrigava nove pessoas. A casa da família começou como todas as outras da mesma rua: entregue pelo DEMHAB - Departamento Municipal de Habitação em meados dos anos 90. Nela, à noite,
as pessoas dormiam no chão do que era sala, quarto e cozinha ao mesmo tempo. Hoje, 30 anos depois, a situação mudou — seis pessoas dividem uma casa ampliada e mais confortável. A matriarca, seus três filhos e duas netas moram na casa que tem vista privilegiada da Arena e tapetes por todo piso, para que as netas “não peguem friagem”. Em uma caminhada pela Farrapos, não é difícil conhecer famílias que se mudaram para o bairro em grupos maiores que cinco pessoas e cuja figura central, que cuida e coordena, é uma mulher. Pâmela Eibel, 28 anos, conta que, bem antes da chegada da Arena, pôde vivenciar uma infância e adolescência em meio às danças de CTG, partidas de futebol e banhos no Guaíba. “Muita gente esquece essa parte da infância, né? Mas eu lembro certinho”, conta feliz. Hoje, com uma filha de cinco anos, dois deles em meio à pandemia, Pâmela
O desafio de ser mãe, não importa a circunstância sente falta de opções de lazer para a pequena. A fila de espera por vagas no projeto Fé e Alegria e o receio da mãe em relação a brincar na rua transferiram as brincadeiras para dentro do lar. A diversão ao ar livre fica por conta das idas na pracinha. A promessa do início das aulas também a alegra — no início de 2023, a filha começará a frequentar
o ensino fundamental. Maria Alice Franco Antunes, mãe de três filhos, também cresceu e criou os filhos no bairro. Com a mãe e o irmão, viveu 19 anos em uma ocupação, após saírem de Viamão. Aqui estudou, brincou e cresceu. Ainda adolescente, Alice teve seu primeiro filho. Hoje casada, e com filhos criados, ela tem o prazer de ma-
Como seguir após as perdas da vida O luto é um processo que inicia assim que alguém querido se vai. Por anos, no Brasil, a roupa toda preta indicava que se tratava de uma pessoa enlutada. Em outros países, como por exemplo no Japão e na China, a cor que simboliza o luto é o branco.As cores ajudam a externar os sentimentos, mas não abrandam a dor. O carregador autônomo Adair Jorge Weiss Muller* perdeu recentemente, em 9 de fevereiro de 2021, sua companheira de vida. Enilda Garcia de Vargas foi sua esposa e amiga por 25 anos. Dessa união, não tiveram descendentes, mas cada um possuía filhos de seus relacionamentos anteriores, ela três e ele seis. Fevereiro também foi o mês em que eles se conheceram em 1996. Enilda foi hospitalizada logo após descobrir um câncer intestinal. Adair recorda que foram 22 dias de internação sem imaginar que dali sua companheira não iria mais voltar: “Não passa um dia sequer que
eu não me lembre dela”, disse com os olhos marejados. Adair conta que Enilda estava sempre querendo lhe agradar e que seu relacionamento era de muita cumplicidade e amor. Quando saía para ir ao mercado e precisava passar em outro lugar, ela antes retornava para casa, para que ele não se preocupasse com a sua demora, pois não tinham celulares. O carregador autônomo, que foi também padeiro por muito tempo, mora na Vila Farrapos há três anos. A maior parte da união com sua falecida esposa passou na cidade de Canoas. Na sua casa de madeira, que hoje divide com alguns animais de estimação, só restaram as lembranças da companheira de vida. “É uma perda que eu não esperava. Me faz muita falta!”, exclamou com pesar. Mas esse não foi o único luto na jornada de Adair. Aos 35 anos, ele perdeu seu quarto filho, de apenas cinco meses de vida. Para quem não
Adair relembra os bons momentos com sua esposa, e também a dor do luto que hoje virou saudade passou por essa experiência, fica até difícil mensurar todas as dificuldades que um pai e uma mãe enlutada têm que encarar. A saudade imensa que fica depois da partida jamais se apaga da memória. “Eu conto sempre que tenho seis filhos, porque ele continua sendo meu filho”, informou. Foi no trabalho que Adair recebeu a notícia do falecimento do seu filho. Pegou carona de moto com um colega e, no caminho, pensou: “Por que não fui eu no seu lugar”? Diz ter ouvido uma voz em resposta, que acredita ter sido Deus, que o tranquilizou com a seguinte indagação: “E quem iria cuidar de seus outros filhos?” Dessa forma, junto com a dor, foi surgin-
do a conformidade com o passar dos dias, meses e anos. O morador da Vila Farrapos relatou que sua ex-esposa, hoje com 70 anos, não teve a oportunidade de se afastar do trabalho para vivenciar o impacto da perda. Com trabalho informal, que ela exerce até hoje, foi preciso seguir com suas atividades para garantir parte do sustento de sua família na época. Como ironia do destino, Adair perdeu um de seus 17 netos, também aos 5 meses de vida. Ver seu filho passar pela mesma dor que ele passou foi igualmente difícil. “Eles são minha alegria, perder não é nada fácil, mas a gente tem que seguir lutando”, disse. Há muitas incertezas sobre
nhãs tranquilas: ao som de pagode, organizando o lar. Graziele, 23 anos, tem manhãs de sábado diferentes. Antes das 10 horas, ainda com sol baixo, ela e sua filha de 5 anos brincam e passeiam em uma pracinha, quase vazia. Quase, não fosse pelo companheiro que elas encontram nas idas à praça: um cachorro de pelo preto e macio que as acompanha sorridente. Moradora do bairro há menos de cinco anos, Grazi conta com quatro pilares do bairro para criar a filha: praça, creche, unidade de saúde e projetos de assistência. A Vila Farrapos é feita de mães, de infâncias e de manhãs simples como essas. Passado e presente são construídos na praça, ao som do rádio e memórias são criadas por famílias de todos os formatos, que buscam, no fundo, e cada uma do seu jeito, ter uma vida melhor. n AMANDA BERNARDO NÍCOLAS CRUSE
os dilemas do outro, nenhuma pessoa pode dizer como o enlutado se sente ou deve se sentir, quanto tempo deve durar o seu pesar ou quando deve parar de chorar. Quem vivenciou essa dolorosa experiência é que sabe o momento certo de seguir em frente. De uns tempos para cá, a sociedade está compreendendo que o luto se sente internamente e nada tem a ver com as atitudes de quem fica. É o coração que sofre e o emocional que se abala. Para uns é necessário mais tempo de espera, para outros menos, mas cada pessoa precisa encontrar a sua maneira de vivenciar o luto da forma mais confortável possível. O pior cenário é o de não ter tempo para o luto, uma realidade de muitos trabalhadores autônomos que dependem do dia de serviço para sobreviver. O direito à reestruturação emocional é a garantia, para quem fica, de um pouco de dignidade para o enfrentamento da perda. n
(*) Adair também participou da edição de maio do jornal Enfoque, sendo destaque do ensaio fotográfico que saiu na contra-capa e tratava sobre os animais na Vila Farrapos. TUANE MOREIRA LAURA SANTIAGO
Trabalho .7
ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | JUNHO DE 2022
A força dos empreendedores na Vila Farrapos Tratar bem o cliente é essencial para se diferenciar e manter a freguesia
É
normal andar pelas ruas da Vila Farrapos e avistar lojas de produtos variados, ferragens, chaveiros, barbearias, estacionamentos e salões de beleza, todos com funcionários estampando um sorriso no rosto, prontos para atender os moradores do bairro ou qualquer outra pessoa que apareça ali. Minimercados são os mais presentes, ocupando cada esquina. Através do relato dos entrevistados, foi possível perceber que empreender na Vila Farrapos não é fácil. Com a pandemia de Covid-19, muitos locais sofreram com a diminuição de fregueses, fazendo os donos de negócio exercitarem sua criatividade e trabalhar dobrado para manter seus estabelecimentos abertos. Para Adriana Ma- “Dependemos chado, dona de uma loja de rou- do cliente, se eu pas e celulares há estou aqui é por mais de um ano, causa dele” o maior problema foi no produ- Valdete Capelin to que escolheu Comerciante vender, que a prejudicou, sendo necessário colocar a cabeça para funcionar e incluir outras mercadorias em sua loja. “Estou liquidando as roupas e planejando ficar só com conserto de celulares e acessórios. Já tem muito comércio de roupas aqui, muita concorrência. Teve muito menos clientes durante a pandemia, foi feio, o fluxo foi bem menor para muita gente, não só para mim. Mas está melhorando, graças a Deus”, diz, determinada a salvar seu negócio. Dados coletados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), confirmam a visão de Adriana em ter escolhido o produto errado para vender. A pandemia e o alto preço dos alimentos e combustíveis têm ajudado no aumento de mercearias e minimercados. Entre 2020 e 2021, a abertura de novos negócios cresceu 13,6%. Na Vila Farrapos, muitos minimercados abri- compras, o que se mostrou real ram no último ano. O Mercado durante a entrevista, que preVettorazzi iniciou sua jornada cisou ser parada diversas vezes empreendedora em junho de para que Maria pudesse atender 2021 e, segundo Maria Pereira, os fregueses.“Graças a Deus não funcionária do local, a cliente- tivemos tantos problemas com a la está tendo um bom fluxo de pandemia, pois estamos abertos
Minimercado, Bazar & Ferragem Silva Variedades, o qual é pertencente a Valdete Capelin, retratada na foto; Mercado Vetorazzi e também o Bar do Lu são comércios localizados na região da Vila Farrapos, com proximidade a Arena do Grêmio
a menos de um ano. A gente tem dificuldades, não vou te dizer que está perfeito, passamos por alguns perrengues, mas em março as escolas abriram e isso trouxe mais clientes, temos bastante balinhas e docinhos para crian-
ças aqui, então está melhor”, explica, ao sorrir aliviada. Para Luciano Pinheiro, dono do Mercado Luciano e do Bar do Lu, que possui há 19 anos, a fé e a perseverança foram o que o manteve firme durante todo
esse tempo. “Jesus é poderoso, agora tu que tire a conclusão, nada é impossível, não fechei em nenhum momento, minha clientela aumentou, foi muita oração”, afirma o empreendedor,que além de se apoiar muito na sua religião, também apostou na estratégia de ficar longas horas aberto.“Ontem eu fechei às 4h da manhã”, explica, enquanto lamenta pela falta de tempo para ir à igreja. A presença da Arena do Grêmio, que foi inaugurada em dezembro de 2012, também traz movimento para os locais mais próximos do estádio, que além de realizar jogos, também conta com muitos eventos e shows. Valdete Capelin, que abriu o Minimercado Bazar & Ferragem Silva Variedades com seu marido em agosto de 2021, aprecia a presença do antro gremista. “Quando tem jogo tem muito mais pessoas, a venda é muito melhor. Eu sou gremista, eu amo a Arena. Moro aqui desde quando isso era estrada de chão, peguei toda a construção, só traz benefícios”, diz. Luciano Pinheiro concorda, e ainda garante que não sofre com violência e furtos no seu estabelecimento. “Quando tem jogo aparece muito mais pessoas, compram tudo que é coisa, de bebida até arroz e feijão. Eu nunca tive problemas de invasão. Sempre tudo tranquilo”, afirma. Uma visão unânime de todos os comerciantes é que o atendimento aos clientes é a parte mais importante do trabalho realizado ali. Sendo essencial tratar todos com respeito, alegria, oferecendo ajuda e principalmente nunca julgando ninguém, de acordo com Valdete. “É uma maravilha conhecer gente nova, vem pessoas de tudo que é lugar, esses dias eu emprestei meu banheiro para umas meninas tomarem banho aqui em casa. Um atendimento ótimo é muito importante, a gente depende do cliente, se eu tô aqui é por causa dele”, conta. Já Luciano acredita que essa atenção extra é a base de tudo. “A gente sabe atender o pessoal. O público não quer só vir comprar, isso se faz em qualquer lugar, é teu jeito de atender. Não pode ser ignorante, não pode ser apenas mais um. Não apenas nos jogos, o público diário é importante”, explica, com brilho nos olhos. n MILLA LIMA VINÍCIUS ALVES
8. Ensaio Fotográfico
Percepções sobre a vida no Bairro Farrapos J
á eram quase 10:00 e o dia seguia chuvoso. A vida era tocada em frente lá no Bairro Farrapos: o comércio já estava aberto a espera dos primeiros fregueses; os catadores circulavam com os seus carrinhos ainda vazios; as crianças corriam, jogavam bola e falavam entre si; os gatos brincavam nas cercas e os cães pediam carinho e atenção aos passantes; as senhoras, escoradas nas paredes ou no muro das casas, conversavam, talvez, sobre as fortes chuvas que haviam caído na capital gaúcha nas últimas semanas ou sobre o aumento da violência provocada pela falta de policiamento na vila; as roupas lavadas já estavam estendidas, mas era pouco provável que fossem secar naquela manhã; todos pareciam desafiar o dia nublado e friorento que fazia. Já eram quase 10:00 e o chão continuava alagado. As chuvas não deram sossego e a prefeitura ainda não tinha aparecido para atender as reclamações sobre a enchente. A água que cai do céu, fenômeno tão corriqueiro e natural, serve para regar os jardins e abrandar a poeira das ruas sem calçamento. Entretanto, para muitos moradores do Farrapos a enxurrada acaba por invadir seus lares, estragar seus móveis e paralisar seu dia de trabalho. Já eram quase 10:00 e Elisiane havia ligado mais de uma vez à DMLU para que o lixo exposto na rua fosse retirado e, mesmo assim, o material continuava lá. Montanhas coloridas de plástico, papel, vidro, roupas e outros materiais ficam expostas em algumas esquinas, esperando o primeiro cachorro a ir fuçar os restos de comida. Apesar disso, alguém reutiliza pneus velhos para plantar folhagens. Pintaram o viaduto, coloriram calçadas e enfeitaram as casas. Em meio aos canos estoura-
LUÍSA BELL
BÁRBARA BÜHLER
EDUARDA CIDADE
dos e a ausência de saneamento, os senhores carregam sacolas repletas de flores. Seriam vendedores? Já eram quase 10:00 quando Márcia relatava o momento em que conseguiu, enfim, ter acesso a sua sonhada casa. E que demos ênfase à palavra sonhada, pois é fato que o direito à moradia ainda reside no plano dos sonhos para muitos porto-alegrenses, assim como o direito à educação, ao trabalho e à segurança alimentar. Para os moradores do Bairro Farrapos não é diferente. Sonha-se com uma casa mobiliada, com os filhos na escola, com segurança para chegar e sair da moradia, com a chegada das vacinas e com a mesa farta. Enfim, coisas simples e essenciais, porém tão distantes àqueles que vivem somente dos sonhos. No caso do Bairro Farrapos, foi esquecido pelo poder público mesmo presente do lado de fora da Arena do Grêmio. Quem diria que o bairro seria lembrado em dias de jogos, onde os torcedores tomam cerveja nos bares, comem churrasquinho e caminham por aquelas ruas. Entretanto, se caminhassem para as áreas mais internas do território, veriam que o futebol não se faz apenas nos gramados, do lado de dentro da Arena. As crianças do bairro jogam bola nos campinhos e é ali que, de fato, constroem seus sonhos. Elas são separadas em times e o treinador que as acompanha fornece os lanches e algumas vezes até o dinheiro do transporte. Enfim. Já eram quase 10:00 e Mauro veio caminhando até o grupo de fotorrepórteres e repórteres. Ele segurava um bebê de colo e exibia um imenso sorriso no rosto, pois havia chegado ao mundo o seu mais novo filho, Douglas William. Recebeu um exemplar da primeira edição do Enfoque, jornal para o qual ele havia
MATHEUS TERRA
concedido uma entrevista sobre a vida dos catadores. Abriu na página onde estavam as suas fotos e sorrindo, soltou uma gargalhada, falou que gostou muito de participar da atividade e ficou segurando o jornal juntamente com o pequenino. Mauro, seguiu caminhando até a sua casa, onde fica estacionado o seu carrinho de coleta. A vida, por mais dura que se apresentasse, continuava existindo. E resistindo. Já eram quase 10:00 e o bairro acordava para mais um dia de luta. Este é o bairro onde não há saneamento, nem acesso à moradia e que sofre com o descaso do poder público. É o bairro que tem lixo nas ruas e que moradores dividem o pouco que tem com seus animais de estimação. É o bairro de onde saem muitos Mauros para coletar o lixo produzido na cidade de Porto Alegre. É o bairro onde o futebol é muito mais que um esporte e as crianças correm e brincam. É o bairro onde tem vida noturna, comércio e academia. É o bairro onde se plantam flores em pneus, se pintam viadutos e se estendem roupas nos muros. É o bairro onde nasceu Douglas William e será o bairro de muitos e muitas outras crianças que ainda estão por vir. É o bairro de mulheres e senhoras que ficam escoradas nas paredes, conversando. É o bairro de muitas Márcias e Elisianes que constroem seus lares, lutam no hoje e sonham com o amanhã. n
RAQUEL LOSEKANN
RAQUEL ZAFFARI LOSEKANN BÁRBARA BÜHLER EDUARDA CIDADE LUÍSA BELL LAURA SANTIAGO MATHEUS TERRA NÍCOLAS CÓRDOVA RAQUEL LOSEKANN VALENTINA LOPARDO
NÍCOLAS CÓRDOVA
ENFOQUE PORTO ALEGRE | VILA FARRAPOS | JUNHO DE 2022
LUÍSA BELL
LAURA SANTIAGO
LUÍSA BELL
LUÍSA BELL
RAQUEL LOSEKANN
VALENTINA LOPARDO
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10. Perfil
ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | JUNHO DE 2022
O compromisso de acolher sem julgar Michele Nunes mostra na abordagem social, perspectivas de um futuro melhor para comunidade
M
ichele Nunes D’Avila trabalha há 8 meses no Centro Social de Educação e Cultura da Fundação Fé e Alegria como coordenadora de Abordagem. Formada em Psicologia pela Unisinos, Michele conta que participou do processo seletivo para trabalhar no local em setembro de 2021. Ela já atuou na área social com experiência em coordenação de projeto na Rede La Salle e na Rede Marista. Apesar de conhecer bem o ramo que desempenha, diz que já enfrentou alguns desafios. “Uma vez fiz o encaminhamento de indígenas venezuelanos da tribo Warao, onde tinham 16 pessoas na família, sendo 11 adultos e cinco crianças. Todos eles estavam acampados há um mês no canteiro central da Rodoviária, uma situação bem atípica”, revela a psicóloga. Antes de ingressar na coordenação da área do bairro Farrapos, Michele atuava no arquipélago do 4º Distrito,
com cinco ilhas: Das Flores, Pintada, Marinheiros, Pavão e Mauá. Posteriormente, o atendimento foi ampliado e as equipes foram unificadas. Hoje, a instituição atende todos os tipos de pessoas em situação de vulnerabilidade nas comunidades. Michele explica que é necessário avaliar cada caso. “Certa vez, levamos para uma Casa Lar, unidades residenciais, um casal que estava há 30 anos morando na rua, uma condição terrível, foi um grande revés, porque às vezes, eles não querem sair de onde estão”, avalia a coordenadora. Nos atendimentos com crianças e menores de idade em situação de rua, a abordagem faz encaminhamentos para os serviços de abrigo, saúde e escolas – quem está alfabetizado e quem não está – ou se precisam retornar aos estudos. O atendimento para pessoas em vulnerabilidade social pode ser acionado pelo número 156, através da Central de Atendimento ao Cidadão. O acesso aos serviços básicos é mínimo ou nenhum para pessoas que moram nas ruas, alerta Michele. De
Consequências da carência de infraestrutura No início do mês de maio, um cano estourado na Vila Farrapos, na Zona Norte de Porto Alegre causou um alagamento que prejudicou o cotidiano dos moradores. Há muito lixo espalhado pela região, de diversos materiais não reutilizáveis. Como não há saneamento básico e drenagem adequada, é mais propenso que a região sofra com alagamentos após fortes chuvas. O catador de lixo e carroceiro Issaac Nunes Sezil, de 37 anos, brinca que a água estava tão alta que dava pra andar de caiaque. O maior problema, no entanto, é a in-
festação de ratazanas e cobras. “Os moradores precisam se defender, pois os bichos são perigosos, lutamos com as armas que temos”, afirmou o catador, listando os problemas causados pela falta de assistência da prefeitura. Issaac diz que é impossível trabalhar após os alagamentos. “A Secretaria da Habitação não vem até a Vila e não nos oferece ajuda”, lamenta. Ele relata ainda passar por dificuldades com a sua família após os alagamentos. Ana Laura Baldini Reis, psicóloga da Fundação Fé e Alegria, reitera que não há
Michele é psicóloga e atua há 8 meses como uma das coordenadoras na Associação Fé e Alegria acordo com ela, as autoridades que deveriam auxiliar nesses casos, muitas vezes não estão disponíveis e os programas de apoio e de acolhimento são insuficientes. Michele relata que quando necessitam distribuir um Cartão Alimentação para moradores de baixa renda ou com nenhuma renda: “Nós mesmos que desbloqueamos, pois eles não têm nem utensílios para comer, como que vão ter um celular?”, comenta. As funções da abordagem necessitam estar bem especificadas. No ano passado, a
Instituição recebeu da campanha da Prefeitura de Porto Alegre roupas e agasalhos para distribuir. Porém, isso gerou filas imensas e muitos ficaram sem sua doação: “A gente orienta onde pegar esses agasalhos, seja nas igrejas, escolas [...] informamos onde há os recursos, pois nosso trabalho não é de distribuir, e sim de tirar as pessoas das ruas, dar encaminhamentos aos serviços que eles necessitam. Tem gente que veio aqui só para pegar roupa e já não tinha mais”, lamenta. Michele especializou-se
saneamento básico na região. “Além disso, melhorias apresentadas durante o período da Copa do Mundo de 2014 seguem inconclusas”. A psicóloga salienta que quando chove, a certeza é de alagamento. “Alaga inclusive dentro das casas, causando a demolição e reconstrução das mesmas.” Ao ser cobrado pelo Enfoque, o secretário municipal da habitação, André Machado, respondeu que a região da Vila Farrapos é a que mais
demanda atenção do município de Porto Alegre na pauta da habitação. “É uma área que fica na entrada da cidade, onde boa parte passou pelo Programa Integrado da Cidade com a construção de vários loteamentos do Canos estourados e alagamentos frequentes viabilizam a transmissão de doenças e paralisam o trabalho dos catadores
em Psicologia Social com foco em Políticas Públicas, o que contribui para sua atuação. Na prática do dia a dia há bastante a ser feito para que os indivíduos tenham acesso aos seus direitos e auxílios: “Meu trabalho agora é mais interno, de vez em quando sinto falta de estar na rua, ouvindo e acolhendo. Eu aprendo muito e ganho experiências com isso, essas histórias de vida que muitos não veem. O cenário político agrega bastante para que haja essa desigualdade, ainda mais aqui na capital, não dá para ignorar”, afirma a coordenadora. O Fé e Alegria atende em torno de 236 crianças e adolescentes com idade entre 6 e 17 anos e 662 adultos. O local conta com vários programas sociais, além de parcerias com escolas, creches e casas de acolhimento, buscando também promover ações de integração dos imigrantes. “A instituição tem mais de 40 anos e seu objetivo é o de sempre acolher, sem julgamentos”, finaliza Michele. n JULIA SCHUTZ LUÍSA BELL
Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB), mas ainda há uma imensa carência com muitas vilas que precisam de resolução em questões infraestruturais”, explica o secretário. Apesar da resposta do Secretário, os problemas de saneamento têm se agravado na Vila Farrapos após a construção da Arena e da ausência do poder público. n MARCO ANTONIO MOREIRA RAQUEL LOSEKANN
Cotidiano .11
ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | JUNHO DE 2022
O vizinho tricolor Sob o viaduto da luxuosa Arena, vive um sorridente porto-alegrense
O
ano era 2007. O estádio do Grêmio Porto-alegrense era o Olímpico Monumental e a equipe disputava a final da Copa Libertadores da América sob a batuta de Mano Menezes – hoje comandante do time vermelho da capital gaúcha. O local que agora chamam de Humaitá era conhecido como Vila Farrapos. Ninguém poderia imaginar que o futuro guardava uma moderna e luxuosa arena esportiva, a nova casa tricolor, intrincada no coração da Farrapos. Nessa época nem tão distante, Anderson Luis Martins tinha 18 anos, e o pai acabara de falecer. Era um órfão completo. A mãe morrera anos antes. Fora do sistema de ensino, o jovem, natural do bairro, encontrou nas ruas seu lar. “Ainda tenho um irmão”, disse. São vizinhos, na verdade: Anderson vive hoje embaixo do viaduto que dá acesso ao bairro para quem chega à
Porto Alegre via BR-448; seu irmão, que teve o nome preservado por ele, vive em uma casa há uma quadra dali com a esposa e sua filha. “Estou ajudando ele como posso, compro leite pra guria… as coisas não estão fáceis”. O até então anônimo que vive sob os olhos da Arena do Grêmio não tem instrução formal, sobrevive de algumas doações que recebe – “geralmente trazem comida pronta, ajuda muito” – e dos poucos reais que consegue ganhar fazendo capinas e juntando materiais reciclados nas ruas – profissão adotada por uma parcela significativa dos moradores da região. Contudo, o que não pôde adquirir de conhecimento técnico e reservas financeiras, Anderson traz de sobra em sensibilidade e empatia. “Eu não reclamo da vida, a vida é linda, nós é que a complicamos às vezes”, confessa. Deitado enquanto compartilhava sua história de vida comigo, Anderson contou que a condição de tremenda fragilidade social em que se encontra é em parte es-
Apesar das dificuldades, Anderson segue trabalhando e tem esperança de um futuro melhor colha sua. “Era muito novo, meu pai era tudo pra mim” - conta segurando uma cópia pequena do Novo Testamento, única herança que restou. “Não conseguia ficar em casa, houve disputa para vender o imóvel e eu me afastei. Para ter minha liberdade, precisei vir pra rua”, completa. Questionamento inevitável não pude deixar de fazer: “tu és gremista, Anderson?” Respondeu, como a todas as
perguntas, com um sorriso no rosto: “não sou muito ligado em futebol, nos dias de jogo procuro nem sair de casa”, conta apontando para seu teto – o fundo do viaduto Padre Leopoldo Brentado. O futuro da equipe tricolor, hoje na segunda divisão do Campeonato Brasileiro – em contraponto àquele distante 2007 – é análogo ao de Anderson: incerto. O adolescente irreverente deu lugar a
A menor rua de Porto Alegre Nomeada Edson Luís de Souto, a menor rua da capital tem apenas 23 metros de comprimento e fica localizada no bairro Farrapos, próximo da vila Tecnológica. Apesar do tamanho, o local conta com bastante movimento de crianças e adultos durante o dia. Na paralela, fica a praça Cilon Cunha Brum. No endereço, existe apenas um mercado. Entre um atendimento e outro, conversamos com o vendedor da Ambev, João Luiz Gonçalves, 65 anos, que trabalha na mesma rota há seis anos. “Eu não fazia a mínima ideia que essa era a menor rua de Porto Alegre. Estou surpreso”, disse. O movimento principal nos poucos metros da via é de crianças, que circulam livremente pelas ruas e pela pracinha. Ao redor, animais de estimação as acompanham por todos os lados, como se fossem seguranças.
William Bruno Plate, de 22 anos, afirma que o local costumava ser perigoso, “mas agora está tudo bem tranquilo, os dias ruins já passaram”. Durante a conversa, William diz que trabalha com o pai, Gilmar Pinto Plate, no mercadinho da rua, e que seu pai se encontra de férias. Presente no local desde 2010, o mercado de Gilmar faz parte do bairro há 35 anos. Antes, era localizado próximo à Arena do Grêmio. Elenice Alves Mello, de 25 anos, nora de Gilmar, também não sabia que a rua era a menor da capital e se mostrou surpresa. Na verdade, a via sequer tem uma placa com seu nome. Para os entrevistados, a rua era importante apenas pela sua utilidade do dia a dia. O que eles menos imaginam é que o nome da rua é uma homenagem a um jovem assassinado durante a ditadura militar.
Nome da rua homenageia jovem do movimento estudantil morto pela polícia durante a ditadura
RUA EDSON LUÍS DE SOUTO
Edson Luís de Souto foi um jovem atuante do movimento estudantil. Em 28 de março de 1968, aos 18 anos, foi assassinado por um policial militar durante um jantar em que outros 300 estudantes estavam presentes, no novo endereço do restaurante Calabouço, localizado no centro do Rio de Janeiro. Em 1967, o antigo Calabouço foi derrubado para dar lugar a um trevo rodoviário do Aterro do Flamengo. Souto se uniu à Frente Unida dos
Estudantes do Calabouço, (Feuc) que lutava para impedir o fim do restaurante. O estabelecimento fornecia alimentação a baixo custo, e há tempos o governo militar estava tentando fechar. Após a reabertura do espaço em outro endereço, Edson e 300 outros estudantes ocuparam o local em protesto pela melhora da higiene, das opções de alimentação e pela conclusão das obras no restaurante. Um dos maiores motivos do protesto era o aumento dos preços da comida. Foi na noite de 28
um homem conformado com sua condição de vida – “não é digno viver assim... mas é o que tenho”, expressa olhando ao redor como procurando algo que não encontra. Com a edição de maio do jornal Enfoque no colo, apertou minha mão e disse que iria dormir. Virara a noite anterior trabalhando. n JOSÉ HAMEYER ANDY MIRITZ
de março de 1968 que cerca de 25 policiais entraram no Calabouço armados. Edson foi assassinado com um tiro no peito. Sem tempo para ser socorrido, o garoto morreu imediatamente. Três meses depois, em 26 de junho, ocorreu a “Passeata dos Cem Mil”, uma manifestação que marcou a ditadura militar e o movimento estudantil, contando com a presença de artistas e intelectuais da época. 100 mil pessoas marcharam em protesto contra a ditadura, que ao fim daquele ano decretaria o Ato Institucional nº 5 (AI5), iniciando o período mais violento do regime. Um cortejo de 50 mil pessoas prestou homenagem ao jovem Edson em seu velório, da Assembleia Legislativa até o cemitério São João Batista, em Botafogo, RJ. Ao som do hino nacional, pessoas cantaram em coro, “um estudante foi assassinado, poderia ser meu filho.” Em 2022, a morte de Edson completa 54 anos. n JULIANA PERUCHINI BÁRBARA DE OLIVEIRA
12. Impacto social
ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | JUNHO DE 2022
Parcerias com a Unisinos beneficiam o bairro Coordenadores explicam origens e objetivos de atividades promovidas pela Unisinos junto ao Fé e Alegria
ao montarmos projetos em diferentes áreas, como o treinamento para boas práticas na manipulação de alimentos para cozinheiras do instituto, e o curso de Desenvolvedores Web, pela Escola Politécnica Unisinos, beneficiando educandos do FyA Vl. Farrapos”, lista o professor Wesley. Ele revela que novidades estão por vir, com um projeto destinado à costura, planejado em conjunto com o curso de Moda da Unisinos. Por último, além do bairro Farrapos, o Espaço Colaborativo já atuou com outra Unidade do Fé e Alegria, de fora do Rio Grande do Sul. Em 2021, a filial de Manaus (AM), efetuou um pedido de ajuda psicoterapêutica para seus educandos e famílias, frente na qual o professor Wesley participou ativamente. “Por ser psicólogo, desenhei um projeto de Atendimento Psicológico Psicoterapêutico, na modalidade remota (psicoterapia por videochamada), nomeado ‘Escutatório: Atendimento Psicológico Psicoterápico’, que reuniu voluntárias psicólogas que faziam pós em Residência em Saúde Coletiva e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unisinos”, completa.
A
ssim como a Fundação Fé e Alegria, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) pertence à Companhia de Jesus, organização jesuíta fundada por Inácio de Loyola, e responsável ainda por mais de 850 colégios, 200 universidades e faculdades, e 2.700 centros de Educação Popular da Fundação Fé e Alegria. Pela base em comum, a colaboração entre a Unidade do Fé e Alegria da Vila Farrapos (FyA Vl. Farrapos) e a Unisinos vem de longa data, conforme explica o professor e mestre Wesley Heleno de Oliveira, coordenador adjunto do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI Unisinos). “Há parcerias que beneficiam mutuamente essas obras entre si, assim como com outras obras jesuítas, como, por exemplo, o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR-Poa), em Porto Alegre, do qual também somos parceiros”, detalha. Durante a pandemia, os trabalhos conjuntos da Unisinos com o Fé e Alegria não precisaram ser interrompidos. É o que relembra o Pe. Vicente Palotti Zorzo, coordenador do FyA Vl. Farrapos. Ele conta que, especialmente durante as épocas mais críticas de Covid-19, a parceria esteve presente a partir da graduação em Nutrição da Unisinos. A entidade recebeu doações de carne suína para a comunidade do bairro, após tarefa prática de técnicas de corte realizada pelos alunos. Em abril deste ano, o FyA Vl. Farrapos recebeu a visita da turma da Atividade Acadêmica Práticas Urbanas I, sob supervisão do professor Marcelo Heck, docente do curso de Arquitetura e Urbanismo. A atividade tem caráter extensionista, de forma que promove a integração entre o conhecimento acadêmico e a comunidade ao seu redor. Nesse caso, a proposta é desenvolver um projeto de revitalização para o bairro. O foco principal está na região que contorna o prédio do Fé e Alegria, passando pela praça,
BENEFÍCIOS NO ÂMBITO ACADÊMICO
Os computadores da sala de informática chegaram para a Fé e Alegria por meio de doação do grupo Santa Casa. Padre Vicente Palotti se orgulha ao mostrar a Fundação
pela igreja e incluindo ainda uma parte do beco lateral. Para Pe. Vicente, esta é uma oportunidade de os alunos ajudarem a construir um pedaço da cidade. Ele reforça a importância de um projeto exequível, com uma pegada minimalista, ao invés de algo grandioso que acabaria ficando no papel. Nas palavras dele, deve ser algo “bonito, simples e que agregue valor à comunidade”. Além das iniciativas de impacto material, outras possibilidades alcançam os moradores do bairro Farrapos,
como a realização do jornal 11 de maio. As aulas ocorrem Enfoque, desenvolvido sob em uma sala equipada com a orientação das professoras computadores doados pelo Sabrina Franzoni e Beatriz hospital Santa Casa de MiseriSallet, docentes da graduação córdia de Porto Alegre. em Jornalismo. Está dispoNa universidade, outras nível também o ações estendem curso de Mi- Jornal Enfoque é o passado e o croinformática futuro da parpara adolescen- exemplo de ação ceria com o Fé tes da comunie Alegria Farradade, liderado universitária pos. “O Espaço pelo professor Colaborativo de Mateus Raeder, coordenador Fomento à Extensão Universido curso de Ciências da Com- tária Unisinos tem desenvolputação da Unisinos. A oficina vido projetos extensionistas e é ofertada no FyA Vl. Farrapos, responde eventuais solicitaàs quartas-feiras, desde o dia ções do Fé e Alegria Farrapos,
Somados aos efeitos de cada projeto desenvolvido em prol da comunidade, o professor Wesley reafirma os reflexos positivos também dentro da própria Unisinos, no avanço do conhecimento e na formação integral dos alunos da universidade enquanto profissionais de nível superior. Ele reconhece que as universidades são compreendidas pelo tripé Ensino, Pesquisa e Extensão, além da própria Unisinos se definir como Universidade em Extensão. “Portanto, integrar o ambiente acadêmico e a comunidade do entorno, local ou regional, é tão legítimo quanto necessário. Trata-se de uma troca de comunicação, uma interação que dinamiza e potencializa tanto a Academia como a Comunidade extra-universidade”. n MARÍLIA PORT DOMINIK MACHADO
Esporte .13
ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | JUNHO DE 2022
Com o esporte, Jaderson conquistou diversos prêmios e encontrou uma maneira de ajudar financeiramente sua família
O remo está na Farrapos Atleta vence os desafios e há seis anos tira o sustento do esporte
“C
hegou uma hora que eu pensei: bah, estou muito tempo já nisso e eu queria procurar um emprego de carteira assinada”, disse Jaderson Cardoso de Freitas, de 21 anos. Atualmente remando profissionalmente pelo clube de regatas mais antigo do Brasil, o Clube de Regatas Guaíba-Porto Alegre (GPA), o morador da Farrapos começou no esporte aos 13 anos e já competiu pelo Vasco, no Rio de Janeiro. A última competição da qual participou foi o Campeonato Brasileiro, em outubro do ano passado. Na casa que a família vive há 22 anos, ele cobriu o sofá da sala com as medalhas e troféus, que guarda com carinho. A mãe, Tatiana Cardoso, desabafou: “Não é fácil, para sobreviver disso é complicado, porque até ser reconhecido… mas é uma coisa que ele escolheu, tentamos apoiar e manter”. Ela relata que agora o clube está propondo financiar uma graduação para o filho. O jovem diz que pensa em cursar Educação Física ou Fisioterapia. Após a experiência de seis meses morando no Rio e integrando a equipe do Vasco, Cardoso voltou para Porto Alegre e para o GPA. Para ele foi uma grande mudança, morar sozinho em um lugar
novo, além de ter tido conquistas importantes, como as primeiras participações nos campeonatos Brasileiro e Sul-americano. Agora, junto com a função de remador, ele também atua como instrutor de remo para crianças. “É estranho ainda eles me chamando de professor, me pedindo se pode ou não pode fazer tal coisa”, expressa. O atleta, que acumula diversos prêmios, sendo quatro vezes vice-campeão brasileiro e duas vezes vice-campeão sul-americano, quase largou tudo quando conseguiu uma vaga na empresa de confeitaria em que a mãe trabalha, ainda recentemente. No entanto, ele logo voltou aos barcos. Todos os dias, Jaderson vai às 5h30 para o clube. Ele conta que faz o trajeto de moto, que conseguiu comprar com o fruto do trabalho no esporte, mas quando começou ia a pé, depois de bicicleta. “A gente não tinha essas coisas né, nós éramos bem mais simples. Ele me ajuda com tudo, metade do salário dele ele bota aqui dentro”, reforça a mãe. O diretor do GPA, Eduardo Hoehe, contou que a instituição, hoje localizada no Parque Náutico, à beira do rio Jacuí, foi fundada no mesmo ano da abolição da escravatura no Brasil, 1888, e já teve outras sedes. “Desde a década de 70 oferece o remo e a prática de atividade física. E desde 2003, nós temos um projeto social formal que é o Estrela
Guia”. É um convênio com as ficou desde novinho. Eu nunca escolas para que elas mandem precisei gastar nada, eu não os estudantes para realiza- tinha como pagar as coisas, rem práticas esportivas no ajudar financeiramente, então contraturno escolar. Proje- para mim era um ouro manto através do qual Cardoso ter ele ali”, afirmou. Também se inseriu na regata. houve um incentivo, que iniMorando com a mãe, o cialmente veio como uma bolpadrasto, as duas irmãs e o sa em dinheiro. Depois comecunhado, ele tem com o pro- çaram a fornecer uma cesta fessor João Carlos Gonçalves, básica para que ele não desisuma relação de padrinho e tisse, continuasse indo. afilhado. Foi Gonçalves que Sobre incentivos de fora, abriu as portas do clube para ele comenta que o Bolsa o jovem, que demonstrava já Atleta, programa criado em na época, interesse e poten- 2005, no extinto Ministério cial para o remo. “Eu comecei, do Esporte, contempla os fui ver, já estava competidores competindo, as que chegam ao “Ele me ajuda competições inpódio a cada ternas primeiro, com tudo, competição. Os daí foi só indo”, três primeiros metade do relatou Cardoso. têm direito a De acordo salário dele ele bolsa no ano com Tatiana, seguinte. “Eu os três filhos bota aqui dentro” vivo das bolsas, passaram pela Tatiana Cardoso das competições Associação das Mãe de Jaderson e agora vai faCreches Benefizer dois anos centes do Rio Grande do Sul que eu estou com o con(ACBERGS), o que foi mui- trato assinado com o clube to importante para a famí- então eu recebo deles tamlia, pois ela tinha a certeza bém”, frisa o atleta. de que estavam bem e não Ele reforçou que além da na rua. Ela diz que quando questão financeira, sempre surgiu uma parceria da enti- houve um acompanhamento dade com o GPA, o filho logo mais humano, familiar, por ficou envolvido, e quando parte do GPA. “Eles sempre chegou ao fim pouco tempo arrumavam jeito de incendepois, o clube o acolheu por tivar, perguntando se eu meio do Estrela Guia. precisava de alguma coisa. Tatiana lembra que além Ali é como se fosse a mido filho, o sobrinho, Gabriel nha segunda casa, onde eu Cardoso Leal, também parti- comecei”, afirmou. cipou do projeto e hoje rema Segundo o remador, o junto com o primo. “Jaderson esporte já conta com mais
estrutura atualmente, inclusive existe a Confederação Brasileira de Remo (CBR), mas ainda carece de investimento. “Hoje em dia as pessoas não têm muita noção do que é, como é, então acho que tinha que ter um pouco mais de visibilidade, a questão de incentivo para as pessoas terem curiosidade e conhecerem”, ressalta. Em meio a uma variedade de equipamentos na garagem dos barcos, Cardoso e o diretor Hoehe explicaram um pouco sobre as especificidades da atividade, as categorias e apresentaram seu local de trabalho. “O remo trabalha todos os grupos musculares. Ao contrário do que muita gente pensa, ele é mais perna do que braço”, concluiu Hoehe. Tatiana pontuou a rotina de compromissos do filho, que costuma ficar mais em casa. “Tudo não pode, como jogar bola, dormir tarde, então ele não tem tempo, porque se faz qualquer arte, no outro dia está cansado, daí eles cobram muito dele”, disse, explicando que ele treina de terça a sábado, mas antes da pandemia treinava até nos domingos, quando tinha campeonato. O jovem conta que agora dá aula para as crianças e depois treina no período vago, vai para casa, almoça, e a tarde, tudo de novo, fazendo dois turnos. n LUCAS KOMINKIEWICZ EDUARDA CIDADE
14. Esporte
ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | JUNHO DE 2022
A luta de Kauãnny no futebol feminino K9 dribla os obstáculos para alcançar o sonho de se tornar jogadora profissional
Jovem batalha por espaço e valorização no esporte
no evoluiu muito nos últimos anos. “O futebol praticado pelas mulheres tem mais raça, dedicação, esforço, garra e amor futebol feminino no à camisa”, comentou. Brasil vem tendo mais Talita Garcia, de 37 anos, visibilidade e incentivo é mãe da promissora atleta e nos últimos anos, mas ainda trabalha como cozinheira de está longe do ideal. Segundo uma marmitaria da região. Ela um estudo realizado em 2019 relata que anteriormente não pela FIFA (Federação Interna- dava atenção ao futebol e não cional de Futebol), a categoria via relevância para a sua vida. sofre descaso em relação à pre- Com o amor da filha pelo esparação e o número estimado porte, a sua visão mudou comde atletas, da inexistência de pletamente. Hoje ela acredita órgãos gestores específicos, da que “se não der certo, ela pode baixa representatividade femi- fazer uma faculdade de Educanina no comando da própria ção Física e continuar em busca modalidade, além de possuir so- de um trabalho na área que ela mente duas divisões nacionais ama”. Em relação ao machismo, no futebol profissional. Talita desabafa: “Lugar de muEm meio a essas dificulda- lher é onde ela quiser”. des, Kauãnny Garcia Soares, Além do apoio dos pais, de 12 anos, busca vencer essas Kauãnny conta com o incentivo barreiras para se tornar uma do seu dindo, o Carlos Roberto jogadora de futebol profissional. Antunes, que é 2º Sargento da Moradora do bairro Humaitá, Brigada Militar. Ele dá cinco em Porto Alegre, ela joga bola reais a cada gol marcado pela desde os quatro anos. Inicial- sobrinha, como forma de esmente, o sonho começou com o tímulo. No mês de abril deste seu pai no Parque Mascarenhas ano, a menina ganhou R$ 300,00 de Moraes, onde jogacomo recompenram juntos por mui- “Lugar de sa de um ótimo to tempo, compartitrabalho. Carlos lhando incentivo e mulher é onde também ajuda nas competitividade. Com despesas das comela quiser” seis anos, a menina pras de chuteiras, começou a represen- Talita Garcia uniformes e do patar o Genoma Colo- Mãe de Kauãnny gamento mensal à rado. Por lá, jogou escolinha de futefutebol apenas com meninos e bol, que custa R$ 165,00. se tornou a jogadora destaque, Kaká, como também é chaprincipalmente por ser arti- mada, tem ao todo 26 medalheira de competições. lhas na sua trajetória até aqui. Atualmente, “K9”, como é Os prêmios conquistados carinhosamente chamada por foram fruto de boas atuações familiares e amigos, joga futsal em futebol de cinco, futebol pela escola de futebol feminino de campo e futsal. Já recebeu SSW (Soccer School Women), de diversas condecorações como Porto Alegre. Atua pela catego- atleta destaque e artilheira, ria sub-13 e joga na posição mais atuando em diversas cidades, adiantada, como pivô. É destra como Porto Alegre, Lajeado e tem como as principais habi- e General Câmara. A exímia lidades o cabeceio, velocidade batedora de pênaltis revelou e drible. Apesar de todos esses que o seu sonho é inspirado em fatores favoráveis, a menina co- jogadores do futebol feminino lorada já ouviu frases machistas e masculino. Pelas mulheres, contra o seu sonho. “As minhas Cristiane, atacante do Santos, colegas da turma falavam que eu Mileninha e Sorriso, atacante seria um menino simplesmente e zagueira do Internacional, por jogar futebol”, conta. respectivamente. Cristiano RoO pai dela, José Luis dos naldo, do Manchester United, Santos Soares Jr, de 43 anos, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo foi quem incentivou a filha a Fenômeno, campeões munamar o esporte. Colorado, já fez diais pela Seleção Brasileira parte de uma torcida organizada e, atualmente, aposentados, do Internacional, a Camisa 12. são os homens em que ela se Desde cedo, levava a Kauãnny motiva diariamente. n aos jogos de futebol masculino GABRIEL JAEGER e feminino. Para ele, apesar do BÁRBARA BÜHLER preconceito, o futebol femini-
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Liderança .15
ENFOQUE PORTO ALEGRE | BAIRRO FARRAPOS | JUNHO DE 2022
O desafio de acreditar na humanidade Padre compartilha suas vivências com a comunidade através do conhecimento
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embro da Fundação Fé e Alegria, organização jesuítica, localizada na Vila Farrapos, em Porto Alegre, padre Vicente Palotti, de 56 anos, ao presenciar fome, pobreza e ausência de condições sanitárias adequadas, decidiu fazer algo a respeito. Essa decisão se deu por conta dele acreditar que o grande desafio da humanidade atualmente é como cuidar de um mundo tão ferido. Gaúcho, nasceu em Cerro Largo, mas posteriormente passou por diversas localidades diferentes durante a sua formação. Ao se graduar em Filosofia, atuou como professor no ensino público, possuindo uma bagagem constituída pelos seus conhecimentos em educação, pedagogia e didática. Posteriormente concluiu o curso de Teologia. Padre Vicente revela que, ainda que já tivesse nutrido diversas dúvidas a respeito do papel da igreja, elas também acabaram sendo responsáveis pelo seu interesse e, consequentemente, do
aprofundamento que realizou no âmbito da instituição religiosa até se tornar padre. Em decorrência da sua formação acadêmica desempenhou a profissão de professor na África durante o período da Guerra Civil. Em uma das escolas que lecionou no território africano, o padre relembra da circunstância deplorável que observou ao presenciar alunas que eram manipuladas por alguns professores que lhes prometiam notas expressivas em troca de favores sexuais. Em sua opinião, ainda que o continente possua uma quantidade considerável de problemáticas, ao mesmo tempo também conta com características de extrema importância, como um forte sentimento de pertencimento e união enquanto povo. “O futuro da humanidade está na África”, frisa Vicente. De acordo com ele, as populações externas possuem uma visão estereotipada acerca da sociedade africana, que deveria ser rompida para que mais indivíduos sejam conscientizados de que se trata de uma civilização repleta de potencialidades. E, paralelamente à essa
O padre relembra histórias marcantes da comunidade com muito carinho e humildade visão retrógrada, que permanece sendo perpetuada em determinado nível, menciona que os africanos também replicam o mesmo comportamento se tratando de culturas distintas, fato vivido pelo próprio padre. Vicente aponta que o valores que a comunidade possui na África, assim como o respeito a família e a tradição, são questões pelas quais ele nutre uma grande admiração. Primeiramente, ficou por lá de 1991 a 1992, e depois de 1999 a 2004. Ao dissertar a respeito dos
caminhos que a humanidade está trilhando no período atual, o padre Vicente aponta que, embora existam indivíduos que atuem com uma postura sensata, amigável e empática, também existe uma parcela considerável de pessoas que possuem um posicionamento alinhado com a aporofobia. Isso se mostra ao terem problemas com imigrantes e demonstrarem repulsa aos seus semelhantes que se encontram em situações de vulnerabilidade social. De forma contrária à essa perspectiva excludente, o
A prevenção passa pela vacina A vacinação contra a Covid-19 foi um dos métodos mais seguros e eficazes para prevenir a contaminação da doença e salvar vidas. Além de usar máscara e álcool gel, tomar a vacina é o passo mais importante na luta contra a doença, e o Bairro Farrapos fez a sua parte, já que o número de vacinados nos principais postos de saúde que atendem a comunidade foram altos. Segundo a Prefeitura de Porto Alegre e o Censo de 2010, o bairro pertence à Zona Norte da capital e tem uma área aproximada de 1,65 km², representando 0,35% da área do município. Em contrapartida, o bairro possui quase 19 mil habitantes, equivalente a 1,34% da popu-
lação de Porto Alegre. Atualmente, na capital existem mais de 1 milhão e 300 mil pessoas vacinadas com a primeira dose da vacina contra a Covid-19, totalizando 96,7% da população. As pessoas que fizeram a segunda dose somam mais de 1 milhão e 200 mil pessoas. Ainda, são 767.500 doses de reforço aplicadas, equivalente a 67,7% da população de Porto Alegre. Conforme dados da Prefeitura, no Centro de Saúde Navegantes, localizado na Avenida Presidente Franklin Roosevelt, foram feitas mais de 39 mil aplicações da vacina. Na Unidade de Saúde Farrapos, localizada na rua Graciano Camozzato, foram aplicadas 2.241 doses. Já na Unidade de Saúde
Jorge Luis diz não conhecer ninguém que não tenha tomado as vacinas Fradique Vizeu, na rua Frederico Mentz, 2.134 doses da vacina foram administradas. A moradora Luciana Dornelles confirmou ter recebido a vacina e ter completado seu esquema vacinal, mas mesmo sabendo da importância de se imunizar, ainda tem dúvidas quanto a sua ação. “Eu acho que a vacina é eficaz, mas não totalmente, porque foi um desenvolvimento muito rápido
da vacina e a gente sabe que uma vacina leva anos para se desenvolver”,alega.Ela também declarou conhecer pessoas que se recusaram a fazer a imunização contra a doença por ainda não acreditarem que a vacina funciona. O morador Jorge Luis Lucas também completou seu esquema vacinal contra a Covid-19, e afirmou: “Eu acho que a vacina é efetiva, até porque não peguei mais”.
padre reforça que os pobres são responsáveis não somente por conceder um nível de humanização ainda maior à população, ao revelarem a fragilidade do sistema, como também carregam um significado imensurável ao persistirem mesmo diante de adversidades extremas. “O que dá sentido à vida são as pequenas alegrias. É algo genuíno, sem interesse”, diz. Para ele, um recorte considerável da população não consegue viver o tempo atual, com os seus pensamentos sempre direcionados para o amanhã, encontrando-se repletos de preocupação. Além de ser coordenador do projeto Fé e Alegria, o padre Vicente ainda é o responsável pelo funcionamento da paróquia localizada na comunidade, acompanhando diretamente a retomada das atividades no pós-pandemia. Ele reforça que são as iniciativas gratuitas que possibilitam mudanças significativas, fazendo com que indivíduos em contextos precários sejam capazes de vislumbrar um futuro mais digno. n MATHEUS RAMOS VALENTINA LOPARDO
Segundo as informações publicadas no site da Pfizer, uma das principais empresas farmacêuticas do mundo, as vacinas são totalmente seguras. Elas são feitas com microrganismos da própria doença que previne. Por exemplo: a vacina contra o sarampo contém o vírus do sarampo, mas esses microrganismos estão enfraquecidos ou mortos, fazendo com que o corpo não desenvolva a doença, porém se torne preparado para combatê-la se for necessário. Toda vacina licenciada para uso passou por diversas fases de avaliação, garantindo sua segurança. Elas também passam pela avaliação de institutos reguladores rígidos. No Brasil, essa função cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). É importante saber que há demora de alguns dias para que surja uma resposta do organismo, por isso é fundamental manter as medidas de prevenção e higiene. n GABRIELLI ZANFRAN MATHEUS TERRA
ENFOQUE PORTO ALEGRE
BAIRRO FARRAPOS
| JUNHO DE 2022 | EDIÇÃO 2
NÍCOLAS CÓRDOVA
É nas ruas da comunidade que temos a oportunidade de conhecermos diferentes pessoas, as suas realidades e as suas histórias, como o Padre Vicente da Fundação Fé e Alegria, do vitorioso atleta de remo Jaderson Cardoso e de futuros atletas que correm atras dos seus sonhos como a Kauãnny. Durante a segunda saída de campo, os alunos puderam distribuir a primeira edição do jornal, ver a reação dos moradores olhando suas fotos e entrevistas nas reportagens produzidas para o jornal Enfoque. Pelo caminho estava o senhor Adair, dono do cachorro Tarzan, sorridente e feliz ao ver que ele e o fiel companheiro haviam saído no jornal, no ensaio sobre os animais que vivem no bairro. Os estudantes de fotojornalismo, neste ensaio de bastidores, registram momentos dos repórteres entrevistando, das professoras orientando, dos colaboradores da entidade Fé e Alegria e de colegas exercendo seus papéis atrás das câmeras. Além disso, vemos os moradores do bairro conferindo a edição do jornal Enfoque entregue pelos estudantes. Conheça aqui, também, alguns dos rostinhos da nossa equipe! LUÍSA BELL
LUÍSA BELL
DANDARA TONIOLO
DANDARA TONIOLO
EDUARDA CIDADE
Foram muitos os desafios encontrados ao longo do caminho, imprevistos aconteceram, pautas foram alteradas de última hora, mas o jornalismo se faz com a notícia e a imagem que a representa. O Enfoque somente foi concretizado porque houve compromisso em apurar e em divulgar a informação para a comunidade.
LAURA SANTIAGO
DANDARA TONIOLO
Este ensaio fotográfico mostra um pouco de como os alunos das disciplinas de Fotojornalismo e Jornalismo Comunitário e Cidadão, do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), produziram o jornal Enfoque: Bairro Farrapos.
DANDARA TONIOLO
BÁRBARA BÜHLER
Nos bastidores do Enfoque