Enfoque Santa Marta 4

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ENFOQUE SANTA MARTA

SÃO LEOPOLDO / rs

EDIÇÃO

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

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Martina Belotto

Diego Soares: ajudar sempre

TRABALHADORES QUE LUTAM PELA COMUNIDADE

Felipe da Silva

AMANDA BIER

Eduarda Bitencourt

Moradores enxergam em seus trabalhos formas de contribuir com a VILA páginas CENTRAIS

Versos da realidade

Santa Marta pelas crianças

Página 3

Página 15

Projeto inspira arte e cultura

Entre rabiscos, mostram onde vivem

Religião no bairro

A força das diferentes crenças Página 21


2. Editorial

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Um bairro com personalidade forte

E

m mais uma edição do Enfoque Santa Marta, o conteúdo apurado pelos repórteres trouxe diversos problemas locais, da saúde até a temida e falada violência que cerca a comunidade. Porém, muito se fala de empreendedorismo e o quanto os moradores estão determinados em melhorar o local onde vivem. Diante das questões mais tensas, sente-se a vontade e

a atitude de desconstruir uma imagem negativa e que só se torna manchete apenas em momentos ruins. Mais do que isto, o jornal encontrou práticas que visam a mudança desse contexto, desde a escolinha de futebol às rimas de hip-hop ou, até mesmo, aqueles que buscam alternativas ao seu sustento dentro ou fora da vila. Nas religiões o povo vê uma forma de se encontrar, refletir e

expressar-se sobre as diferentes questões do seu cotidiano. Buscamos registrar o quanto isto é forte dentro da Santa Marta, onde o próprio nome vem do catolicismo. Entretanto, em um bairro com muita diversidade religiosa, muitos ainda acabam convivendo com a intolerância. Não foi esquecido o quanto a vila se preocupa com a educação e o futuro de suas crianças. O

incentivo para que elas cresçam com capacidade de aproveitarem as oportunidades que possam surgir na vida. Ou até de criá-las. Nesta edição, aliás, um grupo de crianças desenhou a vila tal como elas a percebem. Mas também estão presentes aqueles que conseguiram cursar o tão sonhado ensino superior. E até viajar para o exterior. Desenhamos entre as páginas do Enfoque, diversas his-

tórias ainda não contadas, mas que trazem a realidade de um bairro que, mesmo por vezes esquecido pelo Poder Público, segue forte e com muito a oferecer. Cada caso possuindo sua relevância. Seja por um viés sentimental, comunitário e, até mesmo, cultural. Bolívar Gomes Thayná Bandasz Amanda Bier

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Santa Marta é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Santa Marta, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, são publicadas três edições por semestre e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo. Telefone: (51) 3591.1122, ramal 1329 / E-mail: posorio@unisinos.br

EDIÇÃO E REPORTAGEM Disciplina: Jornalismo Cidadão. Orientação: Pedro Luiz S. Osório. Edição de textos: Bolívar Gomes, Karina Verona, Paola Oliveira, Stephany Foscarini, Thayná Bandasz da Silva e Vitória Padilha. Edição de fotos: Eduarda Moraes, Gustavo Bauer Willrich e Mariana Dambrós. Reportagem: Amanda Büneker, Amanda Oliveira, Aniele Cerutti, Arthur Serra Isoppo, Bolívar Gomes, Dankiele Tibolla, Dyessica Abadi, Eduarda Moraes, Eric Machado de Freitas, Fernanda Salla, Gustavo Bauer Willrich, Igor Mallmann, Júlia Bozzetto, Karina Verona, Marco Prass, Mariana Dambrós, Matheus Miranda de Freitas, Milena Riboli, Paola Oliveira, Paula Câmara Ferreira, Stephany Foscarini, Tamires de Souza, Thayná Bandasz da Silva, Vanessa dos Santos Souza, Vinícius Bühler da Rosa e Vitória Padilha.

FOTOGRAFIA Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Amanda Bier, Dana Moraes, Eduarda Bitencourt, Felipe da Silva, Gabriel Reis, Gabriel Oliveira, Igor Mesquita, Jacqueline Santos, Jonas Santos, Laura Hahner Nienow, Laura Santos, Laura Saraiva, Luana Quintana, Martina Belotto, Mayana Serafini, Millena Nonemacher, Nicole Fritzen, Patrícia Wisnieski e Thomás Domanski.

ARTE Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. Diagramação: Mariana Matté.

IMPRESSÃO Realização: Gráfica UMA / Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente dos Cursos de Bacharelados e Tecnológicos: Paula Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.


cultura .3

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Luta e rima em uma batida Em turno inverso ao escolar, crianças aprendem sobre direitos e cidadania através das oficinas da AAPPIM

O

lençol do Ursinho Pooh é uma cortina improvisada. Em um canto, livros infantis. No outro, brinquedos e bonecas que perderam suas roupinhas. Com aproximadamente 4 metros quadrados, essa é a sala de aula de mais de 30 crianças e adolescentes. Uma menina abraça duas pelúcias, enquanto um menino gira freneticamente um spinner, brinquedo da moda que pretende amenizar a ansiedade e o estresse. Apesar disso, a atenção dos pequenos está voltada à parede da sala, onde um vídeo sobre racismo é rodado.“Hoje é a terça-feira da intervenção, onde abordamos temas pertinentes à comunidade”, explica a professora Vitória Amorim. A próxima atividade faz a música atravessar as paredes da Associação Artecultura pela Paz Isaura Maia: é hora da oficina de hip-hop. Maiara Carolina, 13 anos, é a primeira a puxar o verso: “O nome dela é Maria, que ousadia Enquanto ela dormia, ele atirou na covardia Onze anos se passou, muita coisa mudou Enquanto a vida passava, ela não andou Maria viralizou, criminalizou, No mundo inteiro chegou, virou lei, morô Democratizou, demorô” “Não, não pense que eu estou sozinha”, cantam em coro as outras jovens do “Respeita as Minas”. São vozes fortes, altas, que ecoam como um grito da alma. O rap “Somos todas Marias” foi composto em homenagem a Maria da Penha, baseado em suas histórias e relatos. As seis meninas que compõem o grupo reuniram-se a partir dos encontros das oficinas de hip-hop, ministradas pelo rapper Mano Vini. “Abordamos temas que não são falados pela sociedade, que são tabus, preconceitos. Tentamos sempre passar uma mensagem de luta”, explica Mano Vini. Apesar de ser fã de sertanejo, Maiara e seu irmão, Welliton, 17 anos, começaram a participar dos encontros da oficina. Com o auxílio do Mano Vini e da professora Vitória, os alunos escrevem seus raps. “A paz é fruto da justiça”, foi o primeiro CD da turma, gra-

Turma reunida com o último CD lançado pelos alunos: “Paz é fruto da Justiça”. Abaixo, concentração durante a intervenção. Ao centro, cartaz com os dizeres “Um grito de liberdade contra a violência”

minas”. Santa Marta carrega o estigma de bairro violento, dominado por traficantes, onde a violência contra a mulher seria apenas mais um crime. No entanto, Maiara diz que esta não é uma realidade vivida apenas na comunidade, mas na sociedade como um todo: “Foi um bom tema, pois existem muitos relatos de estupro e agressão que vemos todos os dias nos jornais”.

RECONHECIMENTO

vado em 2016, com músicas autorais compostas pelas próprias crianças.

VELHO CONHECIDO

Mano Vini já era íntimo da comunidade de Santa Marta: entre 2007 e 2012, ministrou as oficinas de hip-hop do Centro Cooperativo de Assistência ao Menor (Cecam). Voltou em 2015, onde o mesmo espaço foi cedido a AAPPIM, que deu seguimento às atividades. “Conheci eles pequenos e agora já estão maiores que eu”, relata o rapper ao demonstrar que já conhecia todos ali. São 87 crianças e adolescentes, com idade entre 6 e 17 anos, atendidos na Associação Artecultura pela Paz Isaura Maia (AAPPIM). O objetivo é afastar os jovens da criminalidade e inspirá-los através da arte e da cultura. “Eu não tinha nada o

que fazer à tarde, agora eu tenho”, relata Maiara ao explicar que sempre teve interesse por uma atividade durante o turno inverso ao da escola.

POESIA IDEOLÓGICA

Hip-hop é um gênero musical, mas também um estilo de vida. São palavras com atitude e que retratam uma realidade vivida por toda sociedade. O rap é conhecido como uma subcultura, uma música cheia de rimas e poesias das ruas. Artistas como MV Bill, Karol Conka e Emicida são inspirações: “são artistas da comunidade que falam sobre os mesmos temas que os nossos”, afirma Mano Vini. O objetivo do rapper é fortalecer a cidadania das crianças através da música. Welliton relata que o grupo já tratou de diversos assuntos, mas atualmente o foco são “as

Em agosto, o projeto “Respeita as Minas” apresentou-se no V Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião, que ocorreu nas Faculdades EST,

Você conhece o rap? O termo RAP significa rhythm and poetry (ritmo e poesia, em inglês). Surgiu na Jamaica, na década de 1960, e foi levado pelo seu povo aos Estados Unidos, mais especificamente para os bairros pobres de Nova Iorque, no começo da década de 1970. A batida é rápida e acelerada e a letra, que vem em forma de discurso, geralmente fala das dificuldades da vida dos habitantes de bairros pobres das grandes cidades. O break e o grafiti são expressões culturais relacionada ao rap.

instituição de ensino comunitária e confessional, localizada em São Leopoldo. O evento reúne pesquisadores, estudantes, lideranças comunitárias e de movimentos sociais e agentes governamentais de diversas partes do mundo, principalmente latinos. O grupo também participou da última edição do São Leopoldo Fest, realizada entre os dias 21 e 31 de julho deste ano. Ao lembrarem desse dia, Maiara e Welliton não escondem a felicidade e sorriem ao lembrar desta experiência. “Foi tri massa”, concluem. DYESSICA ABADI Eduarda Bitencourt

Quem é Maria da Penha? Maria da Penha Maia Fernandes é uma farmacêutica brasileira que dá nome à lei 11.340. Em 1983, seu marido tentou matá-la duas vezes: Na primeira, atirou simulando um assalto; já na segunda, tentou eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, Penha ficou paraplégica. Após 19, seu agressor foi condenado a oito anos de prisão. Hoje, aos 71 anos, é líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres. A lei Maria da Penha é responsável por aumentar o rigor das punições sobre crimes domésticos.


4. Educação

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Refeição que nutre o ser Um espaço acolhedor e de aprendizagem. É assim que a Associação Arte Cultura para a Paz Isaura Maia é conhecida na Vila Santa Marta

grande presença no cardápio. “É nesse momento da vida que precisamos motivar a uma alimentação balanceada, pois assim criamos hábitos e rotinas alimentares que vão gerar resultados positivos no futuro”, complementa a nutricionista.

“A

A A P P I M o fe r t a atividades lúdicas, recreativas e culturais, por meio de oficinas que abordam temas como gênero, etnia, meio ambiente e direito da criança e do adolescente. Atualmente, a associação atende 87 crianças e adolescentes da Vila Santa Marta e da Tancredo Neves. Essas crianças são do ensino fundamental e médio, além de adolescentes com defasagem escolar. Por ser um espaço que atende no contra turno escolar, as crianças recebem três refeições durante o dia, sendo elas café da manhã, almoço e café da tarde. Vitória Amorim é educadora da AAPPIM há dois anos, e para ela a associação tem um lugar importante não apenas na vida das crianças, mas também para as famílias. “Aqui possibilitamos uma alimentação saudável e de qualidade para as crianças, mas também somos um complemento na vida das famílias que enfrentam dificuldades”, afirma. O relógio marca três horas da tarde e a algazarra no refeitório da AAPPIM se instala. “Não importa onde estão brincado ou o que estão fazendo, chegou a merenda, todo mundo corre para as mesas”, diz Vitória. Cozinheira há mais de 21 anos, Elisandra Souza começou a atuar na associação como merendeira voluntária. “Conheço o projeto há um ano, e vendo a necessidade que eles tinham de uma ajudante de cozinha, resolvi ajudar. Há dois meses eles me contrataram e agora não saio mais daqui”, comenta.

aprendizagem

Acima, o preparo das porções do café da tarde. Apesar das dificuldades, Elisandra (abaixo) usa a criatividade para garantir o cardápio

Aniversários

Investimento

A associação é mantida em parceria com o município de São Leopoldo, no entanto os recursos não são suficientes para manter os atendimentos. Por isso, o apoio da comunidade, de comerciantes, profissionais liberais e empresas, é essencial para manter o funcionamento. Júlio Sá, educador e sociólogo da associação, relata que a Prefeitura, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos,

Elisandra observa que é importante a AAPPIM oferecer essas refeições para as crianças, pois além de motivar a uma boa alimentação, é essencial para o desenvolvimento. Para muitas crianças, essa comida se torna a principal fonte de nutrição. “Muitas vezes, elas saem da escola e não passam em casa e vem direto para a AAPPIM para almoçar. Todas as crianças comem aqui e saem sempre satisfeitas no fim do dia”, conta Elisandra. Ela revela que a felicidade supera seu cansaço. “Eu amo cozinhar e faço com prazer”, salienta. O educador Júlio lembra que a falta de uma boa nutrição, pode prejudicar o aprendizado, o desenvolvimento cognitivo, além dos aspectos físicos das crianças e adolescentes. “Trabalhamos sob a opinião de que o acesso à alimentação é um direito inerente, e por sermos uma das raras iniciativas que ofertam atendimento no contra turno escolar neste território, achamos importante atendermos a esse direito”, esclarece.

presta assistência com fornecimento de frutas, legumes e verduras produzidos por pequenos produtores rurais. “ Além dessa ajuda da prefeitura, nós temos uma rede de doadores considerável”, destaca.

Cardápio

O cardápio dos alunos é composto basicamente por alimentos como arroz, feijão,

massa e verduras, além de biscoito e pães, preparados por Elisandra. Por ser a única cozinheira da associação, ela conta que é responsável por tudo na cozinha. “A gente tem um cardápio planejado para toda semana, mas algumas vezes, por falta de alimentos, eu faço algumas mudanças. A criatividade é tudo na cozinha”, conclui. A alimentação oferecida

às crianças é planejada por Elisandra e a nutricionista Raquel Lopes dos Santos, que atua como voluntária. “O cardápio é feito de forma global para a faixa etária, e tentamos suprir as necessidades energéticas e proteicas das crianças conforme as doações”, explica Raquel. Frutas e verduras são sempre disponibilizadas às crianças, e possuem uma

Cada final de mês, os educadores preparam uma festa de aniversário coletiva para as crianças. A ideia faz parte de um eixo da proposta pedagógica “Direito de Ser”, em que os educadores estimulam o exercício da infância e da juventude. “A comemoração do aniversário se situa como um marco no tempo, ou seja, algo diferente está acontecendo na vida dessa meninada e, por isso, é tão especial e significativo”, comenta Júlio. Com doações e investimentos dos próprios educadores, a comemoração tem bolo, cachorro quente e balões. “Para muitas crianças, essa é a única festa de aniversário, e é gratificante ver a alegria nesses rostinhos”, diz Elisandra. Mariana Dambrós GABRIEL REIS


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Escola é modelo em sustentabilidade Professoras participaram da etapa final do Rally Continental Escolas com Futuro Sustentável 2016

mês recebíamos da fundação as atividades que deveriam ser cumpridas pela escola”, conta a professora. No total, foram cinco desafios, 21 metas e sete ações em 24 semanas. “Das nove escolas brasileiras que se inscreveram, só a Santa Marta permaneceu”, orgulha-se a docente, que é doutoranda em Educação pela Unisinos.

“O

s alunos não têm noção da grandiosidade do que aconteceu”, destaca a professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Marta Sandra Grohe. Ela e sua colega Cristina Santos viajaram ao Peru para As professoras a última etapa do Sandra (à Rally Continental esquerda) e Cristina Escolas com Fu- viajaram ao Peru turo Sustentável para a final do 2016, organiza- Rally Continental do pela fundação Escolas com Futuro prêmio Vive con colombiana Vive Sustentável 2016 Esperanza. con Esperanza. Desde 2011, A competição promove uma a escola desenvolve projetos educação voltada ao desenvol- para mobilizar alunos e comuvimento sustentável e à gestão nidade em torno de temas sodo risco de desastres. Dos sete cioambientais. Com o trabalho mil inscritos, a EMEF Santa de professores e estudantes, as Marta representou o Brasil na ações se destacaram. “No início competição ao lado de 11 esco- eram projetos simples, mas os las, trazendo para casa o certi- inscrevíamos em concursos e ficado de Escola Emblemática surgiam medalhas e verbas”, Internacional do Comitê do lembra Sandra. Uma delas

transformaÇÃO

foi a quantia de quase R$ 190 mil da Ford Motor Company. “Aprendemos a buscar novos caminhos para fortalecer nossas iniciativas”, explica. Apesar dos projetos iniciais abordarem o tratamento de resíduos, surgiu o foco nos temas voltados à sustentabilidade. “A ideia de participar da competição surgiu de um e-mail do Ministério da Educação, sugerindo a inscrição. Depois isso, todo

Projetos como o Movimento Bairro Melhor, com intervenções conjuntas no bairro entre poder público, escola, iniciativa privada e Associação de Moradores evidenciam, para Sandra, o poder transformador da educação. “Passamos a pensar a escola de uma maneira diferente, não só como algo local, mas global”, esclarece. Com a atuação voltada para o bem comum do bairro, mudanças se tornaram visíveis. “Quando cheguei, havia problemas de violência na escola, um descuido com a estrutura. Muitos alunos não queriam que as pessoas soubessem que eles estudavam lá”, recorda.

Muito mais que um hobby Magda Catiane de Castro tem 24 anos e muitas ideias na cabeça. A jovem, que estuda Jogos Digitais na Feevale, se mostra bastante extrovertida e artística. Em torno de seu braço direito, um pouco abaixo do ombro, uma tatuagem de galhos e flores rosadas dá um contraste interessante entre o delicado e o rebuscado. O sonho da faculdade se tornou possível após bolsa do ProUni, pois pagar pelo transporte e materiais utilizados no curso não exige tantos gastos quanto o pagamento da mensalidade. Ela explica que, inicialmente, entrou em Publicidade e Propaganda, no mesmo local. No entanto, cinco semestres no curso foram o suficiente para que Magda entendesse que aquilo não era para ela. “Comecei a questionar se o problema era comi-

go ou se era algo relacionado com o curso”, conta. “Eu não achava legal a ideia de ter que fazer um determinado produto vender, como por exemplo uma garrafa d’água”, relembra, apontando o objeto em suas mãos. Por fim, definiu que Publicidade era muito superficial e resolveu respirar novos ares. O curso de Jogos Digitais a recebeu de braços abertos. “Me sinto realizada, foi nele que me encontrei”. Sempre movimentando muito os braços e mãos, ela fala que essa é uma característica natural de si mesma: “Estou sempre me mexendo muito, não consigo parar”, ri.

Arte nas veias

Sua desenvoltura para a arte e trabalhos manuais fica evidente quando adentro seu quarto: a mesinha de canto conta com algu-

mas ilustrações autorais, iluminadas pela luminária que ela mesma fez. Questionada sobre o que mais lhe incomoda com relação ao curso, ela esclarece que é o fato de que, para muitos, Jogos Magda de Castro Digitais é enestuda Jogos carado como Digitais na Feevale. um hobby. Uma Abaixo, ilustrações sob das grandes di- a luminária que ela fez ficuldades das pessoas é entender a área como um estudo sério. “Sobre essa última crise do país, li que essa foi uma das poucas graduações que não decaiu em número de inscritos”. De fato, o mercado dos jogos online representa poder. Segundo dados do jornal O Globo, somente em 2016 ele gerou receitas de R$ 4,9 bilhões de reais, o que garante o Brasil como líder do setor na Améri-

Com o auxílio de todos, porém, o bairro se tornou melhor. “Hoje a maioria se orgulha de dizer que mora na Santa Marta”, relata a professora. Com o triunfo em diversas premiações, surgiram verbas para melhorias no local. Uma delas é a revitalização do Arroio da Manteiga, que passa pelo bairro. Outra é a conquista de mais tempo para que as professoras se dediquem a atividades externas relativas aos projetos. Um deles diz respeito à iniciação científica dos estudantes, que desenvolvem pesquisas e planos de ação na comunidade. Mudanças já são visíveis aos moradores do bairro e, inclusive, um público internacional. Cada vez mais projetos são desenvolvidos pela Escola Santa Marta – foram 137, até o momento. Contudo, Sandra evidencia que é apenas o começo. “É tudo muito inicial”, frisa. O que não resta dúvidas é que, em união, a comunidade pode se desenvolver cada vez mais. MARCO PRASS ARQUIVO PESSOAL

ca Latina. Apesar de tudo, Magda ainda vê essa esfera engatinhando, o que dificulta a valorização que tanto almeja para a área. Sentada no sofá vermelho listrado que fica na sala, é possível ver que ela tem muitos sonhos, que assim como sua casa, são construídos tijolo a tijolo. Em um bairro onde a violência do tráfico de drogas se contrasta ao fato de que praticamente todos na rua se conhecem bem e sabem onde os outros moram, Magda é uma jovem mulher de coragem. A volta das aulas da faculdade, à noite, se torna uma aventura bastante audaciosa: ela vai até o centro de São Leopoldo e de lá pega um ônibus de volta para casa. Conforme conta, não há medo. E é assim, sem medo, que ela segue acreditando em um futuro melhor, com o diploma em mãos. MILENA RIBOLI JACQUELINE SANTOS


6. Saúde

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Amor, carinho e cuidado. Sentimentos maternos expressados em detalhes

Novos pequenos moradores da Santa Marta Mães e futuras mamães do bairro falam sobre o período de gravidez e o nascimento dos bebês

R

ecém-nascidos alegram as famílias da Santa Marta. Os meses de espera para a chegada dos bebês, nem sempre são tranquilos, mas a alegria de conceber a vida torna-se maior que os obstáculos. O primeiro desafio enfrentado pelas mulheres é o acompanhamento médico da gravidez. As moradoras deslocam-se até o bairro vizinho, Campestre, pois não há ginecologista no Espaço de Saúde Santa Marta. De acordo com Dilce Maria da Rosa, da associação de moradores, apenas um clínico geral atende no Espaço. “Eu tenho consciência que desde o começo, esse espaço saúde não ia atender todas as necessidades do nosso bairro”, afirma. E complementa que subir a lomba até a Unidade Básica de Saúde (UBS) Campestre é um obstáculo que os moradores estão “cascudos” de enfrentar. Kellen Correa Duarte, 18 anos, ganhou seu segundo filho, Arthur Gabriel Duarte Dias na quinta-feira, 24 de agosto, no hospital Centená-

rio. Realizou todo o pré-natal na UBS Campestre e recebeu o acompanhamento da agente de saúde do bairro. As consultas aconteciam a cada quinze dias, as visitas da agente uma vez ao mês. “Como eu tinha pressão alta a agente vinha e perguntava o que eu estava comendo, daí pediu para tirar o sal”, relata Kellen sobre a pequena complicação na gestação. Ela soube da gravidez aos três meses, por isso a primeira ecografia deu-se aos cinco meses. Mesmo tendo descoberto tardiamente e, devido a isso, iniciar o pré-natal com atraso, a gestação foi tranquila e o Arthur nasceu saudável. A mãe revelou que o bebê foi planejado. “Eu queria um gurizinho, daí comecei a tentar”, conta. Com poucos dias de repouso Kellen já levou o filho para fazer o teste do pezinho na UBS, demonstrando uma recuperação rápida para quem foi submetida a uma cesariana de emergência. A irmã mais velha de Arthur, Amanda Grabriele Duarte Dias, 3 anos, acariciava o caçula, que repousava no colo da mãe, com zelo e cuidado, mas confessou ter um pouco de ciúmes do novo integrante da família.

família Dias

Hipertensa e grávida, Nailaine Dias da Rosa, 18 anos, viveu nove meses de muito cuidado e atenção. Recebeu um acompanhamento especial no Centro Médico Capilé, desde a descoberta da sua gravidez, com um mês de gestação. As consultas aconteciam toda semana e a gestante foi orientada a cortar o sal da dieta, além de permanecer em repouso durante os nove meses. Por ser uma gestação de alto risco, Nailaine não pode fazer o pré-natal da UBS Campestre. “Foi bem complicado, a minha pressão estava muito alta. Tinha que tomar muitos remédios”, relata a moradora sobre o período. Seguindo à risca as recomendações do médico, a gestante teve uma cesariana tranquila no dia 1º de julho. Ficou três dias em recuperação no hospital e voltou para a casa com a bebê, Sophia Emanuelly Dias da Rosa, agora com 2 meses. Tia de Sophia e irmã de Nailaine, Karolaine Dias da Silva, 20 anos, descobriu recentemente que dará um primo ou prima para a sobrinha. Karolaine ainda está iniciando o pré-natal, fará o acompanhamento na UBS Campestre e já tem a primeira consulta marcada. Essa é a sua

segunda gravidez, a primeira não correu como esperava, ela sofreu um aborto espontâneo e perdeu o bebê aos dois meses de gestação. Por ter sido um aborto completo não precisou passar por nenhum procedimento cirúrgico, ficou apenas um dia em observação. “Agora quero me cuidar e fazer tudo direitinho”, comenta Karolaine, receosa pela situação passada no ano de 2016.

esperando Arthur

Aos oito meses e meio de gravidez, Aline Marques de Oliveira, 18 anos, espera ansiosa a chegada do Arthur. Ela descobriu que estava grávida com sete semanas de gestação, a partir de então, passou a fazer o pré-natal com a Doutora Arialin Sierra Bell, ginecologista cubana da UBS Campestre. Aline comentou ter sido difícil de entender a médica nas primeiras consultas, devido à língua estrangeira. Brincando, disse ter feito exercícios durante a gravidez, na ida e volta da UBS. Apesar de próxima, a subida de uma lomba acaba sendo um obstáculo a ser superado. Agora, quase ganhando o bebê, já compreende a doutora e elogia: “Ela é muito querida e atenciosa”.

Nos primeiros meses as consultas eram uma vez ao mês, depois passaram a ser a cada quinze dias e no último mês toda semana. Aline recebeu dicas de alimentação, “ela (a médica) disse que eu não podia comer farinha, para não comer pão, mas eu como muito pão, então tive que cuidar”, relatou. As inseguranças da gravidez foram todas relatadas à especialista, como restrições aconselhadas por conhecidos. “Diziam que eu não podia comer abacaxi, daí perguntei para a médica e ela disse ‘tem que comer, quanto mais melhor’. Então eu só não como besteiras”, acrescenta Aline. A chegada de Arthur está prevista para o início deste mês, o que causa na mãe uma mistura de alívio e tensão. “Eu tô ansiosa, mas não tanto. Porque eu não gosto de hospital, mas a gente nasce em hospital”, comenta a futura mãe. E acrescenta que deseja o parto normal, pela recuperação fácil e rápida. Apesar do receio, Aline reclama do inchaço e desconforto causados pelo calor. Está feliz por dar à luz antes da chegada do verão. Eduarda Moraes Mayana Serafini


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Lutando pela saúde A luta diária de moradores contra doenças como câncer e diabetes

P

ara aqueles de saúde debilitada, as ruas de chão batido possuem buracos mais profundos e qualquer passo exige um esforço maior. A batalha pelo tratamento e o acesso aos medicamentos tende a ser desgastante, mas nada disso impede a esperança de uma melhora no diagnóstico. Essa é a realidade de vários moradores da Vila Santa Marta.

Sequelas do AVC são presentes no homem de 48 anos. Dois dias desacordado e 30 dias internado no Hospital Centenário trouxeram a ele esquecimento e confusão mental. Mas o mais perceptível são as marcas da diabetes. A pele escurecida, principalmente no rosto e na perna esquerda. O pé esquerdo, já bastante inchado é um incômodo há alguns anos. Segundo médicos, talvez ele tenha que ser amputado. Isto foi algo que Josy não

pode evitar. Com 53 anos, locomover-se ficou ainda mais difícil com a amputação de parte do pé esquerdo. A negligência no tratamento contra diabetes foi o que a levou a esse destino. O diagnóstico surgiu durante a gravidez do filho que hoje tem 23 anos. “Achava que era frescura, pois não sentia nenhum sintoma” falou Josy, que hoje pesa as consequências de não ter seguido as indicações médicas. De um ano para cá, tudo

mudou. O açúcar foi cortado das refeições. O cigarro, companheiro desde os 15 anos, foi abandonado. A medicação tomou o seu lugar. Os cuidados são reflexo da situação precária que a sua saúde chegou. Aos poucos, os dedos do pé tomaram uma coloração preta. Mas foram as crises de vômito e a febre alta que preocuparam extremamente os familiares. Mesmo com a resistência de Josy, pelo medo da internação, ela foi levada ao hospital de Sapucaia do

desafios

Na vida de Teresinha Aparecida Marques, a luta iniciou há 15 anos, após um exame de HIV com o resultado positivo. Com altos e baixos na imunidade, o coquetel de remédios se tornou seu companheiro. As doses fortes, que já causaram alucinações, com o tempo diminuíram. Tudo isso, graças ao acompanhamento médico pelo Centro de Serviço Atendimento Especializado – SAE, em São Leopoldo, que também fornece o medicamento. Hoje, com 43 anos e uma família constituída, Teresinha convive com mais duas incertezas: a confirmação da cura do câncer no colo do útero e a descoberta de pedra na vesícula. Com vários exames na mão e uma pilha de trabalhos na confecção de calçados lhe esperando, ela lamenta as dificuldades que a impedem de realizar a cirurgia na vesícula. O corpo enfraquecido pelo mal-estar, a necessidade de sustentar a casa e o dever de cuidar das crianças impossibilitam a ida ao posto de saúde. “Tenho que estar lá as quatro da manhã para conseguir ficha, mas tenho medo de deixar minhas crianças sozinhas”, ela comenta com tristeza.

Valmir pacientemente espera pela próxima consulta de acompanhamento da diabetes, após duas consultas canceladas

Convivendo com a diabetes há mais de duas décadas, Josy agora se recupera da amputação de parte do pé

diabetes

Doença silenciosa, a diabetes mudou a vida dos moradores Valmir Santos da Silva e Josy Maria Birch. O primeiro, convive há dez anos com a doença crônica, além de pressão alta e um caso de AVC, que ocorreu há seis meses. São três comprimidos diários. Dois disponíveis na farmácia popular e um com o custo médio de 70 reais. “Se passar um dia sem o remédio sinto muita tontura e mal-estar”, explicou Valmir, que tem dificuldades financeiras para garantir o remédio.

Para Teresinha, a descoberta do câncer no colo do útero, em 2015, foi o baque mais pesado que já enfrentou

Sul, três meses atrás. Atendida também pelo SUS, em uma quinta-feira, parte do pé foi amputada. Logo após um leito foi solicitado em Porto Alegre. A transferência via ambulância foi feita para o Hospital Nossa Senhora da Conceição, onde realizou a cauterização das veias da perna. Após três dias de internação, passou um período com a filha, até voltar à rotina de sua casa.

desemprego

A maior barreira nestes casos é a falta de condições para trabalhar devido aos problemas de saúde. Nos três casos o desemprego é uma realidade. Sem renda fixa, os gastos com casa, comida e saúde se acumulam. “Me cuido como um pobre pode se cuidar”, respondeu Josy, quando questionada sobre ter uma alimentação mais saudável, algo que, muitas vezes, torna-se inviável pelo alto preço. Por isso, muitos acabam solicitando um auxilio doença através do INSS, como é o caso de Valmir e Teresinha. Ela que chegou a receber um valor durante três meses, mas o teve cancelado. Já Josy está solicitando benefício assistencial garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social(LOAS), dado à pessoa idosa ou com deficiência, concedido pelo INSS e solicitado através do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Todos recebem em parte auxílio do SUS e impostos de saúde para medicação, curativos, consultas e exames. Além de apoio de familiares, vizinhos, amigos e centros de apoio social. Como a Pastoral da Criança que ajuda nas questões familiares. Disso não há o que reclamar, segundo os entrevistados. Mas os três ainda possuem um sentimento de abandono. São histórias de negligências por parte de agentes de saúde, médicos que não comparecem às consultas, difícil locomoção aos centros de saúde, prescrição de remédios caros e de difícil obtenção, além de muitos outros fatores de dificuldade. No fim, o que eles buscam é uma vida mais saudável, onde direitos básicos à saúde sejam acessíveis, como saneamento básico e tratamento médico de qualidade. Pois, como disse Terezinha, o que mais importa é a saúde. AMANDA BÜNEKER PATRÍCIA WISNIESKI


8. Infraestrutura

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

Parada da Rua 1, localizada em frente à Associação de Moradores da Vila Santa Marta

Transporte, problema que persiste e incomoda Poucos horários, superlotação, calor e ônibus velhos são algumas das dificuldades enfrentadas pelos usuários

H

á cerca de quinze anos os moradores da Vila Santa Marta, em São Leopoldo, trancaram as ruas do bairro em um protesto. O que eles queriam? Que houvesse uma linha de ônibus para a vila. Até então, eles tinham que caminhar cerca de dez minutos até a parada da Estrada Júlio de Castilhos, já no bairro Henrique Bier, para pegar um ônibus. Após muita luta, eles conseguiram. Contudo, o serviço é precário. O direito ao transporte público é algo básico em um município, mas é problemático na cidade, principalmente na Santa Marta. A empresa Leopoldense, que atende a região, definiu o trajeto sem consultar a população e as suas necessidades. Os ônibus são velhos e a linha é compartilhada com os bairros Campina e Tancredo Neves. Os R$ 3,70 da passagem pesam muito no orçamento das

famílias. A maioria das pessoas que trabalha fora da Santa Marta atua no comércio do centro ou em outros municípios ou bairros. Para quem trabalha em outro bairro, a solução é a bicicleta. Além disso, as paradas dentro da vila estão ruins. A da Rua 1, por exemplo, que fica em frente à Associação de Moradores, é precária, está com grama alta, o banco em péssimo estado, tem alguns furos no teto e não há proteção nas laterais. Frases como “o ônibus aqui é péssimo”, “os ônibus são velhos, vêm cheios, atrasados e são muito quentes”, “tem que cobrir as paradas quando chove”, e “aqui o transporte é a bicicleta” são repetidas inúmeras vezes por vários moradores.

Horário dificulta

Durante a semana, o ônibus passa a cada 30 minutos. Nos finais de semana e feriados, a cada hora. O horário vai das 6h30 até em torno das 19h30. Após este, há um último ônibus perto das 22h. E o que fazer se precisar se deslocar mais cedo, mais tarde ou se perder o ônibus e não

puder esperar o próximo? A única solução é caminhar dez minutos até a parada na saída do bairro, onde o intervalo é de cerca de dez minutos e há uma linha para Novo Hamburgo a cada hora. O caminho até a parada localizada fora do bairro é muito difícil. As ruas asfaltadas são poucas e só existem onde passa o ônibus. A caminhada fica mais difícil para quem mora nas partes mais afastadas da vila, e como há poucas calçadas, os pedestres andam entre os carros, motos e carroças. Pouco depois da saída da vila, foi improvisada uma ponte em cima de um córrego de rua para facilitar a travessia. O asfalto, que existe somente nas ruas onde passa o ônibus, está em situação precária. Caminhando pelo bairro, vemos inúmeros buracos. O serviço foi feito às pressas pela prefeitura a fim de que o ônibus começasse logo a circular na Santa Marta.

temor À violência

Há também o problema da violência. Muitos moradores são assaltados nessa parada nos horários em que

não tem movimento, como cedo da manhã ou à noite. A questão da falta de segurança gera revolta, pois é uma necessidade dos moradores usar o transporte nestes horários. Fabiane Oliveira, 38 anos, trabalha com serviços gerais e possui problemas de audição. Em uma manhã, foi agredida por um assaltante porque não escutou o anúncio do assalto. Tanise do Santos, 29 anos, é auxiliar administrativa e possui um problema no quadril. Para ela, a caminhada é dura principalmente em dias quentes ou de chuva. Além disso, também é difícil correr. “São poucos horários, e quando o ônibus passa é superlotado, muitas vezes é velho, os funcionários são mal-educados e não querem parar em uma parada por causa de só um passageiro”, reclama. Tanise se preocupa com a amiga Fabiane. “Nem sempre podemos sair juntas, e o que aconteceu com ela foi preocupante”, lamenta. Para Jussara Elias, 59 anos, que trabalha com serviços gerais, inclusive nos finais de semana, o problema do horário reduzido nesses

dias é maior. Ela tem que escolher se chega 30 minutos antes no trabalho ou se atrasa: “O ideal era que tivesse mais um horário no meio”. Assim, como todos os moradores entrevistados, ela afirma que o serviço de ônibus é ruim. Os horários são insuficientes, há muitos atrasos, os ônibus estão sempre lotados, são velhos e muito quentes, a viagem demora e a passagem é cara.

A VELHA PARADA

Em uma manhã de sábado passam poucos ônibus na parada da Rua 1, a principal do bairro. O que leva os moradores a esperarem nela somente quando o horário está próximo, ou correrem para não o perder. Em uma observação na saída do bairro, percebemos que em poucos minutos surgem várias pessoas que perderam o horário de dentro do bairro. No final o resultado é que os moradores do bairro continuam tendo que usar muito a velha parada da saída do bairro. AMANDA OLIVEIRA JONAS SANTOS


infraestrutura .9

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

Descaso do poder público Comunidade se esforça para realizar melhorias, mas necessidades básicas, como saneamento, dependem do poder público

As poucas melhorias na comunidade, como a quadra poliesportiva, são feitas com recursos privados

M

uitos esforços são feitos pela população, pela comunidade escolar e pela Associação de Moradores para realizar as melhorias possíveis com dinheiro próprio no bairro. Porém, os moradores da Santa Marta continuam a enfrentar diversos problemas pela falta de investimentos na infraestrutura básica por causa do descaso e da falta de iniciativa do poder público. Segurança, rede de esgoto e asfaltamento são demandas essenciais para os moradores da vila. Falta de pavimentação e de saneamento básico são considerados pela moradora Samira Feijó, do Bazar Silva, na Rua 1, como as principais carências do bairro. “Quando chove, o lixo que acumula nas ruas que são mais altas vai descendo”, relata, dizendo que a água da chuva também forma crateras nas ruas. Vizinho da Associação de Moradores, Enir Hubner acredita que rede de esgoto e pavimentação são as prioridades da vila. Observando o neto jogar na quadra poliesportiva, diz que a iluminação colocada ao redor da quadra, localizada no pátio da Associação, foi muito boa para a vizinhança, ajudando na segurança dos moradores. Filha de Enir, Tiele Hubner, conta que percebeu alguns poucos investimentos feitos pelo poder público nos últimos tempos. Cita alguns postes de luz instalados ainda neste ano, mas também reclama da falta de segurança e do problema com o lixo nos dias de chuva. “O lixo desce e entra nas casas”, conta.. “Não adianta investir em revitalização se não tiver segurança para manter essas melhorias”, reclama o morador José Elói Diel. A depredação das melhorias feitas nos espaços públicos é recorrente, afirma o proprietário do Bar do Diel. Ele aponta que parte da cerca de arame da quadra poliesportiva, com poucos meses de uso, já foi arrancada por vândalos para ser vendida. Outro problema, segundo ele, é o tráfico que acontece nos arredores da Escola Santa Marta, inclusive em horário de aula e na hora da saída. A filha de Diel frequentará a escola fundamental no próximo ano. “A polícia até entra aqui, mas só passa. Rara-

Samira, do Bazar Silva, reclama do lixo que se espalha nos dias de chuva

mente fazem abordagens, ainda mais quando vem uma viatura só com dois policiais”, afirma ele, se solidarizando também com a situação daqueles que são respon-

sáveis pela segurança. “Os caras que deviam nos proteger receberam só 350 reais, né?”, enfatiza. Diel se refere ao parcelamento de salários imposto pelo governador do Estado, José Ivo Sartori, desde que assumiu o cargo. Neste mês, foram depositados 350 reais no dia 31, como a primeira parcela do pagamento de setembro dos servidores, entre eles professores estaduais e brigadianos.

Falta de policiamento é um dos principais problemas para o comerciante Elói Diel

Mesmo com os diversos e repetidos pedidos feitos aos vereadores e ao prefeito de São Leopoldo para que os problemas sejam resolvidos o mais

rápido possível, nada acontece. Os representantes do município muito prometem, mas pouco fazem na prática. “Eles só entram aqui na época de eleição para pedir voto. Depois, nunca mais voltam”, conclui Diel, lamentado não haver um representante da vila na Câmara de Vereadores. PAOLA OLIVEIRA JONAS SANTOS


10. Infraestrutura

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

O abandono revela a ausência do poder público na vila

Ruas esquecidas pela prefeitura Moradores aguardam melhorias no calçamento e saneamento prometidas pelo governo

R

uas abandonadas constituem um dos principais problemas apontados pelos moradores. A situação faz com que eles convivam com vias sem pavimentação e esgoto a céu aberto. Tal circunstância atrapalha a população principalmente nos dias de chuva, quando há alagamentos. Presidente da Associação de Moradores da Vila Santa Marta, Dilce da Rosa relata que esteve reunida duas vezes com o governo municipal para tratar do assunto. Em maio, o secretário de Obras Viárias, Geraldo Passos, e a secretária do Orçamento Participativo, Janaína Fernandes, visitaram a Vila, elegendo, junto com a Associação, as ruas a serem asfaltadas. Segundo Dilce, há tempos os moradores aguardam melhorias no bairro. Sentado no quintal de casa, localizada na Rua 9, que foi uma das escolhidas para receber as obras, está Paulo Ricardo Trindade. Morador da Vila Santa

Marta há apenas um mês, ele já encontra dificuldades no dia a dia. “Nos dias de chuva, as condições da rua pioram bastante”, explica. A falta de saneamento também é um problema: sua casa fica em frente a um córrego que recebe esgoto das residências próximas, gerando incômodo. Segundo ele, todos os dias é possível sentir o mau cheiro do lugar, e quando chove há risco de alagamentos. A poeira da rua de terra também incomoda. Paulo Ricardo mostra o carro que havia lavado no dia anterior. “Já está todo sujo, assim como as roupas no varal. Às vezes ficam cobertas de sujeira e eu preciso lavar tudo de novo”, lamenta.

Na expectativa

Quanto à promessa da Prefeitura, Paulo Ricardo é cético: “Não acredito em políticos, eles só querem conquistar o voto da população”. Enquanto isso, segue convivendo com as más condições da via. Apesar dos problemas, ele afirma que pretende continuar morando na Santa Marta por período indeterminado. “Aqui encon-

trei minha paz”, afirma. Muitos moradores esperam com ansiedade o início das obras. É o caso de Marilene dos Santos, que reside na Vila há 12 anos. A Rua 6, onde mora, atualmente conta com rede de esgoto, mas mediante iniciativa dos moradores, que realizaram a obra por conta própria. “Nossa rua está melhor, mas não posso pensar só na frente da minha casa. Torço para que melhorem as condições do resto do bairro também”, comenta. Ela ressalta que os moradores já procuraram o poder público diversas vezes para falar das más condições, mas a situação permanece a mesma. “Entram e saem diferentes governos, e até agora nada mudou”, afirma. A moradora relata que há alguns anos o saneamento de uma das ruas começou a ser feito, mas foi interrompido na metade das obras. Residente da mesma rua, Lace Soares fala dos problemas enfrentados por ele e seus vizinhos. Morador da Santa Marta há 21 anos, olha com saudade para o passado. “Quando me mudei para cá, só havia mato”, relembra. Ele espe-

ra que as obras sejam feitas e os problemas recorrentes acabem. “As crianças vão para a escola em dia de chuva e voltam sujas por causa do barro que se forma”, reclama, mencionando os buracos causados pela água. “Esperamos que façam algo por nós”, declara Lace, que também conta ter visto vários carros quebrarem no local. Assim como Marilene, se queixa da rua, sem nome, que atravessa a sua e que leva à Cooperesíduos. “Nos dias de chuva, nenhum veículo consegue passar por ali”, lamenta. Segundo ele, as condições da via impediram uma ambulância de prestar socorro a um morador. Na Rua 5, a moradora Vera Melo, que reside na Vila há 16 anos, reclama da falta de espaço. “Se um caminhão estacionar aqui, nada mais passa”, relata, apontando para os carros estacionados. Novamente, há reclamações sobre as condições que as crianças enfrentam para ir à escola nos dias de chuva: “Quando chove, tudo piora. O barro atrapalha muito”. Junto com o marido, Luís Mendes, mostra o vazamento

de água que ocorre no meio da rua há anos. “É água potável indo fora”, declara Luís. Segundo eles, nunca foram tomadas providências para proporcionar melhorias no bairro.

Problemas com lixo

Os dois residem na esquina com a rua sem nome e reclamam bastante do lixo descartado no local. Ambos tentam, sem sucesso, alertar os vizinhos sobre o descarte incorreto. “Temos medo de arranjar brigas com as pessoas que trazem seu lixo para cá”, diz Luís. O descarte segue, mesmo com a coleta acontecendo periodicamente na Vila.“O caminhão sempre passa nessas ruas”, diz Luís. O casal já pensou em colocar placas no local, pedindo a contribuição dos outros moradores. Para eles, a realização de obras nas ruas da Santa Marta melhoraria muito o dia a dia de todos os moradores, que enfrentam os mesmos problemas. “Seria melhor para todos”, conclui Vera, esperançosa. Vitória Padilha Eduarda Bitencourt


Meio Ambiente .11

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

Para Santa Marta, apenas poeira? Central de resíduos de construção tem como objetivo processar materiais para reutilização, mas parece não oferecer benefícios à comunidade

I

dealizada como solução para o descarte irregular de resíduos na bacia do Sinos. A central de reciclagem nasce em 2012, a partir do Plano de Gestão Integrada de Resíduos, realizado pelo Consórcio Público de Saneamento Básico da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos – Pró-Sinos, surgiu para transformar entulhos de construção civil em materiais reutilizáveis, gerando benefícios ao meio ambiente, empregos e renda para a região. Localizado no limite da vila Santa Marta em local ainda considerado bairro Arroio da Manteiga, próximo à Estrada do Socorro, o aterro recebe caçambas de entulho que se transformam em material rentável nas máquinas da usina. Os montes espalhados pelo aterro, são boa parte de entulhos advindos de empresas como a Deca, fabricante de produtos em cerâmica. São materiais como lodo cerâmico, molde de gesso e caco de louça, para serem processados pelas máquinas e serem posteriormente readquiridos pela própria empresa para reutilização. Cidades pertencentes ao Pró-Sinos, totalizando 26 municípios, também depositam seus resíduos para descarte na usina. Como colaboradores do projeto através do consórcio, eles recebem vantagens em sua utilização, realizando a operação com 50% de desconto. Além disso, a usina significou um alívio para os municípios sob o ponto de vista legal, diante da obrigatoriedade de realizar o descarte adequado deste tipo de material e que era entrave para grande maioria.

terceirização

Construída através de recursos da Fundação Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Pró-Sinos e Prefeitura Municipal de São Leopoldo, o projeto foi entregue para execução a terceirizadas. Neste contexto, surgem os nomes das

empresas Papaentulho e Retroambiental. A primeira, responsável por realizar o transporte do entulho e dos materiais industriais, e a outra, pela separação e reciclagem dos materiais. Atualmente, a usina conta com apenas três funcionários, um administrativo, um operador de máquinas, e um responsável pela separação dos resíduos que não são utilizados para reaproveitamento na usina, o único morador da Santa Marta. Os números mostram que a usina, como

fonte de geração de emprego não produziu resultados. O impacto é inexistente em um universo estimado em cinco mil habitantes. Questionado pela equipe de reportagem sobre a relação entre a comunidade da vila Santa Marta e o projeto, Pedro Klaus, membro da atual direção da associação da vila, e morador há 25 anos, pouco teve a dizer, e evidenciou o distanciamento entre as partes. “Para a comunidade, o projeto não deixa praticamente nenhum benefício. So-

mente uma pessoa é funcionária, que faz a separação do material que chega para eles, e que acaba sendo a única beneficiada”, afirmou. Em quase cinco anos de funcionamento, a usina proporcionou apenas uma vaga de emprego para a comunidade. De acordo com Diego Schul da Silva, funcionário administrativo, essa realidade pode mudar a partir de uma expansão das atividades da usina, que acarretaria em uma maior oferta de empregos. Este movimento, estaria atre-

Maior parte dos materiais recebido pela usina são peças de cerâmica. Materiais como madeira, plástico e metal não são reutilizados pela usina. Britadeiras trituram materiais em pedaçosde diversos tamanhos

lado ao crescimento da oferta e demanda dos serviços hoje prestados pela usina.

Insatisfação

Pedro citou também o problema do pó gerado pelas máquinas no processo de trituração, quando a usina estava retomando os serviços após dois meses de paralisação. Segundo ele, uma massa de pó, oriunda do processo de trituração de concreto, gesso e cerâmica, acabou sendo levada pelo vento em direção as casas da vila, causando muita sujeira. “Teve uma época, quando eles estavam reativando a usina e moendo aquele material acumulado, que vinha todo aquele pó aqui para vila né?”, reclamou o morador. Em março de 2017, o jornal Enfoque, em matéria produzida por Leonardo Severo, constatou os problemas do grande acúmulo de rejeitos, que se tornaram um lixão no local devido a paralisação da usina. O furto de uma peça fundamental para o funcionamento da máquina utilizada para trituração dos resíduos, teria sido o motivo da interrupção. De acordo com o sócio proprietário da empresa Retroambiental, Luis Brand Kirch, realmente a empresa esteve impossibilitada de realizar o processo de trituração até que máquina voltasse a funcionar normalmente. “Nós tivemos problemas com a britadeira, e ficamos esse tempo sem conseguir realizar a trituração dos materiais, mas a situação já foi regularizada e voltamos a operar normalmente”, comentou Luis. Outro motivo de insatisfação por parte da comunidade seria o fato da usina não receber os entulhos produzidos pela vila como forma de contrapartida. Pedro demonstrou insatisfação com a falta de apoio. “Tudo é cobrado. Para entrar lá dentro é só da empresa deles né? Da Papaentulho, esse que eles recolhem de caçamba. Agora, aqui da vila, se levar lá, não é aceito se não for pago né? Então, no meu ponto de vista, a usina não deixa benefícios para a vila”, finalizou Pedro. Arthur Serra Isoppo IGOR MESQUITA


12. Comunidade

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOL

Luta e apego à vila marca Vivências de quem nasceu e constrói sua vida na Vila Santa Marta, como Diego Soares e os irmãos Souza

D

epois de uma noite inteira atento às câmeras de segurança, Diego Tissian Soares aperta os olhos sob o sol das 11 horas da manhã. Dos seus 23 anos, os últimos três são marcados por jornadas de trabalho noturnas, como vigilante de monitoramento em uma empresa de Ivoti. O rapaz é um dos nativos da Vila Santa Marta. A partir dos três anos, em função de uma separação

Para Diego Soares, não basta ganhar a vida para si – ele preza por ajudar quem precisa

dos pais, dividiu seu tempo entre a comunidade de São Leopoldo e a cidade de Dois Irmãos. Em 2011, voltou a morar em definitivo na Santa Marta. Depois de uma água jogada no rosto, o rapaz espanta o cansaço. Um médico desavisado chegou a atribuir suas olheiras à depressão. Nada mais enganoso. O rapaz distribui sorrisos e orgulho por uma história de luta. Seu pai, José Soares, conta que a casa da família foi a sexta a ser levantada na vila. Era da turma que começou a organizar as primeiras ruas. Hoje Diego mora com a esposa, uma filha e um enteado.

“Quando era criança, eu participava aqui do projeto Vila Social. A gente tinha várias oficinas, tipo artesanato. Ali eu tive ideia do que queria ser hoje. Foi muito importante para mim pelo incentivo. Porque o bem e o mal estão sempre ali. Existem más influências. Aí faz diferença ter alguém que te mostra os pontos positivos do caminho do bem”, contou Diego. Ele crê que aquele Projeto, o qual já não ocorre mais, faz falta para a gurizada da Santa Marta. Esta rotina difícil de trabalhar das sete horas da noite às sete da manhã não é capaz de tirar sua disposição. Começou

a trabalhar ainda adolescente em uma fábrica de calçados. Mas ganhar a vida para si nunca foi suficiente. Diego afirma que nunca conseguiu ver alguém passando por necessidades sem tentar ajudar de alguma forma. Quando trabalhava em um café, via muita coisa sendo jogada fora enquanto muitos passavam fome. “Falei pro meu colega: ‘já pensou se a gente guardasse isso aí e desse para as pessoas que estão na rua, crianças pedindo no sinal?’ A gente guardava o pão que sobrava e dava para essas pessoas. E elas nos agradeciam demais.

Essa ajuda, que parece pouca, faz muita diferença para as pessoas que precisam”, lembrou Diego. Segundo ele, os vizinhos, na Santa Marta, em grande parte compartilham dessa solidariedade. Para o rapaz, o incentivo é a chave para que uma pessoa possa sair de uma situação de vulnerabilidade social. “Se a pessoa já está para baixo, já é pisada, ela não tem mais força de se erguer. Precisa de um apoio. E hoje em dia tem muito ser humano ruim. É muito difícil alguém te ajudar quando tu pede”, lamenta Diego. Situações de total desumanidade


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LDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

am a história dos nativos são frequentes. Certa vez conheceu um morador de rua que foi humilhado por um dono de restaurante, ao pedir comida. O dono do estabelecimento lhe disse que nem a lavagem das sobras ele merecia. Diego sempre admirou a Brigada Militar. O sonho de fazer parte da corporação não se realizou. Mas até o fim do ano pretende virar bombeiro voluntário. A motivação é poder contribuir com a sociedade. “Tem gente que diz que vou trabalhar de graça. Mas eu digo: tem coisa melhor do que sentir que tu conseguiu ajudar alguém?”, pondera Diego.

Na época de criança, Diego lembra que os pais deixavam as crianças brincando na rua até tarde. Não havia problema. Hoje, porém, as pessoas têm receio de os filhos ficarem fora de casa após o anoitecer. Apesar de a ocorrência de crimes já ter sido pior, ele afirma que o medo ainda é sentido pelos moradores. A vila, por outro lado, cresceu em infraestrutura, ainda que falte muita coisa. Os irmãos Nataniel, 20 anos, e Cleiton Souza, 22 anos, afirmam não se sentir afetados pela criminalidade na vila. Ambos nasceram e se criaram na Santa Marta. Trabalham com

o pai no empreendimento da família e dizem conhecer quase todo mundo na vila. Entre as lembranças de criança, está o jogo de futebol no campinho, onde hoje existe a quadra da Santa Marta ou na rua mesmo. Cleiton, o mais velho dos dois, passou vários anos trabalhando como empregado em firma de construção civil. Viveu principalmente em obras na cidade de Rio Grande, voltando para casa nos fins de semana. “Claro que a gente fica com saudade de casa. Aqui está todo mundo que a gente conhece. Mas não me queixo de nada. Sempre estive na luta”, expli-

cou Cleiton. Há quatro anos, trabalha exclusivamente no mercado do pai Daniel. Ao longo da vida os irmãos viram muitas transformações no bairro. Uma delas foi a inauguração, no início dos anos 2000, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Marta. Também lembram do projeto Vila Social, que foi citado por Diego. Foi, segundo eles, uma grande oportunidade para as crianças saírem da rua e terem acesso a conhecimentos diferenciados, como o artesanato. A prefeitura, de modo geral, sempre foi ausente em relação

às reivindicações dos moradores da Santa Marta. “Aqui é muito difícil ver um caminhão da prefeitura. Se precisar arrumar alguma coisa na rua, tem que ligar quarenta vezes e ainda é difícil de eles virem”, queixa-se Nataniel. As ruas, por sinal, carecem muito de atenção do poder público. Apesar das dificuldades, os irmãos Souza, assim como Diego, não pensam em deixar a Vila. Aqui, eles garantem estar muito satisfeitos com a vida que estão construindo. Igor Mallmann Martina Belotto

Irmãos Souza viram várias transformações na Vila Santa Marta ao longo dos anos


14. Comunidade

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

Ketlin Beier, 7, vestida de bailarina, sonhando se tornar professora de balé

Um futuro longe de casa Crianças e jovens querem deixar a Vila e conquistar o mundo fácil perceber que os moradores da Vila Santa Marta são muito apegados ao lugar onde vivem. Apesar dos problemas existentes, gostam de residir lá. A vila é habitada por várias pessoas que estão naquela região há anos. Mas quando o assunto é o futuro das crianças e dos jovens, as famílias desejam e apoiam que seus filhos adquiram autonomia e saiam para o mundo.

outra área de São Leopoldo assim que ficar mais velha e tiver condições financeiras. Ouvir alguém dizer que “essa semana morreu um aqui perto” é muito mais comum do que se imagina. Essa violência com a qual os moradores são obrigados a conviver, é uma das principais razões pelas quais outra adolescente, Natália Florence da Silva, 13 anos, quer morar em outro lugar quando for possível. “Tem muita morte aqui, eu tenho medo de sair de casa à noite”, conta Natália com um olhar preocupado.

Qualquer lugar

Futuro no balé

É

“Eu quero ir para qualquer lugar melhor que aqui”. Essas foram as palavras de Fernanda Oliveira, 15 anos, quando questionada sobre para onde tem desejo de ir. A menina afirma com convicção não se “encaixar” no ambiente da vila, sendo esse o motivo pelo qual ela nem mesmo estuda lá. Prefere pegar ônibus todos os dias para frequentar um colégio mais próximo ao centro da cidade. Fernanda pensa em se mudar para

Ketlin Vitória Baier, 7 anos, carregada de ingenuidade, resume, em poucas palavras, o medo dos moradores. “Tem muito sangue aqui”, ela diz, com um ar de quem não entende muito bem o que isso significa. Conta que gosta do bairro por conta da escola e dos amigos que tem lá. Mas se depender da sua mãe, Juselaine Baier, 31 anos, ficar na Vila Santa Marta não estará no futuro da pequena.

Juselaine não mede esforços para incentivar a filha a realizar seu sonho: ser professora de balé. Ketlin fez aula de balé por três anos e meio, e só parou há cerca de dois meses, pois a família precisou fazer alguns cortes de gastos quando o filho mais novo nasceu. “Eu quero colocá-la de volta

logo, ela sente muita falta de dançar”, diz a mãe. Ketlin não é única que pensa em dançar quando crescer. Bruna Keller, de 27 anos, mãe de Cláudia Keller, relata que ficaria muito contente se a filha de 8 anos decidisse fazer faculdade um dia. “Que mãe que não quer que isso aconte-

ça?”, ela pergunta. Mas Cláudia fala, entre risos, que deseja ser dançarina e cantora no futuro. Então, Bruna complementa: “Eu quero que ela faça o que ela achar que vai fazê-la feliz, é isso que importa”. Karina Verona LAURA SARAIVA


Comunidade .15

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

A vida na vila nos desenhos das crianças Pequenos mostram o que gostam e o que não gostam da vila em desenhos feitos com caneta e lápis-de-cor

E

m uma mesa na sede da associação de moradores, cinco crianças desenhavam. Com o tempo, umas largavam o desenho e iam brincar na rua. Outras, que estavam na rua, vinham para dentro e assumiam o lugar vago. O menino pensou. Conversou com o amigo. Pensou mais um pouco. Do alto de seus nove anos, não sabia se deveria colocar no papel um dos principais problemas com os quais convive na Vila Santa Marta. O exercício era simples: uma folha dividida ao meio, onde as crianças deveriam desenhar o que gostavam sobre o lugar onde moravam, de um lado do papel, e o que não gostavam, do outro. Não demorou para que o amigo, de 7 anos, escolhesse o seu desenho para mostrar o que gosta. “Essa é a minha escola. E esse aqui do lado sou eu comendo ameixa. Eu gosto de ameixa”, conta. Tão logo acabou o primeiro desenho, partiu para o segundo. Indo na contramão da maioria de seus colegas, ele, em poucos traços, desenhou uma criança com uma bola no chão. “Não gosto muito de futebol”, disse. Uma casa e, dentro dela, uma cozinha, onde há uma mesa, com um bolo em cima. Esse foi o desenho de outro menino de 7 anos, que mostra o que ele gosta na Vila. Ao lado, na parte das coisas que não gosta, fez um suco de maracujá, uma maçã e uma sopa de pimenta. Do lado dele, um outro guri, de 6, desenhou um carro de som, uma bicicleta e uma cama elástica. “Tem aqui na vila, mas minha mãe não tem dinheiro para comprar o pula -pula pra mim”, lamenta. Enquanto os amigos desenhavam e mostravam as suas ilustrações, o primeiro menino ainda pensava. O lado que ele gostava já estava pronto: tinha um campo de futebol, o balanço da pracinha, o sol e uma TV mostrando o jogo do Grêmio. No lado que não gostava, já estavam desenhados dois meninos brigando, um cálculo de matemática e uma camiseta do Inter com os dizeres “série B”. Por fim, desenhou um boneco armado dando um tiro em outro. “Aqui sempre morre um

Menino de 9 anos gosta de jogar futebol, de assistir ao grêmio e do balanço da pracinha. Ele não gosta de brigas, matemática, do Internacional e dos tiroteios que acontecem na vila

Menina de quatro anos retratou a escola e comidas que gostava ou não monte de gente”, diz.“É verdade, minha tia morreu de tiro”, concorda um amigo ao lado.

O medo da rua

A menina mais nova na brincadeira tinha 4 anos. Acompanhada pela mãe, ela desenhava o que lhe vinha à cabeça. “Eu não sei o que é, só fui desenhando”, explicou. A mãe, 39 anos, vive na vila há 18 e teve também um menino, hoje com 10 anos, que jogava bola com os amigos. Essa era uma das poucas vezes em que eles saíam de casa, pois a mãe pensa que a rua não ensina nada de bom. Esse medo de deixar os filhos saírem se justifica por tudo que ela viu. Em todo o tempo vivendo na Santa Marta, ela conta que viu crianças irem das ruas, onde brincavam, para o mundo do cri-

me, movido pelo tráfico de drogas. “Conheci meninos que hoje estão mortos. Criar os filhos aqui não está fácil”, afirma. Ela conta que sempre orienta os filhos a não fazerem como os outros fazem, mas sim como os pais dizem que precisa ser feito. “Sempre explico o melhor. Tento mostrar a realidade do mundo, é difícil, mas com o tempo eles vão aprendendo”, diz. “É difícil, mas possível. Tem que ter força de vontade”, completa.

Futuro melhor

De todas as crianças, a menina de 6 anos era a mais falante. Ela queria contar sobre o lugar que morava, do que gostava de brincar, sobre os amigos e as amigas. Na hora de colocar tudo no papel, ela desenhou a escola. Também fez uma fatia

de melancia, um cacho de uva, um bolo e um sorvete de casquinha. “E aqui no cantinho sou eu dando comida para o galo que tem lá em casa”, esclarece. No lado que não gosta, um abacaxi bem amarelo, uma maçã, frango e feijão. A maior preocupação da menina é o que come na Vila, para a sorte da mãe. Aos 50 anos, a mãe conta que prefere mantê-la mais em casa do que na rua. Ela tem medo que a filha caçula possa seguir os passos do filho primogênito. A pequena não sabe, mas o irmão de 29 anos, depois de se criar na Vila Santa Marta, está preso por tráfico de drogas. “Nós contamos para ela que ele foi trabalhar fora”, conta a mãe. Para que a situação não se repita, ela só deixa a filha sair para brincar se puder acompa-

nhar e conferir de perto com quem ela está e o que está fazendo. Felizmente, ela pode fazer isso, pois seu emprego a permite trabalhar em casa. “Quando eles têm essa idade, não pode deixar estar na rua, porque aprendem o que não devem aprender”, coloca. Por toda a situação vivida pelo filho, a mãe lamenta que existam tão poucos espaços onde pode levar a filha para brincar. “Tem a pracinha, agora tem a quadra e o colégio”, resume. A mãe pensa que poderiam canalizar o arroio e fazer ali um ponto de lazer para as crianças. “As casas são todas feitas umas do lado das outras. Não tem uma área, uma sombra”, lamenta. Vinícius Bühler da Rosa Amanda Bier


16. Comunidade

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Histórias da luta diária Entre rotinas agitadas e pouco descanso três moradoras contam de seus trabalhos

vai para uma lancheria perto de casa para complementar a renda da família. Começa às 19h e vai até meia noite na sexta-feira e Apesar da rotina sábado. pesada, Eliane Só que agogosta da correria e ra tudo começa não cogita parar a pesar e ficando mais difícil. “Essa rotina cansa bastante. Eu brinco com as minhas amigas que já não tenho mais idade para tudo isso”, revela, mas apesar disso tudo, Eliane não pensa em parar, porque gosta muito do que faz e de sua rotina agitada.

C

om a dificuldade de se deslocarem para fora da comunidade, muitos conseguem alguma forma de renda extra ali mesmo. Outros acabam tendo que escolher ir para a cidade, mantendo uma cansativa rotina para chegar ao seu local de trabalho. Como a auxiliar de cozinha, Eliane Antunes, 40, “Eu levanto às 5h da manhã e saio às 5h45min, mas também estou sempre correndo que é para não perder o ônibus”, conta aos risos. Há 10 anos como auxiliar de cozinha, Eliane é funcionária há apenas quatro meses da lancheria Taberna, na Unisinos, e às vezes ela chega às 6h30min para já adiantar serviço, fazer suco de laranja e cuidar das tarefas da cozinha. De segunda a quinta, por volta das 19h40min/20h, já na sextafeira, ao invés de descansar, ela

Perto de casa

Já Carina de Quevedo, 38, está há quatro anos na Cooperesíduos. O emprego perto de casa acaba poupando a moradora de depender de ônibus para se deslocar, só que trabalhar perto não significa dormir mais que os outros que dependem de ônibus. De segunda a sábado ela levanta às 5h50min da manhã para co-

meçar no serviço às 7h. Seu emprego atualmente é a única renda da família o que a preocupa mais ainda, pois quebrou uma peça da esteira e o trabalho ficou alguns dias parado. Isso influenciará no sustento da família. “Cada dia não trabalhado é descontado”, lamenta. Dona de casa Carla Goulart escolheu um serviço terceirizado para não ficar só parada em casa. Ela ajuda no processo de fabricação do símbolo de uma marca de calçados na garagem de uma casa. Carla pega das 14h e vai até às 18h, com uma produção repetitiva e também muito cansativa. Trabalhando de segunda a sábado quase ao lado de sua casa, Carla escolheu esse serviço porque precisava e estava parada em casa. “Eu precisava me entreter e também pagar as contas. Não é uma renda muito boa, mas pelo menos não fico em casa”. Thayná Bandasz da Silva Luana Ely Quintana

Da Vila para o mundo A Vila Santa Marta é conhecida pelas histórias de superação, solidariedade ao próximo e de pessoas que carregam consigo a esperança e o dom de ajudar o outro. Além disso, existem projetos sociais que reforçam a valorização da educação, da cultura e a importância da boa convivência no bairro. Através da Igreja Católica, são realizadas diversas atividades de incentivo à crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento. Bruna Terra tem 21 anos, é moradora do bairro há quinze e sempre foi engajada em projetos sociais que ajudassem crianças e adolescentes da comunidade. Em 2014, surgiu a oportunidade de conhecer a Alemanha. “Ter conhecido outro país foi algo muito grandioso, não só pra mim, mas para a Vila toda. Seria muito bom ver outros jovens daqui tendo a mesma experiência que eu”, comenta. A oportunidade de ir para outro país se deu a partir do projeto social Pastoral da Juventude, da Igreja Católi-

ca, a qual acolhe mais de 50 jovens em atividades ligadas à saúde, cultura e educação. “Eu sempre participei da Pastoral da juventude, desde os meus treze anos. E sempre teve esse intercâmbio entre Brasil e Alemanha através da Igreja Católica da nossa paróquia. A gente sempre acolheu os alemães e surgiu a possibilidade de alguns participantes do nosso grupo irem para lá. O padre perguntou se eu tinha interesse e, é claro, não estava estudando, então não tinha o porquê não ir”, disse. No país alemão, Bruna participou de projetos sociais, trabalhando com crianças em creches de educação infantil e também teve experiências importantes para seu conhecimento. “Trabalhei durante um ano em uma escola infantil. Aprendi muitas coisas, e isso foi muito produtivo para minha pessoa. Tive cursos de espanhol e alemão durante meu intercâmbio e morei com pessoas de diferentes culturas, o que me acrescentou bastante”, disse. Durante o período em que

Bruna esteve na Alemanha, ela pode refletir sobre suas ações e responsabilidades como cidadã. “Eu acho que se as pessoas tivessem noção de como Bruna funcionam outros defende o países, veriam que trabalho social e o muitas das coisas esforço individual dependem de nós mesmos, do nosso agir. Por exemplo, a sociedade é ciente da reciclagem do lixo, mas APOIO À JUVENTUDE Uma das formas de coma grande maioria não a faz por falta de informação, de bater os índices de criminaestímulo para que isso acon- lidade e encorajar as pessoas por um bairro melhor teça”, afirma, convicta. Ela ainda complemen- são as ações realizadas pela ta que se cada um de nós Pastoral da criança e a Pasfizermos nossa parte, te- toral da juventude, projetos remos um mundo melhor. criados pela Paróquia Cató“Existe um ditado que diz: lica a fim de reconhecer a quem procura, acha. E eu realidade da periferia. A coordenadora da Pasacredito que quando a pessoa procura se informar, ir toral da criança, Salete atrás dos seus ideais, ela Zorzi, 54 anos, conta que a encontra. Eu fazia trabalho necessidade do bairro por social na comunidade, então informação à saúde é pretudo isso foi fruto do meu cária. “Visitamos famílias, trabalho pelo lugar onde realizamos acompanhamenmoro. Coisas boas surgem to das crianças, informando a partir do momento em corretamente sobre vacique paramos de pensar em nação e pesagem. Além do nós para nos doarmos pelo mais, fazemos brincadeiras que instiguem à educação próximo”, celebra.

e a cultura”, destaca. Elisangêla Zorzi, 16 anos, filha de Salete, também faz parte do projeto, porém, ajudando na Pastoral da juventude. Ela conta que a Pastoral é uma forma de incentivar os jovens da Vila a terem oportunidades de crescimento e desenvolvimento pessoal. “Existem muitos casos de jovens excluídos do meio social. Então promovemos encontros onde fazemos momentos de oração, de reflexão, para poder conhecer a realidade da juventude da nossa periferia e, assim, ajudá-los conforme a sua realidade”, ressalta. Matheus Miranda de Freitas DANA MORAES


Comunidade .17

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Dar adeus aos cabelos compridos foi a última mudança física da jovem

A liberdade de ser quem é Em meio ao preconceito, o apoio da família mantém a força para enfrentar os obstáculos na vida LGBT

“N

asce-se homossexual, não se escolhe ser”. O título do livro Biologia da Homossexualidade, do neuroendocrinologista Jacques Balthazart, publicado em 2010, é a resposta de muitas perguntas. A repressão pode gerar o sigilo a respeito da identidade, mas não significa que ela já não exista. A população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) tem consciência da vida que a cerca e, às vezes, carece de apoio e aceitação para se expor. Não é uma questão de escolha.

no espelho mostra nada mais, nada menos, que uma menina segura de si. Existente em todos os lugares, o preconceito torna difícil o processo de aceitação e de explanação. Contar para os familiares pode ser uma situação complicada e dolorosa, pois costumam dizer que não estão preparados para ter um filho “diferente”. Isso gera inibição e faz com que muitos se escondam. O momento, que já é temido pelo público LGBT, acaba sendo deixado para depois por medo

E o convívio diário e afetivo, além do parentesco, tem grande influência na hora de “abrir o jogo”. Possuir o apoio familiar é fundamental. A base formada dentro de casa é o sustento e a segurança de agir conforme o que sente. Como foi, e é, com Alessandra, que tem uma relação saudável com seus parentes. Fruto do acolhimento em seu lar, a segurança da jovem reflete nas demais pessoas. “Sempre fui assim, minha família nunca reclamou. Não me escondo não”, conta a jovem.

“Nada contra”

Com um bom relacionamento em seu círculo social, Alessandra sempre teve a aceitação de seus vizinhos, colegas de escola e conhecidos em geral. O preconceito não a atingiu. A maioria dos entrevistados na Vila, quando questionados, disseram que o respeito predomina, utilizando respostas como “cada um faz o que quer” e “se é LGBT, tem que assumir”. Outros afirmaram que há sim uma discriminação significativa na Vila. Agressões verbais costumam ser frequentes, mesmo que o público LGBT se faça bastante presente na comunidade. Esse seria o motivo de muitos estarem escondidos, como dito pelos entrevistados. A maior rejeição, muitas vezes está dentro das próprias famílias. TAMIRES DE SOUZA Thomás Domanski

“Sempre fui assim”

Alessandra, de 16 anos, sempre soube que era diferente. Demonstrava isso através da maneira de se vestir. Com roupas diferentes do habitual de uma menina da sua idade, transparecia quem era. Apesar da timidez, nunca precisou criar uma personagem para esconder a si própria. Há dois anos, outra mudança: o corte de cabelo. Embora sempre tenha utilizado um vestuário singular, mantinha o cabelo longo. O corte ressaltou seu “eu” e, hoje, o reflexo

das consequências. Em um estudo divulgado pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Trans e Intersexo (organização de base comunitária da América Latina e do Caribe) foi constatado que duas em cada três pessoas da população mundial alegam que não desejavam um filho LBGT. A discriminação, em diversos casos, começa em casa. Os pais excluem e acabam até mesmo expulsando os filhos de casa. A família é o primeiro grupo social em que alguém é inserido.

Vivendo nas estatísticas

Através do modo de se vestir, Alessandra mostra a todos o seu verdadeiro eu

De acordo com estudos divulgados pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Trans e Intersexo, pelo Grupo Gay da Bahia e pelo Disque 100, a violência é grande. O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais, tendo o índice de uma morte LGBT a cada 25 horas. Só em 2017, as denúncias de violência contra o público já cresceu mais de 13,3%.


18. Comunidade

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Imaginário que protege Crônicas, narrativas e eventos auxiliam na proteção e na criatividade das crianças

C

rianças possuem um grande potencial imaginativo. Histórias fazem parte do dia a dia delas. A criação de enredos e vertentes que estimulem a criatividade surgem no imaginário infantil. Algumas vezes, curiosidade e busca pelo novo as colocam em situações de perigo. Por isso, pais e responsáveis pela tutela das crianças, relatam e criam contos para protegê-las, adverti-las ou simplesmente assustá-las.   Cristina da Silva dos Santos, 78 anos é mãe, avó e bisavó. Criou doze pessoas, entre filhos, netos e bisnetos. Ela usa da engenhosidade para garantir a segurança e cumprimento das responsabilidades da sua bisneta de 5 anos, Kamylli Bozzette. Para tal feito, Cristina usa

mitos como o lobisomem e o velho do saco.   Independente da lenda do lobisomem ser questionada por historiadores e a população em geral, a idosa crê em sua existência. “Muitos dizem que ele não é real, mas eu acredito que ele seja”, afirma convicta. Na maioria das vezes, a natureza é usada como fonte de inspiração para explicar o inexplicável. Outras vezes, o mito criado, a partir de uma crônica contada percorre os anos e torna-se parte da constituição de valores do local ou comunidade na qual foi inserida, tornando-se folclore. Curiosa, Kamylli brinca com um rolo de fita adesiva, sentada em um banquinho perto da bisavó e presta a atenção em tudo que é dito na sua volta, principalmente ao relato de Cristina. A memória dela relembra acontecimentos que marcaram a Vila Santa Marta, citando um morador que tentava abusar sexual-

mente das crianças. A fantasia criada pela bisavó auxilia na proteção Kamylli. Apesar de pouca idade e timidez, Kamylli ajuda a bisavó a narrar um episódio ocorrido dias atrás. “A menina não queria ir para a creche, então falei que as crianças faltantes são pegas pelo lobisomem”, conta Cristina. Depois da história, Kamylli levantou para ir ao banheiro e tinha um bicho deitado no chão. Cristina confidencia que era somente um cachorro, mas aproveitou a oportunidade para dizer à neta que era um homem lobo.  Contudo, a idealização de uma narrativa fantasiosa e de mistérios estimula a criatividade, gera vertentes na imaginação infantil e pode ser de forma negativa. Questionada sobre os seus medos, Kamylli afirma que tem aversão de lobisomem. O fator é reforçado pela bisavó, comentando que o único a visitar o riacho, perto dali,

seria o lobisomem.   Cristina salienta que usa os mitos para explicar à Kamylli os fatos do cotidiano. As crenças ajudam a prevenir contra algo que julgue duvidoso como o contato da bisneta com vizinhos desconhecidos. Cristina proíbe a menina e afirma: “Eles pegam a criança, escondem e a criança nunca mais vê a mãe. Não sei se são boas pessoas, prefiro que ela fique longe”.

SEM TERROR

Outras pessoas preferem não contar esse tipo de histórias às crianças. É o caso da Jacira Rosa Silveira, 28 anos, mãe de Mariana e Taylor Benistein, 2 e 4 anos, respectivamente.  Jacira elucida que ela mesma teme contos de terror e não conta ou permite o contato dos filhos com as lendas. “Não acho fundamento contar essas histórias para crianças, ainda mais em

uma fase em que elas acreditam em tudo que ouvem. Prefiro preservar a inocências deles”, esclarece.

sOBRE O MITO

Mito do lobisomem diz que quando uma mulher tem sete filhas e o oitavo filho é homem, esse menino se torna um lobo. O filho gerado entre uma mulher e um padre também é considerado um lobisomem. Segundo o site Brasil Escola, a tradição popular, o homem que é lobisomem é extremamente pálido, magro, esquelético, de orelhas compridas e nariz levantado.  Logo que a criança completa 13 anos, a maldição começa e as noites de manifestações são terças ou sextas-feiras. Antes do sol nascer, o lobisomem retorna ao local que iniciou a sua transformação e volta ao normal. Aniele Cerutti DANA MORAES

A cumplicidade entre Kamylli e a bisavó demostra parceria e cuidado ao narrar as histórias sobre as crendices populares


Empreendedorismo .19

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

Um negócio que deu certo Casal começou com padaria e abriu dois mercados e uma loja

H

á nove anos, quando estavam desempregados e não sabiam o que fazer para sustentar a família com cinco filhos, Arno Freitas Rosa, 48 anos, e a sua esposa, Ires Teresinha Pereira, 43 anos abriram o próprio negócio. A padaria e confeitaria WD Brasil foi crescendo cada vez mais e hoje conta com sete funcionários, entre eles dois açougueiros, dois padeiros, uma atendente na padaria e os outros dois atendentes no caixa. O nome WD Brasil vem das iniciais dos filhos mais velhos do casal. A letra “W” é de William e “D” é de Diego. Já a palavra Brasil foi escolhida, pois na época que estavam iniciando a padaria, assistiam a uma novela. Na trama, havia uma padaria chamada Brasil. Pensando na semelhança que queriam trazer do comércio de lá para o deles, por isso elegeram esse nome. “As compras são feitas de

segundas-feiras às quartasfeiras. Todos os vendedores vêm aqui. Eu uso muito o Whatsapp para fazer as compras, os vendedores me avisam o que tem e os preços. Eu coloco o que eu preciso ali no grupo. Tive que aprender na marra como utilizar o aplicativo”, relata Arno. Segundo ele, o alimento mais vendido na padaria é o tradicional cacetinho, dos quais são levados dois mil por dia. Em seguida, entre os produtos que também são bastante vendidos e consumidos no dia a dia estão: carnes, leite, mortadela e queijo. Além desse empreendimento, ele tem um mercado, também localizado na Vila Santa Marta, o nome é Super WD. Junto tem a loja de roupas. Ambos os estabelecimentos são cuidados por um dos filhos do casal. O outro mercado Super WD fica na Duque Velha, perto da estação Unisinos, em São Leopoldo. Outro rapaz, filho deles, é responsável por cuidar do comércio. “Eu tenho agradecido a Deus, pelo o que eu tenho

Arno e Ires, satisfeitos com a padaria WD Brasil e com os resultados obtidos

hoje, foi Ele que me deu. Eu só peço para me ajudar a manter. Só preciso pagar minhas contas e ter meu nome limpo. Isto já é ótimo.

Não estou atrás de riqueza”, salienta Arno em relação ao que deseja para o seu futuro. O seu olhar é de alegria ao contar isso, pois nunca

imaginou ter conquistado tudo o que tem hoje. Stephany Foscarini dana moraes

O chapeador automotivo da Santa Marta Na rua que leva o nome da vila,Santa Marta,no número 175, se encontra um dos novos empreendimentos que atualmente está fazendo muito sucesso por lá. A Vano Chapeação e Pintura está trabalhando a todo o vapor, e tinta, desde janeiro deste ano. E o proprietário Giovanni Avelhenda não poderia estar mais feliz com o resultado. É ensinado no Serviço brasileiro de apoio às micro e pequenas empresas (Sebrae), que um empreendedor é aquele que inicia algo novo, vê oportunidade onde ninguém vê, sai da área do sonho, do desejo, e parte para a ação. E é exatamente isso que Giovanni, mais conhecido com Vano fez, deixou de ser empregado e passou a gerir seu próprio negócio. No início do negócio trabalhava em um local alugado, no bairro Campina de São Leopoldo. Ficou um ano naquele local, mas decidiu mudar e transformar os fundos de sua casa na mais nova oficina de chapeação e pintura da Santa Marta. No início muitos duvidaram se era uma boa ideia fazer

essa mudança, mas Vano insistiu em seu empreendimento. Com clientes de diversos bairros e cidades, como Estância Velha, Esteio, Sapucaia, a empresa está indo de vento em popa e agora não há dúvidas que foi um ótimo negócio. Ele nos conta que em alguns dias seu pátio fica lotado de carros esperando para serem trabalhados, “Trabalho não falta, não dá para reclamar”, confirma ele. Giovanni diz que é muito bom morar na Vila Santa Marta e não trocaria sua casa por nada. “Por mais que digam que

Samuel, amigo de Vano, lixa os carros com muito cuidado

é perigoso, eu acho muito bom. Tem dias que têm vários carros que ficam no meu pátio e nunca me aconteceu nada. ” Samuel Marcos de Camargo, amigo e sócio de Giovanni, conta que muitos clientes ainda tem uma visão muito ruim sobre a Santa Marta. “Essa violência acontece muito mais fora do que dentro da vila”. Desde muito novo batalhava pelo seu dinheiro. Aos quinze anos começou trabalhando em lavagem de carros no bairro próximo. “Na realidade, porque precisava trabalhar né, todo

mundo precisa trabalhar”, diz ele brincando. Algum tempo depois, começou a se interessar por pintura e decidiu aprender a fazer esse trabalho. Ele diz que trabalhou durante 14 anos em outras empresas, antes de iniciar seu voo solo nesse empreendimento. Durante isso foi adquirindo materiais e ferramentas para trabalhar em casa. Alguns amigos pediam que ele fizesse alguns serviços em seus carros e assim começou a criar sua clientela. Após isso seu bom trabalho e seu gosto pela arte de restauração de carros, fez com que tudo se tornasse mais prazeroso. “Cara, se tu trabalhar direitinho, tu sempre tem trabalho. Em qualquer coisa, se tu fizer o que gostar tudo dá certo. Em primeiro lugar tem que gostar”. E hoje todo seu trabalho está gerando resultados. Na página do Facebook por exemplo, os elogios são recorrentes devido ao ótimo trabalho feito. Tendo tantos clientes, obviamente o trabalho acaba tomando muito tempo para atender todos.“Nós trabalhamos sábado,

domingo, feriados”, diz rindo, “depende da quantidade de trabalho que nós temos”. O negócio não para.Com pancadas de martelo para tirar os amassados, lixas trabalhando e o forte cheiro dos produtos, o trabalho deles segue o dia e às vezes segue até a noite. “Às vezes a gente vai até umas dez, onze horas da noite.” Vano explica que por mais que tenha trabalho, ainda consegue ter seus dias de folga. Muitas coisas boas vieram com sua luta de cada dia. Com um sorriso no rosto, Vano relata que nunca se imaginou abrindo seu próprio negócio e não poderia estar dando tão certo. Hoje mora com sua esposa e diz que pode levar muitas coisas boas para casa graças ao seu trabalho. Quando questionado sobre os planos para o futuro a resposta já está na ponta da língua, “Quero aumentar a oficina por todo o pátio e construir uma casa maior”. Eric Machado de Freitas Millena Nonemacher


20. Empreendedorismo

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Da vila ao mercado Quitutes fabricados na Santa Marta são comercializados na capital e geram renda para duas famílias

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ovas alternativas em meio à crise. É assim que algumas pessoas encontram meios de garantir o seu sustento. Quitutes feitos em casa e vendidos na Vila Santa Marta e no Mercado Público da capital, são a principal fonte de renda de duas famílias da vila. Wesley Xavier Pereira, de 31 anos, padeiro, encontrou na confeitaria a solução para a falta de dinheiro. Há nove meses, junto com a esposa Jéssica Xavier Pereira, de 28 anos, fabrica pães, doces e salgados diversos para vender. Os produtos são confeccionados em uma cozinha improvisada na garagem e colocados à venda dentro de um balcão na frente da residência. O balcão fica protegido embaixo de uma tenda. Natural da cidade de Contagem, em Minas Gerais, mas morando no Sul há quase uma década, Wesley é padeiro desde 2008. Tudo o que sabe aprendeu na padaria do Supermercado Rissul, no município de Novo Hamburgo. “Entrei no ramo sem experiência nenhuma, aprendi do zero. Hoje posso dizer que tenho paixão por fazer os quitutes”, revela Wesley. A esposa Jéssica também trabalhava na confeitaria de um supermercado. No ano passado, Wesley sofreu uma fratura e rompeu os ligamentos do joelho. Afastado do emprego, a Padaria e Confeitaria Pão Gostoso de Novo Hamburgo, o profissional decidiu empreender. “Não podíamos ficar sem recursos e então tivemos a ideia de começar a vender doces e salgados. Sabíamos que o ramo da comida sempre dá dinheiro”. Além de doces, salgados e pães, os padeiros trabalham com produtos pré-prontos, a exemplo de pizzas congeladas e salgadinhos para fritar. “Deixamos as massas preparadas e conforme pedido recheamos na hora. Aceitamos encomendas para festas de aniversário e formatura”, conta o profissional. Atualmente o casal possui uma clientela fixa, entre moradores da vila e o vizinho, o revendedor Regis Libio, de 45 anos. O comerciante pega os produtos de Wesley e os comercializa no Mercado Público de Porto Alegre,

considerado um dos mais movimentados do Estado. Pizzas são preparadas na hora ou sob encomenda

União por acaso

O padeiro mostra o local onde pretende construir a padaria

Parceria que se tornou amizade, Wesley e Regis se divertem juntos

Vigilante que se viu sem emprego, Regis vislumbrou nas vendas a possibilidade de juntar dinheiro e bancar os gastos da casa. Natural de Ijuí, o comerciante reside na vila Santa Marta há três anos. “Morava em Canoas e lá já realizava atividades de vendas, mas após perder meu emprego de vigia, decidi retornar ao ramo”, afirma. Há um ano Regis começou a vender doces, salgados e pães no Mercado Público. O ponto já é conhecido do comerciante, pois logo no início do casamento com Elisangela Alves Rolino Libio, de 36 anos, confeccionavam docinhos para vender e sustentar os filhos. “No centro de Porto Alegre há grande fluxo de pessoas, as vendas sempre acontecem nesse local. Já tenho conhecimento, muito já comercializei no Mercado”, declara. Como residia em Canoas antes de vir para a vila, ao se ver sem emprego buscava quitutes em uma padaria de lá para revender. Acabava gastando muito com deslocamento, pois ia de São Leopoldo para Canoas e depois para Porto Alegre. A rotina era árdua demais, até o dia em que passou na frente de uma casa com anúncio dos produtos que ele vendia. “Certo dia voltando do trabalho, vi a propaganda do Wesley. Parei. Conversamos. A partir daí fizemos uma parceria”, relata. Faz três meses que Regis revende os quitutes de Wesley, sendo muito apreciados por seus clientes, segundo afirma. Mas nem só de união comercial é composta a vida dos dois empreendedores. Wesley e Regis se tornaram amigos.

Anseio futuro

Wesley e a esposa Jéssica sonham em montar uma sede para a padaria na frente de casa. O pai do padeiro é construtor e com sua ajuda na mão-de-obra, ele deseja ter um local adequado para a exposição dos seus salgados, doces, pães, pizzas e guloseimas. “Se tudo der certo, em breve vamos conseguir concretizar nosso ideal, montar a padaria para atender melhor os clientes”, projeta Wesley. Júlia Bozzetto Laura Hahner Nienow


Religião .21

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

Uma juventude esperançosa e ativa Jovens católicos desenvolvem trabalhos e ações sociais em prol da comunidade

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ir e ser feliz são as únicas regras exigidas pelo grupo Esperança Jovem, da comunidade Santa Marta. O grupo nasceu com o intuito de transmitir a alegria, evangelizando e trabalhando com a solidariedade na busca de felicidade e condições melhores para a vila. Esperança Jovem integra a Pastoral da Juventude (PJ), que é uma organização da Igreja Católica, onde jovens se reúnem para evangelizar outros jovens e também promover ações sociais. “O PJ existe a partir dos grupos e se organiza em coordenações. Aqui em Santa Marta temos o Esperança Jovem”, explica Débora Giehl, coordenadora nacional da JP e moradora da Vila. Segundo o Pároco da Igreja São João Batista, localizada na Vila, Edson Thomassim, mais conhecido como Padre Edinho, esses grupos, principalmente o Esperança Jovem, têm como foco central a for-

mação integral do sujeito. Ele conta o trabalho realizado com os jovens da Vila. “Todas as dimensões da pessoa do jovem são abordadas, psíquica, dimensões sociais, dimensões das habilidades, das capacitações – a gente incentiva eles para que criem dan-

ças, festivais e a dimensão espiritual, claro”, acrescenta padre Edinho, que lembra do festival de dança, recentemente promovido pelo grupo na comunidade. Além disso, diversas melhorias no bairro aconteceram através da mobilização desses grupos

família cristã, Elis, como é chamada, viu ali uma oportunidade de expressar seus anseios, escutar e ser ouvida. “Com 13 anos eu já queria entrar para o grupo, mas eu ainda não tinha a idade necessária. Aqui a gente tem espaços que não temos fora, podemos falar o que estamos sentindo”, relata Elis. Para Elis, as únicas regras do EspeÁlbum com rança Jovem é passar registros da animação e alegria evolução da vila para os jovens e organizado pela comunidade cristã para a comunidade da vila Santa Marta. “Muitos acham que as reuniões são apenas para rezar, mas a gente promove outras coisas também, como confraternizações, festivais e até retiros”. Os retiros acontecem no Centro de Espiritualidade Padre Arturo - CEPA, localizado na da Igreja. “Foi criado, por própria vila. As reuniões do nós, devido ao problema de Esperança Jovem, acontecem água encanada, junto a bica, todas às quintas–feiras, às banheiros, tanques e chu- 19hs-30min, na comunidaveiros comunitários’. de Nossa Senhora ApareciElisangela Zorzi, 16 anos, da, Vila Santa Marta. moradora da vila, frequenta Dankiele Tibolla a Igreja desde seus primeiros Laura Santos anos de vida. Oriunda de uma

Crenças da vila Santa Marta Muitos dizem que religião é um assunto que não se discute, mas para os moradores da Santa Marta, a fé é um tema recorrente. Afinal, existem diferentes tipos de organizações religiosas na região, desde a igreja católica ao terreiro de umbanda. Basta uma caminhada nas ruas que os símbolos religiosos começam a aparecer: crucifixos em portas, imagens de santos, a placa da igreja avisando o horário do culto. A fé não importando a crença, move muitos moradores da vila Santa Marta.

todos os credos

Não existe uma fronteira na vila que separe os templos religiosos. Para viver em harmonia, as diferentes vertentes religiosas, na maior parte do tempo, se respeitam. Mas, os preconceitos existem, como conta a umban-

dista Sandra Pereira. “O pessoal já me chamou de macumbeira. Mas penso que cada um tem sua religião. Se eu respeito a deles, eles têm que respeitar a minha”, conta a mãe de santo. Outra opção religiosa é a igreja mais antiga do bairro, a Igreja Evangélica Assembleia de Deus – Consagração do Trilhos. Com quase 30 anos de existência, As cozinheiras possui 120 memdo sopão bros e oferece para comunitário e o a comunidade os pastor Dionei serviços de estudo bíblico, cultos públicos, reunião das mulheres e coral. Segundo a coordenadora do coral Ma- plica a coordenadora. risa Vargas da Costa, 27 anos, De acordo com Roni de Nasa religião muda as pessoas. cimento, 29 anos, marido de Ma“No momento que adoramos risa, é melhor ter templos do que a Deus, louvamos em forma bares e danceterias. “Todas as de canção, isso toca o nosso igrejas são bem-vindas. Os encoração e nos modifica”, ex- contros são para promover uma

comunhão. Já nos bares, muitas vezes, ocorrem brigas ou até mortes”, enfatiza Roni.

Sopão Comunitário

Há aproximadamente um mês, a Assembleia de Deus

Bom Pastor, coordenada pelo pastor Dionei Fortes, realiza um sopão comunitário nas dependências da igreja. De acordo com o pastor, a ideia surgiu pelas carências da região e hoje 30 famílias são beneficiadas pela ação social. Com doações de um mercado local, a sopa é feita pelos trabalhadores da igreja. A equipe das cozinheiras é composta por cinco mulheres, todas orgulhosas por doarem seu tempo a essa causa. Sueli Vargas da Costa, 47 anos, coordenadora da cozinha, conta que o pastor deu a ideia da ação e elas toparam na hora. “Por enquanto, só temos uma equipe responsável pela sopa, é cansativo, mas vale a pena”, relata Sueli. Paula Câmara Ferreira FELIPE DA SILVA


22. Religião

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

Driblando o preconceito Do Exu à Pomba Gira, a Umbanda está presente na vila conforme Mãe de Santo

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ão necessários poucos passos na Avenida Santa Marta para perceber nitidamente que a religião faz parte – e em grande medida – da vida dos cidadãos do bairro. Em meio ao cenário predominantemente cristão, a casa de número 320 traz o que não é tão visível aos olhos: a prática de Umbanda. Com uma Mãe de Santo e um Pai de Santo, o casal Sandra Pereira e Sandro Ziller, além dos filhos, partilham seu espaço com a religião há alguns meses. Moradora da vila há dois anos, Sandra, de 38 anos, conta que é umbandista há 17 e Mãe de Santo há três meses. Ela relata que procurou a religião quando seu filho ficou doente, e a partir disso começou a ir com frequência nas sessões. Para se tornar Mãe de Santo (ou Pai), o tempo necessário é de sete anos. Sandra explica que apenas neste ano se sentiu preparada para a missão devido à responsabilidade.

Funcionamento

Sandra atende qualquer um que a procure. Em troca, a pessoa paga uma taxa para custear os produtos utilizados. Faz banhos, lê cartas e quinzenalmente realiza as sessões. Estas são cerimônias que acontecem normalmente aos sábados, quando as entidades participam em do terreiro. Ao todo, a Mãe de Santo acolhe sete entidades: Jurema, Cosmo, Exu, Pomba Gira, Preto-Velho, Cigano, Caboclo e Bruxas. Em outubro, o terreiro ficará pronto. Até o momento, as sessões são feitas na própria casa. “A gente tem receio por causa dos vizinhos, mas eles vão ter que aceitar. A gente respeita os cultos diários, eles vão aceitar os nossos quinzenais”, diz Sandra. Ela conta que estão regularizando tudo juridicamente, mas os preparos com a organização do que será necessário ter já foram feitos.

ORIGEM

Religião afro-brasileira, a Umbanda não tem uma origem precisa. Surgiu por meio da junção entre crenças de grupos de escravos brasilei-

ros e seus deuses africanos com santos católicos. A diversidade faz com que seja difícil analisar o período exato do surgimento. Contudo, pode-se afirmar que o marco inicial é no Rio de Janeiro, na década de 40, por meio do I Congresso de Espiritismo e Umbanda. As informações são da Federação Brasileira de Umbanda. Seu crescimento se tornou notável a partir dos anos 50, com a criação de instituições para defender os interesses dos fiéis. Exemplo disso é a Congregação Espírita Umbandista, de 1950, e a União Nacional de Cultos Afro-Brasileiros, de 1952. Com a expansão da religião, novos adeptos apareceram, e as instituições tiveram importante papel na organização desses movimentos. Uma característica de destaque da religião é o fato de que gênero, identidade e sexualidade são respeitados. Diferentemente de outras religiões que abominam LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), para a Umbanda todo amor é válido e pessoas transexuais são respeitadas. Além disso, as entidades sempre possuem dois gêneros. Exemplo disso é a Pomba Gira e o Exu, a Cabocla e o Caboclo, a Mãe de Santo e o Pai de Santo, a madrinha e o padrinho, a Preta Velha e o Preto Velho. Para entender melhor questões vinculadas ao gênero e à sexualidade, podem ser observados os princípios da religião. Na Carta Magna da Umbanda, o item sete diz que “não admite qualquer forma de preconceito, discriminação ou intolerância”. Já o item 14 relata que “a Umbanda será sempre uma casa de portas abertas para todos”. Isso mostra que, todos têm espaço dentro da Umbanda.

preconceito

Historicamente, as religiões de matriz africana sofrem muito preconceito. De acordo com dados da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), entre 2012 e 2015 mais de 70% dos 1014 casos de agressão (física ou verbal) foram contra praticantes dessas religiões. No próprio ano de 2015, vá-

rios incidentes se tornaram manchete na mídia, como incêndios em terreiros e o apedrejamento da menina de 11 anos Kaylene Campos, no Rio de Janeiro. Além do linchamento de pessoas que portavam roupas ou adereços referentes à Umbanda ou ao Candomblé, em 2017 aconteceram incêndios. Um caso que ficou marcado foi a casa espiritual A Casa do Mago, no Rio de Janeiro, que apenas no mês de agosto sofreu três incêndios. Além disso, essas religiões também foram criticadas: pelo sacrifício de animais. De acordo com a Mãe de Santo Sandra, ela e seu marido precisam ser resistentes para manter suas crenças no contexto em que estão inseridos. Para ela, muitas pessoas veem com olhar preconceituoso. “Eles acham que é algo demoníaco”, revela. Sandra acredita que isso se deve à figura de Exu, que ficou conhecido desde a colonização europeia na África como o “diabo cristão”. Apesar disso, a Mãe de Santo acredita que falta às pessoas conhecimento para ao menos poder respeitar a religião. “Cada um tem a sua religião, tem que respeitar. Eu respeito a de todos”, conta. Segundo ela, a ignorância faz com que as pessoas vejam apenas o que querem. “Nós só fazemos o bem. Não trabalhamos com nenhum tipo de maldade. Nós não queremos isso aqui”, frisa. Fernanda Salla Nicole Fritzen

Duas da Umbanda: Pomba Gira (à esq) e Bruxa

Sandra é Mãe de Santo a três meses. Abaixo, entidades que são utilizadas nos rituais


Violência .23

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

A dor da perda A difícil realidade de quem se acostumou a lidar com a morte e a ausência

rança e atitude do poder público, e o medo”, conta.

desemprego

E

m um levantamento elaborado a partir dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, a taxa de homicídios na cidade de São Leopoldo é maior que a média nacional (30,15 óbitos para cada 100 mil habitantes, enquanto no Brasil a média é de 26,99 óbitos). Mas se olharmos por trás das estatísticas, os números se transformam em lágrimas, as vítimas ganham nome e endereço. É o caso de Jocelaine de Fatima de Lorena, ou Jô, como é carinhosamente conhecida pelos vizinhos da Vila Santa Marta. Seu filho Leon, então com 22 anos, foi baleado a poucos metros de casa e não resistiu aos ferimentos. Quase três anos se passaram. A dor de Jô, não. “Até hoje eu tomo remédios para depressão. Parece que pode acontecer alguma coisa a qualquer momento. Quando meus outros filhos saem, eu fico muito preocupada. É complicado, acho que a vida inteira vai ser assim”, confessa. Ela tem mais três filhos, Lenon, de 16 anos, Josiane de 17 e Edilson de 24.

Jô se emociona ao lembrar do filho que perdeu a vida tão jovem

sem apoio

Jô não sabe os motivos do assassinato, a polícia não resolveu o caso e o processo segue a passos lentos. Por outros crimes, o assassino de Leon foi preso um ano depois de sua morte. O caso do filho de Jô segue sem resolução e sem

justiça. E essa não é a primeira tragédia da família. Seu sobrinho, filho da irmã, também foi morto há alguns anos. Quando questionada sobre a falta de segurança na vila, Jô atenta que, por mais que o policiamento e a justiça não sejam efetivos, existe

O mundo paralelo da Vila Aumentando consideravelmente no último ano, as pichações em muros e prédios públicos da Santa Marta chamam a atenção da comunidade e de quem por lá transita. Entre as inscrições e símbolos, destacam-se duas: “os manos” e “14.18.12”. Ambas estão associadas à facção criminosa “Os manos”, uma das principais do Estado e com grande influência no Vale dos Sinos. Elas protagonizam um “o mundo p a r a l e l o” d a v i l a . Em toda sua extensão, espaços com grande fluxo de pessoas da localidade (escolas, igrejas, mercados) apresentam pichações. Segundo relato de populares, os atos aumentaram desde janeiro. Mesmo sendo apa-

gados, tempo mais tarde voltam a ser feitos. Neste mesmo período, moradores acreditam que o número de homicídios na Santa Marta também tenha aumentado consideravelmente. “Conheci tanto guri bom, mas caíram no crack e hoje a maioria está morto”, lastimou uma moradora.

também reconhecem o convite para experimentá-las. “Meus pais falam para a gente não chegar perto de quem fuma. Temos colegas da nossa idade que já fazem isso e até chegaram a oferecer para nós. Não aceitamos”, comentou um menino de 11 anos.

PERIGO

Também conhecida como rival dos “Bala na Cara””, a facção “Os manos” é uma das principais do Estado. Atuando principalmente no Vale dos Sinos e na região metropolitana de Porto Alegre, os criminosos possuem até mesmo um estatuto, determinando as posturas das pessoas enquanto membros. Em 2015, como resultado de uma operação, o Minis-

Para crianças e adolescentes em idade escolar, o convívio com homicídios e o tráfico tornou-se inevitável na Santa Marta. Com isso, tais situações exigem sensibilidade e instrução por parte das famílias. “Não gosto daqui porque tem muito sangue, muita morte”, disse uma menina de 7 anos. Sobre as drogas na Vila, crianças

também uma forte coerção exercida pelo tráfico na região. As pessoas sentem muito medo de fazer denúncias e, quando alguém o faz, não recebe o apoio da comunidade. “São duas coisas que acabam afetando nossa comunidade - a falta de segu-

Outro ponto importante é que a maioria dos jovens da região sofre para conseguir emprego e veem no tráfico uma maneira de conseguir dinheiro fácil. “A minha filha, por exemplo, tem quase 18 anos e ainda não conseguiu o primeiro emprego. Eu acho que isso contribui bastante para a violência”, opina Jô. O relato é confirmado por Terezinha da Rosa, membro da Associação de Moradores da Vila Santa Marta e atuante em diversos projetos sociais da região. “Das mortes de jovens aqui na vila, a maioria é por causa do tráfico”. conta. Ela ainda afirma que faltam iniciativas de projetos sociais. “As escolas que temos aqui são bastante engajadas, existem projetos de iniciativa das igrejas, recentemente começou a escolinha de futebol, mas em todos eles falta continuidade”. Depois que as crianças saem do ensino fundamental e ingressam no médio, não encontram nenhum projeto em que possam se profissionalizar ou se ocupar. “É preciso de educação e oportunidades para mudar essa nossa realidade”, conclui Terezinha. vanessa dos santos souza laura saraiva

Pichações em edificações e muros são utilizadas como divulgação da facção

Estatuto

tério Público divulgou informações do documento. Dentre as regras básicas estabelecidas no estatuto estão a contribuição de R$ 200 mensais por integrante

e a divulgação da marca do grupo, simbolizada pelos números “14.18.12”. Gustavo Bauer Willrich Gustavo Bauer Willrich


ENFOQUE SANTA MARTA

SÃO LEOPOLDO (RS) SETEMBRO/OUTUBRO DE 2017

EDIÇÃO

4

Futebol levado a sério Com instrutor que é morador do bairro, escolinha tira crianças da rua e leva diversão e disciplina à Santa Marta

Escolinha de futebol é diversão e aprendizado

M

ais um sábado começa na Vila Santa Marta, mas com um acalorado debate repleto de argumentos à montagem das equipes da escolinha futebol, composta por crianças de 7 a 13 anos. Ainda que fosse um torneio interno, a conversa era tratada a sério com o acompanhamento do instrutor Tiago Maciel (31). Quando a bola rola, quem está dentro da quadra entra em uma concentração que não foge das quatro linhas. Caso alguém não esteja tão focado, vem a cobrança. “Vocês estão perdendo a bola pro guri, cara”, reclama o goleiro do time de laranja. Para aumentar sua indignação, escanteio no lance seguinte e gol da equipe de vermelho. Dos quase 40 “boleiros” do bairro, aqueles que esperavam a vez para jogar ficavam atentos e apreensivos olhando a partida e, muitas vezes, fazendo uma “roda de bobinho” ao lado da quadra. Eram sete times esperando ansiosamente. Entre eles, cinco jogadores descalços, e nem se importavam. Era muita a “fome de bola”. Empate em 1 a 1 e começa a disputa de pênaltis. Todos vão para trás da goleira, a única com sombra na manhã de sol quente. Entre um chute e outro, uma cobrança duvidosa provoca o grito revoltado de uma das crianças no meio do tumulto: “Ladrão não se cria na Santa Marta”. O jogo é levado na esportiva, mas até em amistosos é preciso seriedade. “Eu jogo pra curtir, brincar, mas tem que jogar sério também”, salienta Hoziel (13), que lembra que seu nome é escrito com “’H‘ e com ‘Z’” – muita atitude. Na continuação das partidas, Ederson (11) fica indignado com a duração do jogo e, incrivelmente, reclama por ter vencido. “Fizemos os gols muito rápido”, comentando com um amigo a fórmula da competição, cujas partidas terminam após um time fazer dois gols ou até 10 minutos, caso o empate persista. Sobre o garoto, o instrutor Maciel avisa: “joga muito, está na seleção da idade dele”.

instrutor “de casa”

Tiago é morador do bairro e cursa Educação Física. Ele conta que o projeto “Viver

Ildo Souza assiste aos jogos na frente da sua casa

Bem – Futsal”, promovido pelo município, atua em três categorias na Santa Marta: de 7,8 e 9; 10 e 11 e 12 e 13 anos. Desde julho as crianças têm treinos nas terças e quintas com preparação funcional, física e tática. Sábado é dia de partida. “Estamos fazendo um torneio interno, mas dia 16 (de setembro) temos saída para jogar fora”, explica. De cada faixa etária são selecionados os melhores atletas que representarão o bairro nas partidas fora dali. Segundo o instrutor, a escolinha de futebol possui dificuldades e se mantem com auxílio de parceiros. “Quis trazer o projeto pra cá porque sou daqui. Sei da importância que isso tem para o futuro da criança”, afirma. “Da minha geração, muitos se envolveram com tráfico. A minha ideia é que eles não fiquem no contra turno escolar dis-

tante de uma atividade. Para não ficar na rua, numa esquina”, justifica. Maciel diz que participou de um projeto semelhante quando era adolescente. Trata-se do Prumo, um antigo projeto da Unisinos que já não existe. Na época, alunos da universidade ganhavam horas complementares para fazer oficinas esportivas na Santa Marta. “Amigos meus que são pais de família passaram por esse projeto”, relata.

Primeiro jogo

Weslley (11), “com duas letras ‘L’” – não é apenas Hoziel que cobra a escrita do seu nome - foi conhecer pela primeira vez o projeto e jogar com os guris do bairro. Quando questionado sobre a expectativa de entrar em quadra pela primeira vez, foi espontâneo. “Desde que não tenha briga, que nem na minha

escola”, afirmou ele. Quem o acompanhava era sua mãe, Rosi Santos. Ela conta que com esse tipo de projeto as crianças ganham uma opção de atividade produtiva. “Precisamos ter outras atividades assim também para as meninas”, avalia. “Vejo muitas gostarem de dança, algo assim seria legal. Ou até futebol, cursos, depende delas”, pondera Rosi.

boas lembranças

Enquanto a gurizada se divertia jogando futebol, Ildo Souza acompanhava a quadra de esportes com o olhar atento. Aliás, com uma visão muito privilegiada de todo o perímetro de jogo. Sua casa fica exatamente atrás de uma das goleiras. Local onde avalia, de pé, cada movimento dos pequenos jogadores do bairro de São Leopoldo. A jogada, uma expres-

são de satisfação na face e lembranças em sua mente. “Sempre assisto, sou um apaixonado e fanático por futebol”, afirma com um sorriso no rosto. Ele conta que olhando as partidas recordase dos seus tempos de atleta de várzea. “Um colega do trabalho comprou uma bola, aí organizamos um time. Assim comecei a jogar bola. Isso foi em... 68, se não me engano”, diz Souza. Ele elogia a disciplina ensinada por Tiago Maciel, mas também diz que as crianças falam demais. “Falar muito no futebol pode não ser muito bom. Pode ver que os melhores falam pouco”, aconselha. Ainda assim, no meio da conversa, ele revela o maior sentimento que sente ao assistir aos treinos e partidas: “Tô é louco para entrar e jogar com eles!”. Bolívar Gomes Luana Ely Quintana


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