ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO
SÃO LEOPOLDO / RS AGOSTO / SETEMBRO DE 2019
EDIÇÃO
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ROSANE MOREIRA
ESPERANÇA RENOVADA VITÓRIA DREHMER
GABRIEL GARCIA
ANDRIELE GIROTO
AUDIÊNCIA DE 23 DE AGOSTO FOI MAIS UM PASSO PARA A REGULARIZAÇÃO DA JUSTO PÁGINAS CENTRAIS
CARECEM DE CUIDADOS Gestantes reclamam do atendimento precário. Página 15
JUVENTUDE ENGAJADA
Paola de Araújo conta como jovens se mobilizaram. Página 7
APP AMPLIA COMUNICAÇÃO Grupos no WhatsApp fortalecem laços entre moradores. Página 9
2. Editorial
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Uma luta de diferentes gerações
e volta para um segundo semestre na Ocupação Justo, o nosso Enfoque continua com o objetivo de dar voz à comunidade do local e reforçar sua luta pelo direito à cidadania. O principal desafio enfrentado por estes moradores, que é a busca pela regularização do terreno onde vivem, segue em andamento. Mais um passo em direção à mudança deste cenário foi dado recentemente. Em um esforço coletivo, a Ocupação obteve
uma vitória na última audiência sobre o tema, dando um fôlego nas esperanças. Este assunto e muitos outros passam pelos olhos atentos dos moradores nos grupos de WhatsApp, que utilizam a plataforma para pensar no melhor para a Justo. Em alguns casos, pelos ouvidos, pois a falta de alfabetização é um problema que aparece com frequência e também são utilizados áudios. De uma forma ou outra, todos conseguem
se comunicar, sempre tendo como referência as lideranças e o sistema que faz esta comunidade funcionar de forma organizada. Nesta edição, trazemos uma série de matérias com o foco em diferentes fases da vida dos moradores da Ocupação. Ao começar pelas crianças, boa parte dos que vivem na Justo, mostramos que elas são beneficiadas com o trabalho desenvolvido no contraturno escolar. Em outra iniciativa da comunidade
voltada à educação, os adultos também têm acesso ao ensino. Entre os jovens, contamos a história da música criada com o objetivo de ajudar na batalha judicial. Também falamos sobre os idosos, que são minoria entre os que vivem na localidade. Em outra ponta do ciclo da vida, os desafios da maternidade também são mostrados neste quarto jornal. Quando o assunto é a vulnerabilidade social, eles se tornam ainda mais evidentes – com a falta
de acompanhamento adequado na gestação e a preocupação com o cuidado dos filhos enquanto se busca o sustento. O fato é que, desde a primeira moradora até os muitos nascidos em quase 20 anos de Ocupação, esta comunidade – que vive em meio à incerteza – não perdeu a capacidade de sonhar com dias melhores. Boa leitura! LETÍCIA COSTA LUANA ROSALES JÚLIA MÖLLER
QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Ocupação Justo é um jornal experimental dirigido à comunidade da Ocupação Justo, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares e três edições por semestre, é distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo. Professor responsável: Pedro Luiz S. Osório (posorio@unisinos.br)
EDIÇÃO E REPORTAGEM — Disciplina: Jornalismo Cidadão. Orientação: Pedro Luiz S. Osório. Edição de textos: Gabriela Stähler, Gustavo Machado, Jacqueline Santos, Letícia Costa, Luana Rosales, Lucas Lanzoni e Nagane Raquel Frey. Edição de fotos: Nínive Girardi. Reportagem: André Cardoso, André Martins, Bruna Flach, Camila Tempas, César Weiler, Elias Vargas, Gabriela Stähler, Guilherme Pech, Gustavo Machado, Isabelle de Castro Wrasse, Jacqueline Santos, Ketlin de Siqueira, Letícia Costa, Lianna Kelly Kunst, Luana Rosales, Lucas Lanzoni, Mateus Friedrich, Matheus Klassmann, Matheus N. Vargas, Nagane Raquel Frey, Nínive Girardi, Renata Garcia e Saimon Bianchini. FOTOGRAFIA — Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Beatriz Sallet. Fotos: Amanda Bernardo, Andriele Giroto, Camila Hendler, Cristina Fendler Bieger, Eduarda Freire, Gabriel Garcia, Gabriel Jaeger, Gabriela Bender, Gabrielli Zanfran, Geovana Araujo, Guilherme Lago, Gustavo Fernandes, Jordana Fioravanti, Júlia Möller, Lucas Kominkiewicz da Graça, Luiza Ribeiro Castro, Mariana Carvalho Necchi, Mariluce Lopes Pedroso Veiga, Michele Alves, Nicolas Rodrigues, Nicolas Sampaio, Rosane Teresinha Denke Moreira, Samantha Harras, Vitor Westhauser Ferreira e Vitoria Drehmer.
ARTE — Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. IMPRESSÃO — Gráfica UMA / Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor da Unidade de Graduação: Sérgio Eduardo Mariucci. Gerente dos Cursos de Graduação: Paula Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.
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Comunidade .3 Da esquerda para a direita: Alceu, com os filhos Matheus e Ana, Eduardo e Adriano à direita, e o líder Rodrigo ao centro
Liderança é sinônimo de avanço para os moradores Decisão de eleger líderes reforça a busca de melhorias na localidade
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o final de 2018, os moradores da Ocupação Justo decidiram nomear líderes para cada rua. Os residentes reconhecem que a falta de organização do ambiente era um problema e poderia agravar os trâmites judiciais na luta pela regularização. A partir da eleição dos líderes, o local ganhou reformas, como colocações de saibros, postes e fiações de luz. Em abril, foram realizadas as votações para a escolha dos primeiros líderes e vice-líderes. Os candidatos são indicados pelos próprios residentes conforme, na visão de cada um, o perfil seja adequado para assumir o cargo. Os moradores contam que a responsabilidade da função é um fator preponderante para que, na maioria das ruas, houvesse apenas dois postulantes ao cargo. “Nós apresentamos nomes. Conseguimos dar duas sugestões de pessoas
para a nossa rua. Ninguém mais quis ser pretendente”, declara Jucimara de Oliveira Flores, 41, dona de casa A votação é realizada por todos os moradores das respectivas ruas e cabe a eles, após a eleição, fiscalizar e cobrar o avanço preterido. Os residentes sugerem melhorias nas ruas onde moram para o seu líder. As despesas são divididas entre todos os habitantes da rua e são autorizadas quando o líder e os residentes, após uma reunião, decidem. As demais ruas não são beneficiadas, já que há outras gestões de líderes para cada uma delas. “Eles (domiciliados) querem mudar a rede de luz. Todos ficaram de acordo e vão colaborar. É assim que funciona”, conta Jucimara. Os líderes, no início da gestão, tiveram não só a responsabilidade de administrar as suas respectivas ruas, como também fizeram com que todos comprassem uma ideia de união. “Além de buscar solução para os problemas e estar em constante
comunicação com os vizinhos, guiu comparecer por não ter liderar uma rua é, antes de recebido liberação do trabalho. tudo, fazer com que todos ca- Ainda há quem trabalha sem minhem juntos em razão da carteira assinada e, normalevolução do nosso espaço”, mente, na sexta-feira recebe o opina Rodrigo de Azevedo, salário”, explica Muller. 39, autônomo e líder da rua O novo sistema adotado Travessa São Francisco. motivou melhorias nas ruas, A luta para regularizar cada que são exaltadas e elogiamoradia vem há mais de 20 das pelos moradores. “Foi anos. No dia colocado sai23 de agosbro e trocado to, lideranças “Se não existisse as postes. Sinto das ruas, com falta uma lideranças, acredito que a participação melhoria no dos morado- que não estaríamos saneamento res, realizaram mais aqui” básico, mas uma caminhaacredito que da partindo da Pedro Jackson Muller isso será feiOcupação até Sucateiro to a longo o Fórum para prazo”, conacompanhar uma nova au- ta Elisângela Hoffmann Radiência. “Ontem, fomos até mão, 32, comerciante. o Fórum. Se não tivesse uma Junto com a implementaliderança, o pessoal não ia ção das lideranças, gerou-se se unir. Conseguimos sen- variadas formas de comunisibilizar a juíza pela nossa cação entre os residentes de união”, conta Pedro Jackson cada rua. Além das reuniões Muller, 33, sucateiro. presenciais, ela se expande Das 2.500 famílias, segun- para o virtual. Para facilitar a do a organização, 700 pessoas interação, foi criado um grupo fizeram parte do deslocamen- no WhatsApp com a finalidade to. “Muita gente não conse- de estender os assuntos abor-
dados nas reuniões em prol de melhorias para a localidade. Assim, ideias podem ser propostas sem que haja a necessidade de esperar a realização de um novo encontro entre líderes e moradores. Há, ainda, um grupo integrando todos líderes, que discute os assuntos a serem tratados durante as assembleias, feitas quinzenalmente. Apesar de tudo, os líderes não se envolvem somente com os cuidados da sua respectiva rua. “Às vezes, eu alerto outros líderes e chamo a atenção para deveres que não foram feitos”, enfatiza Azevedo. O sistema de liderança trouxe para a Justo uma nova esperança. O que antes era visto como um sonho distante, agora, todos veem a tão sonhada regularização mais próxima. Com as lideranças, foi possível uma administração disciplinada de cada rua e a garantia de cuidados que antes inexistiam. GUSTAVO MACHADO JÚLIA MÖLLER
4. Comunidade
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O endereço dos sonhos Maiores desejos dos moradores da Justo convergem para o mesmo ponto: ter um lugar para chamar de seu
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construir uma casa no mesmo local onde vive atualmente. “Tenho até o projeto, mas tu não sabe o que vai acontecer aqui. Então, se legalizasse a situação, a gente iria colocar em prática”, conta. O morador, que não se imagina levantando suas paredes em outro lugar, trabalha justamente construindo casas para outras pessoas como microempreendedor individual. Natural de Xaxim, em Santa Catarina, o construtor vive há quase cinco anos na Ocupação. Com a separação, sua ex-esposa veio para Canoas e ele acabou se mudando para ficar perto da filha Ana Luiza, hoje com 11 anos. Tendo a situação legal da Justo resolvida, Gilberto também pretende pedir a guarda da menor. “A mãe dela até disse para ela vir morar comigo, mas quero fazer tudo certinho no papel”, ponderou. Hoje Ana Luiza fica com o pai um final de semana sim, outro não. Enquanto isso, ele vive e recebe a filha na casa de um cômodo, sempre sonhando com o novo lar. “Construir a tua própria casa, do jeito que tu quer, não tem preço”, projeta.
o alto da Ocupação Justo, onde é possível ver boa parte de São Leopoldo, o morador Carlos Alberto Tavares, 53 anos, olha para a área enquanto responde: “O meu sonho é isso aqui, é legalizar a situação”. Buscando descobrir quais eram os maiores desejos dos moradores do local, foi justamente esta a resposta mais comum ouvida pela reportagem. Entre as histórias, também é frequente ouvir que as pessoas se mudam para a Justo por necessidade, mas acabam se sentindo tão acolhidas que querem continuar na Ocupação – conquistando o simples direito de pagar por seus terrenos e por suas despesas. Chegando à localidade por conta do desemprego, Tavares vive no local há três anos com a esposa Cledi Barichello, 42 anos, e os dois filhos do casal. Depois de 29 anos juntos, ao menos o estado civil da dupla, que é natural de Santo Ângelo, caminha para ser legalizado. Eles vão casar ESPERANÇA Aposentado por invalidez, no cartório no próximo dia 18 de setembro, sonho realizado como Soel Rodrigues, 53 anos, veio paum presente do filho Murilo, 22 rar na Ocupação por questões de anos. Outro grande desejo do ca- saúde. Natural de Encruzilhada sal já foi realizado na Ocupação: do Sul, teve disritmia e precisou o nascimento da caçula, de três colocar dois aparelhos cardíacos. anos. “Eu pedi a Deus para ter Nesta condição, a proximidade de uma filha chamada Sophia e ele São Leopoldo com Porto Alegre atendeu. Tudo o que eu pedi até facilitou a ida para as consultas, hoje, Ele me deu. Hoje eu peço que é feita de trem. Para seguir paz e tranquilidade. Eu sonho, com o tratamento, Soel ainda precisa usar o antigo enné?”, conta o pai. dereço – uma vez que Para cona moradia atual não q u i s t a r e s t a “Poder pagar tem logradouro nem tranquilidade, a luz, água e número, por conta da regularização do situação ilegal da terendereço é muito ter um bom ra onde a Ocupação importante, pois serviço. Hoje, se se estabeleceu. a família gosta Morando com a muito de morar falta água, não companheira Rosana Justo. “O que tem nem onde ne e as filhas, o sonho não existe em reclamar” de seu Soel também é um condomínio, legalizar o endereço existe aqui: o Soel Rodrigues que ocupa há quase amor ao ser hu- Aposentado cinco anos: “Poder mano”, ressalta Tavares. As necessidades do casal, pagar luz, água e ter um bom no entanto, passam pelo desem- serviço. Hoje, se falta água, não prego dos dois. Ele, que exerce as tem nem onde reclamar porque funções de pintor, pedreiro e faz a gente não paga. Tá todo munmanutenção predial, está sem tra- do com esse mesmo pensamenbalho há cinco meses, enquanto to, mas eu tenho esperança de Cleidi recebeu em agosto a última que seja resolvido”. Para ele, a parcela do Seguro Desemprego. melhor solução é que cada um Ela trabalhava há 19 anos em um pague pelo seu canto, só que curtume que fechou as portas e, dentro das condições que cabem por último, fazia parte da área de no bolso. “Toda pessoa merefaturamento da empresa. ce ter um lugarzinho decente para morar”, completa.
CONSTRUÇÃO
Já o maior sonho de Gilberto Fagundes de Paula, 37 anos, é
LUANA ROSALES NICOLAS RODRIGUES
Gilberto e a filha Ana Luiza passam mais um final de semana em família
A sonhada Sophia é a alegria da casa de Cleidi e Carlos Alberto
Aumento na casa de Soel e Rosane parou em meio à incerteza
Infância .5
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Entre as atividades que expressam sentimentos, a pintura é a preferida das meninas
Socialização e desenvolvimento na “Tenda das Crianças” Contraturno disponibiliza oficinas que fortalecem a convivência
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uando estou feliz eu gosto de brincar”, revelou Estéfani Borges Ferreira, sete anos, enquanto se preparava para iniciar o exercício do dia. É por meio das oficinas que as crianças, entre dois e 16 anos, percebem a realidade na qual estão inseridas, como, neste momento, a ameaça de despejo da Ocupação Justo. A mãe de Estéfani, Josiane Borges, 31 anos, destaca a importância das oficinas para as crianças pois, acima de tudo, é através delas que os pequenos conseguem aprofundar a aprendizagem escolar. “Há três anos que minha filha frequenta as atividades da tenda, mas é desde o ano passado que ela participa com frequência, praticamente todo sábado”, destaca. A atividade a qual Estéfani participava se referia à história “O livro dos sentimentos”, apresentada pela pedagoga Fabiana Ribeiro,
38 anos. “Fui convidada para sa para rever a árvore plantada executar o trabalho social da no pátio da Tenda do Encontro, hora do conto, então uma vez à qual deu o nome de ‘Borbolepor mês trago alguma história ta’. A plantação fazia parte de e alguma atividade sobre de- um projeto referente ao meio terminada história”, informa ambiente, onde as crianças a pedagoga. receberam Como exuma muda e plica a mis- “Eles participam das a batizaram. sionária MaEm seguida, riana Szajbely, mesmas angústias junto com a 48 anos, que que os pais. Se eles família, as coordena as árvores foram oficinas dis- lutam por isso, plantadas. ponibilizadas também precisam “Foi uma atina Ocupação, vidade muito as atividades saber porque interessante, voltadas para estão lutando” pois é algo o público inque ela nunfantil são diá- Mariana Szajbely ca tinha feirias, mas é no Missionária to e assim sábado, quanpode ver a do ocorre a Tenda das Crian- importância de cuidar do ças, que a maioria dos projetos meio ambiente”, acrescenta são executados. “Mesmo que a mãe. tenhamos aqui diversas ativiA estudante Emilly Herbsdades para os pequenos, o foco trith, 11 anos, além de gostar é na Tenda das Crianças. Aqui muito de pintar, participa da elas são livres para participa- oficina de Futebol, que ocorrem quando querem, muitas re três vezes por semana. Endormem até tarde e depois quanto contornava o desenho vem para cá, acompanhar a ati- sobre a mesa, com atenção e vidade do dia”, salienta. delicadeza relatava os momenApesar de se sentir muito tos vividos na tenda. “Eu gosto atraída pela pintura e pelos de- muito de vir aqui para pintar, senhos, Estéfani estava ansio- mas também adoro o meu fu-
tebol. Além de fazer as atividades eu encontro os meus amigos”, comenta, alegre. A realidade vivida pelas crianças é a mesma dos adultos, por isso, segundo Mariana, elas ficam sabendo dos ocorridos no local como qualquer outro integrante do espaço. “Eles participam das mesmas angústias que os pais. Se eles lutam por isso, também precisam saber porque estão lutando”, afirma a missionária. Para amenizar as situações, Mariana conta que na atividade de reforço escolar é destaca-
da a questão de ‘pertencer ao lugar’ e dessa forma as conseguem abordar os assuntos mais delicados da Ocupação como, atualmente, a luta jurídica para legalizar o bairro. Na Ocupação Justo o trabalho realizado em torno das crianças é justamente esse: deixar a criança ser criança. Vivenciar a realidade do dia a dia e, diante das dificuldades, buscar no brincar as soluções que cada situação necessita. LIANNA KELLY KUNST CRISTINA BIEGER
Dias e horários das oficinas Segunda-feira l
Futebol (16h às 18h)
Terça-feira l l
Reforço escolar (9h às 10h30) Música (15h às 17h)
Quarta-feira l l
Futebol (9h às 11h) Reforço escolar (14h às 16h)
Quinta-feira l
Música (15h às 17h)
Sábado l l
Tenda das Crianças (10h às 12h) Futebol (14h às 16h)
6. Infância
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Pelos olhos das crianças A vida pelo ponto de vista de quem gosta de brincar, mas já sonha com um futuro determinado
te sonho dentre todas as crianças entrevistadas. O menino quer ser motorista de drift (técnica de direção de carros que consiste em deslizar nas curvas girando o volante para Ocupação Justo existe há que as rodas dianteiras estejam sem21 anos. Atualmente, 2.500 pre em uma direção oposta a curva, famílias moram na região, fazendo o carro derrapar), no parmuitas delas com filhos. Porém, é que temático Beto Carreiro World, difícil dizer exatamente quantas em Santa Catarina. Com 11 anos de crianças vivem na área. Meninos e idade Arthur tem as suas preferênmeninas vivem no lugar com sonhos cias sobre lazer na comunidade. “O e esperanças de serem aquilo que que eu mais gosto de fazer é andar de bicicleta por aqui”, relata. o imaginário deles produz. O casal de irmãos Maiara Laine São sonhadoras e simples ao mesmo tempo. Brincadeiras como e Ângelo Gabriel vivem com seus pega-pega, esconde-esconde e andar pais, Vanessa Gonçalves e Gelson de bicicleta, estão cada vez mais Rodrigues. Maiara tem seis anos escassas na nossa sociedade. Porém, de idade e está na primeira série. é com toda a inocência que esses me- “O que eu mais gosto de fazer aqui ninos e meninas acabam trazendo de na Justo é brincar de pegar, é uma volta esse gosto simples da infância brincadeira que todo mundo gosta”, finaliza. Diferente da maioria das que um dia todos nós tivemos. Vinicius Bairros da Silva tem 10 crianças e de seu irmão, ela ainda anos de idade e mora na Ocupação há não sabe exatamente o que quer seis anos. Nas palavras dele: “É legal ser quando crescer, mas prometeu morar aqui, pois eu tenho um ami- que vai começar a pensar. Ângelo está com dez anos de idago chamado Ariel e nós brincamos juntos de esconde-esconde”, afirma. de, cursa a quarta série e já sabe de Vinicius tem um sonho que, para maneira decidida o que quer ser no muitos, pode ser bastante simples. futuro. “Quando crescer vou fazer de tudo para ser um O garoto sonha em ter bom policial”, afirma. a mesma profissão de O menino um tanto sua tia. “Eu quero ser “Eu quero ser tímido não muito trabalhador e muito trabalhador quanto escondeu o sorriso confeiteiro”, relata. no seu rosto ao falar O m e n i n o e s t á e confeiteiro” sobre a sua escolha de cursando a terceira profissão para quando série na escola Ama- Vinicius Bairros da Silva for mais velho. deo Rossi e vive aos 10 anos Temos ainda o caso cuidados de sua avó, Alda Terezinha Bairros. Com 55 da menina Ana Luiza Fagundes de anos de idade e viúva há 18, Alda Paula. Ana tem nove anos de idade está na comunidade há cerca de e passa os finais de semana com o seis anos e cuida não só de Vinicius, pai na Justo. Gilberto Fagundes de mas também de dois netos mais Paula comenta que, pelo risco de velhos. Durante esse tempo vivendo despejo que os moradores correm, na Ocupação, Alda ainda foi vítima é difícil levar a sua filha de maneide uma acidente de moto, felizmen- ra definitiva para viver no local. “Por conta de toda essa situação te conseguiu se recuperar. Conhecendo cada criança é possí- que a Ocupação vem enfrentanvel encontrarmos sonhos parecidos do, a gente nunca sabe como vai entre elas, como nos casos de Sofia ser o dia de amanhã”, relata. Ana, assim como as outras crianMoura Padilha e Nathalie Vieira da Silva. Ambas têm o desejo de se ças, tem amigos com quem se divertornarem médicas. Sofia tem seis te, na região. “Eu brinco muito com anos de idade, mora com seus pais os meus primos e amigos aqui, temos e estuda na escola Amadeo Rossi. várias brincadeiras, mas o que todo “Eu gosto da Justo, tenho muitos mundo gosta é esconde-esconde”, amigos que vêm até a minha casa afirma. Ela já tem na cabeça o que para brincar comigo e o que eu deseja para o seu futuro. “O meu somais gosto de fazer é brincar com nho é ser professora, só não sei ainda de qual matéria”, finaliza. as minhas bonecas”, conta. Os sonhos e objetivos vão sendo A outra futura médica na Ocupação, Nathalie, tem oito anos de esboçados e o tempo que os pequenos idade e também já tem em mente possuem para se divertir ainda é bem o desejo de trabalhar com medici- aproveitado. Fazendo com que as na. ”Eu gosto de viver aqui, com os crianças em sua maioria ainda sejam meus colegas, a gente se diverte”, apenas crianças, brincando e tentanrelata. A menina mesmo com pouca do levar a vida da melhor maneira idade sabe que para alcançar esse possível. Sem se preocupar muito objetivo é necessário estudar mui- com os problemas que a vida traz ou to: “Eu quero no futuro ser uma que um dia poderá trazer, mas sem doutora, mas sei também o quanto deixar de pensar no futuro. é preciso se esforçar”, finaliza. LUCAS LANZONI O irmão de Nathalie, Arthur VieiGUSTAVO FERNANDES ra da Silva, possui o mais diferen-
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Vinicius Bairros da Silva quer ser “muito trabalhador e confeiteiro”
Ângelo Gabriel quer ser policial. Sua irmã Maiara Laine ainda vai pensar
Ana Luiza já decidiu: quer ser professora, mas não sabe de qual matéria
Cidadania .7
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A arte fortalecendo a vida Através da música, juventude reafirma seu propósito e o engajamento com a comunidade na luta pela moradia
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as batidas do tambor improvisado e do inconfundível ritmo do hip hop, a Ocupação Justo reafirmou sua presença como parte integrante do município de São Leopoldo, na semana em que a comunidade se uniu pelo seu principal desejo: o da moradia. A mobilização foi feita após a confirmação da caminhada até o Fórum de São Leopoldo, no dia 23 de agosto. A data era tão expressiva porque estava marcada a audiência do processo movido pela família proprietária de parte das terras em que está localizada a Ocupação. Durante os quilômetros percorridos até o Fórum, o grito veio da juventude que integra a Ocupação. A música foi escrita por crianças e jovens de quatro a 17 anos. Os versos tornaram-se referência do empoderamento e da constante luta das mais de duas mil famílias que buscam uma oportunidade de moradia digna. A estudante, Paola de Araújo, 15 anos, participou da caminhada. “Foi muito importante, mesmo que por alguns momentos, estar no carro de som, cantando a música. Deu um orgulho muito forte em apresentar algo construído por nós. Os compositores não precisaram de estúdios, investimentos ou estruturas extraordinárias. Bastou a vontade de quem convive com a incerteza diariamente. Tudo foi feito ali, na Cooperativa Alto Paraíso. Os jovens integrantes das oficinas de hip hop compuseram a letra em uma noite, com o auxílio do voluntário e coordenador do projeto, Marcus Vinícius Corrêa, 38 anos, popularmente conhecido como Mano Vini. O grupo compôs a letra que carrega
“Queremos ajudar de alguma forma, na prática, a Ocupação. Precisamos ter empatia” Mano Vini Coordenador do Galerinha do Bem
consigo os anseios, desejos e orgulho de uma juventude motivada a mudar o futuro do lugar onde vivem. Após a conclusão da música, o objetivo maior era que a comunidade tivesse isso em mãos. Além dos grupos de WhatsApp, a Galerinha do Bem - nome criado pelos
jovens que participam das aulas da modalidade musical - fez cópias impressas das letras das músicas. “Nós passamos boa parte da noite produzindo nossa música. Depois disso, imprimimos e distribuímos para que o máximo de pessoas pudesse nos ajudar na caminhada”,
comenta a estudante. Mas, não só de composições foi feita a participação da juventude na mobilização da Justo. Os jovens confeccionaram cartazes, camisetas e redigiram cartas que foram entregues à juíza que está cuidando do caso. Toda a produção foi
Com apenas 15 anos, Paola já ajuda a construir um rumo diferente para a Justo
feita após a confirmação da caminhada até o Fórum de São Leopoldo, no dia 23 de agosto, onde estava marcada a audiência do processo movido pela família proprietária de parte das terras em que está a Ocupação.
TRANSFORMAR
Mudar a realidade local e auxiliar a comunidade são aspectos importantes para a moçada que participa dos projetos oferecidos na Justo. Além disso, os momentos servem para debater e entender o papel de cada jovem na sociedade. Não é só de música que tratam as oficinas, mas sobre tornar-se humano. Para o coordenador das aulas de hip hop, Mano Vini, estar presente na luta é não acomodar-se e fazer das oficinas uma extensão, ou seja, uma maneira de auxiliar a sociedade. “Não podemos viver num mundo isolado, por isso criamos a música. Queremos ajudar de alguma forma, na prática, a Ocupação. Precisamos ter empatia e trabalhamos isso semanalmente nas aulas”, salienta.
MOBILIZAÇÃO
Além do impresso, jovens utilizaram as redes sociais para divulgar a nova música
Música Justo Justo é Ocupação Justo é Caldeirão Se liga nesse papo, pros guerreiros e pras guerreiras Esse povo daqui não está de brincadeira Esses cara tão maluco, falando que é invasão Justo é Ocupação Justo é Caldeirão Pode vim todo mundo, vamos todos se juntar A nossa causa é justa, pode crer vamos ganhar A gente canta e dança, você pode se unir Entre no coletivo vem lutar e resistir
Justo é Ocupação Justo é Caldeirão Esse lugar é nosso, há 20 anos tamo aqui Os guerreiros e guerreiras lutando para garantir Com força, com garra nós vamos conseguir Com força, com garra nós vamos resistir Na Ocupação do Justo nosso trabalho é duro De semana à semana pra mudar nosso futuro Agora é tudo ou nada, chegou a nossa vez Ocupação do Justo tô contando com vocês.
Paola ainda reforça que, acima de tudo, a composição foi criada para mostrar que a comunidade luta diariamente por diálogo e melhores condições de moradia e regularização, “A gente quer mostrar que isso aqui não é uma invasão. Nós não estamos invadindo, ao contrário, é uma ocupação. Todas as pessoas que estão ali são trabalhadores, é isso que a gente precisa mostrar na música. Aqui é a Ocupação Justo. O nosso objetivo de ganhar é somente para a garantia de uma moradia digna”, completa. Além do trabalho, os jovens também notam a melhora no dia a dia dos colegas que participam do projeto. O carinho entre os integrantes mostra que a cooperativa é uma extensão de todo o trabalho feito pela comunidade. “Nós trabalhamos questões de cidadania. A música é nossa fonte de inspiração. Aqui a gente fala de preservação, feminismo e direitos humanos. Acima de tudo, queremos mostrar que esses jovens são protagonistas da Justo e que podem ser o que quiserem. Basta batalhar e conquistar”, salienta Mano Vini. RENATA GARCIA GABRIEL GARCIA
8. Educação
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Esforço para retomar os estudos Moradores da comunidade buscam novas oportunidades através dos estudos, mesmo que tardios
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á um ano na Ocupação Justo, em São Leopoldo, há um núcleo de ensino do programa Educação para Jovens Adultos (EJA) instalado na Tenda do Encontro. Lá são realizadas as aulas para jovens e adultos da comunidade que desejam retomar os estudos e concluir os ensinos fundamental e médio. A certificação do ensino é dada através de uma prova elaborada pelo Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja). Mais da metade dos brasileiros de 25 anos ou mais ainda não concluiu a Educação básica, apontou uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicada em junho desse ano. As aulas que ocorrem na Tenda do Encontro são ministradas por dois professores, um para a área das exatas e outro para letras e afins. É realizada em média uma prova por ano, e a desse ano ocorreu no dia 25 de agosto. No programa do EJA na comunidade estão inscritos
Emerson considera o estudo muito importante para aproveitar as novas oportunidades atualmente 20 alunos, porém somente metade do grupo comparece frequentemente as aulas, que ocorrem nas terças, quartas e quintas-feiras, das 19h às 21h15. Quem tiver interesse em retomar os estudos pode comparecer na Tenda do Encontro em uma das aulas.
SONHOS
O sonho de conseguir um emprego melhor ou conquistar uma promoção
na empresa é a motivação de dois estudantes que frequentam as aulas na Ocupação Justo. E a motivação sempre é fundamental para os estudantes de idade mais avançada, já que não é fácil conciliar trabalho e família com os estudos. Emerson Oliveira Rodrigues, 41 anos, é um dos alunos que voltou aos estudos devido às novas oportunidades na sua área de trabalho. Atualmente trabalha em uma
Cláudio realizou a última prova do Encceja deste ano, que ocorreu no dia 25 de agosto indústria de produção. Quando jovem, parou de estudar no 1° ano do ensino médio e apenas agora resolveu voltar. “Na minha empresa tinha uma vaga superior à minha e eu, por não ter estudos, não pude me candidatar. Eles contrataram uma moça para a vaga e eu tive que ensinar a ela como as coisas funcionavam”, contou. Claudio Lima Amaral, 39 anos, também é outro estudante do EJA que, como
o Emerson, busca novas oportunidades no mercado de trabalho. Parou os estudos no 7º ano do ensino fundamental. Atualmente, trabalha como autônomo no ramo da construção civil, e vê a necessidade dos estudos para conseguir se aperfeiçoar e conquistar a independência financeira que tanto busca. BRUNA FLACH CAMILA HENDLER
Dificuldades de quem não sabe ler Os maus-tratos do padrasto e as tentativas de esconder os sinais na pele machucada fizeram a aposentada Neusa Maria Chaves, viúva de 60 anos, abandonar a escola antes que pudesse aprender a ler e escrever. Segundo ela, a mãe não deixava ela e a irmã irem à escola para que ninguém percebesse as agressões sofridas em casa. Neusa conta que sente dificuldade em vários momentos do seu dia a dia devido à falta de alfabetização. “É ruim não saber ler ou escrever em qualquer situação”, relata. Ela diz que desde cedo trabalhou fora e não procurava aulas de alfabetização. “A gente precisava trabalhar para o sustento e não pensava em estudo”, declara. De acordo com a aposentada, quem a auxilia na hora das compras ou atividades de leitu-
ra são a filha e o genro. Assim como Neusa, outros 11,3 milhões de brasileiros, em 2018, não sabiam ler e escrever, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em levantamento feito através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). Ainda que o Plano Nacional de Educação, preveja o cumprimento de erradicação do analfabetismo no país até 2024, os dados apontam para uma lenta evolução do quadro. De acordo com a legislação, em 2015, o Brasil deveria ter chegado à um índice de 93,5% de alfabetização, e só chegou a 93,2%. Luís da Silva Santos, aposentado de 68 anos, também é analfabeto. “Fui muito pouco no colégio. Tive que trabalhar desde cedo e acabava não es-
Para quem é analfabeto como Luis, a ajuda da esposa Marilene é indispensável nas tarefas de leitura tudando”, explica. Luís serviu como militar no Exército e, na época, se deu conta do quanto a educação fazia falta. “Quando voltei para casa fiz questão de que meus irmãos fossem estudar e ter um futuro melhor”,
relata. A esposa, Marilene da Silva Santos, 52, é quem o ajuda a enfrentar as dificuldades em tarefas de leitura. Já Olga Delmiria Alves de Azevedo, 61, sabe ler letras de forma, mas não consegue
escrever. “Só fiz o primeiro ano escolar e não consigo juntar as letras para formar palavras”, revela. Ela conta que precisou trabalhar para garantir o próprio sustento e o da família. Por isso trocou a escola pelas plantações de fumo, em Candelária, de onde é natural. Atualmente, Olga está desempregada e vive da pensão que recebe pelo falecido marido. Na Ocupação Justo existe uma iniciativa de alfabetização de adultos. As irmãs missionárias de Cristo Ressuscitado ministram aulas para os moradores que desejam aprender a ler e escrever. As aulas ocorrem nas sextas-feiras, das 9h às 11h, na Tenda do Encontro. CAMILA TEMPAS GABRIEL JAEGER
Tecnologia .9
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Comunidade conectada Uso do WhatsApp auxilia as lideranças de rua, informa moradores e movimenta a economia local
U
m grupo de usuários do WhatsApp é capaz de gerar grandes manifestações e ajudar na segurança das comunidades. Na Ocupação Justo, esta é a principal ferramenta para a comunicação entre moradores. Por meio das conversas no aplicativo são combinadas, por exemplo, vaquinhas para fazer melhorias no local e a população fica a par das notícias importantes. A divisão dos grupos de WhatsApp da Justo ocorre por assuntos ou locais. Entre os que envolvem toda a comunidade, estão as duas versões do chamado Movimento Justo. Mariana Szajbely, coordenadora da Tenda do Encontro e uma das administradoras das comunidades, conta que lá são publicados “avisos, convocações, informações e notí-
João é líder da Rua da Tenda e mantém grupo no WhatsApp com as famílias do local
cias que interessam”. anos. Uma das comunidades Por meio desses maiores mais restritas é a dos Guargrupos, foi organizada a ca- diões, que conta com 14 parminhada até o Fórum de São ticipantes e é voltada à luta Leopoldo, no dia 23 de agos- dos moradores. “Os guardiões to, onde ocorreu a audiência pensam melhorias para cá e a que analisou a possível rein- gente sempre se encontra na tegração de posse da Justo. casa de alguém”, explica EmerMariana conta que, ao final, son Rodrigues, 41 anos. as conversas se encheram de mensagens de agradecimentos BENEFÍCIOS Os grupos das ruas propelo resultado positivo. João Alberto Correa, 52 anos, é lí- movem melhorias diretas na Ocupação. Roder da Rua da drigo Azevedo, Tenda também 39 anos, é o lícomenta a mo- “Ali as pessoas der da Travessa vimentação da estão ligadas ao São Francisco e comunidade na data: “Quando movimento da coordena uma abri o telefo- rua, se tem que co n ve r s a n o ne, tinha mais WhatsApp com tirar um poste, de cem mencerca de sessenta moradores. sagens”, relata. arrumar um cano” “Ali as pessoas Com menos estão ligadas ao participantes, o Rodrigo Azevedo movimento da grupo da Coor- Líder da Travessa rua, se tem que denação serve São Francisco tirar um poste, para discutir assuntos da Tenda do Encon- arrumar um cano que ‘tá’ vatro e do movimento, reunindo zando”, exemplifica Rodrigo. trinta membros, como conta Outro benefício dos grupos é o morador Fábio da Silva, 35 apontado por João: ele conta
que um vizinho trabalha à noite, e João manda mensagens a ele ao ver alguma movimentação diferente. Ele diz que, normalmente, um morador de cada família faz parte da conversa pelo aplicativo. Quando há muitas pessoas em um grupo, às vezes o diálogo sai do assunto principal. Por isso, vão sendo criadas novas conversas, como a de Doações e Vendas. Cheila Pacheco, 34 anos, conta que faz parte dele e que sua padaria já tem uma comunicação contínua com clientes pelo aplicativo: eles perguntam sobre os produtos pelo “zap” antes mesmo de sair de casa. Jucimara Oliveira Flores, 31 anos, está em cinco grupos ligados à Ocupação e também faz parte da conversa voltada ao comércio, onde divulga o brechó da Justo. Ela cria informativos sobre as promoções da semana, enviando fotos de algumas peças.
PARA TODOS
Um desafio que faz parte do dia a dia da Ocupação e fica
mais evidente no WhatsApp é o analfabetismo. Jucimara é administradora de um dos grupos principais e conta que duas participantes não sabem ler. Por isso, ela grava áudios explicando as informações importantes e envia para essas moradoras. Já na conversa de João, na Rua da Tenda, há uma moradora com deficiência auditiva, então ele se encarrega de manter a vizinha informada sobre os áudios que são enviados pelos membros. Além do WhatsApp, há outras formas de comunicação na Justo. Mariana conta que publica avisos e informações na página da Tenda no Facebook, além de também usar carros de som para dar recados importantes. O morador Fábio, por exemplo, relata que em sua rua não existe o hábito de usar os grupos, pois os moradores preferem conversar pessoalmente: “Lá a gente vai nas casas e fala”, explica. GABRIELA STÄHLER VITORIA DREHMER
10. Justiça
ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPO
Resistir para
Após decisão da audiência de 23 agosto, comunidade tem boas e
“E
nquanto morar for um privilégio, ocupar será um direito”. A frase, entoada como lema por diversos movimentos de luta pela moradia Brasil afora, também representa as quase oito mil pessoas que moram na Ocupação Justo, no bairro Duque de Caxias, em São Leopoldo. Com mais de vinte anos de existência, a Ocupação está ameaçada pelo processo de reintegração de posse iniciado em 2012 e movido por 24 pessoas da família Justo, que dá nome ao local. A mais recente etapa dessa disputa judicial foi uma audiência a portas fechadas no dia 23 de agosto, na 3ª Vara Cível do município. Segundo o advogado da Ocupação, Luiz Antônio Teixeira, a área que está em jogo no processo equivale a 31 hectares. “Existem mais 3 áreas, que também pertenciam à família Justo e foram ne-
gociadas com o município de São Leo- representantes da comunidade. poldo por conta de obrigações fiscais. A mobilização chamou a atenção A soma das quatro áreas dá um total de da imprensa regional pelo grande nú100 hectares”, explica. Mais detalhes mero de crianças e jovens, que levanão podem ser dados pois o mérito ram cartazes e cantaram uma música das ações ainda não foi julgado. criada especialmente para a ocasião. Impedidos de asA união dos moradosistir à audiência, os res deu resultado: a moradores decidiram “A gente quer juíza Jaqueline Hofler mostrar a força e a voz pagar, é um determinou que seja da comunidade do lado feito pela família Justo de fora do Fórum, lo- acordo que temos um mapeamento via calizado na Avenida com todos aqui” satélite da área ocupaUnisinos. Cerca de 700 da. “Ela se sensibilizou, pessoas saíram em ca- Rodrigo de Azevedo mas nós não fizemos minhada da Cooperati- Líder da comunidade planos para isso, nós va Alto Paraíso, dentro só mostramos o que da Ocupação, até o local da audiência. realmente acontece dentro da co“Muito organizado, não teve bagun- munidade”, comenta Rodrigo. ça, não paramos o trânsito. A gente “O que estava em jogo era nossa foi ordenadamente fazendo o que permanência aqui na comunidade, foi combinado”, ressalta o autônomo porque o último despacho que a juRodrigo de Azevedo, 39 anos, um dos íza deu foi horrível. Ela não deixou
claro com palavras, mas quem lia entendia que o próximo passo dela era despejar. Graças a Deus a gente conseguiu mobilizar, não foi 10% da comunidade, mas mesmo assim foi muita gente”, comemora Fábio Simplício, 35 anos, coordenador da Cooperativa Alto Paraíso, que mora há cerca de sete anos na Ocupação e tem diversos familiares no local.
PRÓXIMOS PASSOS
Segundo Cristiano Schumacher, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), o levantamento topográfico encaminhado na audiência deve identificar qual área privada resta à família Justo e quais lotes já pertencem ao município. “Aguardamos os próximos movimentos do Judiciário de uma maneira proativa, já construindo uma solução ou trabalhando nas soluções
possíveis”, destaca A comunidade de Regularização (Reurb) para pedi ras. Cristiano expl instrumento legít a regularização em urbanos informa “Uma parte da Re mas de transferênc que pode ser por m até a compra pelo dores, ou então um sorciada, que envo do poder público As terras da fam em que foram ocu um histórico de aba com o município. F impostos sobre o te gos, mas de uma for pagaram depois q ocupada há mais de
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OLDO (RS) | AGOSTO / SETEMBRO DE 2019
a morar
Sobre a Ocupação Os primeiros moradores do local chegaram na década de 1990 e residem nas Ruas A, B e C. Ao longo dos anos, a Ocupação sofreu com algumas ações de despejo, mesmo assim, seguiu se expandindo e hoje abriga quase oito mil moradores divididos em cerca de 2.500 famílias.
expectativas para a conquista da regularização
a Cristiano. e se baseia na lei Fundiária Urbana ir a posse das terlica que esse é um timo, que permite m assentamentos ais consolidados. eurb trata das forcia da propriedade, meio de usucapião os próprios morama operação conolva investimento o”, aponta. mília Justo, na época upadas, vinham de andono e de dívidas Fábio conta que os erreno já foram parma irregular. “Eles que a terra estava e dez anos. Isso é má
O que é a Reurb fé. Se tu não age de má fé, tu vai pagar o imposto da terra desde o começo, não vai deixar vinte anos sem pagar e, quando está ocupado, tu pagar pra tirar o pessoal de cima”, critica.
PROJETOS SOLIDÁRIOS
A Ocupação Justo resiste e luta pelo direito à moradia digna com uma das suas principais armas: a educação. Diversos projetos sociais são desenvolvidos pelos moradores na Tenda do Encontro, outro ponto de referência e mobilização do local. Nela as crianças têm aulas de música, reforço escolar e taekwondo, entre diversas outras atividades oferecidas no contraturno escolar. Já os adultos têm a oportunidade de concluir os estudos por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Eles acham que a gente só mora aqui. Olha quantos projetos a gente
faz pra não deixar as crianças a ver navios, ocupar a cabecinha delas”, aponta Rodrigo. Ele lamenta a visão que muitos ainda têm sobre quem mora na Ocupação. “Nós somos conhecidos como invasores”, desabafa. Ao falar sobre o assunto os moradores sempre deixam clara a mesma coisa: todos são trabalhadores e ninguém quer morar de graça. A luta na justiça não é apenas pela terra, mas para adquirir os direitos e deveres de qualquer cidadão, como o pagamento de água, luz e imposto territorial. “O negócio da família Justo é dinheiro, mas parece que o nosso dinheiro não vale para eles. Pelo que estão mostrando, é questão de honra despejar os “pobretões” para fazer um empreendimento e pegar dinheiro de quem tem condição. Isso fica bem claro”, dispara Fábio. Rodrigo afirma que, apesar de tudo, também pensa
nos autores do processo. “Entendo o lado deles, mas temos todo o apoio da Prefeitura que vai dar a garantia que nós vamos pagar. A gente quer pagar, é um acordo que temos com todos aqui”, garante. Trabalhador da construção civil, Rodrigo já sofreu uma ação de despejo na Justo e está na sua segunda moradia no local. Ele deixa uma mensagem para os autores do processo contra a Ocupação.“Gostaria que eles vivessem um dia aqui na comunidade, entendendo o nosso lado, vendo o que acontece aqui dentro. As pessoas às vezes com fome, e a gente ajuda com comida, roupa... Isso não chega até eles, chega só que nós somos invasores”. GUILHERME PECH JACQUELINE SANTOS NÍNIVE GIRARDI SAMANTHA HARRAS
Para os ocupantes, a luta no Judiciário pela moradia legalizada também é para ter acesso aos direitos e deveres cidadãos. E aos investimentos básicos de infraestrutura, como pavimentação, saneamento, água e luz
A Lei 13.465/2017, que estabelece o procedimento de Regularização Fundiária Urbana (Reurb), define meios para viabilizar a regularização de terrenos e imóveis que estejam em situação irregular de ocupação. Com a aplicação da medida, a Ocupação Justo passaria a receber investimentos em infraestrutura básica, como água potável, energia elétrica, pavimentação, drenagem, saneamento, entre outros.
Entenda os argumentos do processo Comunidade 1. Existe um déficit habitacional na cidade. 2. A terra estava ociosa, não estava cumprindo sua função social e, assim, se tornou disponível para ocupação. 3. A ocupação foi progressiva. Com o passar do tempo, os moradores adquiriram o direito de lutar pela posse. 4. Um dos principais argumentos têm base no Artigo 1.276, parágrafo 2º do Código Civil Brasileiro. Família Justo 1. A área nunca foi abandonada. 2. Não houve interrupção da posse, portanto, ela ainda é proprietária das terras. 3. A invasão aumentou a violência na região. 4. A área está sob especulação imobiliária por parte dos invasores.
O que está na lei SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE SÃO LEOPOLDO
Durante a audiência do dia 23 de agosto sobre o processo movido pela família proprietária das terras, cerca de 700 moradores da Ocupação se mobilizaram em frente ao Fórum de São Leopoldo para reivindicar o direito da regularização da comunidade
Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. § 2º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais. Com base nessa jurisdição, pode ser considerado o abandono das terras por parte da família Justo, com consequente perda da posse. Reforçado pelo fato de que a família já negociou os demais hectares com o município por conta de obrigações fiscais.
12. Cotidiano
ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | AGOSTO / SETEMBRO DE 2019
As crias da Justo Conheça histórias de pessoas que nasceram, cresceram e vivem na Ocupação
T
assiane Prestes viveu todos os seus 15 anos na Ocupação Justo. A jovem nasceu, foi criada e vê os primeiros passos de Melody Cristiane, sua filha de dois anos, na comunidade. Acha que viver ali “foi especial” e não imagina outro local para criar a herdeira. “Moraria pra sempre. Agora é melhor, pelo jeito que a minha mãe falava antes, era mais difícil de criar. Ela me ajuda bastante”, conta a jovem. A adolescente nunca deixou de estudar, mesmo com a maternidade aos 12 anos. Com o apoio da mãe, Roseli Prestes, de 38 anos, formam a neta, outra cria da Justo. Roseli, que é uma das primeiras moradoras, construiu a sua casa há 21 anos. Reside no Beco A. Antigamente, tudo era mato. Durante as madrugadas eram erguidas novas residências. Em paralelo, viu a habitação e os filhos crescerem, motivo de orgulho da matriarca. “Foi complicado no começo. Criá-los sem água, nem luz. Foram criados da melhor forma possível. Todos têm saúde, estão fortes”, diz Roseli. A
Criada na comunidade, Tassiane mora com a mãe, Roseli, uma das primeiras moradoras, e com a filha Melody união entre todos é ressaltada dividindo um chimarrão com a vizinha, Marinês Flores da Silva, outra das moradoras mais antigas. Mãe de sete filhos, fez a sua família em duas décadas na Ocupação. Natural de Santa Catarina, fincou raízes em São Leopoldo. Foram muitas dificuldades no começo: “Tivemos que fazer tudo. Tínhamos que puxar água da bica, davam uns três quilômetros, andávamos com esses baldes, tínhamos que
levar as crianças juntas, não dava para deixar sozinhas porque eram pequenas. Depois de um ano, tudo foi se ajeitando. Hoje, eu digo que está bom. Virou uma vila”, vibra a moradora. Marinês é orgulhosa pelo que já viveu nessas terras. “Achei que não iria aguentar. Lavar as roupas era muito difícil. Agora não. Temos água, luz, clandestinos, mas temos. Corremos atrás para regularizar, mas disseram
Mayra não quer se mudar tão cedo. A jovem mora com a mãe, Marinês, o irmão Maxwel e a sobrinha Naiara que não estamos no mapa”, desabafa. O desejo de regularização é compartilhado pelas famílias que moram nos 42 hectares da Ocupação. Um dos cinco filhos dela que moram na Justo é Mayra Adriel Flores da Silva. Com 13 anos, sonha em cursar Medicina. Ainda está no sexto ano do fundamental, no colégio Paul Harris, mas projeta seu futuro: “Quero ajudar as pessoas”, explica Mayra. Nesses planos traçados, não está mu-
dar de endereço. Por ela, sempre será na Ocupação. As histórias dessas mulheres são parecidas. As mães viram os filhos brincando nas ruas. Agora, notam um lugar com relativa estrutura, mas que espera a regularização do poder público para ter ainda mais tranquilidade e seguir sendo um justo ambiente para as futuras crias da Ocupação. SAIMON BIANCHINI GABRIELLI ZANFRAN
Uma vida mais leve e tranquila Depois de morar em quatro diferentes estados brasileiros, Antônio Lima, 92 anos e Doraina Santa Gomes Salazano, 89 anos, decidiram fixar moradia na Ocupação Justo, em São Leopoldo. A decisão, tomada há cerca de dois anos, teve como intuito principal a reaproximação com os dois netos que residiam no bairro. Para isso, saíram de São Francisco do Sul, no interior de Santa Catarina e construíram uma casa de alvenaria ao lado de onde mora um dos netos. “Não valia mais a pena pagar um aluguel caro. Aqui a gente vive bem e não se incomoda com os vizinhos”, afirma Antônio. Natural de Minas Gerais, ele chegou ainda criança ao Rio Grande do Sul, onde morou com a família em Jaguarão e Santa Maria até chegar em Porto Alegre.
A companheira Dora, como é conhecida, nasceu em Morungava, distrito de Gravataí. Assim como Antônio, mudou-se ainda jovem para a capital, onde conheceu o primeiro esposo, com quem teve dois filhos. “Ele saía toda sexta-feira e voltava só no domingo. Não demorou muito e me separei. Depois de um tempo ele ficou doente e morreu”, conta. Foi só após a separação que Dora se aproximou de Antônio, de quem era vizinho há anos. E não levou muito para começar o namoro. Metalúrgico, Antônio sempre trabalhou na área e conseguiu o sustento para que a família tivesse boas condições de vida. Já Dora, cuidava dos filhos e da casa. O casal residiu em quatro estados e diversas cidades do Brasil – o que nunca foi consi-
Há quase dois anos na Justo, Dora e Antônio têm muitas histórias para contar e dicas para compartilhar derado um problema para eles. “Trabalhei e morei em Angra dos Reis, Taubaté e Laguna. O aluguel era pago pela empresa e a gente acabava aproveitando para conhecer pontos turísticos”, afirma Antônio.
Durante a entrevista, Dora saiu para levar uma panela de carne com batatas até a vizinha. Segundo ela, é comum cozinhar para a amiga, que em troca, lava as roupas do casal. “Cozinhar e almoçar sempre
em casa, é um dos segredos para cuidar da saúde e viver mais tempo”, acredita A longevidade não é novidade para Dora. A mãe chegou aos 96 anos e a avó, faleceu com 115. “Nosso sangue é bom”, brinca. E para passar o tempo, ela conversa com as vizinhas e faz companhia para Antônio, que preenche páginas de palavras cruzadas e caça-palavras durante o dia. “Não nos metemos na vida dos outros, vivemos a nossa vida e não incomodamos ninguém. Mas isso não quer dizer que a gente vai ficar aqui para sempre. A gente nunca sabe para onde vai depois”, completa Antônio, enquanto mexe nos óculos – cacoete do idoso. MATHEUS KLASSMANN MICHELE ALVES
Cotidiano .13
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Entre o medo e a esperança Moradores falam sobre as suas preocupações quanto ao destino da Justo
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Ocupação Justo existe há mais de vinte e um anos e possui histórias de vida e superação. As casas são simples, as ruas não são pavimentadas e o acesso ao local é difícil. Apesar das lutas para conseguir legalizar as ruas e ter endereço fixo, os moradores guardam a esperança de algum dia chamar de lar o lugar que escolheram morar. Ezequiel Gonçalves da Silva mora na Ocupação Justo há 16 anos. Possui um comércio chamado Minimercado da Brenda, localizado na Rua São Francisco. Acorda todos os dias com o desejo de conquistar da casa própria. Após anos de luta e com seu comércio em andamento, o medo de algum dia um Oficial de Justiça aparecer com uma intimação sempre ronda a sua porta. “A gente tem medo de investir na casa, né. Vai que vem uma ordem judicial e nós precisamos sair. Mas a esperança de permanecer aqui é grande”, conta. Mesmo com a grande mobilização dos moradores para legalizar os imóveis, Ezequiel
Ezequiel quer ampliar seu comércio, mas teme ser despejado relata que a Justiça alega que os moradores possuem carros e têm condições de morar em outro local. Impedindo assim, que as ruas tenham um nome registrado de maneira correta. E os moradores possam ter um endereço fixo. “Eles falam que a gente tem carrão, mas aqui todo mundo trabalha, sabe. Todo mundo aqui está disposto a negociar”, finaliza Ezequiel. Vivendo desde o início da Ocupação no Beco A, Dionísio Silva e sua família estão lá há mais de 18 anos. E mora numa casa simples de madeira, pintada de azul. Dionísio tem 61 anos de idade, e sempre convi-
veu com o medo de um dia perder tudo o que conquistou ao longo do tempo no qual se encontra na Ocupação. No caso de uma possível perda, seu Dionísio não consegue arrumar seu cantinho , além de não ter para onde ir, caso a Justiça peça para sair do local. “A gente tem medo, né. Eu não tenho para onde ir, se algum dia vierem tirar a gente. Isso é muito ruim, porque não podemos arrumar nossa casa”, conta. Elisandra Silva, filha de Dionísio, mora com suas quatro filhas na mesma casa. Porém mantém a esperança de permanecer no local.
Família Silva mantém a esperança de conquistar seu lar “Eles (a Justiça) poderiam deixar a gente aqui”. E indaga: “Porque, se nos tirarem daqui, aonde vão colocar todas essas famílias?”. Além disso, Dionísio convive com seu filho de 21 anos de idade que têm dificuldades em caminhar, devido a problemas nos nervos que afetaram sua locomoção. Não pensa em deixar o filho, e mantém a esperança de algum dia o problema se resolva de modo que ele permaneça no local. “Eu não posso abandonar meu filho. Se eles nos tirarem daqui eu não tenho para onde ir. Queria melhorar aqui, mas com isso
é difícil”, finaliza. Mesmo enfrentando dificuldades quanto à moradia e o medo rondando dia após dia seus lares, a família Silva não desiste. Com um sorriso no rosto e com um brilho no olhar, Elisandra mantém a fé de algum dia ter a casa própria e poder arrumá-la da maneira como deseja. “A gente quer continuar aqui, né. A gente não tem para onde ir. Então eu acredito que vai dar certo e nós vamos continuar aqui e ter a nossa casa”, comenta. ELIAS VARGAS GABRIELA BENDER
Uma luta diária dos moradores Quem reside atualmente na Ocupação Justo sente uma segurança que não havia no local há dez anos. Antes, não entrava nem motoboy de tele-entrega na comunidade. Apesar disso, os moradores convivem com um medo constante, já que a Justiça pode, a qualquer momento, dar uma ordem de desocupação e obrigar as pessoas a deixarem seus lares. Os cidadãos mais atuantes da Ocupação se reúnem com frequência e realizam ações visando a permanência em definitivo das pessoas na localidade. Centenas de moradores da Justo fizeram uma caminhada na sexta-feira, 23 de agosto, até o Fórum de São Leopoldo, onde ocorreu uma audiência que poderia determinar a saída das pessoas da Ocupação. O ato das famílias surtiu efeito, já que a Justiça não determinou a desocupação
das pessoas da comunidade, na ocasião. A luta, no entanto, ainda não acabou. Um dos líderes da Rua da Tenda, o aposentado João Alberto Corrêa, 52 anos, mora na Ocupação há quatro anos e convive com a incerteza do amanhã desde que chegou ao local. “O medo é constante. Se eu, que moro sozinho, tenho medo, imagina quem tem três, quatro filhos?! Tento fazer minha parte, participo de todas as reuniões e estive na caminhada até o Fórum. Nossa rua é bem unida. Hoje em dia está muito bom morar aqui”, destaca. Proprietária de um mercado, Celia Nicolete, 44 anos, acredita que a união dos moradores torna a comunidade mais forte e segura. “Moro aqui há 20 anos e nunca aconteceu nada no mercado. É bem tranquilo. Mas todo ano há essa ameaça de nos
Eder Furtado acredita que a união tem feito a diferença, mas não dorme tranquilo com a possibilidade de saída tirarem daqui. Se tiram a gente da Justo, não sabemos como será nosso futuro. É o risco que todo mundo corre”, comenta a moradora, mãe de quatro filhos.
Todos sonham com a posse definitiva na Ocupação Justo. É uma luta diária, e a manifestação no Fórum, dia 23, evidenciou a força da comunidade. “Fomos na caminhada
e deu certo. Mas é complicado, sempre tem o medo. Se sair daqui, vamos para onde? Se ninguém se unir, é muito mais fácil bater o martelo e nos tirar daqui”, declara Eder Furtado, 36 anos, morador da Ocupação há nove anos. Sueli Schmitz reside na Ocupação há seis anos e enfatiza a importância do engajamento dos moradores para a permanência em definitivo no local. “A caminhada até o Fórum estava emocionante. Essa união faz a diferença, porque não dormimos tranquilos com esse risco (de ter que desocupar o local). Se mandarem a gente sair, teríamos que chamar um caminhão, colocar os pertences dentro e procurar uma casa de aluguel, mas não temos para onde ir”, diz a moradora. MATEUS FRIEDRICH NICOLAS SAMPAIO
14. Meio ambiente
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Crianças “donas” de árvores Com a arborização do local, pretende-se incentivar os cuidados com a qualidade de vida
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rianças da Ocupação Justo plantaram 26 árvores no local para estimular a comunidade a melhorar o ambiente onde vivem. A ideia inicial foi de Maria Luiza, de 10 anos, uma das crianças que participam do projeto. Os responsáveis pela ajuda foram o Parque Imperatriz Leopoldina, com seu Departamento de Arborização, e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam). O ato ocorreu no dia 17 de agosto. Maria Luiza conta que estavam na mesa de reunião debatendo como poderiam melhorar o meio ambiente e ela sugeriu a ideia de plantar árvores no local. “Aqui é meio poluído, as pessoas jogam lixo no chão. Meu sonho é que aqui tivesse bastante árvores, sem lixo no chão, e ruas melhores”, conta a jovem moradora do local. Segundo Mariana Szajbely, missionária e colaboradora do projeto social na Ocupação Justo, foi feito um trabalho abrangendo a
Felipe e seu colega regam diariamente a plantinha pesquisa do solo, vistoria do local e quais árvores eram próprias para o plantio. “Vieram juntos, o Departamento de Arborização e a SEMMAM que emprestou todos os instrumentos necessários. As crianças, junto com os seus pais, vieram fazer o plantio”, conta a organizadora do projeto. Mariana relata que as crianças já vieram preparadas com suas ideias no dia da reunião sobre o meio am-
biente, pois ali na comunidade há algum tempo estavam debatendo como melhorar o local e diminuir a poluição. No dia, foram plantados vários tipos de árvores que, segundo o Departamento de Arborização, eram ideais para o solo do local. Todas elas foram homenageadas com nomes dados pelas crianças, que simbolicamente ficaram como “donas” daquelas que plantaram. Felipe Strecht, 13 anos,
Maria Luiza foi quem teve a ideia de iniciar o plantio rega sua árvore todos os dias, ele deu seu nome a ela e já está crescendo de forma bem rápida. O jovem morador fala que o projeto incentiva o estudo de muitas coisas, uma delas é o meio ambiente, pelo qual ele mais se interessa. E lamenta o pequeno número de árvores existentes no local. “Antes existia bastante árvores aqui, mas está diminuindo pelo fato de estarem criando mais casas”, conta o morador do
local. Leticia, 22 anos, traz seus filhos e acompanha os eventos no local. E, ela conta que é ótimo participar dos projetos que estão sendo feitos e ter participado desse evento, junto com os seus filhos. “Eu acho ótimo fazer parte dessas ações, principalmente por estar contribuindo para o crescimento de árvores no local”. ANDRÉ MARTINS EDUARDA FREIRE
Sem creche, as dificuldades aumentam Atualmente, em torno de mil crianças vivem na Ocupação Justo. Mas muitas famílias necessitam de ajuda para criá-las. Robson Scinza, 28 anos, desempregado, pai de três filhos, cuida deles enquanto a esposa Patrícia de Souza, 42 anos, trabalha limpando outras residências. Ela ajuda a manter a casa financeiramente. “Às vezes, deixamos as crianças na Tenda do Encontro, mesmo preferindo ficar com eles”. Segundo a família, é muito difícil conciliar o trabalho com os cuidados que as crianças necessitam. “Temos medo de acidentes, então temos que nos sacrificar, para cuidar deles e da casa, além do nosso trabalho”, finaliza. O mesmo acontece com outras famílias. Deise Griseli, de 29 anos, é mãe de três filhos. Trabalha em uma
empresa fora da Ocupação e conta como é difícil sem uma creche por perto. “Não queremos deixar as crianças em qualquer lugar, temos medo e não confiamos. Se tivesse uma creche na Ocupação, seria muito melhor”. As crianças ficam com a avó durante o dia. “Não conhecemos muito bem o trabalho da Tenda, e tenho três filhos. Tudo aqui é muito difícil”, lamenta Deise. Questionada sobre construir uma creche, Mariana Szajbely, uma das voluntárias que ajuda a administrar a Tenda, afirma que isso foi tentado, porém sem sucesso. “Já tentamos conversar sobre isso. Uma Associação de São Leopoldo tentou fazer uma parceria com a prefeitura para dar o andamento, mas não foi adiante. Esperamos que o assunto volte a ser debatido no futuro”.
Adriana Ventura com a Kemili, de quatro meses. Ela cuida da filha enquanto está de licença Segundo ela, quem mantém a Tenda são voluntários. “Temos uma página no Facebook para ajudar, mas não conseguimos divulgação.
Muitas pessoas não sabem que ficamos aqui. Existem hoje, em torno de 12 pessoas, mas sempre precisamos de voluntários”, alerta.
Enquanto isso, outras famílias conseguem ajuda vinda de fora. É o caso de Adriana Ventura, 44 anos e mãe de quatro filhos. Ela não tem emprego fixo, mas recebe Bolsa Família e pensão do ex-marido. “Sou separada, então o meu ex-marido me ajuda nos custos. Vivo sozinha, cuidando de quatro crianças. Mas não me importo, todos os vizinhos sempre se pront i f i c a m a a j u d a r ”. As outras duas filhas de Adriana ajudam a cuidar da irmã menor quando não estão na escola. “No momento não trabalho pois estou de licença, mas sobrevivo fazendo faxinas. Quando eu voltar, vou ter que deixar as crianças na Tenda”, conclui Adriana. ISABELLE DE CASTRO WRASSE AMANDA BERNARDO
Saúde .15
ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | AGOSTO / SETEMBRO DE 2019
Os contratempos de uma gestação na Justo Gestantes da Ocupação não têm acesso a acompanhamento adequado no pré-natal
veram acesso a um pré-natal adequado, segundo dados do Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM) de 2018. Além disso, o município de São Leopoldo ocupa o 322º lugar no ranking da saúde do estado, em um total de 496 municípios. O que demonstra a dificuldade enfrentada pela população que necessita do SUS. Segundo Marilia o único médico que atende na UBS Cohab é um clínico geral, mas presta apoio para questões ginecológicas, pediátricas, entre outras. É ele que realiza todos os atendimentos ou até mesmo as enfermeiras. Além da falta de especialistas, o posto não conta com medicamentos nem aparelhos adequados para os exames.
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Rua Armagedom, na Ocupação Justo, bem que poderia se chamar Rua das Grávidas. Atualmente nela moram oito gestantes. Muitas delas frustradas e angustiadas com a saúde dos filhos que estão por vir, pois os atendimentos de saúde no bairro são muito precários, e faltam médicos especializados. De acordo com a líder da rua, Leandra Viera Friedrich, 36 anos, as gestantes dependem da Unidade Básica de Saúde (UBS) Cohab, localizada há 20 minutos de caminhada da Tenda do Encontro. A outra opção é o Ônibus da Saúde, espécie de clínica itinerante que passa pela Ocupação duas vezes por mês. “A gente ainda tem o privilégio de ser atendida pelo ônibus que vem até a Cooperativa Habitacional Alto Paraíso. Atualmente são liberadas 12 fichas para atendimento com um clínico geral e dentista”, destaca a líder. Para Leandra a situação ainda é muito complicada. As lideranças do bairro estão pedindo mais médicos, principalmente, pediatras. “Segundo a Secretaria de Saúde, eles não têm condições de colocar mais médicos no Posto de Saúde e no ônibus. Fora a precariedade de doutores que temos no estado”, lembra Leandra, salientando que havia mais atendimentos quando profissionais cubanos trabalhavam na comunidade por meio do Programa Mais Médicos. Caroline Pereira Friedrich, 20 anos, filha da líder, grávida de quatro meses, está ansiosa para saber quantos filhos está esperando e qual o sexo. Ela se sente preocupada por não poder contar com especialistas na UBS para acompanhar sua gravidez. Já Marilia Jaques Marques Nepomuceno, 33 anos, grávida de sete meses de uma menina que se chamará Eloisa, se sente frustrada por não ter conseguido fazer todos os exames necessários no Sistema Único de Saúde (SUS). “O único exame que eu consegui fazer foi uma eco-
Marilia está grávida de sete meses e conseguiu apenas um exame pelo SUS
Caroline está na expectativa de melhorias no atendimento da UBS Cohab
Leandra confia na regularização da Vila para ampliar as reivindicações junto à Prefeitura grafia morfológica. Este exame foi recente, já batendo o terceiro trimestre de gestação. Eu lutei e bati o pé para não pagar. Se tivesse que pagar os R$ 220,00 do exame, eu não saberia se a minha filha estava bem e saudável, pois
eu não teria feito o exame”, conta Marilia indignada com a dificuldade nos atendimentos do SUS. Como não conseguiu fazer todos os exames necessários para a gestação pelo SUS, foi preciso ir para outro município,
onde estes eram mais baratos. Pagou do seu bolso para ter a certeza que estava tudo bem com a sua filha. Assim como Marilia, 32,2% das gestantes brasileiras, número equivalente a quase um milhão, não ti-
“Se tivesse que pagar os R$ 220,00 do exame, eu não saberia se a minha filha estava bem e saudável” Marilia Nepomuceno Grávida de sete meses Segundo a líder Leandra, faz pouco tempo que a situação legal da Ocupação deixou de ser um problema para os atendimentos na UBS. “Agora não precisamos ficar nos justificando no posto, explicando que somos da Justo e que não temos comprovante de residência. Graças a Deus conseguimos essa ajuda por meio do Secretário da Saúde do município que, com muita conversa, compreendeu as nossas necessidades”, afirma Leandra. A mãe de Caroline reforça que está firme nas lutas da comunidade por melhorias. Na hipótese dos cidadãos da Justo ganharem a ação judicial, legalizando o bairro, vão trabalhar duro, cobrando a Secretaria da Saúde por mais médicos e especialistas para atendimentos no bairro. “Isso não ajudaria apenas o povo da Justo, mas sim todas as pessoas do bairro Duque. Estas que tanto nos criticam lá fora”, finaliza. NAGANE RAQUEL FREY ANDRIELE GIROTO
16. Histórias de vida
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já tinha tudo planejado, me disse que iria ficar com minha casa e eu iria para um bom lugar, sem precisar pagar água e luz, um barraco na Ocupação Justo. Nas primeiras semanas ele me fornecia assistência e depois sumiu da minha vida”, destaca. Gerson diz que não reclama por sua vida ter tomado rumos diferentes do planejado, porém tem um trauma por ter sido preso durante quase dois meses injustamente. Foi acusado de ter sido cúmplice de uma morte, mas já foi absolvido. Entretanto todo mês precisa se apresentar ao Fórum. Ele se emociona ao comentar sobre seus três filhos e alega não ter muito contato com eles. Ele comenta sobre a ajuda da comunidade e as amizades que vem fazendo, especialmente da amiga Eliane Borges, 50 anos, que mora há 21 anos na Ocupação Justo. Ela, é uma recicladora de lixo e, como declara, tenta ajudar e acolher todos que passam por necessidades, mas batalham por uma vida melhor e justa.
Os sonhos de Gerson
UM LUGAR SEU
Gerson José da Silva é apaixonado por cavalos. Com eles, conquistou seis premiações na Expointer, nos anos 90
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gaúchos, que me deram carona e conseguiram um emprego em uma fazenda em Arroio Grande”, conta. Trabalhou em três fazendas em Arroio Grande, no Sul do Estado, onde descobriu seu amor pelos cavalos. “Eu morava e cuidava dos cavalos que iam para as exposições, como a Expointer. Mas com tempo, os proprietários faliram e eu fiquei sem emprego. Foi a partir deste momento que me desequilibrei emocionalmente e financeiramente”, comenta.
o Beco C da Ocupação Justo, uma das comunidades de São Leopoldo, reside o pernambucano Gerson José da Silva, 56 anos. O cortador de grama mora no Rio Grande do Sul desde seus 18 anos e há cinco anos vive na Ocupação. Apelidado de Ceará, sonha em trabalhar novamente com a sua pai- DIFICULDADES xão, os cavalos. Com a ajuda Sem trabalho, Gerson decidos vizinhos, conseguiu sair diu abrir um empreendimento das ruas e adquirir um lugar que comercializa materiais para morar. para cavalos, Emociomas ele estanado, Gerson “Devemos enfrentar va na mira de c o n t a q u e a realidade e pensar pessoas que optou mudar queriam seu de cidade por que podíamos estar local de monão conse- piores ainda, de radia e negóguir emprego. cio. “Vieram Aos18 anos, repente até com me fazer uma proposta para Ceará deci- alguma doença” vender, podiu se mudar rém não quis. s e m r u m o . Gerson José da Silva Essa mesma “Sozinho eu Morador da Ocupação pessoa me queria mudar de vida e conseguir traba- sequestrou e fiquei um dia lho. Nessa trajetória, cami- inteiro algemado e com um nhei, ganhei carona, até que revólver apontado para miconheci três caminhoneiros nha cabeça. Esse indivíduo
Morador guarda um álbum com fotos da época em que participava das exposições
A sua moradia é um lugar simples que, como ele diz, aos poucos vai ajeitando e o protege da chuva e do frio
Conforme comenta, seu lar é um lugar simples e com o tempo ele está ajeitando. “Se não tivesse encontrado esse terreno, estaria na rua, como nos dias em que enfrentei chuvas e frio. Tem dias que eu tenho comida, tem dias que não. Contudo devemos enfrentar a realidade e pensar que podíamos estar piores ainda, de repente até com alguma doença”, frisa. A sua expectativa é trabalhar em uma fazenda ou voltar para sua cidade natal, Recife. “Sonho todos os dias, em voltar a trabalhar com cavalos. Sempre que alguém tem algum cavalo na Ocupação, tento ajudar e orientar como cuidar um animal deste porte”, ressalta. A Expointer é uma feira agropecuária de destaque nacional e internacional, realizada no Parque Estadual de Exposições Assis Brasil, na cidade de Esteio, Rio Grande do Sul. Foi desse evento que Gerson participou por alguns anos, quando ainda estava trabalhando em uma chácara, em São Leopoldo em meados dos anos 90. “Ganhei seis premiações, nas categorias Junior (cavalos com até dois anos de idade), Semi-Junior (cavalos acima de dois anos) e Animal Adulto. Agora quando acontece a Expointer, o que me resta é apenas ouvir o evento pelo rádio”, comenta. KETLIN DE SIQUEIRA GEOVANA ARAUJO
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Histórias de vida .17
Ela está na Ocupação há quase 22 anos e criou seus filhos vendendo materiais recicláveis
Eliane, uma das primeiras moradoras da Justo Natural de Santa Catarina, a catadora reside na Ocupação desde 1998
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á 21 anos, as primeiras casas do que hoje conhecemos por Ocupação Justo estavam sendo levantadas. Entre elas, estava a de Eliane Borges, na época com 28 anos, hoje com 50. Dona de um enorme coração, a moradora é mãe de oito filhos, todos residentes na Justo. Natural de Santa Catarina,Eliane casou-se muito jovem,com apenas 16 anos. “Me casei com um marido que só judiava de mim.Fiquei casada com ele por 13 anos, passei bastante trabalho, apanhei bastante, fui muito maltratada”,lembra Elaine, com lágrimas nos olhos. A moradora conta que os piores dias de sua vida foram quando ela resolveu vir com os filhos para o Rio Grande do Sul. No dia 12 de agosto de 1996, Eliane chegou no estado com seus quatro filhos, Josiane, Josias, Paulo Josiel e Augusto César e com suas sacolas de roupas. Após conseguir emprego em uma empresa de Novo Hamburgo, Elaine “comprou” o espaço em que vive hoje. Segundo a moradora, a partir
daí as coisas tiveram uma melhora. Os filhos começaram a estudar e ela a trabalhar com materiais recicláveis. “Eu pensei que passaria mais dificuldades sozinha, mas estava enganada. Aqui, eu comecei a andar com minhas próprias pernas e entendi que o compromisso de criar meus filhos era meu”, destacou. Após algum tempo, Eliane teve outro relacionamento, que não deu certo, o qual gerou Jéssica Mayara. “Grávida e solteira, eu precisava sair para buscar o sustento dos meus filhos.Naquele momento, entrei em depressão.
Eu nunca aceitei que meus filhos tivessem que mendigar de casa em casa,nunca precisaram passar por isso, eu não deixei porque eu fui atrás. Eu saía de manhã cedo com uma enxada nas costas e não pedia comida, pedia um serviço em troca de alimento”, lembrou, emocionada. A partir de então, segundo Eliane, seus filhos entenderam que precisavam trabalhar e lutar para sobreviver. “Hoje, graças a Deus eu estou aqui, eu venci. Não tenho grandes coisas, moro na terra dos outros, mas não estou aqui porque eu quero, estou aqui
por não ter condições de ir para Eliane,lembra que antes de entrar outro lugar”, afirma a moradora, para a família, foi muito ajudada que não se conforma com a pos- por ela.“Antes de minha mãe falesibilidade de ter que sair do local cer, há nove anos, ela pediu para a onde os filhos cresceram. Eliane cuidar de mim e ela está cuiEliane lembra que não recebia dando”, lembra Andressa. pensão de nenhum dos seus filhos, A Ocupação Justo está nas até que um dia, quando foi de tes- vésperas de completar 22 anos e temunha de um amigo em audi- Eliane lembra muito bem como ência, um advogado da Unisinos eram as coisas quando os primeificou tocado com ros moradores sua história de chegaram. “Nós vida e conseguiu “Aqui, eu não tínhamos que ela recebes- comecei a andar água, muitas vese um auxílio do zes eu já grávida governo.“O advo- com minhas precisava ir muigado me chama- próprias pernas to longe buscar. va de Eliane mãe Quando conquise entendi que o dos oito, graças tamos o direito, a ele eu comecei compromisso de o caminhão pipa a receber uma criar meus filhos trazia uma vez pensão”, lempor semana, mas bra ela, aos risos. era meu” a água tinha biDona de um chinho”. Eliane grande coração, Eliane Borges afirma que todas Eliane ajuda todos os vizinhos as coisas boas que existem hoje como pode. “Se algum vizinho na Ocupação foram conquistaficar doente, eu cuido ou até levo das pelas lutas dos moradores. alguém em um hospital. Que- “É por isso que nós não aceitaria poder ajudar mais, como eu mos que queiram nos tirar daqui fui ajudada, mas infelizmente o lugar em que vivemos hoje era não dá, pois, trabalho para me utilizado como lixão”. sustentar”, lamentou. MATHEUS N. VARGAS Andressa Borges, que hoje é VITOR WESTHAUSER FERREIRA casada com Paulo Josiel, filho de
18. Esporte
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O torneio que agitará a Justo Uma competição de futebol de rua está sendo organizada para o Dia das Crianças
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olhar concentrado denuncia. Naquele momento, o que mais importa para a menina é passar e chutar a bola para a rede. Vitoria Silveira Oliveira, 12 anos, com seu pé canhoto calibrado, faz fila em meio aos meninos da Ocupação Justo. No campinho de areia, ao lado da Tenda do Encontro, a menina, que estuda no sexto ano, conta que sonha em jogar futebol. Ela e as outras cerca de mil crianças da comunidade terão a chance de se divertir no torneio que está marcado para o dia 20 de outubro e será disputado no mesmo local. Um dos apoiadores do projeto de futebol da Justo, Rodrigo de Azevedo, 39 anos, que mora ao lado do palco principal das partidas, revela que a intenção é fazer um campeonato organizado. “A ideia é fazer uma competição para as crianças brincarem e se divertirem. Mas quero colocar um juiz, vamos botar mais areia no campo e tentar fazer umas 20 equipes. Terá times femini-
Vitória diz ser a única menina que joga com os garotos e já está acostumada a enfrentá-los nos também”, afirma. Os pequenos que estiverem jogando, segundo Azevedo, devem ganhar um lanche especial em meio as partidas do torneio de integração da Ocupação Justo. “Vamos ter um cachorro-
-quente, um refrigerante para as crianças. Também temos a ideia de trazer o pessoal do Hip-Hop. Vamos agitar todo mundo”, afirma. Além do esporte, um projeto que ‘Diguinho’ (apelido recebido nos tempos de atle-
ta de futebol) quer botar em prática é o da pracinha ao lado da Tenda do Encontro e do campo de areia. Segundo ele, será a primeira da Ocupação. A praça mais próxima, usada pelos moradores da Justo, fica em um bairro vizi-
nho, mas ele conta que a violência impossibilita o uso. “Antes de concretizarmos aqui, precisamos cercar essa área. Queremos que o lazer das crianças seja no contra turno e não fiquem durante a noite”, explica. Quem ensina as crianças da Justo a jogar futebol é a educadora física, Amanda Lima dos Santos, 24 anos. Morando a cerca de 15 minutos do local das aulas e das partidas, ela conta que é muito gratificante dar aulas e pôr em prática tudo o que ela aprendeu. A modalidade que é trabalhada com as crianças na Ocupação é o futebol de rua, que é um pouco diferente do convencional. Amanda conta que na modalidade que ensina, não se tem árbitro e o que mais se trabalha é a recuperação dos valores humanos. “As crianças se reúnem dentro e fora das aulas. Acompanhar a evolução delas é uma experiência muito positiva”, afirma Amanda, que diz ter sofrido com a exclusão no esporte, principalmente por ser menina. CÉSAR WEILER GUSTAVO FERNANDES DA SILVA
Coração que não cabe nas prateleiras Seu marido a define como “uma mulher que não poderia ter um mercado, pois trabalha com o coração”. Para Luana da Rosa Lopes, dona do mercado batizado com seu nome, a fala de seu companheiro é um elogio: sua preocupação com os moradores da Ocupação Justo é tamanha que releva contas atrasadas em até oito meses. Sua justificativa é simples: “Estou com estas pessoas desde o começo. Eu sempre me solidarizo quando vejo que são cidadãos que precisam, que o pai ficou desempregado, que estão sem comer. Às vezes, até dou merenda para as crianças”, diz a mulher de 31 anos. Mas como esta mulher solidária com sua comunidade foi parar na Ocupação Justo e abriu seu mercado? A ideia para começar seu negócio veio de um problema comum para mães mais pobres: Luana estava com uma filha pequena,
de quatro anos, e grávida de outra, quando percebeu que não teria condições de seguir em seu trabalho e de continuar pagando seu aluguel. Da dificuldade inicial, veio uma notícia alentadora. “Minha mãe vivia na COHAB Feitoria, onde eu também morava, e vendeu sua casa. Com o recebido, decidiu repartir entre os filhos e com essa parte eu investi no mercado”, conta. Com o dinheiro, a mãe de duas filhas se encaminhou para a Ocupação Justo. Primeiramente, Luana pensou em fazer uma lojinha, mas, em conversa com seu companheiro, Dirley Pereira Dias, decidiu abrir seu mercado. O estabelecimento foi instalado na parte baixa da rua Ermelindo Varnieri. No entanto, naquele local, o mercado não estava passando por uma boa fase de vendas. A mudança veio logo quan-
Luana, dona de mercado, gosta de ajudar os vizinhos do uma moradora que vivia um pouco acima na rua - em condição melhor naquela região - queria sair de sua casa e trocar por uma mais
abaixo. Foi quando a mulher de 31 anos agarrou a oportunidade e finalizou a troca de casas. Com a transição para o novo espaço, seu negócio
logo começou a deslanchar. “Os fornecedores estão vindo até aqui agora e temos uma variedade maior de coisas para vender”, conta Dirley, marido da Luana há 16 anos. Com a chegada dos mais diversos produtos, o mercadinho virou sensação na Justo. Mas Luana não quer parar por aqui. “Minha vontade é de continuar onde estou e crescer. Crescer para poder ajudar mais as outras pessoas, porque se a gente amplia, podemos colocar funcionários aqui de dentro da Ocupação que não têm serviço. Eu já tenho uma menina, é o primeiro emprego dela, mas quero crescer, poder registrar aqui e assinar a carteira”, afirma. É com esse coração gigante que Luana segue seu caminho, sempre ao lado dos seus. ANDRÉ CARDOSO LUCAS KOMINKIEWICZ DA GRAÇA
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Comunicação .19
Notícia e música na Justo Moradores da Ocupação falam dos meios que mais utilizam para entretenimento e acesso à informação
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Além de servir como o seu principal acesso à informação, é também uma de suas maiores companhias.Durante o dia,o momento televisivo que exige mais atenção da moradora é o Balanço Geral, da Record.“O programa do Motinha - apelido dado ao apresentador do programa,Alexandre Mota -, é o que mais traz informações locais, não só daqui, mas de todo o Vale dos Sinos.À noite, Jornal Nacional,mostra o mundo que a gente não consegue ver daqui da Justo”, enfatiza Sueli. Em meio aos sorrisos, ela esconde uma timidez quando o assunto é vender os seus crochês, que vão de capas para eletrodomésticos até cortinas para enfeitar a casa. Com a rotina do marido, que é caminhoneiro e viaja ao longo de toda a semana, Sueli passa a maior parte de seus dias na companhia da televisão enquanto pratica o seu passatempo favorito, que é comercializado boca a boca.
ais do que informar e entreter. Os meios de comunicação podem ser, para muitos, a única companhia. Proporcionam um dos poucos momentos do dia em que a família pode se reunir para dividir televisão, rádio ou, até mesmo, se conectar à internet.Em alguns casos, pode ser o único encontro, como por exemplo, sentar-se no sofá para assistir ao noticiário. Moradores da Ocupação Justo,localizada no bairro Duque de Caxias, em São Leopoldo, compartilham da boa música e também das notícias do dia, locais e nacionais. É o caso do catador Roneide da Silva,65 anos.Natural de Santa Catarina, ele reside em São Leopoldo há 30 anos. A luta diária trabalhando como catador é recompensada com o descanso na companhia do rádio da marca Le- ROQUEIROS Os finais de semana de desnoxx. O som da Farroupilha, próximo à Tenda do Encontro, des- canso da família de Gelson Rodritaca o interesse do morador que, gues da Silva, 30 anos, e de Vanesalém de ouvir o sertanejo, gosta sa Gonçalves, 39 anos, costumam ser embalados de ser informado pelo chimarrão por Gugu Streit. e também pela A presença “O programa boa música. Ao das ondas ra- do Motinha é o lado dos filhos diofônicas no que mais traz de seis e dez seu dia a dia traanos, o rádio do duz o momento informações casal, sintonizade descanso em locais, não só do na Unisinos meio aos interFM, aguarda valos de trabalho daqui, mas de todo pelos sons de pelas ruas. Ro- o Vale dos Sinos” rock, punk rock neide também heavy metal. possui uma TV Sueli Schmitz Rodrigues ainda de 20 polega- Moradora destaca o amor das, doada por uma antiga moradora da Justo. pela banda irlandesa U2. “Tem O aparelho,porém,é pouco usado. dias que eu só preciso ouvir uma O motivo são as notícias ruins que música boa. Coloco U2 e fico a televisão destaca diariamente. bem”, enfatiza. O casal, natural “O rádio me traz um pouco mais de Taquara, reside na Justo há de alegria”, salienta o catador da pouco mais de um ano. Quando o assunto é notícia e Justo, que nem sempre consideentretenimento, a família costura o noticiário positivo. ma passar a maior parte do tempo TV É COMPANHIA com a televisão. O Balanço Geral A alegria de Sueli Schmitz, e o Jornal Nacional, mais uma mãe de dois filhos, e o amor pelo vez fazem parte da preferência crochê contagiam quem tem a da família, mas com moderação. oportunidade de conhecer a “Tem dias que parece que vai sair sua história. Natural de Sapu- sangue da TV, aí desligamos um caia do Sul e moradora da Jus- pouco”, salienta o casal. De mato há seis anos, tem os seus 50 neira geral, o rádio é sinônimo de anos de idade escondidos pela música. Nas telas, além da notícia, guria que habita nela. a família encontra um passatemEvangélica, Sueli traz de volta po para as crianças, que adoram a era do CD quando o assunto é desenhos. Além disso, a internet música. Nos discos, ela encontra também é bastante utilizada pela a melhor alternativa para ouvir família, seja para os joguinhos seus hinos religiosos. Em rela- infantis ou até mesmo para ção ao consumo dos veículos de apreciar a boa música. comunicação, a TV se sobressai LETÍCIA COSTA quase que de maneira unânime JORDANA FIORAVANTI na vida da crocheteira.
Roneide, que trabalha com produtos reciclados, tem a companhia do rádio no seu dia a dia
Sueli adora fazer crochê na companhia da televisão, assistindo novelas ou noticiários
Gelson e Vanessa são fãs de rock e costumam ouvir U2 para relaxar
ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO
SÃO LEOPOLDO (RS)
EDIÇÃO
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AGOSTO / SETEMBRO DE 2019
GUSTAVO FERNANDES DA SILVA
Retratos da infância
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izem que é preciso olhar a vida com olhos de criança. Mas na Ocupação Justo são os pequenos que veem o mundo com a compreensão de gente grande. Atentos à mobilização dos pais, eles conhecem a luta dos moradores e reproduzem os valores compartilhados entre a comunidade. Não é à toa que as crianças e adolescentes roubaram a cena na caminhada do dia 23 de agosto: com música, cartazes e cartas escritas especialmente para a juíza, os jovens deram um show de engajamento e organização. Diante de tanta maturidade, mesmo entre os mais novos, quase esquecemos o que eles realmente são: apenas crianças. Que brincam de esconde-esconde e inventam um conto de fadas. Que sentem medo do futuro, mas não perdem a esperança. Crianças que, assim como todas as outras, têm direito a aproveitar a infância com acesso à moradia e à educação. Na sala de aula improvisada da Cooperativa Alto Paraíso, os pequenos alunos agradecem o trabalho das voluntárias. Mas são eles que ensinam a maior lição de todas: a encarar a vida com a simplicidade de uma criança. NÍNIVE GIRARDI
AMANDA BERNARDO
GUILHERME LAGO
CAMILA HENDLERI
NICOLAS SAMPAIO