Enfoque Santa Marta 6

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ENFOQUE SANTA MARTA

SÃO LEOPOLDO / rs NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2017

EDIÇÃO

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Laura Hahner Nienow

Gestos simples que beneficiam a todos

28 anos a serviço da vila

Associação dos Moradores luta pelos direitos da comunidade. Páginas 4 e 5

Você sabia? Há menos violência Dados oficiais mostram que homicídios no bairro diminuíram. Página 9

GABRIEL REIS

Felipe da Silva

Nicole Fritzen

Soeli e seus baldes para captar água, um dos exemplos de cuidados com a natureza páginas centrais

Lazer caseiro predomina Faltam opções e sobram limites para entretenimento e diversão. Página 16


2. Editorial

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Santa Marta está no mapa

uando se procura São Leopoldo nos mapas da internet, há um espaço vazio onde deveria estar a vila Santa Marta. Neste espaço, contudo, existem histórias. Muitas delas o Enfoque vem contando nas suas páginas. Só que, para que existam essas histórias, é preciso existir pessoas que as vivam, que as sintam, que as transmitam. Mesmo sem registro oficial, a vila está no mapa e transborda disposição, energia, coragem.

Partindo da Associação de Moradores da Vila Santa Marta, que há quase 30 anos é referência na luta da comunidade por direitos e reconhecimento social, seguiremos por diferentes tipos de ruas. A principal é asfaltada, mas muitas são tão estreitas e esburacadas que dificultam até mesmo a passagem do caminhão do corpo de bombeiros. Por essas ruas, as pessoas querem um governo mais popular, com mais ações para comunidades como a sua. Querem também uma vila

mais sustentável, com hortas comunitárias, menos desperdício de água e maior consciência sobre reciclagem. Seguindo o nosso mapa, ao dobrar a segunda rua, ou qualquer outra, podemos encontrar na Santa Marta pessoas que reivindicam mais opções de lazer e de cultura. Que trabalham para ganhar a vida honestamente, erguendo empreendimentos, como salões de beleza, sorveterias e creches particulares, que são construídos muitas vezes dentro das

próprias casas. Há ainda os que estudam muito para atingir as metas que começaram a traçar dentro da escola. Se o mapa não for lido de cabeça para baixo e o explorador não acabe em outro lugar, pode-se achar na vila migrantes do interior do estado, projetos comunitários de esporte e desejos de união, amor e prosperidade para o próximo ano. Tudo isso ao lado de outra boa notícia: os índices de violência na vila estão caindo e ela está longe

de ser a mais violenta, como muitas vezes é alardeado. Para onde quer que o mapa leve, as virtudes da Santa Marta estão lá. E sempre estarão, com mapa ou sem mapa, porque a comunidade sabe exatamente onde está cada uma das suas histórias inspiradoras. Amanda Büneker Amanda Oliveira Aniele Cerutti Fernanda Salla Vinícius Bühler Eduarda Bitencourt

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Santa Mar ta é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Santa Mar ta, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, são publicadas três edições por semestre e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo. Telefone: (51) 3591.1122, ramal 1329 / E-mail: posorio@unisinos.br

EDIÇÃO E REPORTAGEM — Disciplina: Jornalismo Cidadão. Orientação: Pedro Luiz S. Osório. Edição de textos: Amanda Büneker, Amanda Oliveira, Aniele Cerutti, Dyessica Abadi, Fernanda Salla, Milena Riboli, Paula Câmara Ferreira e Vinícius Bühler da Rosa. Edição de fotos: Eric Machado de Freitas e Maria Carolina de Melo. Reportagem: Amanda Büneker, Amanda Oliveira, Aniele Cerutti, Arthur Serra Isoppo, Bolívar Gomes, Dankiele Tibolla, Dyessica Abadi, Eduarda Moraes, Eric Machado de Freitas, Fernanda Salla, Gustavo Bauer Willrich, Igor Mallmann, Júlia Bozzetto, Karina Verona, Marco Prass, Maria Carolina de Melo, Mariana Dambrós, Matheus Miranda de Freitas, Milena Riboli, Paola Oliveira, Paula Câmara Ferreira, Stephany Foscarini, Tamires de Souza, Thayná Bandasz da Silva, Vanessa dos Santos Souza, Vinícius Bühler da Rosa e Vitória Padilha. FOTOGRAFIA — Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Amanda Bier, Dana Moraes, Eduarda Bitencourt, Felipe da Silva, Gabriel Reis, Gabriel Oliveira, Igor Mesquita, Jacqueline Santos, Jonas Santos, Laura Hahner Nienow, Laura Santos, Laura Saraiva, Luana Quintana, Martina Belotto, Mayana Serafini, Millena Nonemacher, Nicole Fritzen, Patrícia Wisnieski e Thomás Domanski. ARTE — Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. IMPRESSÃO — Realização: Gráfica UMA / Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos. br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente dos Cursos de Bacharelados e Tecnológicos: Paula Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.


Esporte .3

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Um jogo transformador Bairro Santa Marta recebe aulas gratuitas de capoeira nas sextas

que o professor retomou o contato depois da experiência e propôs as aulas. “Eu também sou fruto de projetos. Acredito muito neles, principalmente os que são uma extensão da escola. Ele [Jaques] sabe de onde essas crianças vêm e de onde ele veio”, afirma.

S

exta-feira, 20 de outubro, 14h. Apesar do calor, um grupo se reúne para jogar capoeira na sede da Associação de Moradores da Santa Marta. Entre os participantes, os jovens Arthur Belarmino, Stefany Vargas, Gabriel Freitas, Wellington Oliveira e Iago Hubner, além da professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Marta, Cristina Santos. O clima é de animação: todos demonstram interesse e revelam que a capoeira também pode ser encarada como uma prazerosa atividade de lazer. Professor do grupo Abadá Capoeira, Jaques Nascimento ministra as aulas gratuitas nas manhãs e tardes das sextas-feiras desde o início de outubro. Em média, as turmas contam com 40 alunos pela manhã e 30 à tarde. Patrimônio imaterial da humanidade consagrado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a capoeira mistura arte, esporte, luta, dança, cultura popular e música. Fruto do impulso de Nascimento em parceria com a escola e a Associação de Moradores, a iniciativa reflete o desejo do professor de transformar a comunidade através do esporte. “A capoeira fez e faz a diferença na minha vida”, afirma o professor. Natural de uma comunidade carente no interior do Rio de Janeiro, ele se formou em Educação Física e se tornou professor em diversas escolas de grande porte em Porto Alegre. “Conquistei tudo isso através da capoeira”, conta. Aos 17 anos, Nascimento passou a dar aulas supervisionadas de capoeira em Petrópolis, no projeto social do qual fez parte. Dez anos depois, viu que a iniciativa, que começou com um pequeno grupo, já contava com 1000 alunos. “Chegou um ponto em que o trabalho em Petrópolis não tinha mais para onde crescer”, conta. Ao conhecer sua esposa, a gaúcha Marceli, o professor decidiu mudar-se para o Rio Grande do Sul – solo fértil para a capoeira. “Eu notava um grande campo para a atividade aqui”, diz.

CONQUISTAS

Jovens participam das aulas na Associação de Moradores. Abaixo, o professor Jaques Nascimento orienta o pequeno Iago Hubner no exercício

Engajada, a professora Cristina Santos participa com frequência às aulas de capoeira e incentiva seus alunos a fazê-lo. Ela reconhece a importância da escola para o desenvolvimento do bairro. “A gente tem a convicção de que se a escola não trabalhar com a comunidade, ela não cumpre seu papel. Então, desde que ela passou a abrir suas portas à comunidade, ouvir, tentar amenizar os problemas, buscar soluções, as coisas mudaram”, considera. Mudanças significativas foram levadas ao bairro pela nova postura da escola frente às demandas da comunidade. “Há conquistas visíveis e concretas, como a quadra de esportes. Outras são mais interpessoais”, exemplifica. Ainda segundo ela, antes da execução dos projetos havia brigas diariamente, o que demandou das professoras ações para reduzir a violência. “De minha iniciativa, foi a cultura de paz, da Sandra foi a educação ambiental”, diz.

METAMORFOSE

Hoje, a trajetória de Nascimento conta com atuação em empresas como a academia Body Tech, os colégios Marista Assunção e Farroupilha, e inclui até propostas para atuar na Europa. Além da Santa Marta, participa de trabalhos sociais em São Sebastião do Caí, Guaíba, Eldorado e Viamão. O foco é preservar os jovens: “A intenção é multiplicar, capacitar outras pessoas que valorizem a capoeira e

criar novos pontos de trabalho, resgatando crianças dessa realidade de risco p e s s o a l e s o c i a l ”.

O INÍCIO

Com a chegada de estudantes da Universidade de Michigan à Santa Marta para a realização de um projeto na escola, a professora Sandra Grohe aproximou-se de Nascimento. “Um dos universitários tinha interesse em conhecer algum capo-

eirista daqui. Pedi ajuda a pessoas que pudessem se deslocar para cá e o Jaques veio com o grupo dele, trouxe os instrumentos, mobilizou a escola. Assim, surgiu o contato”, recorda. Sandra lembra que a ideia inicial era criar um projeto e submetê-lo a alguma instituição, empresa ou órgão que pudesse custear os gastos. Ainda que não tenha sido possível levar o plano adiante, ela conta

Alguns pais notam mudanças nos filhos que participam das aulas de capoeira. Melissa Rodrigues da Silva, mãe de Karolina da Silva Lopes, 11, que participou de três aulas, conta que ela adorou a novidade. “Ela já chega no portão falando das aulas, conta tudo o que acontece. Ela está se soltando um pouco mais, consegue falar melhor em público no colégio”, revela a mãe. Exemplos como o de Karolina e o de Nascimento demonstram que, além de um esporte, a capoeira é um motor de desenvolvimento social. “Busco levar essa oportunidade para outros como eu, que estava excluído, para que possamos ser agentes de transformação da nossa e de outras realidades”, pontua o professor. Marco Prass Eduarda Bitencourt


4. Comunidade

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A união que faz Entenda a importância da Associação de Moradores através da sua história de lutas pelos direitos da comunidade

de Vilson na prefeitura para ganhar esse direito geraram até uma aposta entre seus amigos um churrasco com cerveja estava em jogo.Aproximadamente às 17 horas de uma sexta-feira, as luzes acenderam-se. Não era milagre, nem sorte. “Era véspera do fim de semana de eleições municipais”, explica o fundador.

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DIREITOS

undada no dia 29 de julho de 1989, a Associação de Moradores da Santa Marta é o principal meio de representação da vila perante o município. É por meio dela que moradoras e moradores ganham voz em busca de melhorias. Por outro lado, é importante que ocorra participação de quem habita a comunidade para fortalecer a organização. Vilson Prestes, 74 anos, foi o fundador da associação na vila. Conhecido pela experiência na Associação da Vila Antônio Leite, foi convidado a morar na Santa Marta em 1989 e criar a organização. A Associação dos Moradores da Vila Santa Marta foi fundada contendo 13 membros diretores. Desde então, ela vem trazendo benefícios à comunidade e cooperando em diversas lutas e demandas da população. São mais de mil casas que pertencem à vila,

resultando aproximadamente em cinco mil habitantes.

CONQUISTAS

Os primeiros relatos de Vilson (entrevistado na edição 1, de março/abril de 2017, do Enfoque Santa Marta) são relacionados às necessidades básicas dos moradores da vila recém assentada. Funcionário público, sua presença era garantida na Secretaria de Obras de São Leopoldo, buscando cooperação entre prefeitura e moradores da Santa Marta. Por meio dessas negociações políticas, aos poucos, Vilson foi conquistando melhorias. Conseguiu trazer algumas máquinas com a finalidade de abrir espaço para o trânsito. “Fiz todas essas ruas”, lembra. Entre 1991 e 1992, outra conquista: a chegada do fornecimento de água e luz para a comunidade. As reivindicações

Marcelino Moreira, 57 anos, participa ativamente desde 1992 da organização. Ele relata que a construção da vila foi um trabalho coletivo entre cidadãos, Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e prefeitura de São Leopoldo. Entre as principais contribuições de Moreira, estão os projetos como a cozinha das Marias e o Cooperesíduos. Eles foram criados com parcerias de pessoas que chegaram na Santa Marta e fizeram história, abrindo mercados e estabelecimentos, com o objetivo de gerar novas oportunidades à vila. “Nós queremos ter o mesmo direito que as outras pessoas”, afirma Marcelino. O Conselho de Desenvolvimento da Comunidade da cidade possui lideranças fortes e há diversas associações relacionadas. Marcelino também destaca a luta da entidade de Santa

Vilson fundou a associação em 1989. Dilce é a atual presidenta

Marta pela conquista de água e luz aos moradores: “Ninguém é tão pobre e ninguém é tão sábio que não possa estender a mão para ajudar. Essa foi uma conquista da comunidade”. Romildo Costa dos Santos, 60 anos, entrou na associação em 1991, mas já ajudava como tesoureiro. Organizado e dedicado, ele é lembrado e elogiado pela sua solicitude: em momentos de necessidade, emprestava água e luz para a associação. Além disso, foi responsável por ajudar a medir a maioria dos lotes da vila.

CONSTRUÇÃO

Foi Miguel Orival dos Santos, 73 anos, que começou o trabalho de erguer a sede da atual Associação. Em 1998, o prédio da Associação de Moradores da Vila Santa Marta foi inaugurado. Ele percebeu que aquela área central seria a ideal para a construção. “Pedi ajuda para alguns membros que trabalhavam na prefeitura na época e construí a associação com materiais deixados na beira do rio, descartados”, conta ao relatar como foi feita a estruturação do prédio. No início, as reuniões da entidade eram feitas na Igreja ou na casa de Vilson. No entanto, Miguel tinha a consciência de que a comunidade precisava de um lu-

gar sede para a associação.Assim, ele começou a fundação da obra em 1993 - pedia tijolos que sobravam de casa em casa e levava no seu carrinho de mão. Miguel é um exemplo de sabedoria quando o assunto é reutilização. O ex-presidente da associação é conhecido por montar, construir e reparar utilizando materiais descartados: “Eu juntava entulhos na minha kombi para tapar buracos de ruas e poder fazer a ponte sobre o valão. Também construí a parada em frente à associação”. Para Miguel, seu maior sonho é ver a instalação de paradas de ônibus adequadas em Santa Marta, que foram solicitadas neste ano à prefeitura e ainda não foram feitas. Além da luta por terras, água, luz e pavimentação e todos os serviços prestados desde o surgimento da Associação, há destaques dos últimos anos. Em 2014, a pétala de luz com quatro lâmpadas que foi colocada no pátio da associação trouxe mais segurança ao espaço. Já em 2016, a extensão de rede de luz percorreu as ruas 6, 8, 11 e 15, que antes não possuiam nada.

GESTÃO ATUAL

“É difícil movimentar e conscientizar o povo de que ganhamos nossas conquistas através de


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a força um trabalho coletivo”, comenta Dilce Maria da Rosa, 40 anos, atual presidenta da Associação. Em seu segundo mandato, ela está na posição desde 2013. “Eu era catequista e fui desafiada pelas meninas que me motivaram a fazer parte da associação para ajudar a movimentar um pouco aqui”, diz ao explicar a motivação de sua entrada na entidade. Entre as conquistas para o bairro, Dilce lembra da troca de todas as lâmpadas dos postes da vila por outras mais econômicas, em fevereiro de 2016. “É muito pouco, mas foi uma conquista nossa”, diz. Apesar dos diversos progressos na Santa Marta, ainda há questões de extrema importância que precisam ser solucionadas. “Saneamento básico tem apenas nas ruas asfaltadas, de resto, é cada um por si, os próprios moradores compram os canos e fazem o trabalho”, afirma Dilce. Atuando ativamente no Orçamento Participativo (OP), Dilce considera que a Santa Marta é sempre deixada para trás. Certa vez conseguiu um ônibus para levar os moradores da vila à reunião do OP. As reivindicações? Calçamento e saneamento básico para a Santa Marta. No entanto, não tiveram “votos suficientes” e as suas necessidades foram

colocadas depois da reforma de um CTG, lembra Dilce.

ORGULHO

A escola é um dos principais orgulhos da comunidade. Desde sua fundação, há aproximadamente 15 anos, diversas vezes a Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Marta teve seu trabalho reconhecido, inclusive internacionalmente. A quadra de esportes em frente a associação foi construída em 2016, graças ao prêmio da escola de Michigan (edição 1 do Enfoque Santa Marta, página 4) . Uma notícia também deixou os moradores da comunidade aliviados: Santa Marta não é mais um dos bairros com mais violência de São Leopoldo.“Gostamos de morar aqui, então por que o poder público não pode nos ajudar?”, questiona Dilce. As próximas reivindicações da vila são uma unidade básica de saúde, uma creche, uma academia ao ar livre, a cobertura da quadra de esportes e, principalmente, o saneamento básico para a comunidade.

PARTICIPAÇÃO

É por meio do Orçamento Participativo que se tem ideia da organização comunitária no município. O OP abrange oito

Regiões do Orçamento Participativo

regiões de cidade. São elas: Norte I, Norte II, Nordeste, Centro, Oeste, Leste, Sudeste e Sul. A Vila Santa Marta integra a Norte II. O Orçamento Participativo é definido como um importante instrumento de complementação da democracia representativa, pois permite que o cidadão debata e defina os destinos de uma cidade. Nele, a população decide as prioridades de investimentos em obras e serviços a serem realizados a cada ano,com os recursos do orçamento da prefeitura. O OP é realizado de acordo com cinco processos: reuniões preparatórias, reuniões preparatórias micro-regionalizadas, assembleias regionais, fóruns regionais de delegados e assembleia municipal. Basicamente, funciona da seguinte forma: primeiro, é realizado o debate das ideias. Em seguida, o desenvolvimento. A partir disso, é feita a avaliação técnica, seguida pela votação pública até finalmente chegar à execução. Este ciclo tende a levar um ano e é aberto à comunidade. Em 1965, uma enchente assolou a cidade de São Leopoldo - é lembrada ainda hoje como a maior da história do estado. Os moradores da cidade se organizaram de forma a receber e

Marcelino (à dir.) exalta as iniciativas da comunidade. Romildo trabalha para a associação desde 1991

Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação (SEPLAN)

distribuir de forma sistemática as doações enviadas pelo governo. Esse foi o marco do surgimento os movimentos comunitários em São Leopoldo, que posteriormente deu base para o Orçamento Participativo. Há várias batalhas enfrentadas pela Associação. Entretanto, a mais difícil de todas: conscientizar a comunidade. Sendo a segunda mulher a presidir a entidade, sucedendo Ivonete Vieira, Dilce lamenta o desin-

teresse da população, quando vê três ou quatro pessoas participando das reuniões. “O pessoal pensa que a associação é um problema do presidente, enquanto, na verdade, ela ajuda a solucionar os problemas da Santa Marta”. Ainda há muitas conquistas das quais os moradores podem fazer parte. DYESSICA ABADI FERNANDA SALLA Nicole Fritzen


6. Comunidade

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Amizade para toda hora Proximidade entre moradores gera confraternização, tornando a comunidade mais unida

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elações de apoio crescem e se desenvolvem na medida em que convivemos com os outros. A boa convivência com vizinhos é essencial em qualquer bairro. Na Vila Santa Marta, a amizade é representada em uma roda de chimarrão, um jogo de cartas ou apenas “jogando conversa fora em uma esquina”. Exemplo disso é a união de amigos que se encontram toda a semana para jogar cartas no bar Galpão Tio Tete. Apesar das diferentes profissões, eles mantêm uma amizade que já dura mais de 10 anos: Alexandro dos Santos, 41 anos, é mestre de obras; Neri dos Santos, 50 anos e Wilson Silva Damasceno, 49 anos, eletricistas. Segundo Alexandro, a amizade deles vai bem além de um jogo de carta no final de semana: tornaram-se irmãos. “Nos reunimos quase todos os dias, não só para

jogar mas para fazer uma carne. Em aniversários, estamos sempre juntos. Nós apoiamos e ajudamos uns aos outros”, relata. Confiança, parceria e apoio são os pilares da relação dos três com outro integrante que eles nem sabem o nome e onde mora, pois ele é surdo. A amizade dos

três com este, é divertida e representada pela cumplicidade no olhar em cada jogada. “Amizade representa tudo. É muito importante, estamos sempre juntos, emprestamos o carro quando necessário e passeamos. Quando um precisa de ajuda em uma construção estamos dispostos a ajudar no que for

72 anos são domésticas e conheceram-se quando Maria começou a congregar na Igreja Missionária Nova ChanA roda de amigos no bar ce. Sentadas em é repleta de risadas frente à casa de Leoni, declaram e brincadeiras que saem todos os dias para caminhar e tomar chimarrão. Outra amizade que se fortifica na igreja é a da dona de casa. Ester Machado, 47 anos, e de Loreni Maciel, 35 anos, funcionária da cooperativa de reciclagem. “Fazemos parte de um grupo evangélico, o que nos aproxima mais ainda. Reuniões na igreja, grupos de orações e cânticos de hinos reforçam o nosso vínculo”, salienta Ester. Segundo ela acredita o apoio é mútuo, diferente de quem mora em cidades preciso”, afirma Neri. maiores onde não há tanta Amizades podem come- proximidade e liberdade de çar de diversas formas. Não sentar na frente de casa para há como saber onde exa- conversar com quem passa. tamente é o início e nem “Temos uma amizade muito o tempo exato em que a boa, todo o final de semana timidez se transforma em temos um grupo para tomar risos e troca de mensagens chimarrão”, finaliza. através do olhar. Leoni FloAniele Cerutti res, 55 anos e sua amiga, Millena Nonemacher Maria Cândida dos Santos,

Como uma segunda mãe Convivência em longos períodos cria vínculos afetivos próximos ao familiar, algo que atrai muitos pais que optam pelo serviço de cuidadoras. Na Vila Santa Marta, essa opção suprime a falta de vagas nas duas Escolas Municipais de Educação Infantil - EMEI existentes na comunidade e auxilia quem tem longas jornadas de trabalho. Como é o caso de Jairo Ferreira, 34 anos, e Clarice Machado, 33 anos. Seu filho, de um ano e sete meses, fica sob os cuidados de Sandra Vargas. Para eles, o mais atrativo é a possibilidade de estender os horários, feito nas escolas públicas.

INSPIRAÇÃO

Para Sandra, virar cuidadora foi uma ideia que surgiu com o nascimento da segunda filha, dez anos atrás. Após experiências que teve com a primeira, agora com 20 anos, em EMEIs, ocorreu-lhe a op-

ção de permanecer em casa para poder cuidar pessoalmente da menina recém-nascida. O serviço se ampliou e atualmente já são cinco crianças sob seus cuidados. As faixas etárias variam de um ano e meio até 7 anos. Anteriormente, quando trabalhou como cozinheira em uma escola infantil, ela já percebeu o quanto gostava do que faz. Foi lá que aprendeu a seguir uma rotina alimentar – café da manhã, lanches e frutas durante a tarde e café da noite - e de atividades – músicas e danças infantis, brincadeiras no cercadinho, atividades educacionais e desenhos na TV aberta. Para ela, os pais a procuram pela qualidade dos seus cuidados. “Me coloco no lugar das mães, cuido como se fossem meus filhos”, comenta. Por esse vínculo criado e as diversas horas que vivência com o grupo que cuida, eles acabam se

referindo a ela como “mãe”, e até a seu marido como “pai” e sua filha mais nova como “mana”. Assim, as relações se tornam quase familiares, o que gera confiança e tira o medo dos pais confiarem seus filhos a um terceiro.

ENTREGA

Essa é a mesma realidade de Márcia Regina Clemente, 43 anos, com qual mais de 60 crianças da comunidade já passaram pelos cuidados. Após uma vida dedicada ao trabalho no comércio, resolveu voltar-se às crianças. Para isso, utilizou-se da experiência que ganhou na adolescência, quando foi babá. Atualmente possui três crianças sob seus cuidados, mas houve a época em que teve nove crianças sob seu olhar. “Dou amor”, fala com um sorriso no rosto. Ela lembra que já chegou, até mesmo, a cuidar de três garotos em

tempo integral, inclusive à noite, pois a mãe deles não podia atendê-los. Eles voltavam para casa somente no final de semana, mas no fim, em alguns momentos, as crianças se sentiam incomodadas de retornarem para suas casas, pois a cuidadora se tornou uma referência materna.

PROFISSIONALIZAÇÃO

Ambas sonham em um dia oficializar seus negócios. O que falta é a infraestrutura, o número de pessoas necessárias e formação adequada, exigida para exercer

Márcia comemora o aniversário de um ano de uma das crianças sob sua responsabilidade a prática. Para isso, é necessário um investimento que, no momento, se torna pesado para a renda que elas adquirem com este trabalho. Mas mesmo com algumas dificuldades, elas ainda pretendem alcançar esse sonho, pois não se enxergam em outro ramo. Amanda Büneker Patrícia Wisnieski


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Comunidade .7

Migrantes buscam melhores oportunidades na vila Moradores que vieram de outras regiões lembram com saudades da terra natal

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lenha estala ao queimar no fogão. As panelas chiam sem pressa. A maneira tradicional de cozinhar e aquecer as casas, marcante no interior, é apreciada por Elizia Veiga, 61 anos, que foi criada na colônia e agora tem seu lar na Santa Marta. Natural de Arroio do Tigre, ela é uma das tantas pessoas que se mudaram de outras regiões para construir a vida na vila. Mãe de duas filhas e um filho, Elizia passou a infância no interior de Arroio do Tigre. Depois, também morou em Butiá, região carbonífera, até se separar do marido e vir para São Leopoldo, há cerca de 24 anos. Foi um momento difícil, segundo ela, para sustentar a família. Mas o exemplo de luta já vinha de sua mãe, que criou sozinha os sete filhos, após a morte do pai quando Elizia tinha seis anos. Estudou até a terceira série, tendo que parar para auxiliar nos trabalhos da lavoura. Naquela época, era considerado suficiente saber escrever o próprio nome. “Tenho saudades da minha infância. A gente não tinha televisão, telefone, nada. Mas no fim de semana todas as crianças brincavam junto, sem nenhuma maldade. Tinha um amor que eu não vejo mais hoje. Não tínhamos bonecas, mas havia o amor de um pelo outro”, lembra Elizia. Ela conta, por exemplo, que recentemente reencontrou, no Facebook, uma colega de escola. Não se viam há 50 anos, mas o sentimento continua o mesmo e as lembranças daqueles tempos não se apagaram. O ambiente no interior, de modo geral, era de mais solidariedade e laços fortes na família e na comunidade. “Se a gente matava um porco, ia dividindo a carne com as pessoas. Dava um pedaço para um, para outro. Depois, tudo voltava. Se alguém ficava doente, a casa estava cheia de gente para ajudar. Agora é diferente. Quando fiquei com uma perna engessada por 45 dias, as

Elizia Veiga e o filho Jerônimo viveram em Butiá antes de vir para São Leopoldo. Tomando chimarrão, Alzira de Moura diz que a vida melhorou desde a mudança, apesar dos seus problemas de saúde

pessoas ao redor daqui nem sabiam”, conta Elizia. Aposentada, tem tido dificuldades para se virar com os novecentos e poucos reais que recebe. Uma trombose que evoluiu para outras complicações a impede de desempenhar trabalhos como o que fazia antes – o de cuidadora de idosos. As dificuldades na colônia existiam, mas o modo de vida era muito mais ligado à terra. “A gente plantava cana, milho, trigo, feijão, arroz; só comprava sal mesmo”, explica Elizia. Apesar de lembrar com saudade desse tempo, porém, ela afirma gostar de onde mora atualmente.

Jerônimo Veiga, 35 anos, filho de Elizia, também lembra com nostalgia da infância, que foi vivida já em Butiá, onde o pai trabalhava como mineiro. “Eu tive uma infância show de bola e ainda não era da geração que começou a ter essas tecnologias, como smartphone. Hoje as crianças vivem de forma muito diferente. Mas tínhamos uma vida muito boa em Butiá”, afirma ele. Para Alzira de Moura, 60 anos, que veio de Capanema, no Estado do Paraná, há cerca 40 anos, a vida melhorou em São Leopoldo. Porém, alguns aspectos da rotina no interior paranaense deixam

saudade. “Lá a gente tinha chácara, podia criar animais. Aqui, por exemplo, não tenho espaço nem para plantar uma horta no pátio”, diz. A mudança ocorreu em função de outros parentes já estarem residindo no Vale dos Sinos naquela época. Sua vida tem sido bastante complicada em função da luta contra um câncer, que a deixa muito debilitada para trabalhar. Apesar da enfermidade e de sua idade, Alzira não tem conseguido encaminhar sua aposentadoria. Atualmente, ela mora na Santa Marta com uma filha de 22 anos, que possui uma deficiência mental e

precisa de sua atenção. De vez em quando, seu ex-marido vem até a casa para a auxiliar nas tarefas e fazer companhia. Dos seus oito filhos, dois já faleceram. A sua fé, mesmo com esses obstáculos, não se abalou. “Eu sou sozinha com minha menina. Tenho que fazer tudo, mesmo doente. Cheguei a passar dois meses muito mal, de cama, com hemorragia. Os médicos disseram até que eu ia morrer. Ninguém sabe como é difícil minha vida. Mas estou aqui”, afirma Alzira. Igor Mallmann Martina Belotto


8. Parcerias

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Moradores participam de Roda de Diálogo A CRVR

População se reuniu com representantes da CRVR para conhecer mais o trabalho da empresa e falar sobre as principais demandas do bairro

A Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos é uma empresa voltada ao tratamento de resíduos sólidos urbanos que possui Unidades de Valorização Sustentável (UVS) em São Leopoldo, Santa Maria, Giruá e Minas do Leão. A UVS São Leopoldo opera desde 2011 e está localizada no Bairro da Manteiga, a cerca de três quilômetros da Vila Santa Marta. São 135 hectares de área, sendo que apenas 60 são destinados à operação e o restante é mantido como área de preservação ambiental. “A valorização de resíduos é o tratamento de resíduos sólidos. Aqui nós tratamos os resíduos sólidos urbanos, que são os gerados em casa, fazendo o procedimento de destinação final ambientalmente correta”, explica o analista operacional da UVS São Leopoldo Fernando Dreher Rodrigues. O aterro é muito diferente dos espaços popularmente conhecidos como “lixão”, onde os resíduos ficam expostos: “Na empresa temos toda uma estrutura, fazemos a impermeabilização do solo e uma logística de cobertura para evitar os animais”. O local onde se encontra a UVS São Leopoldo tem vida útil de 20 anos. Após esse tempo de atuação, já há estudos para viabilizar que as áreas onde operam as unidades da Companhia sejam destinadas para a construção de algo benéfico em suas regiões. “Queremos mostrar a maneira séria como trabalhamos para que as pessoas possam ter como referência e divulgar a empresa, ao mesmo tempo em que nós ajudamos os moradores locais”, conclui Fernando.

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o dia 17 de outubro, às 18h, cerca de 30 moradores do bairro se reuniram com representantes da unidade São Leopoldo da Companhia RioGrandense de Valorização de Resíduos (CRVR). O encontro ocorreu na Associação de Moradores da Vila Santa Marta, com a presença da supervisora operacional Greice Carvalho Urruth e do diretor de Desenvolvimento de Negócios Leomyr de Castro Girondi. O objetivo foi apresentar o trabalho da CRVR à população e conhecer melhor o bairro. A presidente da Associação de Moradores, Dilce Maria da Rosa, relata que o primeiro contato com a empresa aconteceu em 2013, quando a CRVR realizou o Dia do Voluntariado na sede. “Os colaboradores da empresa vieram aqui, trouxeram o material e fizeram o reboco da parede, que antes não havia, pintaram e colocaram forro na parte de dentro”, lembra. No encontro, Dilce reconheceu a afinidade entre o trabalho realizado pela empresa e algumas propostas da Associação. “Percebi que as ideias deles vão ao encontro as que divulgamos com o projeto Bairro Melhor, desenvolvido em parceria com a Escola Santa Marta e que tem como objetivo educar para o meio ambiente”, reflete a presidente. Ela conta que explicou a Greice e Leomyr sobre o projeto de conscientização com os moradores e sobre as melhorias que têm sido realizadas: “Eles gostaram do lugar e ficaram bastante impressionados”. A presidente da Associação relatou também que o próximo desafio é cobrir a quadra poliesportiva. Os executivos da empresa se dispuseram a tentar viabilizar a obra: “Abriram uma porta de diálogo para re-

Foram observadas afinidades entre o trabalho realizado pela empresa e os projetos da Associação

latarmos nossas principais necessidades e eles ajudarem como puderem”. Depredada e roubada nos últimos anos, a cerca que fica em torno da Associação iria ser consertada pela empresa, o que ainda não foi possível. De acordo com Dilce, a Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos havia se comprometido em fazer a manutenção. Durante a reunião, a presidente recordou a promessa. A super-

visora operacional Greice Carvalho Urruth afirmou que iria retomar o projeto para consertar a cerca o mais rápido possível.

Integração

O encontro marcou a “1ª Roda de Diálogo com café da tarde” promovido pela CRVR no município. O engenheiro civil e analista operacional da Unidade de Valorização Sustentável (UVS) São Leopoldo, Fernando Dreher Rodrigues,

explica que o projeto já é realizado em outras cidades e tem como objetivo a aproximação com a população. “A Santa Marta é a comunidade mais próxima e a maioria dos colaboradores são do bairro. Fizemos este convite para que os moradores pudessem conhecer um pouco mais sobre o que fazemos”, conta. A partir da reunião, Dilce e os moradores se comprometeram a marcar uma visita para conhecer mais

sobre as operações da UVS São Leopoldo. As escolas do bairro também querem levar seus alunos. “Achei ótima a ideia da empresa de querer conhecer mais o bairro, a realidade de quem vive aqui e querer ajudar. É uma parceria muito boa que estamos estabelecendo. Acho que vai trazer bons resultados para os dois lados”, afirma. Paola Oliveira Laura Saraiva


Segurança .9

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2017

Bairro é apenas o 10º do município em ocorrências neste ano. Índice de homicídios caiu em relação a 2016

“Hoje, o trabalho preventivo da Polícia Civil se dá na atuação para desbaratar quadrilhas ou indivíduos responsáveis pela autoria de crimes, retirando-os da atividade com penalidades e responsabilizações”, explicou o delegado.

C

lassificada por muitos moradores como o principal problema da Santa Marta, a violência na localidade existe e a vila costuma ser apontada como a mais violenta da cidade. No entanto, a Polícia Civil de São Leopoldo levantou números que indicam a redução nos índices de criminalidade da vila em relação aos demais bairros do município. Confrontando estatísticas e a opinião de populares, é possível saber que o risco à segurança existe, e que, por inúmeros fatores, o medo pode ter passado a fazer parte do cotidiano da população local. Para o delegado diretor do 3º Departamento Regional de Polícia Metropolitana (DRPM) de São Leopoldo, Rosalino Seara, os índices de criminalidade no bairro não preocupam demais. Embora o número de homicídios no município tenha aumentado cerca de 20% nesse ano (passando de 68 para 81), as ocorrências na vila diminuíram e estão abaixo de outros nove bairros de um total de 23 que compõem o relatório. De janeiro a setembro de 2017 ocorreram dois homicídios na Santa Marta - um em maio e outro em agosto. No mesmo período do ano passado foram q u a t r o exe c u çõ e s . Conforme levantamento realizado pela polícia, os bairros com maior número de homicídios neste ano são: Santos Dumont (15), Feitoria (13), Campina (9), Vicentina (8), São Miguel (6), Rio dos Sinos (5), Itapema (4), Fião (3), Arroio da Manteiga (3). Neste ranking, a Santa Marta aparece logo em seguida, na 10ª colocação. Quanto a tentativas de homicídio, apenas um caso ocorreu na vila em 2017, perante três situações ocorridas em 2016.

Ocorrências

Em baixa na vila, as ocorrências de furtos e roubos de veículos e a pedestres não são tratadas pela polícia como muito preocupantes, bem como o já referido número de homicídios. De acordo com o titular da 3ª DRPM, a Santa Marta é formada por moradores com predomínio de baixo Índice de desenvolvimento Humano (IDH), que leva em

Denúncias

P a r a a j u d a r a co i b i r ações criminosas, a comunidade deve denunciar os crimes e seus autores. Isso pode ser feito procurando os policiais do setor de investigação da 2ª Delegacia de São Leopoldo, na Av. Coronel Atalíbio Taurino de Rezende, 829, ou através do WhatSensação de sApp no número insegurança permanece entre os (51) 98272.6661. moradores da vila, Caso a pessoa mesmo com menos t e m a r e p r e s á ocorrências graves lias, é possível pedir anonimato da denúncia, não precisando se identificar. Para a Polícia Civil, qualquer informação que possa contribuir com as investigações é bem aceita.

A vila está menos violenta

Insegurança

Os homicídios emSãoLeopoldo

conta a expectativa de vida, o nível de educação e o padrão de vida da população. Porém, isso não influencia significativamente nos índices de criminalidade do local. “As maiores incidências de registros de ocorrências se referem à violência doméstica, embriaguez ao volante e brigas entre vizinhos (ameaças e lesões corporais)”, comentou Seara.

Policiamento

Reivindicação frequente da comunidade, a presença de policiamento para intimidar a ação da criminalidade tem se tornado a i n d a m a i s co m p l i c a d a em 2017. Com atraso de salários, pouco efetivo e crise no sistema carcerário, a Polícia Civil trabalha apenas quando os casos já ocorreram, deixando as rondas para os militares.

Bairro 2016 2017 Santos Dumont 9 15 Feitoria 9 13 Campina 4 9 Vicentina 7 8 São Miguel 8 6 Rio dos Sinos 0 5 Itapema 0 4 Fião 0 3 Arroio da Manteiga 3 3 Santa Marta 4 2 Duque de Caxias 6 2 São João Batista 4 2 Boa Vista 2 1 Centro 0 1 Lomba Grande 0 1 Pinheiro 0 1 Santa Teresa 4 1 Santo André 2 1 Scharlau 3 1 São Borja 0 1 Vila Duque 0 1 Bom Fim 2 0 Santo Augusto 1 0 Total 68 81 Fonte: DRPM

Fundador da vila há 28 anos, Vilson Prestes, 74 anos, acha que a falada violência é muito mais fruto da construção de um cenário do que da ocorrência de casos graves. Segundo o morador, na maioria dos casos de homicídios que ocorrem na localidade, os envolvidos são criminosos de outros locais. No entanto, as mortes ficam associadas à imagem da Santa Marta. “A vila não é violenta, é apenas o pensamento de medo que está nas pessoas. Aqui tem quem usa droga e tem quem vai matar em outros lugares, mas não é tanto quanto falam na televisão e nos jornais. As pessoas têm medo pela falta de segurança. Se a polícia viesse aqui mais seguido e colocasse ordem isso diminuiria”, disse. Para Salete de Paula Zorzi, 53 anos, atuante nas pastorais da Comunidade Santa Marta da Igreja Católica, a vila é um bom l u g a r p a r a m o r a r. Co s tureira de profissão, ela ressalta o fato da filha ter estudado durante longo tempo e voltar à madrugada para casa, assim como o marido no retorno do trabalho. Nos 20 anos em que reside no local, a família nunca sofreu com a criminalidade. Gustavo Bauer Laura Hahner Nienow


10. Sustentabilidade

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Pequenos gestos por Ações sustentáveis geram economia e melhor qualidade de vida na Santa Marta

Seu Aristino só usa em sua horta adubo que produz com lixo orgânico

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oletar a água da chuva e da máquina de lavar, reciclagem de plástico, cultivo de hortas com adubo orgânico, reaproveitamento de madeira e pneus. Essas são algumas das iniciativas de moradores que residem na Vila Santa Marta e buscam transformar o bairro em um lugar mais limpo. Atitudes simples realizadas dentro de suas próprias casas, mas demonstram a preocupação da comunidade com o meio ambiente. Um jardim feito a partir de pneus, essa foi a ideia de sucesso do casal Mara Claudia Lima e Francisco Lima. Aproveitam o final de semana para colocar a criatividade em prática. “Meu marido é quem fabrica as peças. Ele recolhe pneus da rua, restos de madeira, garrafas pet e flores descartadas pelas floriculturas. Aos poucos, nosso jardim vai ganhando forma”, conta Mara. Com os pneus, Francisco confecciona vasos para as flores, usados no chão e suspensos, canteiros para a horta de temperos e móveis para ambientes externos. Aliás, são as poltronas de pneus que mais chamam a atenção de quem passa na frente da casa. Elas possuem vários tipos de pneus na composição. No encosto e braço é empregado o pneu de caminhão, maior e mais forte. No assento estão os de bicicleta, finos e macios, já a base é composta por pneus de carro. Além da reutilização de pneus, que poderiam estar jogados pela via ou sendo local de proliferação de mosquitos da dengue, o casal dá outro destino à água da máquina de lavar. “Costumo coletar essa água e a utilizar para lavar as calçadas, pois assim economizo”, revela Mara. O reaproveitamento de água é realizado por outros moradores da vila, como as donas de casa Soeli Lopes, de 52 anos, e Marlene de Souza, de 60 anos. Dona Soeli costuma utilizar a água da chuva para limpeza da casa. “Sempre que chove deixo três baldes na rua. Praticamente toda a semana consigo fazer faxina com essa água”, relata. Na residência de Marlene, a situação se repete. Ela usa a água da chuva para regar a horta que mantém e a água da máquina de

Seu Edilho exibe orgulhoso sua vistosa plantação caseira


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um mundo melhor Moradores utilizam adubo orgânico em suas hortas domésticas. Francisco capricha nos mínimos detalhes em suas criações com pneus

lavar para limpeza do banheiro. A hortinha é toda sustentável, pois há também o emprego de adubo orgânico produzido em casa.

Saudáveis e baratos

Entre tantos exemplos dessas práticas de sustentabilidade está o casal Aristino Prudente de Machado, de 70 anos, e Nubia Regina Machado, de 60 anos. Sua horta apresenta diversas reutilizações, desde garrafas pet para cercamento de canteiros, até latas de tinta e embalagens de produtos utilizadas como vasos. No momento, sua grande preocupação são os caramujos. Ele explica que o molusco é uma praga que ataca as plantações. Planos para aumentar ainda mais o reaproveitamento de materiais não faltam. Nubia conta que já viu as poltronas e vasos que a vizinha Mara tem em sua área, feitos com pneus, e sonha. “Eu queria fazer todo o muro aqui da casa com pneus, acho muito bonito. Mas a gente acaba desistindo pelo custo da mão de obra”, explica. Edilho Neves Feijó, de 56 anos, também procura em sua plantação caseira alternativas para economizar e manter uma alimentação mais saudável. “Um tempero que tu planta em casa, já não precisa ser comprado, além de estar livre de agrotóxicos”, diz Edilho, que mantém sua pequena horta apenas para consumo próprio. Assim como Marlene, seus verdes são cultivados a partir de adubos de composição caseira, como a reutilização de cascas. Preocupado com o meio ambiente, Edilho diz muitas vezes ver os vizinhos jogando objetos no arroio que passa ao lado de sua casa. “A gente tenta fazer algumas coisas em casa, reaproveitando uma coisa aqui e outra ali. Se todos tivessem esse pensamento certamente a vila seria muito mais limpa”, observa. Outro morador da Santa Marta que não abre mão do cultivo de legumes, frutas e hortaliças, é o soldador Valdemar Albertol Machado, de 56 anos. Ele cultiva uma horta para consumo há 20 anos, contando é claro com o produtivo adubo orgânico. Uma parreira vistosa também compõe o jardim de Valdemar, assim como um feixe de madeiras e troncos de árvore, aproveitados como lenha no seu fogão e churrasqueira. “Minha plantação é completamente natural, não utilizo veneno nenhum, apenas sal para espantar as lesmas”, explica. Arthur Isoppo Júlia Bozzetto Laura Hahner Nienow


12. Infraestrutura

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O recomeço por causa do fogo Incêndio em casas do bairro já tirou tudo de famílias e assusta quem mora em pontos de difícil acesso para os bombeiros

“H

avia passado um dia do Natal do ano de 2013. Toda a família de Cinara estava na casa, que ficava nos fundos da rua 13. Cinara, o marido e os dois filhos pequenos - um ainda na barriga, há um mês de nascer - tiveram pouco tempo para se dar conta do que estava acontecendo e sair de seu lar o mais rápido possível. O fogo, que começou na casa de madeira ao lado, tomou conta da casa de material. Felizmente ninguém se machucou, mas a única coisa que ficou do incêndio foi a certeza de que, se os bombeiros tivessem chegado um pouco mais cedo, o estrago não teria sido tão grande. Hoje, a educadora Cinara Fonseca dos Santos, 32 anos, mora de aluguel na rua Santa Marta. Ao contrário da antiga casa, que foi destruída pelo fogo, a moradia atual fica em uma rua asfaltada e tem espaço para que o caminhão de bombeiros chegue em alguma eventual emergência. O pequeno espaço das vielas que davam acesso à rua 13 foram, na opinião de Cinara, o motivo do atraso do socorro. “Se tivessem chegado antes, tinha salvo alguma coisa”, lamenta. O filho Kevin Pietro, que no dia do incêndio estava na barriga, hoje tem três anos e vive em um local mais seguro, onde a rua é larga o suficiente até para que passem os ônibus que circulam na vila. Contudo, sua mãe avalia que o problema não deixou de existir para outras pessoas. “Hoje ainda estou me reestruturando. A casa aqui é mais na avenida, mas ainda tem lugares difíceis para um caminhão de bombeiros chegar, como as ruas 6 e 7”, afirma. No dia do incêndio, os moradores da rua 13 e das proximidades auxiliaram no combate ao fogo. Por muito pouco, a casa de Vanilde da Silva, hoje com 58 anos, também não foi atingida. Em uma década morando na vila, aquele foi o maior susto que passou. Vanilde estava em casa com o marido e a neta de três anos quando se deu conta do problema. “Quando vimos, levantou uma labareda”, conta. A primeira coisa que fez foi deixar a neta aos cuidados

Vanilde mostra que a rua é estreita para que caminhão de bombeiros manobre e chegue rapidamente até as casas

de vizinhos. A segunda foi ligar para os bombeiros. Para chegar até a casa de Vanilde, na rua 13, é preciso subir uma lomba estreita, muito íngreme e irregular. Há tantos buracos que até caminhando não é um trecho fácil. Outro acesso é por uma viela ainda mais estreita. Segundo ela, nem ambulância passa. Pela dificuldade desses acessos, os bombeiros custaram a chegar no local. “Eles vieram, mas tiveram que dar a volta, fazer manobra para entrar. Até chegarem, os vizinhos já tinham apagado o fogo”, conta a moradora da vila. Assim como Cinara, Vanilde avalia que se o atendimento tivesse sido mais ágil, algo poderia ter sido salvo. A casa de Vanilde só não queimou porque o marido, com uma mangueira,

ficou resfriando as paredes e o telhado. Ela lembra do desespero do momento. “Eu queria salvar a minha casa e ajudar os outros, mas não conseguia fazer nada. Se existe o tal inferno, eu vi aquele dia”.

Bombeiros

Do momento em que recebem o chamado no quartel até quando saem para atender qualquer ocorrência, os bombeiros têm 30 segundos. Foi esse o tempo que levaram para que o caminhão começasse o trajeto para a Vila Santa Marta e, assim, pudessem apagar o incêndio que destruiu a casa de Cinara. Mas o trânsito e a infraestrutura viária podem interferir na rapidez dos atendimentos. De acordo com o sargento do Corpo de Bombeiros de

problema é a falta de sinalização na vila. Sem referências de nomes das ruas, numeração das casas e orientações atualizadas nos mapas na internet, eles precisam pedir ajuda a policiais e moradores, principalmente quando é noite, pois de dia a fumaça serve como guia. No caso da casa de Cinara, ela e Vanilde contam que a vizinhança se mobilizou para apagar o fogo. O sargento Godoy afirma que as pessoas podem Depois de perder tentar fazer esse a casa própria em um incêndio, Cinara vive trabalho, mas é em uma casa alugada na fundamental ter rua Santa Marta urgência para acionar os bombeiros. “Não adianta tentar e ligar para os bombeiros só depois de ver que não consegue apagar sozinho”, orienta. Para amenizar as chances de princípios de incêndio, o bombeiro orienta que São Leopoldo, Leandro Godoy os moradores da vila tomem cuidos Santos, o efetivo tem dois dado com ligações clandestinas caminhões. O primeiro deles de energia, sobrecarga elétrica é menor e comporta cinco mil - que pode acontecer quando litros de água. O segundo é o muitos aparelhos estão ligamaior e carrega até 10 mil li- dos a um único “T”, por exemtros. Em locais de difícil aces- plo - e o uso de velas. so, como a Vila Santa Marta, é Outra sugestão é que as utilizado o menor. Mesmo nas pessoas tenham cuidado para ruas mais estreitas, o sargento respeitar o limite de divisão afirma que o caminhão pequeno entre as casas quando forem consegue, com cuidado, chegar construir a sua moradia. “As caaté os focos das chamas. sas são muito próximas umas Ele admite que a situação das outras. Não é respeitado o das ruas é um problema, mas limite de pátio e isso ajudaria”, que poderia ser amenizado com afirma. Além da proximidade alguns cuidados por parte dos das moradias, as muitas consmoradores. “Elas já são estrei- truções de madeira facilitam a tas e muitas vezes têm carros propagação das chamas prinestacionados”, coloca. Nessas cipalmente no verão, quando situações em que o caminhão o tempo é mais seco. não consegue ir até o local exaVinícius Bühler to, as mangueiras são adaptadas Amanda Bier para chegarem até o fogo. Outro


Educação .13

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2017

Jovens se preparam para a universidade Alunos do ensino médio focam nas alternativas de ingresso no ensino superior como vestibular e Enem

Renan lamenta a greve nas escolas e preocupa-se com o resultado do Enem

O

ensino médio é, para muitos, um momento de incertezas. As várias opções de vida oferecidas pelo futuro tornam difícil a escolha da profissão, bem como as alternativas e percursos para chegar até ela. O ingresso na faculdade é realidade de poucos moradores da vila Santa Marta e a opção, quando falta o recurso financeiro, é escolher faculdade federal ou fazer o Enem. Muitas vezes, a rotina de preparação para a realização das provas começa com antecedência e, outras vezes, surgem obstáculos no caminho, como a greve das escolas estaduais.

greve

A situação atual das escolas estaduais tem complicado a vida dos estudantes do ensino médio. O parcelamento dos salários do magistério ocasionou uma greve que

não tem data para acabar. Com isso a preparação para os vestibulares e para o Enem ficou comprometida. A Escola Estadual de Ensino Médio Emílio Sander, na qual estuda a maioria dos jovens da Santa Marta devido à proximidade, está em greve desde o mês de agosto. As aulas não foram totalmente

suspensas, mas resumem-se apenas a um dia na semana, nas segundas-feiras. O aluno Renan Oliveira Dente, 18 anos, lamenta o despreparo para realização da prova. Ele está no terceiro ano e se inscreveu para fazer o Enem, previsto para os dias cinco e 12 de novembro, mas muitos dos

conteúdos das provas não foram explicados pelo corpo docente. Ele comenta que alguns professores enviam mensagens, alertando sobre os conteúdos que merecem maior atenção. Renan quer tentar uma bolsa pelo Programa Universidades Para Todos – Prouni, mas para conseguir precisa

ter uma boa nota no Exame. Com a falta de preparo, a esperança de conseguir a bolsa ficou um pouco abalada. “Quando a gente ia entrar nos assuntos principais que caem no Enem começou a greve”, relata. Para suprir a ausência das aulas, Renan pega o caderno e tenta memorizar os conteúdos já passados. O jovem mora sozinho e cobra de si mesmo o desempenho nos estudos, “Eu me incentivo”, ele comenta. Em uma situação parecida encontra-se a Andriele Vieira Cavaleiro, 17 anos, a diferença é que ela ainda tem tempo de recuperar o conteúdo perdido, pois está no segundo ano. Ela conta que deseja ser médica pediatra e quer ingressar no curso de medicina através do Enem. Por isso, já começou os estudos para realizar o exame. Andriele comenta que muitos colegas optaram por trocar a escola, mas ela deseja continuar na Emílio Sander. Eduarda Moraes Mayana Serafini

Da escola para a academia Com o objetivo de preparar os estudantes para o futuro acadêmico é que o projeto de Iniciação Científica da Escola Estadual de Ensinos Fundamental Santa Marta surgiu. Alunos e ex-alunos reconhecem a importância do aprendizado sobre um trabalho que nem sempre é acessível aos níveis convencionais de aprendizado. Por isso, a permanência deste ensino é uma prioridade da comunidade escolar. É o caso de Larissa Schneider, 12 anos, estudante do 6º ano. “Têm vezes que a gente escolhe o tema e outras o professor”, conta ela. A menina está produzindo um trabalho sobre música, procurando na internet os hits mais escutados do Brasil. Porém, foi além e entrevistou os próprios moradores do bairro para saber as músicas preferidas de cada um.

Já no 9º ano, Ketlyn Oliveira, 15 anos, começou a participar da Iniciação Científica em 2017 e diz que está estudando casais do mesmo sexo. A aluna afirma descobrir que o preconceito está presente na sociedade. Ela entrevistou um colega homossexual que confirmou sofrer problemas dentro da própria família, inclusive. Até mesmo quem não estuda mais na escola reconhece a importância do projeto. É o caso do irmão de Larissa, Agnaldo Schneider, 16 anos, que está no 2º ano do Ensino Médio na Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, em Novo Hamburgo. Schneider estudou na comunidade até 2015 e lamenta não ter tido esta oportunidade. “Faz falta, agora preciso fazer um pro-

jeto e seria muito bom, daria uma base”, diz o aluno. Logo quando entrou na Liberato, em 2016, meio ano letivo teve de ser destinado a ensinar os fundamentos da pesquisa acadêmica aos que não sabiam. Ele conta que está fazendo um aplicativo

proposta considerando relatos de ex-alunos. Três professores com a formação necessária orientam; mais quatro auxiliam intercalando com suas disciplinas. Por fim, avaliadores de dentro e Larissa conta fora da escola são com um convidados para aprendizado que julgar os mais de seu irmão não teve 130 projetos produzidos semestralmente. Outros professores também participam ajudando em alguns grupos. Dessa forma, os melhores trabalhos do bairro vão para a para auxiliar na localização Mostra de Tecnologia e Inovada escola. “O projeto dá a fun- ção com Ciências, a Motic São Leo. Caso sejam eleitos entre damentação”, justifica. os melhores desta fase, podem PROJETO chegar até a Mostratec Júnior, Pioneira no projeto da em Novo Hamburgo. EMEF Santa Marta, a profesBolívar Gomes sora Sandra Grohe, 43 anos, Luana Ely Quintana explica que apresentou esta


14. Economia

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2017

Vendas guiadas pelo verão Empreendedores da Vila encontram em sorvetes e derivados renda extra e sustento para as suas famílias

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uscar campos de atuações diferentes dos qual se está acostumado tornou-se cada vez mais comum no Brasil nos últimos anos. O motivo para tal varia entre as famílias. Três empreendedores da Vila Santa Marta resolveram investir na venda de sorvetes, expressos, picolés e sacolés e garantir um complemento na renda familiar e a realização de novos sonhos. Na vida da empreendedora Vanessa Lemes, 21 anos, a oportunidade surgiu da vontade de sua irmã de 17 anos. “Ela gosta muito de sacolé, mas não encontrava no bairro, então, comecei a fazer para nós e resolvi investir”, explica. Hoje um dos compartimentos de sua geladeira é exclusivo dos produtos, gerando renda extra à família que está crescendo com a chegada de Dominique. “Consigo cerca de 10% de lucro”, afirma. Próximo da casa de Vanessa, a empresária Verônica Ribeiro, 34 anos, projeta novos tempos com a abertura de sua própria sorveteria. “Eu não consigo ficar parada e só o meu marido trabalha fora, então precisamos nos virar”, justifica. A motivação para o novo empreendimento já vem de seu conhecimento na área, pois ela vende sacolés há pelo menos cinco anos. “Quando comecei os meus filhos eram pequenos, hoje o Riquelmy tem 13 e a Ritielly 11 anos”, completa. Vontade não falta em Verônica e em sua família para tornar o ambiente um sucesso entre os vizinhos da Santa Marta. “Queremos proporcionar um lugar limpo e organizado”, pontua a empreendedora. Também prezam pela qualidade dos produtos revendidos – sorvetes em litros e milk-shakes, por exemplo, e dos sacolés feitos por ela. “Com o lucro já consegui uma máquina de sorvetes expressos para oferecer algo a mais”, comemora a compra. O empreendedor Luis Fernando de Lima, 30 anos, encontrou nos gelados um caminho para sustentar a família enquanto estava desempregado. “Não sei em números quanto eu vendi, mas foi bastante nos dias de sol”, reflete. Os seus produtos são de outros fabricantes e atingem dos pe-

Vanessa prefere sacolés feitos em casa. O principal meio de divulgação destes empreendedores são as placas em frente às casas

Um pouco de história l Há quatro mil anos na China,

segundo o site Mundo Estranho, uma sobremesa à base de leite foi congelada na neve. l Rapidamente tornou-se a pre-

dileta, mas só entre os nobres, pois tinham dinheiro para o leite e conservação da neve até o verão. l Em 1271 um veneziano em via-

quenos aos mais velhos. Na casa de Vanessa os produtos são feitos com dedicação e cuidado. “Sendo caseiros sei que fica melhor”, completa. Os sacolés custam R$0,75 e podem ser encontrados na Rua 1, 384. Para fabricar os diferentes sabores, como creme de ovos, abacate e morango, por exemplo, ela compra em atacados o pó pronto e acrescenta leite e açúcar. “E procuro saber sempre o que mais gostam”, finaliza. Por outro lado os empreendedores Verônica e Luis

Verônica e o marido Dirceu estão otimistas com a sua própria sorveteria Fernando revendem de fabricantes, ou seja, os preços e sabores variam de acordo com a disponibilidade dos produtos. Verônica também fabrica sacolés caseiros de frutas, como uva e laranja, e creme, como os de chocolate e coco queimado. “Faço eles em um liquidificador de dez litros, então, produzo em média de 150 a 200 por dia em que fabrico”, explica. Com o freezer sempre cheio, ela vende na Rua

gem à China encontrou variedades de cremes congelados de frutas, e trouxe as receitas na bagagem. 1, 31, os de frutas por R$0,75 e cremosos a R$1,00. Outros sabores como o moreninha e flocos podem ser encontrados com o empreendedor Luis Fernando. As vendas acontecem na Rua 3, 264, em diversos tamanhos, seja em potes de um litro ou picolés. “Eu compro do revendedor e já saio vendendo”, lembra animado. Seus preços variam entre R$0,80 a R$3,50, e são tão procurados que Luis precisou comprar um freezer novo para guardá-los: “podem me procurar!”, exclama.

l Só no século XVI as receitas saíram do papel.

Em 1670 um siciliano abriu em Paris a primeira sorveteria do mundo.

l

Seis anos depois havia mais de 250 fabricantes pela capital da francesa. l

MARIA CAROLINA de Melo GABRIEL CHRISTOVAM


Comportamento .15

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2017

Bicicletas são o meio de transporte da Vila Moradores usam muito a bike para trabalhar e passear

B

asta um pequeno giro pelas ruas da Vila Santa Marta para constatar que o veículo predileto dos residentes é a bicicleta. Com cestinha para carregar as compras ou então equipadas com rodas auxiliares para as crianças pequenas. O vai e vem é constante no bairro. Para Lauri Hermes, 46 anos, supervisor, passear de bicicleta é uma diversão. “Ando bastante de bicicleta. Quase todos os dias”, relata. O guidom do veículo de Lauri é equipado com um banquinho para carregar seu filho nos passeios diários após seu trabalho. “É como um hobby, sair de casa depois do trabalho para andar pelo bairro junto de meu filho”, conta.

Gilson conta que anda de bike diariamente para ir treinar

gratuito

Andar de bicicleta é uma diversão comum entre as crianças e adolescentes,

mas para Gilson Siduoski Napiwoski, 18 anos, atleta, é uma necessidade. O jovem integrante da equipe Associação Leopoldense de Ecologia e Canoagem (Aleca), pedala aproximadamente 18 km, contando ida e volta para trei-

nar no centro da cidade. “No começo deste ano, quando eu parei de estudar, comprei a bicicleta para usar como meio de transporte, já que não tenho mais o cartão estudante, iria gastar muito com a passagem de ônibus”, conta. Nesses nove meses de uso contínuo da bike, o jovem já caiu duas vezes, a queda mais grave danificou o guidom. “Uma vez tinha um caminhão estacionado e tive que desviar, nisso veio um carro muito rápido e bateu no guidom da bicicleta. A bike foi parar de baixo do caminhão e eu pulei dela para não parar lá embaixo também. Ralei o ombro e bati a cabeça, mas não foi nada muito forte”, relembra. Uma reclamação constante dos ciclistas é a condição precária das estradas. Jorge Luis Gomes da Cunha, 55 anos, pedreiro, usa a bicicleta diariamente para ir ao trabalho. Ele relata que em dias de mau tempo precisa usar uma capa de chuva e muitas vezes

não é possível enxergar os buracos das ruas. Além disso, os carros, nem sempre respeitam quem está de bike. João Valdomiro Ricardo, 59 anos, carpinteiro, conta que os buracos atrapalham muito a locomoção, sem contar a disputa por espaço das bicicletas e dos outros veículos. “É uma rivalidade muito grande entre carros e bicicletas. Porque o fluxo do trânsito é intenso e o ciclista tem que tomar cuidado, é um piscar de olho e ele é atropelado”, relata. João está desempregado e cata lixo para reciclar. Pedala em torno de 3h a 4h por dia nas regiões da Campestre, da Mauá e um pedaço da Campina. Pedalar, além de ajudar no seu ganha pão, é um prazer para ele. “Eu gosto da bicicleta, se eu tenho que ir pagar uma conta centro ou ir na lotérica, vou de bicicleta. Não sou fã de andar de ônibus”, conta. Paula Câmara Ferreira Felipe da Silva

Os cuidados de beleza dos moradores Se sentir bonito nunca sai de moda. Recorrer a salões de beleza para isso é algo comum e com a população da Santa Marta não é diferente. Apesar da comentada crise, há um crescimento no mercado de estética. Números do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostram que o número de registros de microempreendedores na área da beleza, por exemplo, passaram de 72 mil para 482 mil de 2010 a 2016. Os salões da Ingrid Rosa e do Hélio Souza mostram que a vila segue a mesma tendência e que os moradores seguem cuidando da beleza. Com apenas 22 anos, Ingrid já tem seu próprio negócio. Dona do Ingrid Rosa Studio Hair há sete meses, ela conta com vários clientes fixos e o salão está sempre movimentado. “As mulheres daqui são muito

vaidosas”, brinca. Sábado é o dia da semana com mais movimento, principalmente no período da tarde. Quanto aos procedimentos mais pedidos, Ingrid comenta que a clientela costuma estar “antenada” e segue as modas. “O que mais pedem é para ficarem loiras e também a progressiva. Até os homens pedem”, comenta. Além disso, o salão ainda oferece hidratação, corte e coloração para os cabelos, design de sobrancelha, manicure e pedicure. Entre os homens, o corte degradê. Ela atende enquanto conversa com as clientes em clima descontraído, todas são suas amigas. Iris Rosa, cliente do salão, conta que procura o estabelecimento principalmente para cuidar dos cabelos. “Todo final de semana arrumo ele, hidrato para deixar bonito”, declara. A cabeleireira comenta

Salão de Ingrid chega a atender por cerca de 14 horas, de segunda a sábado que, no início, mais mulheres frequentavam seu negócio. Com o tempo, os homens também passaram a ir. “Fazem de tudo, até sobrancelha. Só que com navalha,

porque não aguentam a dor da pinça”, diverte-se..

Negócio de família

Dono de um salão que leva seu nome, Hélio Souza trabalha na vila há 18 anos. Ele e a mulher Elza trabalham juntos. Ele, fazendo cortes masculinos e ela, desde 2012, trabalhando com os cabelos das

mulheres. Atendem das 15h às 21h, sendo que no sábado o estabelecimento permanece o dia inteiro aberto. Quanto às tendências da vila, eles concordam com o que Ingrid diz: corte degradê para os homens e progressiva e luzes loiras para as mulheres. “As mulheres da vila são bem vaidosas”, também comenta Elza. O público masculino, informa Hélio, também gosta de se cuidar. “Os mais novos, principalmente, querem ficar na moda”, diz. Hélio conta que resolveu abrir o salão depois do incentivo vindo da família, em 1999. Para ele, a crise mencionada não abalou tanto o negócio, já que preço cobrado pelos cortes masculinos é baixo: R$ 12. Sua esposa informa que o movimento das clientes mulheres diminuiu. Vitória Padilha Laura Saraiva


16. Comportamento

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2017

Diversão escassa, moradores em casa Devido às poucas opções de lazer, moradores buscam alternativas caseiras para desfrutar o tempo livre

José Eloi, mais conhecido como Diel, tem 42 anos e mora há 17 na Santa Marta. Proprietário do Bar do Diel, localizado na rua principal da vila, ele conta que suas alternativas de lazer são fora do bairro. “A gente sai para se divertir em um baile, na cidade de Sapucaia, porque aqui na Santa Marta não temos onde ir”, relata. Cerca de oito anos atrás, eram realizados bailes na vila, mas a iniciativa não durou por muito tempo, brigas e drogas prejudicavam a festa. “Parece que a nossa comunidade não se une para diversão. O que falta é todo mundo trabalhar e cuidar do que temos aqui”, comenta Diel.

F

inal de semana é um dos momentos mais esperados para quem é jovem, estuda, trabalha e quer se divertir, mas na vila Santa Marta isso não é tão fácil assim. O tempo livre dos moradores é marcado pela falta de opções de lazer. Na comunidade quase não há praças, uma opção de área de lazer simples. Para alguns, o Para Larissa, jeito é tentar desenhar é uma uma distração das alternativas de dentro de casa. distração Desenhar, ler, navegar na internet, andar de bicicleta e de roller. Esses são alguns dos hobbys de Larissa Schneider, 12 anos. A menina, estudante da Escola Santa Marta, participava do projeto Escola Aberta, uma iniciativa que proporcionava aos jovens, nos finais de semana, praticarem esportes e atividades artesanais. Uma maneira divertida de aproveitar o tempo livre. Porém, há três anos o projeto teve fim e com isso, um vazio se instalou no final de semana de algumas crianças. “Eu gostava muito de participar, tinha muitas atividades e era livre para qualquer um participar”, relembra Larissa.

Churrasco

Buracos

Com o fim do projeto, Larissa procurou outras formas de passar o tempo. Porém, a busca de novas atividades não foi fácil. “A gente começou a frequentar a pracinha mas os brinquedos são pequenos para nossa idade. E a quadra de esportes é mais para os meninos, então as meninas ficam mais em casa mesmo”, explica. Entre as novas atividades, estava andar de roller, mas a prática não durou muito. “ Eu gosto de andar, mas aqui não dá mais por causa que a rua tem muitos buracos”, diz Larissa. Marilaine Schneider, 37 anos, mãe de Larissa, comenta que as crianças ficam com poucas opções para se divertir. “Talvez se tivesse mais pracinhas, aquelas aca-

demias de ginásticas, que tem no centro da cidade, as famílias se animariam a sair de casa e se exercitar”, afirma. Novas pracinhas, quadras de esportes e academia, são uma alternativa de melhorar as opções de lazer do bairro. Assim, a população não acabaria ficando “cada um no seu quadrado”, como relata Marilaine. Com poucas formas de entretenimento no bairro, cada morador encontra uma forma de diversão para o tempo livre. Denise Silva, 26 anos, usa o fim de se-

mana para fazer programas em família. “Costumamos ir ao shopping e levar a Isabela para brincar nas pracinhas do centro da cidade” conta. Moradora da Santa Marta há 20 anos, Denise comenta que faltam opções na Santa Marta e por isso procura por entretenimento em outros bairros e no centro de São Leopoldo. As poucas opções de lazer, acabam limitando os moradores que não possuem meios de transporte próprio e devido a isso, muitos acabam ficando em

A esposa de Diel, Sinara Lopes, 30 anos, é a responsável por administrar o bar enquanto o marido trabalha fora. Nos finais de semana, a família se reune para cuidar do estabelecimento e ter um pouco de diversão. “A gente toma chimarrão e faz churrasco todos os sábados para reunir os amigos”, afirma Sinara. Essa é a alternativa encontrada para aproveitar o tempo livre sem sair da Santa Marta, mas mesmo assim, Diel comenta que a falta de opções de lazer acaba deixando a comunidade mais caseira. “Como a gente tem o bar, a soNataly, 6 anos, lução é às vezes é afetada pelas reunir os amigos poucas opções de a q u i ”, r e l a t a . entretenimento Andar de bicicleta na rua é a atividade preferida de Nataly, a filha de Diel e Sinara, mas com apenas seis anos, ela também é afetada pela falta de opções de lazer na vila Santa casa e usam como passa- Marta. “A gente não leva a Natempo a internet. Marcelo taly na pracinha daqui porque Adriel de Oliveira, 18 anos, é perigoso, ela se acostumou a é parte dos jovens que pas- brincar mais em casa. Quando sa grande parte do tempo vamos no baile, de tarde, leem frente às telas. “Quando vamos ela junto para brincar eu não estou trabalhando, com as crianças de lá”, diz prefiro ficar em casa e usar Diel. A família já pensou em a internet. Só saio mesmo, fazer um baile no bar de Diel, quando é preciso” afirma. mas desistiu por medo dos Os filhos de Adão Santos, problemas que a festa pode42 anos, também fazem ria gerar. ”Eu gosto de morar parte desse quadro. “Eles aqui, já me acostumei e tamficam em casa vendo tv, na bém consigo me divertir fora internet e jogando no celu- daqui”, afirma Diel. lar. Eu até entendo porque MARIANA DAMBRÓS aqui na Santa Marta não tem GABRIEL REIS o que fazer” afirma.


Cidadania .17

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2017

Quando a política não inspira confiança Faltando menos de um ano para as próximas eleições, habitantes da Vila Santa Marta falam das suas espectativas

O

Enfoque conversou co m m o r a d o r e s e moradoras sobre suas visões da política. Foram entrevistadas dez pessoas: seis homens e quatro mulheres, com idades entre 16 até 66 anos. Confira abaixo como foi: Reinaldo Teixeira da Silva, 66 anos, aposentado e morador há 27 na Vila, conta que faz 20 anos que não vota em nenhuma eleição política. “Eles botam quem querem lá, compram voto, compram tudo”, diz, insatisfeito com a política. Segundo Reinaldo, as propagandas eleitorais diminuíram bastante, principalmente a distribuição de santinhos, os quais poluem as ruas nos dias das eleições, na sua opinião. Jocelaine Lorena, 42 anos, trabalha na Cooperesíduos e é moradora da vila há 18. Ela diz que a fa-

Reinaldo

mília sempre vota no mesmo candidato. “Votamos naqueles que conhecemos há anos, pois já sabemos a forma de trabalho e damos preferência para quem é da comunidade”, admite. Sobre as eleições 2018, declara que não irá votar no Lula, pois ele já fez tudo o que tinha para fazer e é acusado em várias corrupções. “Eu voto conforme vejo o andamento dos candidatos, se não, anulo. Mas fiz isso poucas vezes”, pondera Graziela dos Santos Faustino, 27 anos, vendedora e moradora há 15 no bairro. A moça espera mudanças em todas as áreas, especialmente na educação. “Nos colégios, as crianças levam lanches de casa, pois as escolas não fornecem merenda para os alunos”, afirma. Para Daniel Lopes Avelhneda, 57 anos, operador de máquina, a política hoje em dia está complicada em razão de tanta corrupção o que torna difícil a escolha de um candidato. “Nas eleições 2018, ainda não sei em quem votar, mas buscarei

conhecimento, por meio das propagandas políticas na televisão, para decidir o vot o”, s a l i e n t a . Segundo Marene Pinheiro, 35 anos, moradora há 34 na Vila, a política está sem credibilidade. “Há cinco eleições que eu anulo meu voto. Optei por isso. Os eleitos, na maioria das vezes, acabam não agindo a favor do município e do país. A prefeitura de São Leopoldo deixa muito a desejar, eles não dão assistência adequada para o bairro, as melhorias partem dos próprios moradores”, declara. “Espero que melhore a situação na presidência e no senado nos próximos mandatos”, diz Darci da Silva, 60 anos, aposentado e morador há três anos. Ele ainda complementa que nas épocas de eleições prefere votar em algum candidato a anular e favorecer outro, já que acredita que é importante escolher representes. Luiz Pedro dos Santos, 30 anos, calçadista, contextualiza que é preciso acompanhar a trajetória

Jocelaine

do candidato e analisar as propostas para fazer a escolha certa. “Eu não voto no partido, voto na pessoa. Analiso as ideias, se são boas para nossa juventude e relacionadas a emprego. Hoje em dia é muito difícil escolher um candidato, porque em épocas de eleições prometem muitas coisas, e quando chegam ao poder, desvirtuam daquilo que prometeram à população, tornando-se muitas vezes co r r u p t o s ”, j u l g a . Edison da Silva Silveira, 45 anos, dono do bazar e loja Silva, procura sempre acompanhar as propagandas eleitorais para ter certeza em qual candidato votar. Ele comenta que a situação é crítica no país, em meio à crise em vários setores. “Atualmente está difícil escolher e acreditar nas pessoas que se candidatam à política. O país vive uma inversão de valores onde não há mais caráter e honestidade. Aqui na vila existem muitas coisas para melhorar, como calçamento nas ruas, saneamento básico e segurança, não

só aqui, mas no município todo”, aponta. Ellen Cristina da Silveira, 16 anos, mãe e desempregada, alega não gostar de política e por isso não assiste nada referente ao assunto. A jovem ainda não votou, mas garante que irá providenciar o título de eleitora. “Se o Lula for candidato, eu vou votar nele, porque quando ele era presidente, a situação brasileira estava melhor. Desde que saiu, tiveram transformações drásticas, como por exemplo, o aumento do preço do gás e da comida. Além da atenção que deu mais às classes mais baixas”, opina. Emanuel Machado, 20 anos, desempregado, mora há nove anos na Vila e diz que nunca votou, mas nas próximas eleições pretende exercer sua cidadania. “O título de eleitor, eu tenho. Não votei ainda porque todos são corruptos, e é difícil escolher e acreditar nas propostas de algum candidato. Além do mais, não tenho interesse no que envolve política”, frisa. Matheus Miranda Stephany Foscarini Millena Nonemacher

Luiz


18. Festas

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2017

A celebração do Natal Em casa, na rua ou na igreja, com poucas ou muitas pessoas, a data é comemorada

“N

atal não é família. Pra mim, Natal é um carrinho de controle remoto com luzes”. Thales, de 7 anos, com olhos entusiasmados, relata seus desejos para a data junto com seu amigo. Teylor, 6 anos, que sorri ao falar do chocolate quente servido em todas as ceias. O Natal, mais uma vez, se aproxima. Junto com ele, começam os preparativos para a data mais comemorada do ano. Embora ainda faltem algumas semanas, suas lembranças, assim como os preparativos na vila, já estão presentes. O aposentado Ernesto de Souza, de 72 anos, é morador antigo da vila. Todos os anos, celebra o dia 25 de dezembro com a família reunida. Com um sorriso doce e uma cuia de chimarrão na mão, conta que criou seus nove

filhos na vila, orgulhoso dos caminhos que trilharam e da proximidade existente entre eles. Para ele, manter todos juntos sempre, não somente nas festas, é o ideal. Entretanto, encara o feriado como

uma maneira de fortalecer a união familiar. Assim como sua esposa, Luciana Gueno, de 74 anos. Segundo os dois, “estar junto de coração” vai além da presença física. Mas não é tempo apenas

participar dos eventos religiosos. Assim como Ana Maria dos Santos, de 75 anos. Participante da Assembléia de Deus. Ela relata o quanto é bom participar das festas e das arrecadações de brinquedos, tornando especial o Natal de mais crianças. Para Ana Maria, as comemorações na Igreja Ernesto e têm sido mais alegres Luciana do que em casa. Devifestejam a do à idade e a solidão, vida familiar o espírito natalino se perdeu ao longo dos anos. “Ano retrasado foi a última vez que montei o pinheiro. Antigamente dava pra fazer uma festinha, hoje não dá mais. Sempre tem um pra estragar com alguma briga.” As decorações sempre fizeram parte de sua vida, não podiam faltar. Mas, desde que se mudou para a cidade, perdeu o das festividades familiares. contato com os familiares. Também é uma época de Atualmente, passa a data ações dentro das igrejas. A apenas com o filho, a nora dona de casa, Marilúcia de e seu gatinho Mimi. Menezes, de 50 anos, freTamires de Souza quenta a Igreja Católica e Thomás Domnaski conta que gosta muito de

Esperando um ano de coisas boas É co m u m m i s t o d e curiosidade e hesitação que chegamos à casa do seu Aquiles e da dona Loreni, moradores da Santa Marta há 12 anos. Quem aceita nosso convite para conversar é Aquiles Antunes Maciel, 74 anos, que nos recebe dizendo que a mulher, talvez, queira também conversar conosco. Para Loreni, o ano de 2017 foi um ano feliz, apesar de algumas enfermidades, enfrentadas em maio. As festas de final de ano trazem a expectativa de poder reunir todos em um lugar especial e comemorar com muito amor e comida, claro. Aquiles espera que a vila continue crescendo ainda mais. Tendo construído sua casa há anos, ele relembra que no início havia apenas mais duas ou três residências próximas à sua.

UNIÃO

Quando pergunto sobre os planos para 2018, Loreni me conta que visitará o

Aquiles e Loreni: muito amor, comida boa e vila crescendo

Gilberto: um final de ano com amigos e boas conversas

sobrinho em Curitiba. “A família é bastante unida”, diz. Isso fica ainda mais claro quando a manicure com quem ela havia marcado horário chega em sua casa: Priscila Rodrigues

Maciel, 21 anos, é sobrinha de Loreni. “Eu faço pães, então ela compra eles de mim e eu faço minhas unhas com ela. Já tentei fazer com outras pessoas, mas não é a mesma coisa”, diz. O bairro, aliás, funciona muito através de trocas de serviços como esta.

AMIGOS

É em uma casa de tijolos pintada de cor de vinho

que vive Gilberto Costa, 51, junto à esposa e mais duas filhas. O local tem aparência de novo, o que ele me confirma: para livrar-se do aluguel, conseguiu um terreno na Santa Marta e não pensou duas vezes. Construiu logo a sua casa. 2017 não foi um ano fácil, visto que logo no início sofreu um acidente. O motoqueiro que o atropelou fugiu sem prestar socorro. No

corpo ele ainda carrega as marcas daquele dia: um olho vermelho e um braço com platina. Desde então, Gilberto está desempregado. Grande parte de sua família é de Palmitinho, interior do estado. Muito apegado aos familiares, ele os visita sempre que pode. Mas, para o final do ano, pretende se reunir com alguns amigos e comemorar ao lado de uma comida deliciosa e de boas conversas. Podemos dizer que o que une essas famílias é a alegria que carregam consigo. Estão muito agradecidos por tudo aquilo que a vida tem lhes proporcionado e de 2018 só esperam coisas boas. MILENA RIBOLI Jacqueline Santos


Direitos .19

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2017

Difícil acesso à cultura Jovens da Santa Marta gostariam de ter mais opções culturais

D

iversos fatores fazem com que o consumo de cultura pelos jovens da Vila Santa Marta seja limitado. A localização afastada, a marginalização da região, a violência, o difícil acesso à escola e aos centros culturais, a pouca informação. Embora existam alguns projetos de incentivo no bairro, o cenário não é dos mais animadores. E o que reforça Jéssica Fernanda Gonçalves, moradora da vila desde criança. A jovem de 26 anos é estudante universitária, cursa licenciatura em história na Feevale, é engajada em causas relacionadas à cidadania e educação e é coordenadora diocesana regional da Pastoral da Juventude. Questionada sobre o consumo de cultura na comunidade, ela diz acreditar que o tema está diretamente ligado à educação. A estudante conta que até os 24 anos tinha cursado apenas o ensino fundamental. Se casou aos 14 e teve dois filhos, Paula e Lucca. Depois de dez anos, concluiu os estudos e iniciou a faculdade com muito esforço, e isso só foi possível porque conseguiu um financiamento pelo FIES. Mas ela diz ser uma exceção, um caso raro dentro da Vila Santa Marta, onde o índice de jovens com ensino superior ou cursando uma faculdade ainda é muito baixo. Jéssica diz que a maioria dos seus colegas da escola ainda não passou da quinta série, porque era até onde iam a as turmas da escola mais próxima na época. “Para os jovens daqui, concluir o ensino médio é a grande conquista das suas vi-

Samuel

das. Entrar na faculdade é quase uma utopia. A escola aqui da vila só tem o ensino fundamental. Para terminarem o ensino médio, os jovens precisam caminhar meia hora até a escola mais próxima, ou então pagar uma passagem cara de ônibus, para a qual a maioria não tem dinheiro”, relata. Existe também um fator importante para que os jovens desistam de estudar: a violência. Segundo Jéssica, além dos perigos do caminho até a escola, na própria escola ocorrem diversos arrastões e até tiroteios. “Isso acaba desestimulando muito os alunos e, consequentemente, acontecem as desistências”, conta. E essa violência, que distância os jovens da educação, também é responsável por distanciar movimentos culturais da comunidade, como conta Jéssica. Ela diz que as iniciativas de projetos sociais e culturais na cidade são bastante centralizadas, geralmente em praças e lugares distantes, que são de difícil acesso aos jovens da Santa Marta. Cinema, bibliotecas e livrarias, museus, shows musicais - tudo isso está longe da Vila Santa Marta.

consumo

Embora a perspectiva apresentada por Jéssica seja dura, é fato que diversos projetos sociais voltados às crianças acontecem na vila. Existem iniciativas voltadas à música, esporte, sustentabilidade. A própria Pastoral da Juventude possui um projeto de arte e cidadania na paróquia, onde trabalham com oficinas de música e teatro. Mas essas iniciativas ainda são um primeiro passo do longo caminho para o cenário ideal. E nesse caminho, a escola e as políticas públicas têm

Informações que preocupam Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a integração dos direitos culturais com as demais políticas sociais é uma experiência recente no Brasil, e precisa ser aperfeiçoada. Para a Organização, esses direitos devem ser encarados como uma necessidade básica dos cidadãos, o que conduz à busca de uma agenda integrada a políticas de desenvolvimento social. Mas será que isso acontece? Desigualdades de acesso à produção cultural no Brasil: l Entretenimento: a maioria dos brasileiros frequenta cinema uma vez

no ano. Quase todos os brasileiros nunca frequentaram museus ou jamais frequentaram alguma exposição de arte. Mais de 70% dos brasileiros nunca assistiram a um espetáculo de dança, embora muitos saiam para dançar. Grande parte dos municípios não possui salas de cinema, teatro, museus e espaços culturais multiuso. l Livros e Bibliotecas: o brasileiro praticamente não tem o hábito de leitura. A maioria dos livros estão concentrados nas mãos de muito poucos. O preço médio do livro de leitura é muito elevado quando se compara com a renda do brasileiro nas classes C/D/E. Muitos municípios brasileiros não têm biblioteca, a maioria destes se localiza no Nordeste. l Acesso à Internet: uma grande porcentagem de brasileiros não possui computador em casa; destes, a maioria não tem qualquer acesso à internet (nem no trabalho, nem na escola). l Profissionais da Cultura: a metade da população ocupada na área de cultura não têm carteira assinada ou trabalha por conta própria. Fontes: Unesco, Ministério da Cultura, IBGE, IPEA

papéis determinantes. Três jovens da Vila Santa Marta foram ouvidos. Kemilly Vitória Limberger, de 12 anos é estudante. Basicamente, consome conteúdos da internet relacionados a música. Na televisão, gosta de assistir novelas com a família. Não vai ao cinema com frequência, mas sente falta de um cinema mais próximo. Nunca foi a teatros ou museus. É adepta da compra de cds em uma loja local e adora ler. Os livros, segundo conta, são encontrados na biblioteca da própria escola e os preferidos são “A culpa é das Estrelas” e as histórias de “Percy Jackson”. Vinícius Dutra da Silva, de 19 anos, terminou o ensino

Kemilly

médio e atualmente trabalha em uma fábrica de calçados. Ele diz que nunca teve o hábito de ler, nem enquanto estudava. Gosta de assistir animes (desenhos/animações japonesas). Na internet normalmente assiste vídeos sobre futebol, mas não segue nenhuma rede ou site de notícias. Também não tem o costume de ir ao cinema e nem assistir a filmes. Conta que uma vez foi ao teatro com a turma da escola e gostou muito, mas não teve oportunidade de ir outra vez desde então. Samuel de Camargo tem 22 anos e é sócio em uma empresa de chapeação de carros. O conteúdo que busca na internet geralmente é relacionado ao trabalho - vídeos de downhill

(uma modalidade radical de ciclismo), carros e motos. Vai ao cinema em alguns finais de semana com a namorada, ou assistem a filmes em casa. Quase não assiste TV, nem acessa a sites ou conteúdos de notícia. Também não é adepto a nenhum tipo de leitura. Assim como Vinícius, foi ao teatro uma vez com a turma da escola, mas não voltou a ir. Sente falta de opções culturais mais próximas da comunidade e voltadas a sua idade. Crê que se isso existisse, teria menos violência na vila.

realidade

Os relatos acima reforçam a ideia de que o acesso e o consumo de cultura e informação pelos jovens brasileiros, especialmente os que se vivem em lugares à margem da cidade, ainda é muito restrito - e isso afirma um cenário de desigualdades. Mas Jéssica acredita na possibilidade de mudança dessa realidade. Inclusive é por isso que escolheu fazer licenciatura e pretende militar para a disseminação da cultura e educação nas comunidades mais pobres, incluindo o lugar onde mora, a Vila Santa Marta. “Temos espaços aqui na vila que podem ser muito bem utilizados por toda a comunidade, mas não são bem aproveitados, por falta de apoio, de dinheiro e de iniciativas. A escola, os projetos sociais e a associação de moradores exercem um papel muito importante, mas sem termos oportunidades de educação, o consumo cultural se restringe ao que nos é oferecido - ou melhor, a falta de oferta, finaliza Jéssica. Vanessa Souza Millena Nonemacher

Jéssica


ENFOQUE SANTA MARTA

SÃO LEOPOLDO (RS)

NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2017

ENSAIO FOTOGRÁFICO

A Vila sorri PATRICIA Wisnieski

M

esmo em meio às dificuldades que retratamos com frequência, algo não passa despercebido: os sorrisos largos e o som sincero das risadas. Com a sensibilidade dos fotógrafos guardamos estes retratos e em nossa memória as lições que cada pessoa nos passou. Vida longa à Santa Marta! Maria Carolina de Melo

EDIÇÃO

6

Martina Belotto Eduarda Bitencourt

GABRIEL CHRISTOVAM

Nicole Fritzen

Mayana Serafini


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