Enfoque Santa Marta 9

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ENFOQUE SANTA MARTA

SÃO LEOPOLDO / RS MAIO/JUNHO DE 2018

EDIÇÃO

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UM SONHO REALIZADO O CLÁSSICO GRE-NAL VISTO PELA PRIMEIRA VEZ NO ESTÁDIO Páginas 16 e 17

EMERSON SANTOS

NADINE DILKIN

AMPARO ÀS FAMÍLIAS, APOIO À COMUNIDADE

CIDADANIA

Jovens participarão das eleições exercendo o direito de voto pela primeira vez Página 5

CAMILA TEMPAS

PEDRO HAMEISTER

BRUNA BERGAMO ANDRADE

NÚMEROS DO BOLSA FAMÍLIA NA VILA REVELAM REFLEXOS POSITIVOS DO BENEFÍCIO Página 3

MAPA INTERATIVO

Pôster da Santa Marta mostra os pontos destacados pelos moradores Páginas 10 e 11

ANALFABETISMO

Moradoras contam como a vida muda quando aprendem a ler e escrever Página 6


2. Editorial

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Um mapa para Santa Marta

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os dias que antecederam as primeiras saídas de campo de cada semestre, os alunos das disciplinas que dão vida ao Enfoque compartilharam de um mesmo pensamento: onde fica a Santa Marta? Durante as oito edições do Jornal, repórteres e fotógrafos percorreram algumas ruas que não constavam nos mapas de forma oficial. Nas buscas na internet, a vila não está indicada com seu nome. Para quem

não conhece o lugar, a localização se torna difícil. Esta preocupação transformou-se em um projeto que exigiu uma pesquisa intensa e semanais de preparação. O resultado pode ser visto nas páginas centrais desta edição do Enfoque, no formato de um pôster. É como um presente para uma comunidade que abriu as portas das suas casas para que suas histórias, dificuldades e esperanças fossem contadas. A Santa Marta final-

mente está no mapa! Essa é uma das tantas coisas que o Enfoque pôde fazer pela vila, assunto que também ser ávisto nesta edição. Fizemos bastante, mas sem dúvidas, a Santa Marta fez muito mais por nós, como alunos e como pessoas cidadãs. Retribuímos da maneira que mais nos dá prazer: escrevendo e retratando os sonhos e anseios dessa população. E nesta nona edição, mais um sonho virou realidade. Foi

Dona Clair e seu filho Gabriel que deixaram a amada vila por um dia para realizá-lo. Histórias como a dela poderão ser lidas e eternizadas nas páginas que seguem. Além de dar voz à comunidade, levar informação às pessoas é o nosso Enfoque, e desta vez não será diferente. Os direitos da população estarão em destaque e poderão ser conferidos em duas reportagens. Orientações úteis à saúde da comunidade, pre-

venção, cidadania e diversos assuntos de interesse também estão estampados nas páginas do nosso jornal. “Nosso”, pois ele é produzido por nós e por vocês. A Santa Marta agora sintetizada em um mapa segue ativa e esperançosa. Nossa tarefa é reproduzir os anseios da comunidade em cada uma destas folhas desejamos ter conseguido tanto. JÉSSICA SANTOS AMANDA WOLFF

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Santa Mar ta é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Santa Mar ta, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, são publicadas três edições por semestre e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo. Edelberto Behs (Coordenador do Curso de Jornalismo): (51) 3591.1122, ramal 1354 / edelbertob@unisinos.br Pedro Luiz S. Osório (professor responsável): posorio@unisinos.br

EDIÇÃO E REPORTAGEM —

Disciplina: Jornalismo Cidadão. Orientação: Pedro Luiz S. Osório. Edição de textos: Andressa Puliesi, Bruna Bertoldi, Jéssica Santos, Jessica Trajano e Stefany Rocha. Edição de fotos: Tainah Gil. Reportagem: Amanda Mendonça Moura, Andressa Puliesi, Bruna Bertoldi, Caroline Tidra, Helen Appelt, Isaías Rheinheimer, Jéssica Santos, Jessica Trajano, João Rosa, Júlio Hanauer, Kellen Dalbosco, Lucas Weber, Mainara Torcheto, Mariana Artioli, Paola Guimarães, Stefany Rocha, Tainah Gil e Vitorya Paulo. FOTOGRAFIA — Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Amanda Wolff, Arthur Schneider, Audrey Scheffer, Bruna Lago, Camila Tempas, Cristiano Junior, Emerson Santos, Fabrício Santos, Fred Wichrowski, Giordano Foppa, Karolina Bley, Ketlin de Siqueira, Kévin Sganzerla, Laura Blos, Letícia da Costa, Lianna Kunst, Lucieli Faedo, Matheus Klassmann, Nadine Dilkin, Pedro Hameister, Renan Barão, Renata Garcia, Sara La Roque, Sara Nedel, Thariany Mendelski e Vitória Hnszel. ARTE — Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. Diagramação: Nathalia Haubert. IMPRESSÃO — Realização: Gráfica UMA / Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente dos Cursos de Graduação: Paula Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.


Direitos .3

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Bolsa Família: um raio-x da realidade no bairro Os números e as histórias de quem recebe, deixou de receber ou não recebe, mas necessitaria do benefício

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ona Ana, beneficiária do Bolsa Família, não tem vergonha de contar a luta que enfrenta todos os meses para levar a vida com dignidade. A tranquilidade com que vive atualmente conheceu uma realidade diferente em um passado bastante recente. Hoje, o único armário da cozinha, apesar de quebrado, está cheio e as panelas sobre o fogão mostram que o almoço está garantido. Mas ontem as condições não eram as mesmas na casa da costureira que vive de bicos. Ela foi uma das cerca de 600 pessoas, das quase sete mil que recebem o benefício em São Leopoldo, que teve o auxílio cortado pelo Governo Federal. Entre outubro de 2017 e janeiro de 2018, ela, o marido Jaulício, 56 anos, e o filho Gilson, 19, todos desempregados, passaram por momentos de extrema necessidade. Em dezembro, o recebimento de uma cesta básica salvou a refeição de Natal da família. “Me vi louca”, declarou, ao lembrar do período “de tortura”. As refeições de hoje se devem à regularização do pagamento do benefício, em fevereiro, após um reexame feito pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras). Para voltar a receber o Bolsa Família, Ana Inês Siduoski precisou comprovar a carência, situação em que se encontra há cinco anos, desde quando ficou desempregada. A família tem uma renda mensal média de R$ 400, valor que dona Ana consegue obter costurando. Não fossem os R$ 209 recebidos do governo, a renda per capita da família seria de R$ 133. “Com o benefício, nossa condição melhora um pouco, até porque ninguém quer dar emprego para gente da minha idade”, observa. Sem considerar o programa, a família da costureira se insere na lista de pessoas que vivem em condição de pobreza. A renda per capita da família está pouca coisa acima do limite que passa à classificação de extrema pobreza e onde estão 2.850 famílias leopoldenses beneficiadas pelo programa,

Ana está feliz com o cartão do Bolsa Família, depois de um período em que o benefício foi cancelado

conforme relatório do Ministério do Desenvolvimento Social. “Receber o benefício é essencial para mim. Conto os dias para ir sacar o benefício e pagar minhas continhas e comprar coisas para dentro de casa. Me angustia ver os armários vazios”, conta.

EM NÚMEROS

Das 6.876 famílias beneficiadas pelo Bolsa Família em São Leopoldo, algo que representa 8,11% da população, 217 moram na Santa Marta. O total de integrantes destas famílias beneficiárias são 709 pessoas, sendo 387 crianças e adolescentes, de 0 a 17 anos. Logo, a média de membros por família gira em torno de 3,2 pessoas. Isso mostra como as famílias não são numerosas, contrariando o senso comum. Todos os números relativos à Santa Marta são do mês de maio deste ano e se referem a um levantamento inédito realizado pelo Departamento do Cadastro Único dos Programas Sociais para o Enfoque. Isso porque o controle não existe de forma tão específica. O município procura fazer a identificação da realidade das vilas, mas, para a regionalização dos dados, são utilizados os bairros oficiais. No caso da Santa Marta, o bairro oficial é o Arroio da Manteiga, onde 813 famílias recebem o benefício.

“Muitas ruas se estendem ção de uma estatística confipor mais de uma localidade, ável. Isso se deve à “gangoro que torna esta regionali- ra dos números”, que passa zação um tanto complexa, pela rotatividade de pessoas também devido à quantidade beneficiadas, que entram e de cadastros”, explica o coor- saem, e, predominantemendenador do Cadastro Único te, pela falta de atualização e gestor do Programa Bolsa cadastral. Um exemplo é o Família no município, Grégo- caso da dona de casa Miriele ri de Moraes Soranso. Soares Alves, 23 anos. Com base nos relatórios Desempregada e mãe de do Ministério de Desenvolvi- dois filhos, ela recebeu o Bolmento Social, no mês de abril, sa Família entre setembro de foram destinados aos morado- 2017 e janeiro deste ano. O res da vila mais de R$ 34 mil. benefício não era muito: R$ Ou seja, o be78 mensais, nefício médio mas esse varepassado para Na Santa Marta, lor ela consicada família é 217 famílias derava deterde R$ 168,62. minante para No municí- recebem o poder oferecer pio, o mon- Bolsa Família, um pouco de tante é de: R$ conforto aos 1.159.418,00. totalizando 709 filhos. “ComC o n f o r m e pessoas, sendo 387 prava fraldas, estudo reaalgumas roulizado pelo são crianças pas e calçados Instituto de e adolescentes em promoção. Pesquisa EcoIsso fazia toda nômica Aplia diferencada (IPEA), a cada R$ 1,00 ça no dia a dia deles e, clatransferido às famílias do ro, no meu”, lembra. programa, o Produto Interno Em janeiro, o depósito Bruto (PIB) municipal tem um do benefício foi bloqueado acréscimo de R$ 1,78. sem qualquer tipo de aviso prévio. Miriele recebeu uma OS OPOSTOS carta dizendo que precisava, A evolução dos números assim como dona Ana, ir até de beneficiados pelo progra- o Cras para atualizar o cadasma, segundo explica o gestor tro. Embora desempregada, do Bolsa Família em São Le- a distância e o valor não a opoldo, não é um dado que fizeram correr atrás da rese sustenta para a elabora- gularização do cadastro. Ela

desistiu e se tornou mais uma ex-beneficiada que contribui para os altos e baixos do Bolsa Família no município. Outra realidade é aquela de famílias que visivelmente necessitam algum tipo de apoio e não recebem nada. É onde se encaixa Maria Vieira, 65 anos. Desempregada desde o mês passado, a recicladora tem dificuldades para administrar a casa somente com a pensão recebida pelo marido desde que se acidentou no trabalho. Além dela e do marido, Maria toma conta de dois netos adolescentes. “Como vou dar conta das coisas se ninguém olha por mim? A vida está difícil”, refletiu. A idosa recorda que até já recebeu o Bolsa Família, mas isso aconteceu há seis anos e durante um período de apenas 12 meses. Depois, nunca mais tomou conhecimento do assunto ou foi procurada por assistentes sociais. Talvez, especula, por ter trabalhado na usina de reciclagem do bairro, que fechou no mês passado. De todo modo, com a aposentadoria próxima, Maria abre mão de qualquer eventual benefício. Afinal, segundo a própria, é a esperança que lhe resta e a razão pela qual conta os dias. ISAÍAS RHEINHEIMER EMERSON SANTOS


4. Direitos

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Mãos à obra, na própria obra O direito à moradia digna é lei, mas a necessidade faz moradores construírem suas próprias casas

Tijolos, areia, cimento e conhecimento adquirido: receita para erguer a própria casa

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olocar as mãos na massa e erguer as paredes da própria casa é uma realidade na vila Santa Marta e em tantas outras comunidades. Aqueles que têm conhecimento adquirido ao longo da vida, seja com ensinamentos de parentes ou aprendizado em serviços da construção civil, compram os materiais, medem os espaços e dão vida às obras. É assim que Valmir Antônio Cardoso, 43 anos, está construindo seu lar de dois andares, na rua Treze, onde vive com seus quatro filhos e esposa, Maria Júlia dos Santos Barbosa Cardoso, 28 anos, desde 2011. Desejando parar de pagar aluguel na Vicentina, bairro em que morava, a família foi para o terreno atual, numa precária residência de madeira já existente. Após desmanchá-la, Valmir construiu uma casa de compensado. Como o ASSISTÊNCIA É DIREITO material é frágil, começou a Algo que poucos sabem é ceder e rachar com as chuvas, que existe legislação promovenresultando em alagamentos do o direito à moradia das fafrequentes. “Quando chovia, mílias com renda de até três saa gente ficava acordado de lários mínimos. Sancionada em noite com medo de acontecer 2008, a Lei Federal de número algo”, conta Maria Júlia, sobre 11.888, da Assistência Técnica a preocupação com as crianças em Habitação de Interesse Soque dormiam. Porém, mesmo cial precisa de regulamentação que a água invadisse a mora- e plano de ação nos municípios. da, a família não se mudou. Ela garante assistência gratuita “É melhor morar numa casa de engenheiros e arquitetos a que chova dentro do que pagar quem quer construir sua próaluguel”, acredita o pai. pria casa, desde o projeto até a Felizmente, hoje, a histó- reforma. Entretanto, mais de ria da família é 85% dos brasioutra. O salário leiros constrode diarista de em seus lares Aos poucos, a Maria Júlia e o sem auxílio de auxílio-doen- família nenhum profisça de Valmir de Valmir vai sional, segundo pagam, aos dados de 2015, poucos, o ne- conseguindo levantados pelo cessário para construir a casa Conselho de tocar a obra, Arquitetura e que já dura própria e o sonho Urbanismo do mais de dois da morada digna Brasil (CAU/ anos. “Graças B R ) . a Deus, a genAtualmente não deve nada a ninguém. te, em São Leopoldo, não há Quando tem dinheiro, com- projetos com esse foco em pramos os tijolos e o cimento”, processo de implementação. afirma o pai, que ainda con- “A prefeitura não tem recursos ta com a ajuda do cunhado, para a construção da unidade Claudiomar Farias Borges, na habitacional”, afirma a chefe empreitada. O simpático ra- do setor de Relações Comunipaz de 27 anos já trabalhou de tárias da Secretaria Municipal carteira assinada com constru- de Habitação, Jacinara da Rosa. ção civil, auxiliando na cria- Porém, de acordo com Jacinara, ção das casas do programa o município estuda desenvolver Minha Casa Minha Vida, no um convênio com o Instituto bairro Vicentina. “Fui olhando de Arquitetos do Rio Grande e aprendendo”, conta. do Sul (IAB/RS) para dar assis-

tência às famílias da ocupação Cerâmica Anita, na Vicentina. No bairro, já está sendo desenvolvido projeto de inclusão urbana, em parceria com a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), para reassentamento e regularização das famílias que moram lá. Para a professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unisinos Patrícia Freitas Nerbas, a autoconstrução pode ser segura se assistida e realizada por pessoas com competências adequadas à tarefa. Porém, atestar esse conhecimento não é algo simples. “O indicado sempre é ter o acompanhamento de um profissional responsável”, explica

a arquiteta e urbanista. Patrícia também aborda as questões de prevenção e de custo-benefício para as famílias. “A assistência técnica gratuita é uma oportunidade em que todo brasileiro possa ter acesso a um respaldo técnico interessante para os resultados que se pretende, tendo em vista essa relação de custo-benefício”. Como exemplo, a professora cita o planejamento correto de saneamento básico nos bairros e municípios, como forma de prevenção a doenças. “Quanto que nós investimos nisso para economizar na saúde?”, questiona, referindo-se aos recursos que poderiam ser destinados à área.

Além desses pontos, Patrícia observa que o conforto nas casas também pode ser otimizado no projeto elaborado por profissionais da área.“Podemos investir em algumas estratégias de ventilação, orientação solar, que não tem custo agregado mas, sim, um simples planejamento da edificação”, explica a professora. Ela destaca, ainda, a economia que esses pequenos detalhes podem promover às famílias como, por exemplo, na luz elétrica, pois aparelhos eletrodomésticos para refrescar o ambiente não seriam tão necessários. VITORYA PAULO BRUNA LAGO


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Política .5

Protagonismo jovem nas urnas Jovens cidadãos da Santa Marta se preparam para ir às urnas e ajudar a decidir o futuro do país

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m outubro, cerca de dois milhões de jovens, entre 16 e 17 anos, depositarão seus anseios e esperanças nas urnas eletrônicas pelo Brasil afora. Micael Duarte e William Felipe Siqueira, ambos com 16 anos, fazem parte da população mais jovem que reivindica para si o protagonismo eleitoral. E apesar de o voto só se tornar obrigatório a partir dos 18 anos, os jovens eleitores da Santa Marta reagem à crise política nacional e desejam mudar o país através de seu voto. Na sala de casa, Seu Carlos e o sobrinho Micael discutem sobre suas posições políticas. De um lado, o jovem eleitor expõe suas ideias sobre política; do outro, o tio trava uma discussão impondo seu ponto de vista. Em comum, os dois se juntarão aos mais de 146 milhões de brasileiros que escolherão o futuro presidente do país. O que lhes assegura o direito ao voto, e a participação na política do Brasil é o título de eleitor que o jovem ostenta nas mãos. “Essa escolha que irei fazer pode mudar a situação do país para melhor ou para pior”, acredita Micael, que afirma pesquisar sobre o passado dos candidatos antes de Willian decidiu decidir o seu voto. Ele fala esperar até os 18 sobre corrupção, Congresso anos para ir às urnas, Nacional e situação política quando o voto for atual com a propriedade de obrigatório quem vê refletido, no seu dia a dia, o descaso do alto escalão da política nacional. “Se Brasília não consegue administrar o dinheiro lá, começa a faltar aqui”, fala. William é outro exemplo do interesse jovem nas questões políticas nacionais. Anunciado pela mãe, Dona Darli, com o mais engajado politicamente de seus três filhos, ele é quem mantém a família informada sobre os assuntos em pauta na política. “Ele completou 16 anos no dia 29 e na semana seguinte já foi tirar o título”, conta a mãe, lembrando a ansiedade do jovem. Ele conta que o motivo de tamanho nervosismo para ir às urnas é pelo fato de que irá “escolher um futuro melhor para os jovens”.

MINHA ESCOLHA

Micael e William são geradores de debates em seus círculos de convivência. Em comum, os jovens carregam o sentimento de indignação com a situação política do país. Eles levam, junto ao título de eleitor, uma ponta a expectativa da mudança e pretendem fazer a diferença nas urnas. Para isso, precisam exercitar sua cidadania através do poder de escolha. E, neste quesito, eles se dizem bem resolvidos. William não hesita ao anunciar sua escolha para candidato à Presidência da República. Ele defende políticas populares e, por isso, afirma que, caso a candidatura

Cerca de 146 milhões de brasileiros que irão às urnas no mês de outubro do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) seja possível, contará com o seu voto. “Ele foi um bom presidente. Ajudou muito as pessoas”. Mas o jovem possui também uma segunda opção de voto. Se não for em Lula, será na pré-candidata Manuela D’Ávila (PCdoB): “Vai ser na Manuela. Conheço ela já, gosto bastante dela”. Do outro lado, Micael concorda com as soluções de William mantém segurança pública oferecidas a família sempre informada quanto aos pelo pré-candidato Jair Bolassuntos de política sonaro (PSL), como armar o cidadão, e aposta na eleição do então deputado federal. “Eu vou de Bolsonaro, por questões da segurança mesmo”, conta. O jovem reconhece a ajuda dada pelo governo do ex-presidente Lula, como no caso de seus próprios tios, mas defende que Bolsonaro também tenha a sua chance de governar. Para Willian Gabriel Hartmann Machado, 16 anos, nem Lula, Bolsonaro ou Manuela são opções. Ele faz parte da parcela de jovens que escolheu não votar. “Eu considero importante, mas ainda não tenho interesse”, revela. Optou por esperar para as próximas eleições, quando sua participação será obrigatória. Como justificativa, afirma que os pré-candidatos apresentados até o momento não configuram boas opções de voto. Além do mais, em 2020, serão os cargos locais, para prefeito e vereador que estarão em votação, e o jovem diz serem mais fáceis de escolher.

LOGIN NA POLÍTICA

O que os três jovens carregam em comum é o modo como se mantêm informados sobre política. Citada por todos, a internet é a principal fonte de obtenção de informações pelos jovens. Não por acaso, uma pesquisa do Instituto Reuters, da Micael faz parte Universidade de Oxford, na dos 1,33% dos Inglaterra, revelou, em 2016, eleitores brasileiros que 91% dos brasileiros se com idade entre 16 informam pela rede. A televie 17 anos são, ainda segundo o estudo, detém 79% da audiência nacional. William Felipe Siqueira afirma acompanhar a agenda política pela televisão e pelos jornais impressos, mas a mãe logo intervém, afirmando que, mesmo assim, o filho “não desgruda do celular”. Micael diz que, além da internet, meio que utiliza para pesquisar sobre os possíveis candidatos, a escola é geradora de debates sobre o tema. Willian Machado fala que além da rede, obtém informações através da televisão. KELLEN DALBOSCO PEDRO HAMEISTER


6. Educação

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Do analfabetismo ao ensino na Vila Mais de 12 milhões de brasileiros são analfabetos e a maioria destas pessoas tem mais de 60 anos

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or não saber ler nem escrever, Marlene mora com o filho que fica encarregado de deixar todos os remédios separados para a mãe. E, para se locomover, ela sabe somente pegar o ônibus na Santa Marta e ir até o banco Banrisul - devido à cor e ao modelo do ônibus e, por ter gravado que, próximo ao banco, há um mercado grande. Então, quando passa em frente ao mercado, sabe que na próxima parada deve descer -, fora isso, ela depende de outras pessoas para se locomover e assinar documentos. Marlene Ribeiro, 69 anos, aposentada e natural de Alegrete, é moradora da vila há oito meses. Veio de Bagé para ficar mais próxima dos filhos e contar com a ajuda deles, pois é diabética e necessita usar diversos medicamentos. A aposentada sabe apenas assinar o nome e fazer contas de mais e menos. Ela representa a grande maioria dos analfabetos que têm mais de 60 anos. Existem diversos tipos de analfabetos, entre eles o total e o funcional. Pessoas que não sabem ler nem escrever são classificados como analfabetos totais. Quem conhece letras, números e escreve até mesmo algumas palavras é “funcional” ou semianalfabeto. Hoje, mais de 7% da população - 12 milhões - é analfabeta, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016. Segunda filha de um total de 12 irmãos, ela não pôde frequentar a escola quando pequena, pois morava no interior do município e precisava auxiliar os pais. “A escola ficava longe e eu precisava ajudar em casa a cuidar do gado e da roça”, comentou. Os seus pais eram analfabetos e Marlene e a irmã mais velha só sabem escrever o nome. Mãe de seis filhos, quatro ainda vivos, ela aprendeu a escrever o nome com a ajuda deles. Como todos estudaram, puderam auxiliar a mãe a conhecer as letras e assinar o seu nome. Já com os números foi mais fácil, a

Marlene só sabe assinar o nome e fazer contas

aposentada aprendeu sozi- eram brasileiros, a paraguaia nha a fazer contas. “Enquan- veio para a cidade, quando to você faz uma conta aí, a tinha 12 anos. No Paraguai minha já está pronta aqui ela estudou até a 8ª série na minha cabeça. Dinheiro hoje, 9º ano - contudo, quando eu conheço e ninguém me chegou ao Brasil não sabia passa a perna”, brinca. ler, escrever e falar português. Marlene comenta que Em 2006, Maricler iniciou na sempre quis aprender a ler e a EMEF Santa Marta na Educaescrever, mas quando era mais ção de Jovens e Adultos (EJA), nova não pode, primeiro por formando-se em 2008. ter que ajuEla procudar seus pais rou a escola e depois por- Mais de 7% da para se aperque foi mãe feiçoar e ter muito nova. população brasileira um emprego “Aos 13 anos é analfabeta e sofre melhor. “Coeu já estava mecei a estucasada e tinha na realização de dar, porque a minha pri- atividades eu queria ser meira filha”, alguém na conta. Ela vida”, desnão sabia que na escola de taca. Para Maricler, ainda ensino fundamental da vila falta completar o 3ª ano do havia EJA. “Eu vou me in- ensino médio, mas a formaformar, vocês vão ver, eu ção no ensino fundamental vou voltar a estudar”, disse já lhe possibilitou fazer um animada à repórter. curso de cabeleireira - profissão de que mais gosta -, PARA SER ALGUÉM além de ser cabeleireira é Maricler de Moura, de 38 vendedora de morangos em anos, nasceu no Paraguai, mas sinaleiras e faxineira. como a avó materna morava Sua maior dificuldade na em São Leopoldo e os pais alfabetização foram as pala-

vras que contêm dois “r” ou dois “s”. “Muitas vezes, acabo comendo algumas letras e palavras, pois no espanhol não há letras repetidas”, pontua. A cabeleireira se alegra ao contar que seu filho mais velho, de 19 anos, voltou a estudar e está terminando o último ano do ensino fundamental. Para ela, aprender a ler e a escrever facilitou muito o dia a dia. Depois de formada na escola Santa Marta, Maricler também conseguiu fazer a carteira de habilitação. Na família, é a única formada no ensino básico aqui no Brasil; os pais são analfabetos e o irmão foi alfabetizado apenas em espanhol.

EJA NA COMUNIDADE

Conforme a diretora da EMEF Santa Marta, Márcia Daiane Kehl de Souza, e a equipe de supervisão da Educação de Jovens e Adultos, a modalidade de ensino iniciou em 2006, na instituição. A escola tem 131 alunos matriculados na EJA, neste 1º semestre de 2018, com média de idade entre 15 e 65

anos. A grande parte já sabe escrever os seus nomes ou juntar palavras - conhecidos como semianalfabetos. Por enquanto, a escola recebeu somente um ou dois alunos analfabetos totais. A coordenação ainda contextualiza que a maioria dos que procuram a EJA são jovens que abandonaram os estudos ou não foram alfabetizados na idade certa. Há também estudantes adultos (acima de 30 anos) que não tiveram acesso à escola quando crianças. Conforme a direção da Santa Marta a procura sempre foi grande, mas desde 2016, quando a EJA passou a ser semestral, cresceu a busca por vagas. Além disso, aumentou a permanência dos alunos, pois quando era anual, muitos acabavam desistindo devido ao cansaço - por trabalhar e estudar. Também cresceu a busca por vagas pelos adultos, pois de 2006 a 1016 eram somente jovens que procuravam o ensino. BRUNA BERTOLDI CAMILA TEMPAS


Comunidade .7

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A realidade de quem vive na extrema pobreza Mesmo com as dificuldades, casal mantém a felicidade como aliada na sobrevivência

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omo seria se você ganhasse somente R$ 2,58 por dia? Dezenas de famílias que moram na Vila Santa Marta estão enquadradas neste perfil e batalham por uma vida digna. Pequenas construções em madeira de dois ou três cômodos abrigam esses brasileiros. As dificuldades fazem com que esses cidadãos adotem uma rotina de sobrevivência. Conversamos, em um banco, debaixo da sombra das pequenas árvores, com Fátima Maria Ramos, beneficiária do Bolsa Família, e José Cláudio Vieira, catador de resíduos recicláveis. Juntos, ganham R$ 155,00 mensais do programa social do Governo Federal para sobreviverem. A casa deles fica ao lado de uma estreita rua de terra, numa área invadida. Segundo eles, juntaram o que tinham e compraram o terreno com uma casinha de madeira. Quarto, cozinha e banheiro são os cômodos da residência. Há, também, um galinheiro e um galpão para depósito, onde fica o fogão a lenha utilizado para cozinhar.

Fátima se emociona ao falar do filho que faleceu há dois anos

SEM TRISTEZA

Durante um longo tempo, Fátima trabalhou com carteira assinada em restaurantes e fez faxinas, ganhando um salário suficiente para pagar o aluguel e despesas habituais. “Era bem melhor quando tinha serviço. Agora, chego para oferecer faxina e não consigo, porque desconfiam da gen-

Sempre somos os últimos da fila. Quem tem dinheiro é o primeiro, quem não tem é o último” José Cláudio Vieira Catador

Pobres no Brasil Em 2017, o Brasil tinha mais de 50 milhões de pessoas na categoria da pobreza, da qual fazem parte famílias que ganham menos de R$ 387,07 por mês. Os números foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no final do ano passado. Mesmo com o menor índice de pobreza, a região Sul do país abriga 12,3% da população nessas condições. Não existe um levantamento específico do número de pessoas que vivem abaixo da linha da po-

breza na Vila Santa Marta. Segundo a secretaria de Desenvolvimento Social de São Leopoldo, os dados são calculados a partir do cadastro de todas as comunidades do bairro Arroio da Manteiga. Portanto, destacamos os principais dados da pobreza no bairro em que a Santa Marta se inclui, analisando o Diagnóstico Socioterritorial, disponibilizado no site da prefeitura. A renda média familiar mensal total do público com cadastro atualizado no Cadastro Único por

te”, revela. José Cláudio cata garrafas pets, latas, papelão e jornal para vender na cooperativa de reciclagem da Santa Marta. “Eu tento ganhar um dinheiro extra com os materiais Casal recebe R$ 155,00 do que encontro na Bolsa Família e conta rua”, afirma. Pocom doações para rém, tem vezes sobreviver que o catador demora para conseguir montar uma carga que seja comprada pela cooperativa. Parte da comida que vai à mesa vem por meio da ajuda da Cáritas, entidade ligada à Igreja Católica, responsável pela atuação social na defesa dos direitos humanos, da segurança alimentar e do desenvolvimento sustentável solidário. “Aqui o pessoal sempre ajuda, principalmente os mercados que dão pão para nós”, diz a dona de casa. A solidariedade é comum na vida do humilde casal. Agasalhos sempre são bem-vindos no guarda-roupa da família. Dona Fátima afirma: “Ganhamos doações de vizinhos e nos vestimos com o que achamos na rua”. Mesmo vivendo em condições de poucas oportunidades, ela procura cuidar da saúde e se informar sobre assuntos relacionados. Isso é feito no posto de saúde da Campestre, comunidade vizinha. Lá são realizados exames de sangue e outros atendimentos. “São muito atenciosos comigo no posto da outra vila. Aqui na Santa Marta parece que a gente vive no fim do mundo, porque não temos atendimento e um lugar bom para isso”, reclama. A gratidão é reforçada a todo o momento pelos companheiros, mas não negam que são excluídos da sociedade. “Sempre somos os últimos da fila. Quem tem dinheiro é o primeiro, quem não tem é o último”, desabafa Vieira, bairros, que residem na região reemocionado. Nos olhares de ferida, é de R$ 629,00. Já a renda sofrimento percebe-se a rotina média por pessoa é de R$ 200,00, difícil, mas não deixam que bem acima do que ganham Fátima isso os abale. “Esperança nós e José Cláudio. A renda individual temos. Lutamos e vivemos com dos dois não chega aos R$ 80,00 o que temos”, diz José. As palapor mês. As residências do bairro vras são reforçadas pela comsão construídas da seguinte forma: panheira: “Eu tenho ele e não madeira aparelhada (15%), madeira fico sozinha. Sou feliz da maaproveitada (25%), alvenaria/tijolo neira que vivo e a tristeza não sem revestimento (20%), alvenaria/ cabe dentro da gente”. tijolo com revestimento (30%). A

casa do casal entrevistado se enquadra no segundo tipo citado.

JÚLIO HANAUER LIANNA KUNST


8. Trabalho

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Cadê a cooperativa? Desde o encerramento das atividades, trabalhadores da Cooperesíduos não sabem se continuarão com a reciclagem

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13h às 17h30, de segunda a sábado. Apesar das atividades nunca terem sido suspensas, já haviam parado algumas vezes, devido a problemas na esteira utilizada para a separação dos materiais. Segundo Maria, a manutenção dos equipamentos era feita pelos próprios integrantes. “Se estragava alguma coisa, a gente tinha que arrumar”, relata. Presente desde o início da Cooperesíduos, Eloni Lorena, “Belinha” como é conhecida na comunidade, é a líder e coordenadora da cooperativa. De acordo com ela, o MPT mandou bloquear o espaço por causa da falta de Equipamento de proteção individual (EPI). Expostos a riscos à saúde, os trabalhadores foram impedidos de continuar o serviço.

o mês de abril, 70 integrantes da Cooperativa de Catadores de Resíduos e Prestação de Serviços de São Leopoldo Ltda. (Cooperesíduos) ficaram sem trabalho e em dúvidas quanto ao futuro. A triagem de resíduos sólidos realizada no Aterro Sanitário Municipal foi paralisada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) da cidade até que a organização implemente adequações nos serviços. Quase um mês depois da decisão, os associados têm planos para recomeçar do zero em um novo ambiente de trabalho. Associada à cooperativa O QUE DIZ A há 15 anos, Maria Vieira foi PREFEITURA pega de surpresa quando as Em nota publicada no Faportas do local foram tran- cebook, a Prefeitura de São cadas. Maria tem 65 anos Leopoldo informa que foi e, para ela, praticamente notificada pela 3ª Vara do não há outra possibilida- Trabalho da cidade para imde de emprego, pela idade plantar adequações nos serque tem. “Naquele dia, nós viços de triagem de resíduos trabalhamos até às 12h. sólidos. Segundo Rodrigo Depois disMachado, so, fizemos assessor da uma reunião O serviço que Superintene fomos indência de prestamos é formados Co m u n i c a d e q u e a s importante, porque ção (SCOM) atividades da Prefeitua l i s e r i a m rende o nosso ra, a Coopeencerradas. emprego, o nosso resíduos não Quando fefoi fechada salário e o nosso chou, eu de forma m e a p a vo - pão de cada dia” definitiva, rei”, conta. mas impediS e g u n d o Eloni Lorena da pelo MPT ela, a pro- Coordenadora da Cooperesíduos de continuar dução nunas atividaca parou por tanto tem- des. “A cooperativa precipo como desta vez. sa se ajustar às normas da Enquanto trabalhavam legislação trabalhista que lá, os sócios realizavam um determinam o uso de equiturno das 7h às 11h e das pamentos necessários para

Normas que devem ser obedecidas NR-12: Define referências técnicas, princípios fundamentais e medidas de proteção para garantir a saúde e a integridade física dos trabalhadores e estabelece requisitos mínimos para a prevenção de acidentes e doenças do trabalho nas fases de projeto e de utilização de máquinas e equipamentos de todos os tipos. NR- 17: Visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. NR- 24: Entende-se que A empresa deve buscar a redução da geração de resíduos por meio da adoção das melhores práticas tecnológicas e organizacionais disponíveis. Fonte: Guia Trabalhista

Eloni pretende retomar as atividades com os colegas em breve

Maria quer continuar trabalhando na cooperativa até se aposentar que se encontram desempregados, pela dificuldade de conseguir trabalho. “O serviço que prestamos é importante, porque rende o nosso emprego, o nosso salário e o nosso pão de cada dia”, ressalta Eloni.

NO AGUARDO

a segurança e saúde dos trabalhadores”, afirma. A ação do MPT determina à organização a necessidade de seguir as Normas Técnicas Regulamentadoras (veja box). Além disso, a Justiça constatou que a cooperativa não possui programas de saúde e prevenção de riscos ambientais, e não oferece conforto para a eficiência no desempenho das atividades dos cooperados.

INFLUÊNCIA DA COOPERATIVA

Em 2002, a Cooperesíduos assumiu a usina de reciclagem da cidade de São Leopoldo. Desde então, o

número de integrantes foi crescendo na medida em que os catadores de lixo começaram a se associar à organização. A mesma recebe a coleta orgânica dos mais de 229 mil habitantes do município. Logo após o recebimento, são separados os materiais orgânicos dos inorgânicos, em um processo mais difícil do que é feito com a coleta seletiva. Para a vila Santa Marta, o projeto de reciclagem é significativo porque dá a oportunidade de melhoria de vida aos seus membros e garante renda para o próprio sustento. Além disso, dá trabalho aos moradores

Os trabalhadores da Cooperesíduos estão esperando por informações sobre o que ocorrerá daqui para frente. Segundo Maria, em reunião com os colegas, foi decidido que uma outra cooperativa deve ser iniciada. Dessa vez, com os equipamentos necessários. Um novo presidente foi escolhido em votação. A expectativa é que, dentro de um ou dois meses, ela e os demais continuarão as tarefas em outro local, que ainda será definido. “Eu acho que agora se Deus quiser vai dar certo. Daí nós vamos voltar a trabalhar”, disse. Belinha deseja retomar as atividades na cooperativa em breve, pois muitos colegas estão passando por dificuldades para se sustentar. Ela tem expectativa e esperança de um novo momento na vida de todos. “Já até escolhemos um nome para a nossa nova instituição. Será Renascer, de renascer das cinzas”, conclui ela. TAINAH GIL SARA LA ROQUE


Segurança .9

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Secretário municipal visita a vila e pede participação No mês de abril, a comunidade teve a oportunidade de cobrar da Prefeitura as demandas da Vila

com poucos espaços públicos, que, com mais segurança, podem ser ocupados para lazer pelas famílias. “Queremos que a comunidade ocupe os espaços para que o vandalisfalta de calçamento, de sanea- mo não tome conta. Lutamos muito mento básico, de manutenção para criar a sede, precisamos usar e das vias e a pouca atenção na cuidar”, relata Dilce, que costuma saúde e segurança são problemaspara tomar chimarrão com as famílias os quais os moradores da Vila Santa no local em finais de tarde. Marta esperam há muito tempo por O secretário de segurança pública, providências do governo municipal. Carlos Sant’ana, propôs a criação de No dia 17 de abril, a Associação de um Conselho de Segurança comuniMoradores recebeu a vista da Se- tário, com intuito que a Santa Marta cretaria de Segurança trabalhe junto com a Pública e Defesa Coadministração e Câmamunitária (SEMUSP). ra de Vereadores para a Queremos Foi a primeira visita aprovação de projetos que a de um órgão mude segurança de forma nicipal com intuito comunidade ocupe contínua. De acordo de ouvir as demancom Dilce, o conselho das da comunidade. os espaços para poderá se reunir com o Conforme a presi- que o vandalismo poder público para dedente da Associação de bater melhorias e criar Moradores, Dilce Maria não tome conta” projetos que se perpeda Rosa, o convite para Dilce Maria da Rosa tuem independentea reunião partiu de um Presidente da Associação mente de governos. “A encontro com o Con- dos Moradores Prefeitura quer criar selho de Desenvolvium elo com a comunimento da Comunidade dade e promover polí(CDC – São Leopoldo). Na ocasião, ticas sociais que cuidem da juventude a SEMUSP fez um pedido exclusivo e das crianças”, explica Dilce. de agenda com a Vila Santa Marta. O vice-presidente da associação, Durante a reunião, que ocorreu na Paulo Cesár Prestes, acompanhou Associação, alguns moradores apre- a visita da Segurança no bairro. “O sentaram reivindicações da comuni- secretário foi sincero falar a verdade, como o enfrentamento do tráfico dade e expressar os problemas da e do vandalismo, além de ideias de segurança no município, deixou como mudar essa realidade. claro que não tem condições de faDilce Maria solicitou que a ron- zer muitas coisas”, conta Prestes. da da Guarda Municipal fosse mais Segundo ele, somente o trabalho presente. Segundo ela, a Vila conta de ronda da Guarda Municipal no

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A reunião com o secretário Sant’ana ocorreu na Associação de Moradores da Santa Marta

Santos vê melhorias mas conta com o apoio da prefeitura bairro contribuirá para afastar o vandalismo e manter em ordem os espaços de comum acesso. Morador da Santa Marta há mais de dez anos, Valdair Santos também participou da reunião com o órgão municipal. Santos passou um tempo a trabalho no Paraná, voltou há sete meses e relata que agora se sente mais seguro na vila do que em outros lugares. Recentemente foi assaltado às sete horas da manhã no município de Portão. “O bairro já foi muito mais violento, hoje ando tranquilamente a qualquer hora aqui, agora é esperar que a Prefeitura consiga nos apoiar”, conta Santos.

Vilson lembra que a vila tem direito de cobrar as promessas

POSSÍVEIS RECURSOS

O integrante da associação e um dos fundadores da Santa Marta Vilson Prestes acompanhou, no último mês, o ato de recebimento de emenda parlamentar destinada para a Santa Marta. Serão R$ 340 mil liberados para ações de proteção social básica na região. “Por muito tempo ficamos esquecidos, temos o direito de cobrar as promessas cumpridas por eles”, relata Vilson. Conforme Prestes, o prefeito Ary Vanazzi afirmou que recursos para pavimentação e esgoto devem chegar em seguida. AMANDA MOURA CRISTIANO JUNIOR


10. Cartografia

O mapa da S As ruas da vila foram mapeadas e suas principais referências destacadas, conforme os moradores

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Enfoque Santa Marta desta edição conta com uma novidade muito especial: Desenvolvemos, junto aos moradores e em colaboração com a aluna de Arquitetura Bruna Andrade, um mapa interativo da comunidade, que poderá ser usado em formato de pôster. Esse trabalho contou com a participação da comunidade, que colaborou indicando os principais pontos da vila a serem destacados. O resultado é este mapa, que poderá ser utilizado tanto para se localizar na região, quanto ser eventualmente uma peça decorativa, emoldurada nas paredes das casas dos moradores.

Um mapa é a representação ge- tribuir para cada residente sentir-se ográfica mais antiga existente na integrante de um lugar maior, e que história. As suas principais funções seus lugares favoritos da comunieram representar a visão de mundo dade tenham o destaque e divulque os povos tinham, gação merecidos. para representar áreas dominadas, territórios O mapa é a CRIAÇÃO de caça ou até mesDurante as visitas para mo territórios que po- representação realização das oitava e deriam ser anexados. geográfica nona edições do Enfoque, Um mapa pode ter uma equipe composta várias finalidades. En- mais antiga da pela arquiteta Bruna Antre elas, reconhecimento história. Ele drade, pelo repórter Lucas e demarcação de áreas Weber e pelos fotógrafos expressa a para fins militares, culGiordano Foppa e Lucieli tivo de solo, registrar ba- visão de mundo Faedo percorreu as ruas da cias hidrográficas, entre dos povos comunidade, para entreoutras tantas funções. A vistar moradores da Vila finalidade deste mapa Santa Marta com uma simé social, engloba uma ideia de re- ples pergunta: “Qual o seu ponto de presentatividade construida com os referência da comunidade?” moradores. O objetivo da carta é conAs respostas foram variadas, mas dois

locais receberam um maior destaque. O mais citado é o Mercado Ziller, que fica na Rua Coronel Atalíbio Taurino de Rezende, principal da Vila Santa Marta. O Mercado serve inclusive como ponto de referência ou de encontro para moradores. Em segundo lugar, vem a Padaria WD Brasil, que fica localizada na Rua Nove. Também foi destacada a Associação de Moradores da Santa Marta. Além de reconhecida pelo seu trabalho social, também é um ponto de encontro dos moradores, pela sua praça e quadra esportiva. Diversas igrejas e escola também foram citadas, em proporções menores. Algumas pessoas mencionaram praças, casas de amigos, e empreendimentos de vizinhos. LUCAS WEBER LUCIELI FAEDO BRUNA BERGAMO ANDRADE

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Santa Marta Legendas Estabelecimentos comerciais Estabelecimentos públicos Os pontos maiores indicam os estabelecimentos mais citados pelos moradores

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12. Saúde

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Histórias de gravidez precoce Jovens que se preparam desde a adolescência para ter filho refletem sobre consequências

da Rosa, que engravidou aos 15 anos e hoje, aos 20, percebe que foi “um choque” muito grande. “Mas a gente foi se ajeitando”, diz. Além disso, a jovem conta que namorava e comparado aos dias há pouco tempo. “A gente nade hoje, antigamente as morava apenas há 6 meses, famílias eram constitu- mas com esse descuido nos ídas por um número maior obrigamos a casar por causa de pessoas, porque as mu- da gravidez”, explica. lheres tendiam a engravidar Segundo a ONU, “36% muito cedo. Por outro lado, das jovens do país se casam ainda temos um cenário de antes dos 18 anos, e casagravidez na adolescência mentos entre menores de significativo na nossa so- idade estão geralmente ligaciedade - mesmo que com dos à pobreza. No Brasil, de um número menor de filhos acordo com o IBGE, em 2011, por família. pouco mais de Segundo um milhão de dados divul- O Brasil tem índice pessoas se cagados no ano de 65 gestações saram, e cerpassado pelo ca de 10% das Fundo de Po- para cada um mil noivas tinham pulação das meninas de 15 a menos de 18 Nações Unianos”. Já Ra19 anos das (UNFPA), quel dos Sano Brasil tem tos, 22 anos, índice de 65 gestações para engravidou aos 19 de forma cada um mil meninas de 15 a planejada. Ela e o marido, 19 anos. Isso significa que o Jonatan da Cunha, 24, se país tem a sétima maior taxa prepararam para dar o mede gravidez na adolescência lhor que podiam na criação da América do Sul. da pequena Melissa, que A gravidez entre as ado- tem dois aninhos. lescentes tende, pelo menos Jonatan explica que cheem base de senso comum, garam a um momento em desestimular e, até mesmo, que perceberam que iriam destruir relacionamentos. ficar para tios, então acreQuestões sociais, políticas ditaram que era a hora. “Só públicas e a falta de infor- assim a gente vai aproveitar mação também são pontos bem o crescimento e desenimportantes para refletirmos volvimento da nossa filha”, sobre o que diz respeito a destaca. A mamãe, Raquel, essa falta de estrutura. também acha que foi um bom Em outro cenário, há momento para isso, pois tiquem depare com a gravi- nha bastantes amigas que dez na hora errada e, mesmo estavam tendo engravidando assim, consiga dar a volta por cedo, e parecia uma boa excima. Esse é o caso da Katrine periência. “O nosso caso até

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Raquel e Jonatan, com Melissa, aproveitam o sábado de sol para visitar os amigos

Claudia mostra orgulhosa o book de fotos que fez durante a gravidez

serviu de incentivo para outros casais, sabia? ”, comenta o pai de Melissa. Juntos há 4 anos, o sonho do casal é se casar em Paris. Como o nascimento de Melissa foi planejado, as questões econômicas se definiram de forma tranquila. Além disso, o casal ganhou muitos presentes. “Basta a pessoa trabalhar e fazer o certo que as coisas também dão certo”, comenta Jonatan. A Carta de Conjuntura da Fundação de Economia e Estatística do RS (FEE) explica que, conforme dados extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014, “a renda familiar per capita média das adolescentes gaúchas de 10 a 19 anos com filho é 37,29% inferior em relação àquelas sem filho”. Marrara Orjana Alves, mãe da pequena Luiza Emanuelly, concorda que não é fácil dar a volta por cima, mas junto com o esposo faz o possível para que não

falte nada para a pequena. “A bebê só tem um mês e vinte dias, mas já estou precisando comprar leite Nan. Então, os gastos são altos e a gente precisa se adaptar a isso”, conta. Contudo, a gravidez foi planejada. “Eu já estou com 21 anos, né, e o meu marido 34. Estamos casados há dois anos e depois não pretendemos ter mais filhos”, explica. Claudia Bitello, 21 anos, também engravidou ainda jovem, aos 18 anos. Casada desde os 16, ela queria um filho, então nasceu a Mayara. Ela proporcionou a felicidade da avó, que não tinha netos ainda. Certamente a alegria foi completa.

MUDANÇAS

Katrine conta que teve que deixar muita coisa para trás, inclusive os estudos, por causa do nascimento da filha Ágatha. O casal teve que morar junto para pagar o aluguel e gastos não planejados. “Acho que tudo vai da cabeça da pes-

Métodos de prevenção l O Ministério da Saúde reforçou a política de planejamento familiar, aumentando o acesso a vasectomias e laqueaduras, além da ampliação da distribuição de preservativos. l Mulheres em idade fértil têm acesso gratuito nos postos de saúde aos seguintes métodos: injetável mensal, injetável trimestral, minipílula, pílula combinada, diafragma, pílula anticoncepcional de emergência (ou pílula do dia seguinte), Dispositivo Intrauterino (DIU), além dos preservativos. l O teste rápido de gravidez também está disponível nas Unidade Básica de Saúde (UBS). Com isso, tanto a mulher que desejava engravidar quanto aquela que não planejou a gravidez podem receber orientação adequada no momento do resultado.

Depois de dar de mamar, Marrara põem a pequena Luiza Emanuelly para dormir

soa, porque pra mim não foi tão ruim a gravidez, mas sei que não é bom pro futuro. Se eu tivesse engravidado mais tarde, talvez seria melhor”, explica. Ou seja, engravidar na adolescência mudou completamente a vida da jovem, pois teve que trancar os estudos, por exemplo, e não pôde concluir o ensino médio. Ela pretende ter mais um filho, mas na hora certa. “É muito bom, é maravilhoso, mas não é fácil criar um ser humano”, diz. Katrine é comadre de Vitória Fredes que, aos 16 anos, já está com a filha nos braços. Julia Heloine tem 6 meses e vem sendo desejada pela mãe desde que esta tinha 12 anos. Nessa idade, Vitória já planejava ter um filho e não desistiu por 3 anos, até que foi considerada estéril. Então, se conformou e perdeu as esperanças de realizar o sonho de ser mãe. Porém, aos 15 anos, ela engravidou. “Sempre estive rodeada de crianças, e eu amava isso. Cuidei do meu sobrinho e a paixão só aumentou”, conta. Decidida a criar uma família, ela se casou ainda aos 12 anos com o marido, que, na época, tinha 18. Vitória não deseja ter mais filhos e se sente realizada como mãe. Unindo todas essas informações, podemos compreender que a gravidez na adolescência traz uma série de consequências, mesmo quando os pais conseguem suprir todas as necessidades da criança. MAINARA TORCHETO FRED WICHROWSKI

Katrine e Ágatha demostram a afeição entre mãe e filha durante conversa na Santa Marta


Saúde .13

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Como andam as vacinações? Campanha contra a gripe lança luz sobre o acesso da comunidade da vila Santa Marta às imunizações

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MITOS SOBRE A VACINA

Outra preocupação em relação a campanha contra a gripe, são os mitos sobre os efeitos da imunização. Dona Laurentina da Silva Santos, de 62, é uma das idosas da vila que está com receio de se vacinar. “No ano passado, logo após fazer a vacina, fiquei mal por uns três dias. Estou com um pouco de medo de fazer e passar mal de novo”, relata. A médica infectologista, Fábia Rafaela Corteletti, esclarece que devido

om a chegada do inverno, as atenções se voltam para uma questão de saúde que, anualmente, preocupa e movimenta o país: a gripe. Uma grande campanha de vacinação teve início no dia 23 de abril e se estendeu até o dia 1º de junho. O objetivo é proteger a população contra os três subtipos do vírus que mais circularam no Hemisfério Sul no último ano (A/H1N1; A/H3N2 e influenza B). Apesar disso, a população da vila Santa Marta sofre com a dificuldade de acesso à imunização. No único espaço de saúde existente na vila, uma sala com atendimento de um médico de saúde da família, não há vacinas disponíveis. A distância para realizar qualquer tipo de imunização é a principal queixa dos moradores, Maria assim como, um dos motivos apreDorsila sentados pelos que ainda não se vaPires, 76, cinaram. A dificuldade de locomoção prefere ir até até a UBS mais próxima, a Campestre a Campina (localizada em uma subida), é outro devido ao impedimento para os que possuem acesso de dificuldade de locomoção. ônibus Maria Dorsila Pires, 76, foi até a Unidade Básica de Saúde da Campina, a seis quilômetros da Santa Marta, valendo-se do acesso de ônibus, mas perdeu a viagem. “Fui em um dia durante a campanha e não tinha vacinas, terei que voltar lá novamente”, conta. Edina Cardoso Naffin também já vacinou a filha, Lívia cardoso Naffin, de dois anos, contra a gripe. Mas ela não deixa de reforçar as dificuldades a cada vacina que a menina necessita. “Seria muito melhor se tivesse disponível no posto aqui da Santa Marta, por causa do acesso que é muito mais fácil”, sugere. Outra moradora que se sente prejudicada é Marlene do Nascimento, de 66 anos. Ela tem um filho especial, de 42 anos, que sofre de uma doença mental. Para que ele possa receber as imunizações necessárias, depende do atendimento à domicílio, pois não possui condições físicas de levá-lo até a UBS Campestre. “Se tivesse a vacinação no posto aqui da vila, seria mais fácil. As moças (da UBS) são muito atenciosas, mas dependem de carro da prefeitura para vir até aqui, Crianças daí não tem dia certo”, fala. de seis Conforme informações da meses à Secretaria de Saúde de São menores 5 Leopoldo, após o término da anos fazem campanha para os grupos de parte do grupo risco (ler box), caso a meta das prioritário 67.044 doses não sejam alcançadas, as vacinas serão disponibilizadas para o público geral. Até o Dia D, ocorrido no dia 12 de maio, 24% do público prioritário havia se vacinado em São Leopoldo. A meta era de 90%. Quanto aos relatos de dificuldade dos moradores, a Secretaria informou que a situação relatada pelos moradores está sendo verificada.

a ativação do sistema imunológico causado pela vacina, as pessoas mais sensíveis podem sentir algum sintoma. “A vacinação é segura e comprovada cientificamente. Essa reação, que raramente acontece, é insignificante perto do risco que as pessoas correm se não se imunizarem. É importante lembrar que sem a proteção, a gripe pode evoluir a complicações e levar até mesmo à morte”, frisa. Segundo informações do Ministério da Saúde, em 2018, até 14 de abril, foram

Se tivesse a vacinação no posto da vila, seria mais fácil” Marlene do Nascimento Moradora registrados 392 casos de influenza em todo o país, com 62 óbitos. Outro mito e que a infectologista ataca, é sobre não ser necessário imunizar-se todos os anos. Segundo a médica, o vírus da gripe consegue se modificar a cada ano, por isso é necessário que a imunização seja renovada também. “Quanto mais pessoas tivermos imunizadas na comunidade, menos esse vírus conseguirá se espalhar”, reforça.

PREVENÇÃO EM DIA

Marlene do Nascimento depende de atendimento a domicílio para imunizar o filho

Além da vacinação contra a gripe, destacada durante o período mais frio do ano, existem outras vacinas que merecem atenção especial. Conforme Fábia, os pais devem se atentar para a imunização das crianças, principalmente no primeiro ano de vida. “As vacinas realizadas nos primeiros 18 meses, já proporcionam uma boa cobertura para a maioria das doenças. Essa idade é a mais importante pois o sistema imunológico ainda não está pronto, portanto são mais suscetíveis aos vírus”, explica. Ela ainda lembra que os pais podem imunizar os filhos mesmo que o período indicado já tenha passado. “Mesmo que já esteja atrasado, podem tentar passar na Unidade de saúde e realizar as vacinas o quanto antes. O importante é não deixar de fazer e manter as crianças protegidas”, diz. A nova temporada de vacinação contra o HPV e meningite C também está em andamento. Segundo o Ministério da Saúde, devem se vacinar para a proteção ao HPV meninos de 11 a 14 anos e meninas de 9 a 14 anos. A segunda dose desta deve ser tomada seis meses após a primeira aplicação. Já para a meningite C, todos os adolescentes de 11 a 14 anos devem ser imunizados. As vacinas estão disponíveis o ano todo nas Unidades de Saúde.

Grupos de risco Devem se imunizar pessoas acima de 60 anos, crianças de seis meses a menores de cinco anos, trabalhadores de saúde, professores, povos indígenas, gestantes, puérperas (mulheres até 45 dias após o parto), pessoas privadas de liberdade – o que inclui jovens em medidas socioeducativas – e os funcionários do sistema prisional. Pessoas com doenças crônicas não transmissíveis também devem se vacinar, porém com apresentação de prescrição médica no ato do atendimento. JÉSSICA SANTOS AMANDA WOLFF


14. Saúde

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Obter atendimento odontológico é muito difícil A inexistência de Unidade Básica de Saúde na vila faz moradores se deslocarem para outros bairros

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iversas barreiras dificultam o acesso ao dentista para o público que precisa vencer, primeiramente, a distância. A ausência de atendimento odontológico na Santa Marta deixa duas opções aos moradores: recorrer a outros bairros ou pagar por consultas particulares. O método de marcação de consultas depende do agendamento presencial, e por isso, filas se formam antes de o sol nascer. Edina Cardoso Naffin, 38 anos, precisou de cuidados após sofrer uma queda e ba-

ter fortemente com o rosto. Ela procurou atendimento particular para a colocação de prótese dentária, pois aguarda há um ano e meio pelo mesmo procedimento através do Sistema Único de Saúde (SUS). “É bem complicado depender do SUS, porque mesmo saindo às 5h da manhã não se consegue ficha para marcação”, explica. Enquanto os gastos com dentista estão sendo destinados ao tratamento de Edina, seu filho Kauã Cardoso Naffin, 10 anos, espera pelo dia em que sua dor de dente Bárbara, de 8 anos, teve seus dentes de leite extraídos em casa

desapareça. “Ele cuida bem dos dentes mas, às vezes, fala ‘mãe, me leve no dentista”, relata Edina ao contar das reclamações do menino. Todavia ir para fila de madrugada é um obstáculo na rotina movimentada da mãe. Fabiane Garcia Neto, 29 anos, conta que foi ao dentista pela primeira vez depois de adulta e, hoje, ensina ao seu filho a necessidade de cuidar bem dos dentes. “Nossos pais não nos ensinavam a cuidar dos dentes, acho que isso precisa ser passado de pais para filhos”, explica. Ela decidiu procurar atendimento particular através de convênio para cuidar da saúde bucal, pois o tratamento odontológico depende de muitas consultas. RENATA GARCIA

Lilian Maria Thiesen, 34 dades próximas à vila. Além anos, passou por maus-boca- dessas consultas que devem dos, como ela mesma conta, ser marcadas no local, e em pois precisou extrair quase data específica de cada Unitodos os dentes. Para isso, dade Básica de Saúde (UBS), as contou com a ajuda de um vi- unidades também têm horários zinho, que foi 14 vezes para a reservados para agendamentos fila marcar atendimentos para prioritários, tais como idosos, ela pelo preço de R$ 20 por gestantes e pessoas com nevez. Agora, com um sorriso cessidades especiais. completo, Lilian dá atenção à Não há UBS específica saúde bucal dos cinco filhos. para atender a Santa Marta. “Q u a n d o o As unidades ônibus do Sesc mais próximas esteve aqui, São em média 60 que ser vem l eve i t o d o s consultas mensais de referência para consulpara a comutar”, lembra. disponibilizadas nidade são a Moradora em cada uma das Campina, a do há nove anos Parque Camda Santa Mar- unidades de saúde pestre, a do ta, Lilian lem- próximas à vila Parque Mauá bra o atendie a Scharlau. mento que foi Também há negado à sua filha Bárbara, a Unidade de Pronto Atenque, na época, tinha cinco dimento (UPA) da Scharlau, anos. “Ninguém atendeu ela, onde ocorrem atendimentos de pois ela tinha os dentes de leite urgência, sem necessidade de quebrados dentro da gengi- marcações, de segunda a sexva. Tivemos que arrancar em ta-feira, das 16h às 22h. casa com uma pinça”, conta Dados divulgados pelo Cona situação ocorrida há três selho Regional de Odontologia anos. Hoje, o maior desafio do Rio Grande do Sul (CRO/RS) para Lilian é levar seu caçu- mostram que em São Leopoldo la, de cinco anos, ao dentista. há 272 dentistas. De acordo Em uma das consultas, Alan, com o Portal Transparência, há que sofre com epilepsia, teve 35 profissionais da área vincuuma crise e não pode conti- lados ao município. Número de nuar o procedimento. especialistas que se divido pela população da cidade, aproxiODONTOSESC madamente 215 mil habitanDe julho a setembro de tes, resultaria em mais de 6 mil 2017, a Unidade Móvel de Saú- pacientes por dentista. de Bucal do Serviço Social do Comércio do Rio Grande do Sul (Sesc) atendeu gratuitamente a comunidade da Santa Marta e da Tancredo Neves. A iniciativa promoveu a proteção, prevenção e restauração da saúde UBS Parque Mauá: quinta- feira bucal. Foram realizados 2.187 UBS Scharlau: quinta-feira procedimentos odontológicos, UBS Campina: sexta-feira 2.131 consultas e 143 trataObs: Em todas as unidades o agenmentos odontológicos concludamento é feito às 8h ídos. Além de procedimentos como radiografias e prescriAtendimento de emergência: ções. A ação é lembrada e elo- UPA Scharlau: de segunda-feira a giada pelos moradores. “Eu sexta-feira, das 16h às 22h queria que eles voltassem aqui, foi muito bom o atendimenExceções para agendamento to e consegui várias fichas”, de consultas: relembra Lilian dos atendiIdosos, gestantes e portadores mentos ocorridos. Segundo de necessidades especiais, que o Sesc, não está agendada não possam se locomover até a nenhuma visita à vila. unidade, o agendamento pode-

Marcações de consultas

LAURA BLOS

Vizinhas, Lilian e Fabiane, compartilham de suas histórias em busca de tratamento odontológico

ATENDIMENTO PÚBLICO

Conforme a Prefeitura de São Leopoldo, são disponibilizadas em média 60 consultas mensais em cada uma das uni-

rá ser feito por telefone ligando diretamente para a UBS. CAROLINE TIDRA LAURA BLOS RENATA GARCIA


Tecnologia .15

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O uso do celular pelas crianças KAROLINA BLEY

Utilização do aparelho preocupa os pais da Vila Santa Marta

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Fabrícia teme pela saúde do filho Lorenzo por causa do uso de celular. Welington (abaixo, à direita) utiliza o celular para escutar músicas KETLIN DE SIQUEIRA

m meio à modernidade da tecnologia, o uso dos celulares/smartphones ficou mais frequente, principalmente pelas crianças. Segundo uma pesquisa realizada em 2016 pelo Comitê Gestor da Internet, cerca de 80% da população brasileira entre 9 e 17 anos utiliza o celular para acessar a rede-internet. Isso vem preocupando os pais, que consideram o uso do aparelho eletrônico exagerado e causador de dependência. Na Vila Santa Marta não é diferente. Alguns pais falaram dos cuidados e preocupações em relação à utilização do aparelho pelos seus filhos. Clair de Oliveira, mãe de Gabriele Oliveira Rodrigues, de seis anos, relata que a menina utiliza o aparelho celular desde os quatro anos. Segundo Clair, a filha usa assiste vídeos e desenhos no You Tube. “Eu gosto de ficar vendo Lei de Murphy. ”, diz Gabriela ao tuação causada pelo uso do falar sobre suas preferências. celular em sua casa é comA mãe revela que o celular plicada. O caçula Lorenzo utilizado pela menina é o Borges, três anos, é o que dela e, no próximo mês pre- mais utiliza o aparelho. “Ele tende presenteá-la com um começou a ter esse hábito aparelho. “O certo é não ter quando a avó colocava deseacesso nessa idade. Mas é que nhos para ele assistir. E agora quando ela está em casa ele brii n co m o d a n d o ga para assistir eu acabo danno meu celular, do para parar.” Cuidados acabo cedenS e g u n d o a dos pais é d o .” F a b r í c i a mãe, a menina revela que o uso fundamental utiliza mais o do celular vem celular nos tur- para o uso dos prejudicando a nos da tarde e celulares pelas alimentação e da noite. “Ela o sono do mechega e ficar crianças nino. “Às vezes algumas horas o Lorenzo deixa seguidas. Mas de de comer para manhã ela não tem acesso estar no celular. É uma briporque estuda. ” Em relação ga para ir dormir também, aos cuidados sobre o uso do porque se deixar fica até celular, Clair diz que não a hora que quiser.” deixa a menina ficar muito De acordo com a mãe, a perto da tela do aparelho solução para resolver esse porque pode prejudicar a vi- problema é colocar o menisão. “Eu cuido para ela não no em uma escola infantil. ficar aumentando a luz da “Pretendo colocar o Lorentela e não ficar com o celular zo em uma creche, assim muito perto dos olhos. Eu ele brinca e se distrai mais acredito que pode causar o com as outras crianças e uso de óculos de grau.” quando chegar estará cansado para assistir desenho. RESTRIÇÃO Se não, para se desligar do Fabrícia Borges, mãe de celular mais tarde será pratitrês filhos explica que a si- camente impossível. ”

Para o filho mais velho, Bryan Borges, dez anos, a utilização do celular é proibida para não prejudicar os estudos. “Ele está muito bem na escola, não quero que isso atrapalhe.” Mas Bryan questiona, pois alguns colegas da escola têm celular e ele gostaria de ter um para entrar em contato com eles. “Eu queria para poder ter Facebook e WhatsApp também. ” Fabrícia diz que ele não têm um celular por causa disso. “É perigoso. Tem a questão da pedofilia e, tem muitos casos de crianças sumirem

porque marcam encontro por essas redes sociais.”

CELULAR X INTERNET

Na casa de Valmir Araújo a situação é diferente. O pai de Welington, de 13 anos, explica que o celular o qual filho tem desde os 10 anos é apenas para comunicação entre eles. “Ganhou o celular porque eu e a mãe dele trabalhamos, aí ele ficava em casa depois que voltava da escola”. Welington diz que também usa o celular para escutar música. “Eu baixo algumas músicas na casa do meu tio, já que não te-

nho internet em casa”. Valmir acredita que a internet não é necessária para o filho por que a utilização seria mais para o uso das redes sociais. Além disso, proíbe a utilização do aparelho fora de casa. “Eu não o deixo levar para a escola e quando ele precisa para pesquisar algum assunto para trabalho escolar eu o deixo pegar meu celular, mas é só para coisas importantes. Isso basta.” ANDRESSA PULIESI KAROLINA BLEY KETLIN DE SIQUEIRA


16. Realização

Todos os caminhos

ARTHUR SCHNEIDER

as manhãs de domingo, esperando o Gre-Nal...”. O trecho da canção “Porto Alegre É Demais”, que muitos já ouviram por aí, pode ser levemente alterado por “Nas manhãs de sábado esperando ansiosamente o Gre-Nal” para uma família de São Leopoldo. O clássico, atipicamente realizado fora do domingo, é o jogo que mãe e filho aguardavam ao longo de semanas. No último 12 de maio, véspera do Dia das Mães, Clair Alves dos Santos e Gabriel dos Santos Munhoz mal conseguiam conter a inquietude. O motivo se resumia em uma palavra: Arena. Na manhã daquele bonito dia de sábado, ela, que também é mãe de Michelle e Fabrício, tomou o café da manhã após ter acordado, aproximadamente, às oito e quinze. Ao cumprir algumas atividades, deu-se conta de TENSÕES que lhe faltavam poucas ho- E NOVIDADES ras para que ela e o caçula Faltava uma semana para Gabriel, ambos gremistas, o clássico, mãe e filho já entrassem no estádio, está- aguardavam o contato dos dio do Grêmio, pela primei- estudantes de Jornalismo ra vez em suas vidas. “Sabe da Unisinos. Clair revela ter que eu nem dormi pensando carregado o celular, único nisso?”, declarou. Estendido aparelho que a família tem, sobre a cama, o fardamento junto a si em cada cômodo, na do tricolor, presente da tia, expectativa da ligação. O dia revelava o nervosismo do de ir ao estádio finalmente guri para chegar ao campo chegou. Tomado de nervodo clube do coração. sismo, Gabriel perguntou Clair tem 39 anos de ida- “que horas” eles iriam para de e se “juntou” com Ilson a Arena. Chegado o horário Munhoz na Vila Santa Mar- combinado, eles já aguardata há mais de 13 anos. Para vam no local marcado pela aumentar a renda familiar, equipe de reportagem do EnClair está decidida voltar foque. A ansiedade transa t r a b a l h a r. bordava. Seu compaEm cada Não sou nheiro recenrua percorrida temente saiu pelo carro que chegada da firma, que os levavam à “faliu”. Agora em Copa. Só vejo Estação Santo e l e t r a b a l h a jogo do Grêmio… Afonso, tudo numa empreera obser vaos outros não sa de tintas, do pela dupla. no Vale do Si- interessam” No Trensurb, nos. São quaa mulher deitro bocas para Clair Alves dos Santos xa, sutilmenalimentar dete, seus olhos baixo do mesmo teto. ficarem marejados por alA menos de um mês para guns instantes. Ela sequer o início de mais uma Copa lembra da última vez em do Mundo, a moradora é que saiu da Santa Marta e questionada se assiste aos se envergonha por não sajogos da Seleção Brasileira, ber chegar ao centro da próque tentará o hexacampe- pria cidade. Apesar de moonato na Rússia. “Não sou rar perto de Porto Alegre, chegada em Copa, só vejo ela nunca chegou a conhe-

A ansiedade de Clair e Gabriel transbordava

NADINE DILKIN

“N

jogo do Grêmio… os outros não interessam”, diz. À maioria das partidas do time assiste pela televisão, mas também costuma ouvir no rádio. Ela também revela que não perde o Globo Esporte, programa esportivo da Rede Globo. Apesar do “gremismo”, a mulher não se considera uma torcedora fanática, pois até gosta e usa roupas da cor do rival. “Tenho muita roupa vermelha... vou fazer o que com elas?”, declara brincando. Sobre a expectativa de conhecer a Arena, Clair é direta e fala que nunca teve condições de ir, pois “tudo é caro hoje em dia”. Segundo revela, a vida exigiu que ela trabalhasse desde os 10 anos de idade. Ela e Ilson recebem o auxílio Bolsa Família e não podem cobrir os gastos com transporte e ingressos, pois os valores estão cada vez maiores. Assim, inibem o torcedor de ir ao estádio. No Gre-Nal 416, o valor mais barato podia ser encontrado em torno de 40 reais.

NADINE DILKIN

Mãe e filho gremistas conhecem o estádio do Grêmio e assistem a um Gre-Nal


ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO/JUNHO DE 2018

.17 NADINE DILKIN

levam à Arena

Depois de muito caminhar, mãe e filho enfim conhecem o estádio

cer a Capital Gaúcha. Já o menino, que fazia sua primeira viagem de trem, não conseguiu conter o enjoo. Ele recém tinha almoçado e passou mal ao ver, através da janela do vagão, a paisagem de forma rápida e contrária ao banco no qual estava sentado. A cada parada, ele perguntava se estava “chegando”, além de disparar um sincero “andar de trem é chato”. Ao desembarcar na Estação Anchieta, o guri perguntou: “Toda essa gente vai pro jogo?” se referindo às pessoas com camiseta do Grêmio. Os torcedores cantam e pulam. A mãe, assim como o filho, também parece se sentir perdida no meio deles. “Nossa, mas eu não esperava que fosse tanta gente”, exclama espantada. No caminho a pé que leva à Arena, Clair segura a camiseta azul-celeste do clube gaúcho, emprestada pelos estudantes de jornalismo da Unisinos como se fosse a coisa mais preciosa que já

teve em mãos. Presta atenção em tudo. Repara nos catadores de latinha que estão no local e em como suas “sacolas ficam cheias”. Ela também é catadora e o que recolhe é armazenado nos fundos da casa “até ser vendido”. No trajeto que liga a estação até o estádio, o menino Gabriel não reconhece as músicas que embalam os outros torcedores, mas traz à memória o hino do time. “Até a pé nós iremos...”, canta comedido. Quando vislumbra a placa de trânsito que sinaliza “Arena do Grêmio”, ele grita: — Mãe, mãe, já dá para ver a Arena! — dispara a criança ansiosa, mas Clair o repreende: — Volta aqui, negão (referindo-se a Gabriel), cuida os carros! Conforme o acesso ao complexo vai tornando próximo, ambos começam a ficar ainda mais inquietos. Desde a subida na rampa de acesso à arquibancada, até o virar da catraca, tudo parece uma

espera infinita para verem os zão”, pois “é muita gente, né? jogadores em campo. Ao se Como (os torcedores) vão sair sentarem na cadeira e terem daqui depois?”, indaga. a dimensão de tamanho do esA partida estava acontepaço, eles suspiram e não sa- cendo e eles podiam acompabem para onde olhar. A partir nhá-la ao vivo. As pessoas que desse momento, pode-se ter a gritavam palavrões ao fundo ideia de que o futebol é muito não pareciam desviar a atenmais do que os 90 minutos de ção do alvo de Clair e Gabriel: bola rolando. A paixão nacio- a bola. Foram 663 passes do nal ultrapassa a time gremista barreira dos pordurante a partiToda essa da, contra apenas tões e do campo. O palpite e gente vai 135 do Inter. Na Clair e Gabriel primeira chance é que o Grêmio pro jogo?” de gol gremista, goleie o Internaeles se levantam cional por 5 a 0 Gabriel Munhoz na esperança da num sábado com abertura do plapúblico de mais de 50 mil pes- car. Ela passou quase o jogo soas. Antes da bola rolar, mãe inteiro com a mão no rosto, ine filho se entreolham e, por tercalando com os ocasionais um momento, ficam imóveis. aplausos para os jogadores. A dona de casa confidencia, O garoto permanece calado, “O homem (se referindo a Il- mais contido, como se tivesse son), nem queria que a gente sido colado à cadeira, mas se viesse. Achava que a gente ia move em raras vezes. se perder, não ia saber andar Conforme o tempo de um aqui. Mas se ele visse agora, jogo truncado e sem gols vai nem ia acreditar”, revela. Em passando, a torcedora reflete uma expressão incrédula, ain- sobre o placar: “O Grêmio tem da comenta que “ele tinha ra- que fazer pelo menos um gol,

se não vão rir de mim lá na Vila”, fala em tom de brincadeira. O gol não veio e uma inesperada frustração acabou ficando aparente logo após o apito final. Na saída do estádio, ambos permaneceram um bom tempo em silêncio durante o empurra-empurra, porém o sorriso no rosto era evidente, apesar do resultado pouco amistoso. Se a dupla Gre-Nal ficou no zero a zero na partida, válida pela quinta rodada do Brasileirão 2018, o mesmo não se pode dizer para a dupla de moradores da Santa Marta. Certamente imaginaram um gol que não existiu dentro das quatro linhas, mas que aconteceu em suas memórias. “Espero que um dia eu possa voltar em uma segunda chance…Valeu muito a pena toda a nossa caminhada, né?”, finaliza para o filho. JÉSSICA TRAJANO JOÃO ROSA ARTHUR SCHNEIDER NADINE DILKIN


18. Jogos

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO/JUNHO DE 2018

Esperando pela sorte Sonhar com o prêmio da loteria faz parte da rotina de moradores da Santa Marta

faz seu palpite semanalmente com os mesmos números. “Jogo sempre com o mesmo cartão. Não troco. ” Ele conta que sempre acerta entre 11 e 13 números. O valor não é alto, mas os 10, 20 reais que ganha ajuda. Mas a esperança do prêmio milionário permanece. “Eu gostaria de ganhar para comprar uma fazendinha, morar sossegado. ”

E

nquanto tomava chimarrão sozinho na área em frente à sua casa, Valdir Tomaz, 65, contou que joga há mais de 20 anos pelo menos uma vez por mês na Mega-Sena, na Lotofácil, Tele sena e Tri legal, conforme a renda mensal permite. Nunca ganhou nada, mas tenta. “A gente tenta a sorte né, pode ser que um dia ela chegue. ” Nos jogos de loteria ele diz que sempre faz o palpite com bilhetes prontos e confere os resultados no próprio lugar da aposta. Valdir está desempregado, sua profissão é a de pintor, há 30 anos. Mas além disso, faz serviços de jardinagem e limpeza de fogão a gás, conforme aparecem. “Eu largo uns cartões para serviços, mas eu sei que está ruim para todo mundo”, diz ele de forma compreensiva. Sua esperança de ganhar algum prêmio é grande, pois além de se beneficiar ajudaria outras pessoas. “Não gostaria de me preocupar com dinheiro. Gostaria de ajudar minha família, as pessoas que um dia me ajudaram e pessoas necessitadas que precisam de auxílio. ”

DESISTÊNCIA

Romildo Costa aposta na Lotofácil semanalmente na esperança do grande prêmio Algumas casas depois, encontramos o torneiro mecânico Reinaldo de Oliveira Shull, 49, que diz ter “pés quentes” para jogos. “Eu jogo desde criança. Comecei com nove anos e nunca parei. ” Ele conta que joga na Mega todas as quartas-feiras e sábados. Nunca deixa de fazer seus palpites. Sua estratégia é mantida em segredo e usada por um longo tempo, raras vezes aposta o que vem à cabeça. “Uma vez por ano troco a estratégia.” Reinaldo conta que ganhou pelo menos cinco vezes. O, os

Reinaldo conta sobre as apostas frequentes e as vezes que recebeu prêmios por suas apostas valores recebidos variam entre 2 e 3 mil reais, durante esses 40 anos de apostas. Embora gostasse de receber o grande prêmio, ele diz não ter ambição de se mudar da Santa Marta. “Faz 26 anos que moro aqui, não seria o dinheiro que faria ir embora com minha família. ” Antenado nos sorteios, sempre confere os resultados. Antigamente através de jornais ou nas lotéricas, atualmente diretamente no celular. Romildo Costa dos Santos, 59, não tinha o hábito de apostar em jogos de loterias, porém nos últimos dois anos

Enquanto a maioria dos jogadores têm esperança de um dia ser o grande ganhador, o pedreiro Gilmar Fagundes Gonçalves, 59 anos, diz que o sonho de ganhar não existe mais. Acostumado a fazer duas apostas semanais na quina, jogou durante dez anos. Ele conta que sua única estratégia era apostar com a data de nascimento dos filhos. Conferia sempre o resultado nas rádios, mas percebeu ser sem sorte. Nunca ganhou prêmio algum, até que desistiu. “Eu sempre tive vontade de ganhar para poder ajudar uma instituição de caridade e mudar de vida, mas não deu”, lamenta Gilmar.

BILHÕES ARRECADADOS

As apostas feitas no Brasil inteiro, movimentam valores que a maioria dos brasileiros

A.E. Santa Marta segue ativo

AMANDA MOURA

Valdir Tomaz Pintor desconhecem. Conforme os dados publicados pela Agência Brasil, em 2017 as Loterias Caixa obtiveram um faturamento superior a R$ 13 bilhões em apostas. Esse valor teve pelo menos 8,14% a mais que no ano de 2016, quando foi arrecadado um total de R$ 12,88 bi. Deste total, a Mega-Sena foi a que mais arrecadou, representando 42%. Em segundo lugar ficou a Lotofácil com 26% e a Quina com 18%.

PARA ONDE VAI?

Segundo uma matéria produzida e publicada pelo jornal on-line, Nexo, a chance de uma pessoa ganhar na Mega-Sena, por exemplo, é de uma em mais de 50 milhões. Do valor total arrecadado 31,71% é destinado à que realmente é a premiação e 20% para despesas de custo. O restante é distribuído para outros fins de iniciativa pública, como educação, cultura e esporte. HELEN APPELT THARIANY MENDELSKI

A.E. Santa Marta se prepara para as próximas partidas fora de casa

ARQUIVO PESSOAL

O futebol é popular entre os moradores da Santa Marta. Além da única quadra de esportes ocupada pela criançada regularmente, a Vila também conta com o seu próprio time de futebol, o A.E. Santa Marta (Associação Esportiva Santa Marta). No último jogo em casa, o time ganhou por 3x2 do Juventus de Parobé. Conforme o presidente do time, Paulo César Prates, o A.E Santa Marta conta, atualmente, com 20 jogadores do bairro. Apesar das dificuldades, como a falta de recursos para a locomoção, o time divide os custos e participa de competições todos os sábados contra diferentes bairros e municípios da região. Até setembro, o time já tem agendadas partidas nos municípios de Taquara, Parobé, Dois Irmãos e Araricá.

Gostaria de ajudar minha família, as pessoas que um dia me ajudaram e pessoas necessitadas”


ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MAIO/JUNHO DE 2018

Ensaio .19

Desistir não foi uma opção C

onheci Ivete Souza em minha primeira visita à Santa Marta. Todas as vezes em que ela me preparou um café, exagerava no açúcar. Mas eu tomava mesmo assim... Ivete, se você estiver lendo isso: não adoce tanto o seu café! Sempre que a vi, esbanjava bom humor, carisma e sorrisos. Apesar de todas as adversidades, ela é um exemplo de resiliência, de força e de como devemos encarar as dificuldades e reviravoltas sorrindo. E foi assim que batalhou para vencer o câncer. Quem diria que ao sair para caminhar nas ruas da Santa Marta eu teria o privilégio de conhecer alguém tão especial? Vi o sonho de Ivete e sua filha Bruna tomar forma – o salão de beleza da família, que em breve abrirá as portas. Antes, o que era uma casa toda bagunçada pela construção e cheia de barro, agora está sendo pavimentada para o piso ser colocado. Ainda não tive a oportunidade de ver o lugar pronto mas tenho certeza que o sucesso sempre as acompanhará! Para quem estiver lendo essa matéria: mantenham vivos os seus sonhos. Os maiores obstáculos que você irá enfrentar são os que você mesmo coloca em seu caminho. [Renan Barão acompanhou as manhãs da família durante três sábados para a realização de um ensaio fotográfico] RENAN BARÃO


ENFOQUE SANTA MARTA

Helga Puhl aprova a iniciativa mas lamenta por ainda não ver ação do Poder Público na vila

O filho de Ana Maria, Joel, costuma ler todas as edições do Enfoque para a mãe, que é analfabeta mas gosta muito do jornal

SÃO LEOPOLDO (RS)

MAIO/JUNHO DE 2018

EDIÇÃO

9

Leitora do jornal, Ivete dos Santos possui todas as edições do Enfoque Santa Marta guardadas em casa

O que o Enfoque faz pela Vila? A opinião de moradores sobre a importância de terem um jornal para a comunidade

L

er sobre suas histórias e problemas em páginas de jornais não era algo comum para os moradores da Santa Marta. Sem meios de comunicação comunitários e sem o acompanhamento da mídia regional, a Vila começou a ganhar atenção há um ano e meio, quando o Enfoque passou a ser realizado nela. Para que os moradores sejam ouvidos, o jornal produzido por alunos do curso de Jornalismo da Unisinos, procura pela Vila pessoas dispostas a contarem suas histórias e suas realidades. Buscando saber a opinião de quem vive no local sobre o jornal, mais uma vez, conversamos com os moradores. Pela Santa Marta, o jornal ganha certa repercussão, como lembra a moradora, Ivete da Silva, que guarda todas as edições. “Eu costumo ir em um bar aqui na Vila e lá ouço as pessoas comentando sobre o Enfoque, falando sobre as histórias que saíram e sobre como é bom ter esse meio de comunicação”, declara. Ivete já apareceu em uma edição do Enfoque e conta que a experiência foi boa, mas que o considera mais legal na presença do jornal na Vila é da sensação de colocá-los em evidência. “Nunca vem outros jornais, então a presença de vocês mostra que alguém lembra da gente”, desabafa.

VOZ PARA OS MORADORES

Celina de Sá é moradora da Vila há quatro meses e já apareceu no Enfoque para falar sobre sua vida. Ela afirma gostar da movimentação que o jornal traz para as ruas da comunidade, porque acredita que isto ajuda os mora-

dores a divulgar suas órgão público por aqui. Quando dificuldades. “Quando Mas se tendo um jornal vocês vem, alguém faz aqui ainda não mudou vocês vêm, algo, algo melhora. É nada, imagina sem ninesse movimento que alguém faz algo, guém. Assim, a esperanfaz com que as pessoas algo melhora. É ça é de que alguma hora fiquem sabendo do que alguém vai nos atenesse movimento está acontecendo. Se der”, ressalta. não vier ninguém, nada que faz com que vai ser feito”, relata. as pessoas fiquem MUDANÇAS NA O sentimento de COMUNIDADE abandono e descaso, sabendo do que Apesar de algumas causados principal- está acontecendo. pessoas verem certas mente pela ausência mudanças no comportado poder público, são Se não vier mento da comunidade, os pontos que mais ninguém, nada vai o mesmo não se pode preocupam e deixa os falar sobre a ação dos moradores indignados. ser feito” órgãos públicos. Assim Fora do mapa – pois a como todos os outros Celina de Sá área da Vila ainda não Moradora e leitora moradores da Vila oufoi regularizada - e dos vidos nesta reportanoticiários locais, a cogem, Helga Puhl conta munidade sente falta de que, mesmo depois um meio que a ouça e os ajude a levar das matérias denunciando os probleseus problemas até as autoridades. “Eu mas, não há movimentação alguma gostaria que viessem outros jornais ou das autoridades. “A situação da Santa ainda que tivéssemos um jornal comu- Marta está muito ruim. Nós que moranitário. Porque somos esquecidos e é mos aqui comentamos sobre o que sai isto que vai nos dar voz. Quando se fala no jornal, mas a Prefeitura continua que mora na Santa Marta, tem pessoas sem nos dar atenção”, afirma. que nem sabem onde fica”, relata Vera Quanto às mudanças que estão Lúcia de Santos, que, apesar de não ser ocorrendo entre os moradores com a leitora frequente do Enfoque, considera presença do Enfoque, Cristiane Nua iniciativa muito importante. nes acha que as histórias contadas nos Fazer com que a Santa Marta seja jornais estão aproximando mais os ouvida é também o desejo de Jerônimo vizinhos. “A gente fica sabendo tanta Veiga. “O Enfoque é, no momento, o coisa nova sobre a Vila que isto acaba único canal que a gente tem para falar unindo a gente”, relata Cristiane. sobre o que a gente precisa. E se a gente Já Ivete vê uma mudança na consciênpuder falar sobre os problemas em al- cia de quem mora no local com relação às gum lugar, é maior a chance de alguém ruas. “Como aparecem muitas matérias ouvir”, observa Jerônimo. Porém, para falando sobre a situação das ruas, acho ele, apesar de estarem ganhando espa- que o pessoal está aprendendo a cuidar ço, a situação ainda não mudou. “Não melhor delas. Percebo que não estão mais vejo mudanças, ainda não veio nenhum jogando tanto lixo por aí”, conta.

NECESSIDADES E ESPERANÇA

Mesmo sendo poucas as mudanças alcançadas na vila no período da circulação do Enfoque, os moradores ainda mostram esperança que o jornal os ajude a serem lembrados. Ana Maria Pedroso dos Santos se diz desanimada com a condição da comunidade, mas confia que o jornal pode melhorá-la. “Eu já estou aborrecida nesta Vila, a situação da minha casa está difícil. Mas com o jornal sendo feito aqui, tenho muita esperança de que isso mude”, declara. Ao contar sobre o quão importante ela considera a presença do jornal na Vila, Ana Maria lembrou da oportunidade de ir ao cinema que lhe foi proporcionada na 8° edição do Enfoque Santa Marta. “Eu gosto muito quando os estudantes estão por aqui, sei que vão mostrar o tanto de coisa ruim que tem aqui. E se não fosse pelo Enfoque, nunca mais teria ido ao cinema”, fala. Apesar de ser analfabeta, ela faz questão de levar para a casa todas as publicações sobre a vila e depois pede que seu filho Joel leia para ela. “Eu não sei ler, mas gosto muito do jornal. Acho que ele é muito importante para nós aqui da vila, que somos tão abandonados”, diz Ana Maria. Desabafar sobre as dificuldades enfrenta não é algo simples, segundo ela. Completa afirmando que, prefere abordar estes assuntos com os repórteres do Enfoque, por sentir mais confiança ao ser ouvida. “A gente tem que escolher a pessoa com quem quer desabafar. Tem que ser de dentro para fora e quando o jornal vem, eu sei que eu posso falar”, conta. STEFANY ROCHA AUDREY SCHEFFER


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