Enfoque Santa Marta 7

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ENFOQUE SANTA MARTA

SÃO LEOPOLDO / RS MARÇO/ABRIL DE 2018

EDIÇÃO

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SARA NEDEL

ESPERANÇA NA EDUCAÇÃO

A ERA DIGITAL CHEGOU

Fim do sinal analógico impacta rotina na vila. Página 3

EM BUSCA DE OPORTUNIDADES Falta de projetos sociais para crianças preocupa famílias. Página 13

CRISTIANO JUNIOR

FRED WICHROWSKI

EMERSON SANTOS

MORADORES SUPERAM DIFICULDADES PARA VOLTAR ÀS SALAS DE AULA PÁGINA 5

APOIO DA COMUNIDADE

Fidelidade garante bons negócios aos empreendedores. Página 15


2. Editorial

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No retrato da comunidade, personagens inspiradores

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a aula que antecedeu a saída de campo, que resultaria na 7ª edição do Enfoque Santa Marta, “empatia” foi o assunto em pauta. Por definição, empatia é a capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer. Mas como colocar-se sob

a pele dos moradores da Santa Marta, se poucos de nós já haviam visitado a vila? Descobrimos ao primeiro bater de palmas em frente às casas que compunham a comunidade. Puxando uma cadeira daqui, oferecendo um copo de água dali, fomos conhecendo as histórias re-

tratadas em nossas páginas. As narrativas que seguem são um retrato da vida da comunidade: cheias de pessoas guerreiras e sonhadoras. Nesta edição, trouxemos mais do que retratar o descaso do poder público, recorrente nas falas dos moradores locais. A história de luta de Ge-

neci da Silva Viana, a saudade dos pais João e Márcia, o presente de Páscoa de Ana Maria e o pomar da Dona Maria Pires, ilustram as páginas desta edição do Enfoque. A 7ª edição do Enfoque Santa Marta investe na árdua tarefa de retratar com palavras um cotidiano rico

em um local carente. Em nossas bolsas, cuidadosamente depositamos nossos blocos de anotação e câmeras, mas em nossos corações também registramos suas histórias, de muitas Anas e Genecis. KELLEN DALBOSCO AMANDA WOLFF

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Santa Mar ta é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Santa Mar ta, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, são publicadas três edições por semestre e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo. Edelberto Behs (Coordenador do Curso de Jornalismo): (51) 3591.1122, ramal 1354 / edelbertob@unisinos.br Pedro Luiz S. Osório (professor responsável): posorio@unisinos.br

EDIÇÃO E REPORTAGEM — Disciplina: Jornalismo Cidadão. Orientação: Pedro Luiz S. Osório. Edição de textos: Caroline Tidra, João Rosa, Kellen Dalbosco, Mariana Artioli e Paola Guimarães. Edição de fotos: Helen Appelt. Reportagem: Amanda Mendonça Moura, Andressa Puliesi, Bruna Bertoldi, Caroline Tidra, Helen Appelt, Isaías Rheinheimer, Jéssica Santos, Jessica Trajano, João Rosa, Júlio Hanauer, Kellen Dalbosco, Lucas Weber, Mainara Torcheto, Mariana Artioli, Paola Guimarães, Stefany Rocha, Tainah Gil e Vitorya Paulo. FOTOGRAFIA — Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Amanda Wolff, Arthur Mombach, Audrey Scheffer, Bruna Lago, Camila Tempas, Cristiano Junior, Emerson Santos, Fabrício Santos, Fred Wichrowski, Karolina Bley, Ketlin de Siqueira, Kévin Sganzerla, Laura Blos, Letícia da Costa, Lianna Kunst, Lucieli Faedo, Matheus Klassmann, Nadine Dilkin, Pedro Hameister, Renan Barão, Renata Garcia, Sara La Roque, Sara Nedel, Thariany Mendelski e Vitória Hnszel. ARTE — Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. Diagramação: Nathalia Haubert. IMPRESSÃO — Realização: Gráfica UMA / Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente dos Cursos de Graduação: Paula Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.


Comunicação .3

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O sinal da TV mudou! Entenda a mudança e o que é preciso fazer pra não ficar para trás

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o dia 14 de março o sinal analógico de televisão foi alterado para mais de 100 cidades do Rio Grande do Sul. A troca do sinal de televisão analógica passou ao digital e, com isso, as emissoras de TV não transmitem mais a programação com as antenas domésticas tradicionais. Dessa forma, milhares de famílias, o que inclui a vila Santa Marta, precisam se atualizar: Para não comprar um aparelho de televisão novo, é preciso ter um conversor e uma antena UHF. O aparelho de conversor digital mais antena custam, em média, de R$100 a R$150. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do total de 67 milhões de casas existentes no país, 65,1 milhões (97,1%) tinham pelo menos um aparelho em 2014. Elenara Cardoso, 20 anos, é um exemplo de quem não pode mais se entreter e se informar pela televisão. “Eu costumava assistir à TV aberta, mas agora não posso mais e não tenho condições de comprar uma antena”, explica a jovem, acrescentando que assistir o Jornal do Almoço, transmitido pela RBS TV, era a maior forma de se informar. Casos como o de Elenara, que não tem o kit por falta de condições financeiras, com certeza não são isolados. A televisão une muitas famílias e poder acompanhar as notícias do dia era um privilégio de muita gente. Hoje em dia, as coisas mudaram para muitas dessas famílias e elas perderam a oportunidade até mesJeferson Cardoso compartilha as novidades com a irmã, Elenara Cardoso. A jovem não tem sinal digital em casa e precisa buscar outras formas de se informar

mo de se entreter nas horas livres. Mas, conforme explica o site do Senado, para diminuir a margem daqueles que podem ficar sem qualquer sinal de televisão em casa, o governo prometeu que os cerca de 14 milhões de beneficiários do programa Bolsa Família receberão conversores de TV digital e antenas de graça”.

DISTRIBUIÇÃO

A distribuição começou ainda em 2016. Essa é uma parceria do governo federal com empresas de telecomunicações e será a saída para que muitas famílias continuem se informando. Mas, afinal, quem tem direito a receber esse kit gratuitamente? Eleni Severo Costa é um caso de sucesso dessa distribuição gratuita. Ela adora assistir televisão à noite e aos finais de semana. Atenta às mudanças, para não ficar sem se informar, comprou o kit da antena. Mais tarde, orientada pela filha, ligou para o 147. A surpresa veio logo: ganhou um kit de antenas novinho. “Agora eu tenho dois, porque liguei e fui buscar no Correio”, explica Eleni, afirmando que foi muito fácil de solicitar. A moradora de Santa Marta fala como foi bom ter essa oportunidade, uma vez que ela gosta de se informar: “eu assisto dois jornais por dia, o Hora 1 e o Jornal Nacional”. Outro ponto importante abordado pela Eleni é que os netos costumam visitá-la e passam a maior parte do tempo em frente à televisão assistindo filmes e desenhos animados. Sem a nova antena com sinal digital eles não poderiam mais fazer isso. Enquanto uns não vivem

Na imagem, Eleni Severo Costa assiste desenho animado com o neto. Ela comprou o kit para não perder esses momentos

sem a telinha, há quem não sinta tanta falta dela. Aldenir Rodrigues, 48 anos, está há um tempo sem televisão em casa, e prefere se informar pelo rádio e jornal impresso. Questionado se gostaria de ter uma televisão, caso tivesse condições, ele disse que sim. Mas explica que “é mais pela minha filha que tem 13 anos, né, acho que ela gostaria de ver outras coisas. Eu não gosto de ver noticiário, acho que tem muita coisa ruim, só tragédia”, explica. Desempregado, ele busca emprego na área de portaria. Se comprar uma televisão, ele vai querer assistir programas evangélicos. Por enquanto, seu canal de informação é o rádio, e ele não troca de estação: adora a rádio Mais FM de Igrejinha.

INTERNET

Jeferson Cardoso, 28 anos, estava concentrado nas redes sociais. Morador

há 22 anos na Vila, o jovem representa uma nova “era”. Ele tem antena para canais fechados em casa e também a nova antena digital, mas gosta mesmo é se informar pela internet e assistir a Netflix (uma provedora global de filmes e séries de televisão). Além disso, para Jeferson, mesmo possuindo o conversor digital, possibilitando que assista os canais abertos em sinal digital, a preferência é pelo conteúdo on-line - principal ca-

racterística da Netflix, por exemplo. Já o seu pai não tira os olhos da televisão e do jornal: “Aqui em casa só o pai que assiste televisão, eu busco notícias no Google e me entretenho na Netflix”, explica. Para ele, o desligamento do sinal analógico não mudou nada, mas acredita que muita gente na vila perdeu seu maior e mais usado meio de informação e entretenimento. MAINARA TORCHETO FRED WICHROWSKI

Você tem direito? • Todos os brasileiros inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Isso inclui, principalmente, os beneficiários do Bolsa Família. • Famílias com renda mensal de até três salários mínimos. • Atenção: ser aposentado ou estar desempregado não são condições que garantem o kit gratuitamente.

COMO SOLICITAR?

• Acessar o site do Seja Digital (www.sejadigital.com. br) e informar o número do CPF/NIS do responsável familiar. • Ligar gratuitamente para o número 147 de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.

POR QUE MUDOU?

• Agora o Brasil seguirá padrões internacionais de transmissão. • Imagem e som com qualidade de cinema • Com a mudança, as operadoras de celular ganharão mais espaço. Elas poderão aprimorar a oferta de internet móvel para smartphones, tablets, etc., deixando-a mais rápida e potente. Agora, “esse espectro de frequências será usado para aumentar a oferta de redes 4G na faixa de 700 MHz”, explica o site oficial da TV digital brasileira. • O sinal analógico é um tipo de sinal contínuo. Já o sinal digital tem valores descontínuos, o que garante mais qualidade na recepção - diminuindo custos de armazenamento e tempo de processamento.


4. Transporte

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Moradores buscam outros meios de locomoção Preço da passagem e horário dos ônibus que circulam na vila são os principais motivos para moradores buscarem alternativas

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ntre as reclamações dos moradores da Santa Marta está o preço da passagem e a demora dos ônibus que passam por dentro da vila. Este já é um problema antigo vivenciado por quem mora lá. O valor da passagem cobrada no transporte disponibilizado pela empresa Viação Leopoldense é R$ 3,70, um valor alto para as muitas famílias que necessitam utilizá-lo diariamente. De segunda a sexta, os ônibus passam a cada 30 minutos, e nos finais de semana e feriados, a cada hora. Para evitar o transporte coletivo, alguns moradores tomaram a iniciativa de utilizarem outros meios para se deslocarem pelas ruas da vila, ao centro de São Leopoldo e a outras cidades da região. Carros, bicicletas e motocicletas são os meios alternativos que os moradores encontraram para enfrentarem a distância da vila ate o trabalho, a escola, ou até mesmo a serviços públicos.

Após se mudar para a Santa Marta, Everton comprou uma motocicleta para ir ao trabalho

Pamela prefere e costuma andar de bicicleta pelas ruas da vila Santa Marta

SERVINDO A COMUNIDADE

O pastor Marcelino Moreira tem 57 anos e mora há 27 na vila. Proprietário de um carro Ford Fiesta ano 2000, Marcelino utiliza o veículo em favor da igreja que lidera: a Assembleia de Deus Unida de São Leopoldo. O automóvel é usado a serviço da comunidade e dos membros da congregação para o deslocamento ao centro da cidade e nas proximidades, já que o serviço de ônibus é precário. Devido a distância entre a Santa Marta e os centros de saúde, muitos moradores precisam se deslocar até mesmo para outras cidades para uma consulta. “Vou levar um morador na Santa Casa, em Porto Alegre, na próxima semana. Se não tiver dinheiro, ele nos liga e o carro pega. Como a gente não tem dinheiro para pagar estacionamento, eu deixo o veículo em um cantinho e a pessoa na porta do hospital. Muitas vezes o médico não quer atender se o paciente não tem acompanhante”, relata o pastor.

DESLOCAMENTO PRÁTICO

A estudante Pamela Sansigolo do Nascimento, de 17 anos, costuma utilizar uma bicicleta

Marcelino Moreira é pastor na vila e utiliza seu carro auxiliando moradores

como principal meio de transporte para se locomover na vila. Esta é a melhor alternativa que ela encontrou para se deslocar até comércios da Santa Marta e de bairros próximos. “Vou ao mercado com a bicicleta ou na lotérica quando preciso pagar alguma conta. Onde minha mãe pedir para eu ir, eu uso ela”. Pamela estuda o nono ano na Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Marta e às vezes utiliza sua bicicleta para ir à aula. Pamela também está cursando Administração e Vendas no Senac. É menor aprendiz, um projeto do governo federal que tem como objetivo preparar e inserir adolescentes e jovens no mundo do trabalho. Durante o período do curso, ela tem aulas teóricas dadas em sala de aula, e práticas, dentro do Hipermercado Big, em São Leopoldo. A família de Pamela mora há 18 anos na vila Santa Marta e ela já conhece bem os problemas da comunidade. Quanto ao serviço de transporte, Pamela diz que a locomoção coletiva é complicada, pois além do valor da passagem ser alto, os horários também não ajudam a comunidade. Os ônibus circulam em direção ao centro de São Leopoldo das 6h às 18h35. Para voltar à vila, o último ônibus parte do centro às 22h25. Outra dificuldade sentida pela Santa Marta pela perspectiva de Pamela é a falta de segurança. Ela, que estuda à noite, conta que para os estudantes é perigoso andar pelas ruas sem existir uma ronda policial. “Para a gente é inseguro passar nas ruas, sem ter a polícia passando. Para a gente faz falta isso, pois a gente corre riscos”.

BARATO E RÁPIDO

O operador de elevadores Everton Barcelos tem 23 anos e mora há um mês na vila Santa Marta. Quando decidiu se mudar, vendeu o carro que tinha e há três meses comprou uma motocicleta que utiliza para ir ao trabalho no centro de São Leopoldo. Para Everton, ter uma moto facilita bastante tanto para trabalhar, quanto para se deslocar na vila e na região, pois é um meio de transporte barato e rápido. Ele trabalha em uma obra e descarta a possibilidade de andar de ônibus para chegar ao serviço. “Ele até vem, mas demora. E de moto, em cinco minutinhos estou no serviço”. TAINAH GIL RENATA GARCIA


Cultura .5

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Incentivo para estudar A biblioteca montada na casa de Davi ajudou a formar jovens estudantes na comunidade Santa Marta

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estante já não carrega tantos livros, os restantes estão sendo retirados para aproveitar o cômodo que, há sete anos, deixou de abrigar uma biblioteca. O quadro verde, usado durante anos pelas crianças da vizinhança, descansa em um canto, enquanto os proprietários decidem o que fazer com ele. Quando Davi Lima da Silva era um menino com não mais de oito anos de idade, a brincadeira preferida da criançada da rua era a “escolinha” montada em sua residência. Com incentivo e ajuda dos pais e o sonho de ser professor, ele e seu irmão Daniel, quatro anos mais velho, montaram uma biblioteca em uma sala retangular da casa. A coleção de obras tinha duas procedências principais: ou eram doadas pela escola da comunidade quando o uso não era mais apropriado para as salas de aula, ou quando eram encontradas pelos catadores da cooperativa da comunidade. Todas eram aceitas na prateleira da biblioteca, independentemente de sua origem. Os livros, que no auge da brincadeira passavam de cem exemplares, foram o incentivo para muitos jovens da comunidade insistirem nos estudos. “Dos meninos aqui em volta, todos estudaram. Só um que não. Mas nenhum se envolveu em coisas erradas”, conta a orgulhosa mãe, Elizabet Lima da Silva. Elizabet e Davi se orgulham das coleções que ostentavam na estante. Dom Quixote era uma delas, que apesar de faltar alguns exemplares, parece ter moldado a trajetória da família. Na ficção, o cavaleiro medieval se aventura junto ao seu escudeiro Sancho Pança. Em busca de justiça e de seu grande amor, Dom Quixote enfrenta gigantes. Na realidade, ao lutar pela educação dos filhos, Elizabet, como diversas mães da comunidade, se depara com obstáculos que podem ser comparados aos combatidos por Dom Quixote. Emaranhado, no canto da sala, o que restou da biblioteca está sendo retirado. Os livros mais antigos, hoje dão espaço aos focados em gas-

Junto com sua biblioteca, agora desmontada, Davi inaugurou o sonho de dar aula. Renan sonha em voltar à escola e garantir o futuro do filho

triarca, que agora ostenta diversos certificados de cursos de especialização e técnicos, em áreas como educação e enfermagem. “Não quero parar. Todo ano estou fazendo alguma coisa. Só não fiz faculdade porque queria garantir isso para os meninos”.

VOLTA ÀS AULAS

tronomia, profissão escolhida por Davi. Mas engana-se quem pensa que o amor pela educação deixou o jovem. Na igreja, ele dá aulas de violino para as crianças carentes. O sentimento de reciprocidade invade a fala do jovem que com humildade afirma o dever de ensinar a criançada, já que foi aluno do mesmo projeto. “Eu ainda vou ser professor”, afirma. Não se pode duvidar do garoto que, dos oito aos 14 anos, proveu leitura à comunidade.

FAMÍLIA LEITORA

Hoje, a biblioteca faz falta na Santa Marta. Davi afirma buscar leituras na biblioteca da Unisinos, local onde

se formou. Para ele, ter incentivo à leitura dentro da comunidade faria a diferença na vida das pessoas. Daniel tem paixão pelos livros e o orgulho da mãe é contar que tudo teve início na brincadeira da infância. “Ele deve ler uns quatro livros por mês. Vive lendo”, divertese, orgulhosa, a mãe. Ela parou de estudar no ensino fundamental. Os motivos são os mais recorrentes dentro da vila: “Tive que trabalhar, escola longe, dificuldades, né”. Mas a vontade de se atualizar levou Elizabet para as salas de aula depois do nascimento de seu segundo filho. Os desafios seguintes foram ultrapassados pela ma-

Jocelia Vieira, 41 anos, também deu prioridade à família. Mãe de oito filhos, saiu de casa aos 14 anos e largou os estudos para investir na formação da família. A falta de conhecimento das letras incomodava a dona de casa, que deixou de trabalhar para cuidar da filha mais nova, com problemas de mobilidade. “Eu só conseguia assinar o meu nome. Às vezes, as pessoas riam de mim”, contou. O desejo pela mudança juntou-se com o incentivo da família e Jocelia voltou às salas de aula. O caminho até a escola ganhou, no último ano, uma companhia inusitada para a estudante. Sua filha Andressa, 18 anos, tornou-de colega de escola da mãe. Desistente, a jovem voltou a estudar para perseguir um sonho: ingressar na carreira militar. “A gente parecia duas guriazinhas indo pra escola”, brinca Jocelia. E Andressa,

orgulhosa, diz sempre ter visto a mãe como uma grande amiga e que percorrer o caminho até a escola ao lado dela era prazeroso. O brilho no olho expõe a satisfação de frequentar as salas de aula. Hoje, mãe e filhos se revezam na tarefa de cobrar os estudos uns dos outros. A poucas casas da morada de Jocelia, Renan Marques Carvalho, 28 anos, lava as mãos sujas de graxa na torneira ao lado de casa, onde faz serviços de mecânica e elétrica de veículos. Não terminou o ensino fundamental, mas almeja passar em um concurso público e poder sonhar com um futuro melhor para o pequeno Gustavo, de apenas cinco anos. “Todo mundo pensa ‘será que vai dar?’ Mas ninguém dá o primeiro passo”, conta. Renan diz querer cursar o EJA (Educação de Jovens Adultos), método de ensino mais rápido que o regular e exige menos horas dentro da sala de aula. Assim, ele terminaria os estudos com mais rapidez e poderia continuar cuidando do filho sem influenciar nos estudos da esposa, que voltou às salas de aula neste ano. KELLEN DALBOSCO SARA NEDEL


6. Saúde

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ARQUIVO PESSOAL

Apesar da forte união, família segue lutando por direitos básicos da criança

Batalha contra a doença Família de Carlos, de 12 anos, reúne forças para vencer batalha contra o câncer

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iversão, inocência e brincadeiras. Estas são características comuns de uma criança. Carlos Roberto Lemes Reis não era diferente. Muito ativo e espontâneo, o garoto de 12 anos de idade sempre gostou de jogar futebol. Rodeado de amigos e na sexta série escolar, há menos de um ano ele viu sua infância mudar. Foi diagnosticado com leucemia, um tipo câncer desenvolvido na medula óssea e que, de 2002 a 2006, atingiu 187 crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul, conforme os dados mais atualizados do Instituto Nacional de Câncer. Com o apoio da família, o menino encontra as forças necessárias para vencer a doença. Sua mãe, Terezinha Lemes, e seu pai, Adão Eloi Reis, conhecido na Vila Santa Marta como Dídio, lutam para proporcionar um tratamento

adequado ao filho. Ambos semianalfabetos, contam com a ajuda da filha mais nova, Sabrina Lemes, de 16 anos, que auxilia na busca pelos direitos do irmão. Carlos iniciou a procura pelo diagnóstico em maio de 2017, mas a confirmação da doença só veio dois meses depois. No início, ficou internado no Hospital Centenário em São Leopoldo, quando precisou aguardar um leito em Porto Alegre para o atendimento oncológico. Já na capital, o tratamento iniciou no Hospital Conceição e durou cerca de 40 dias, sendo considerado o período mais difícil para a família. “Depois desse tempo, ele vinha para casa poucos dias, retornava e ficava mais alguns dias internado lá”, lembra Sabrina.

LUTA CONTÍNUA

Bê, como é carinhosamente chamado pela família, já chegou a tomar cerca de 15 tipos de medicamentos no tratamento. Hoje, o número diminuiu para nove, porém nem todos são fornecidos

gratuitamente. Um deles é o Topiramato 100mg, que pode variar de R$100 a R$500. A renda da casa provém de um armazém, no qual não se obtém muito lucro, além de “bicos” realizados por Dídio. A família também não conta mais com o auxílio do Bolsa Família, devido à ausência da criança na escola. Mesmo que o remédio conste na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), lista dos medicamentos essenciais disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seguidamente está em falta na farmácia do Estado, no município. “As professoras dele já chegaram a fazer uma vaquinha e conseguimos comprar algumas caixas na época”, diz a mãe. Segundo a Prefeitura de São Leopoldo, o medicamento é fornecido pela farmácia do Estado. Por sua vez, a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul afirma que possui estoque do medicamento e que “o Município de São Leopoldo precisa fazer a retirada”, sem responder

se a distribuição para São Leopoldo está em dia. Apesar de todas as dificuldades, o amor e esperança seguem mais fortes que a doença. Hoje, Carlos tenta restabelecer a vida normal que levava antes do diagnóstico. “O mano anda até de bicicleta”, diz a irmã. As saídas também já começaram a ser mais frequentes. Na ânsia de voltar à rotina, aos sábados ele não costuma estar em casa. Acompanhar a irmã mais velha no final de semana, que há algum tempo não mora com a família, é uma das atividades desenvolvidas por ele. Com o início do período letivo, Bê também pôde voltar a estudar e reencontrar os amigos da escola. A mãe comemora o desenvolvimento da saúde do filho. “O cabelo dele já está até crescidinho”, comemora. Quando fala sobre o enfrentamento da doença, ela silencia por alguns segundos, levanta a cabeça e responde com lágrimas nos olhos: “hoje está tudo bem”.

O que dizem as autoridades responsáveis: A prefeitura de São Leopoldo informa, através da Assessoria de Imprensa, que o medicamento é fornecido pela farmácia do Estado. Por sua vez, a Secretaria de Saúde do Estado afirma que o medicamento Topiramato possui estoque. A pasta não respondeu se a distribuição para São Leopoldo está em dia e salientou que “o Município de São Leopoldo precisa fazer a retirada” do medicamento.

Os números no RS Conforme os dados mais atualizados do Instituto Nacional de Câncer, de 2002 a 2006, houve no Rio Grande do Sul 187 casos de leucemia infanto-juvenil. JÉSSICA SANTOS SARA LA ROQUE


Saúde .7

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Seu João segue lutando A luta de quem espera apoio, mesmo em uma vila sem saneamento básico

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m um sábado que o sol beirava aos 29 graus em São Leopoldo, num terreno repleto de plástico e papelão encontrava-se seu João Neri Reis, na Vila Santa Marta. Morador do bairro há quase 30 anos, oito deles trabalhando com reciclagem. Há três meses, quando sofreu um infarto, seu João recebeu ajuda dos vizinhos para chegar ao hospital Centenário, em São Leopoldo. Sua história tem sido uma batalha entre a necessidade do sustento diário provido da reciclagem e o descaso municipal com a saúde pública. As portas de madeira em sua casa se abrem e enquanto entra no cômodo único ele conta a sua história O trabalho de seu João requer força, o que é de risco para alguém com seus problemas de saúde. Ele anda de São Leopoldo a Portão coletando papelão e garrafas pets para revender no bairro Campina. Ganha por volta de 60 centavos a cada quilo de pet recolhido, mas sua renda tem sido prejudicada por conta da saúde debilitada. Já não é possível para ele carregar o peso dos materiais, que divide entre um cavalo e uma carroça. A aposentadoria seria uma solução, mas as novas regras tornam essa opção distante de alcançar. Ao falar sobre a atuação pública, ele conta que nunca recebeu nenhum tipo de assistência social. João Neri, 61 anos, atualmente tem um cateterismo e carrega uma bolsa de colostomia. Foram seis dias internado na UTI e mais o período de recuperação, tempo que ficou sem condições de trabalhar. Na farmácia popular não encontra todos os medicamentos que necessita. São mais de dez remédios diários e alguns desses já faltam na prateleira de sua casa. Em cima da mesa estão os exames solicitados pelo médico que o atendeu. Para ter acesso às Unidades de Pronto Atendimento

João Neri se mudou para a Vila Santa Marta há 30 anos, quando perdeu o emprego

Receitas e exames médicos estão guardados esperando nova consulta

(UPA) é necessário procurar em outro bairro. Marido de sua neta, Marcos Gonçalves, relata que ajudam no que podem com a alimentação e na marcação de consultas, mas todas as possibilidades são precárias.

CHEGADA NA VILA

Sua história com a vila iniciou após o ex presidente Fernando Collor de Mello entrar no poder. João Neri conta que foi nessa época que a empresa onde

trabalhava quebrou, em Novo Hamburgo. “Quando o Collor chegou eu fiquei sem emprego. Ele tinha leis que não ajudam a gente a manter (o trabalho)”, conta. Na entrada da vila, João fixou sua primeira residência. Após perder a esposa, se mudou para uma casa que os vizinhos ajudaram a levantar na parte mais alta do bairro. Os filhos foram embora e a neta é um dos familiares mais próximos. “Eu gosto da Santa Mar-

ta, mesmo com as dificuldades aqui todo mundo ajuda todo mundo. Muitos lugares não se pode sair para a rua sossegado. Aqui na Vila posso pegar minha cadeirinha e tomar meu chimarrão, quando tem, no fim do dia, as crianças passam brincando, todo mundo se conhece”, relata João.

FALTA SANEAMENTO

Área onde mora, assim como da maioria dos seus vizinhos, é irregular o que dificulta a ação do poder público. A Santa Marta não tem esgoto tratado e parte dos moradores convive com o frequente mau cheiro. O bairro não faz parte do percentual de 92,9 % de esgoto tratado para o município,

segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando chove o esgoto chega a entrar para dentro das casas, sendo necessário que os moradores retirem com um balde. “Em dia de chuva a gente levanta o que pode, mas alaga tudo, isso aqui fica tudo cheio (aponta para a rua). É um dia de trabalho perdido porque vai tudo que a gente catou”, conta ele. Em contato com o Serviço Municipal de Água e Esgotos de São Leopoldo (SEMAE) via e-mail e telefone, nossa reportagem não obteve resposta sobre o problema até o fechamento da matéria. A assessoria de imprensa do órgão solicitou na primeira tentativa o endereço exato do morador, mas a falta de saneamento é um problema que se estende por grande parte da Vila. JÉSSICA MARTINS ARTHUR MOMBACH


8. Histórias de vida

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOP PEDRO HAMEISTER

O presente de Páscoa da Dona Ana

O dia que uma das fundadoras da Santa Marta voltou a uma sala de cinema após 50 anos

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inuciosamente limpo estava o pátio. Pequenas mudas de flores enfeitam e dão brilho na frente da modesta residência. Pitoco, o cão, foi simpático e não se atreveu a latir quando viu estranhos caminharem em seu território. Um dos vizinhos a chama na porta pelo nome e a faz interromper a limpeza da casa. Ela é Ana Maria Pedroso dos Santos,

tem 75 anos de vida e acredita muito em Deus. Frequentadora assídua de uma das igrejas evangélicas da Vila Santa Marta, dona Ana está esperando uma casa da Prefeitura, pois alega que o local onde vive “é zona de risco”. Ela já recorreu inclusive ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e agora aguarda ser chamada pelas autoridades. “Só falta levar a papelada e esperar aonde vão me colocar. Aqui o valão enche d’água e faz um barulhão, parece um dilúvio”, diz, e estica o braço para uma pequena

ponte que fica a menos de dez metros do quintal. Moradora há mais de 30 anos, inclusive sendo uma das fundadoras do bairro, a senhora com muitas marcas de expressão no rosto passou por diversos percalços em sua caminhada, desde fazer faxinas para sobreviver até catar alimentos na Cooperativa de Catadores de Resíduos da região. “Muita comida congelada catei lá. Hoje tão aí, tudo vivo”, declara fazendo alusão a membros da família. Ela já passou pelos municípios de Tunas (onde nasceu),

Frederico Westphalen, Iraí, Palmitinho, Taquaruçu do Sul, Liberato Salzano, Herval Seco e Palmeiras das Missões, cidade na qual passou por um momento terrível. Certa noite, há mais de 40 anos, seu ex-marido, completamente bêbado, matou a filha do casal, que tinha apenas seis meses. Com a voz embargada e lágrimas descendo dos olhos, Ana desabafa que o fatídico episódio “arrancou um pedaço da veia do coração”. “Levei muita pancada na cabeça ao longo da vida”, diz Dona Ana, que imediatamente

enxugou as lágrimas e mudou de assunto, já restabelecida. Em poucos minutos, emendou diversos temas ao mesmo tempo. Começou a falar do governo Temer, do assassinato da vereadora Marielle Franco e da numerosa família. “Tenho sete filhos, cinco netos e 24 bisnetos. Meu Deus do céu… é o meu maior orgulho”, exalta. “Fiquei muito sentida pelo que aconteceu com a política aquela. Tão jovem, cuidando da favela...”, comenta sobre a morte da vereadora do PSOL, executada a tiros


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POLDO (RS) | MARÇO/ABRIL DE 2018

FILME SOBRE UMA MULHER NO MÊS DA MULHER

Ana esperou às 16h da terça-feira do dia 20 de março desde o sábado, 17. Ela vestia um blusão de lã branco, com detalhes em preto e uma saia da mesma cor. As mangas pareciam ser mais compridas que o normal, quase cobrindo a metade das mãos. Mãos essas que acompanhavam uma carteira e sua fiel bengalinha. “Precisa levar o documento?”, ela indaga na porta de sua casa enquanto o motorista simpático do Uber a aguarda. 13 minutos depois, Dona Ana estava em frente ao Bourbon Shopping, no centro de São Leopoldo. “Nunca tinha vindo passear nele, primeira vez”, comenta a senhora que caminha devagarinho, com muito cuidado. Passou reto pela esteira rolante do supermercado, não quis arriscar. Caminhou em direção aos elevadores parecendo já conhecer o local que estava. Nenhuma timidez estava presente por lá. A voz robótica do elevador sinalizou a chegada ao segundo andar, piso que dá acesso às lojas e à praça de alimentação do local. Ela aproveita o

passeio único e observa com atenção as vitrines. “Cada coisa que têm hoje que nem imaginava”, dispara ao olhar sapatos coloridos com solas de até cinco centímetros e fala que uma de suas filhas “deu uma bota parecida” para ela tempos atrás. Antes de comprar as entradas, uma pausa rápida para um gostoso sorvete. Ali mais papo antes da sessão que estava por vir. Mais um elevador, o que dá acesso às salas de cinema do shopping. O filme escolhido foi “Maria Madalena”, nada mais justo para uma senhora que vê em Deus a salvação de todos os males da humanidade, além de ser oportuno devido ao mês da mulher e o momento que antecedia a Semana Santa. O corredor escuro da Sala Quatro estava há menos de dois metros quando ela resolveu parar, cerrar os punhos e aproximá-los do rosto. A bengala quase caíra no chão. Ana começa a chorar copiosamente. “Ai, nem acredito que vou ver um filme. Quando que imaginaria um estranho me trazendo aqui”, coloca toda emoção para fora, já engolindo o choro e seguindo adiante até a poltrona 17. O “estranho”, no caso, era João Rosa, aluno do curso de Jornalismo da Unisinos. Os trailers e comerciais passavam e Dona Ana não escondia o que aparentemente já tinha lhe consumido: a ansiedade. Mas também vinha junto um silêncio constante, que mostrava atenção a todos os detalhes da tela até começar o longa-metragem bíblico, que conta a história da primeira pessoa que testemunhou a ressurreição de Jesus Cristo, uma mulher que há poucos anos era taxada apenas de prostituta pela Igreja Católica. Ana entrou num processo de imersão nas próximas duas horas e só voltou à superfície em breves momentos para tecer comentários como “nossa, que história linda”, esfregar as mãos, fungar o nariz e enxugar as lágrimas, que vieram em algumas cenas, como uma em que Jesus opera milagres nos seus seguidores, na caminhada até Jerusalém. Acesas as luzes da fria sala de cinema, Dona Ana ergueu as mangas que protegiam suas mãos da baixa temperatura do ar condicionado, levantou da poltrona e com os olhos brilhando disse: “Estou m a i s l eve . E s s e fo i m e u presente de Páscoa.” JOÃO ROSA NADINE DILKIN PEDRO HAMEISTER

Dona Ana viveu em muitos lugares antes de chegar na vila

FOTOS NADINE DILKIN

na noite de 14 de março, no Rio de Janeiro. Sobre o Presidente da República, Ana diz que “taí inventando muita coisa, menos dando atenção para os aposentados e deficientes”, gesticulando demasiadamente. Assistir telenovela é um de seus passatempos prediletos, tanto que ela faz questão de falar quais assiste e em ordem, todas da Rede Globo. “Vejo a das seis, “Tempo de Amar”, que tá acabando, a das sete, que não gosto muito e a das nove, “O Outro Lado do Paraíso”, que é muito boa”, comenta apontando para sua televisão de 21 polegadas, que recentemente ganhou a companhia de um conversor digital, adquirido por meio do kit gratuito do Bolsa Família. Dona Ana também revela não frequentar uma sala de cinema há exatos 50 anos. Ela faz questão de lembrar e é precisa na afirmação, pois recorda que a última vez que assistiu a um longa-metragem foi em Palmeiras das Missões, quando uma de suas filhas, que completa meio século neste ano, estava em sua barriga. “O nome do último filme que assisti não lembro, mas com certeza era de bang-bang, de faroeste. Eu gostava muito de assistir esses filmes...Tenho muita saudade daquela época que ia no cinema”, revela.


10. Histórias de vida

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MARÇO/ABRIL DE 2018

Encontro que dura 25 anos Ana e João farão 25 anos de casados, mesmo tempo que moram no bairro

H

á quase 25 anos, em primeiro de julho de 1993, Ana Duarte que é dona de casa, completava mais um ano de vida. Decidida a comemorar seu aniversário, convidou João Batista para compartilhar esse momento e foi a partir daí que não se separaram mais. Não houve nem namoro. “Estamos comendo bolo de aniversário até hoje”, conta ela, sorrindo. Esses quase 25 anos de casamento foram muito bem vividos, sempre na Vila Santa Marta. João, metalúrgico há anos, conta que quando começou a morar com Ana quase não tinham vizinhos. O casal se dava muito bem, se divertiam, inclusive criaram muitas amizades. “Tem uns seis casais de amigos que são da nossa mesma época. A maioria já foi embora, mas um casal que ainda vive aqui e marca a história na Santa Marta junto comigo e a Ana é o Reinaldo e a Cleonice. O filho deles tem a idade do nosso. Somos compadres”, relata. Ana relata as dificuldades que passaram no início do relacionamento. Teve que parar de trabalhar para cuidar de um câncer de colo de útero. Decorrente disso, não pôde cuidar de seu filho, na época com dois anos de idade. A vila não tinha estrutura para oferecer auxílio. “Não foi um mar de rosas, mas nós sempre lutamos junto”, conta. O tratamento intenso antes da cirurgia durou seis

Ana reabre os álbuns para mostrar registros do 25 anos de vivência na vila. O início do relacionamento com João está registrado

meses. Ana diz que foi um alívio não ter sido necessário fazer quimioterapia ou radioterapia, mas que passou 23 dias desenganada pelos médicos. Sorridente, ela diz que graças a Deus e com muito apoio do marido, tudo deu certo.

EDUCAÇÃO

O casal diz que criou seu filho Everton, de 23 anos, na vila e não teve muitas dificuldades em relação ao ensino. O jovem formou-se no ensino fundamental em uma das escolas de Santa Marta, enquanto o ensino médio foi realizado em outro bairro. Ana conta orgulhosa sobre como o filho é educado, Casal fala do trabalhador e apoio um ao querido pelos vi- outro e as conquistas zinhos. Segundo que tiveram juntos que me filiasse ela, a educação nos últimos 25 anos para defender o em casa foi o diferencial para vida adulta direito dos trabalhadores do filho. “Não é porque se através de bandeira de parcria em vila que não pode tido. Recusei. Não precisava ser de bem”, diz Ana, en- de bandeira para lutar por quanto mostrava os vários direitos”, revela João. Ele conta que a vila não álbuns de fotografia. tinha nem ruas quando se mudou. Eram apenas trilhos PROMESSA Para João, o saneamento que se formaram por onde é um dos problemas mais passavam. Foram os moraurgentes na comunidade, dores que tomaram iniciatipois depois de tantos anos, va de fazer um saneamento o problema ainda não foi improvisado. O mínimo para resolvido. “O Vanazzi (pre- eles morarem. “Com o temfeito de São de Leopoldo), po nós mesmos cavamos e sempre diz que a Santa encanamos o que deu, para Marta é a menina dos olhos arrumar a rua”, conta ele. dele, mas na prática não é Ainda há ruas sem qualquer lembrada”, comenta recor- tipo de saneamento. Ana complementa didando das promessas em épocas de campanha. Ele zendo que além do sanerelembra de quando fazia amento, o desnível das parte do Sindicato dos Me- ruas também prejudica os talúrgicos. Tentaram colo- moradores. No caso deles, cá-lo na política. “Queriam foi necessário realizar uma

obra na calçada para evitar que o barro dos dias de chuva tomasse conta do pátio. “A gente cansou de ir na prefeitura pedir para arrumarem”. São quase 25 anos juntos. Quase 25 anos que moram na Santa Marta e todo esse tempo a prefeitura continua não prestando assistência à comunidade. Segundo João, a prefeitura só realizou melhorias nas ruas onde tem linha de ônibus. Sobre o transporte público, o casal diz que demorou para a vila conseguir uma linha que passasse dentro da comunidade, mas que não há o que reclamar do serviço. Segundo eles, é uma das poucas coisas que o poder público fez e deu certo. Além de haver transporte, ao menos as ruas onde passa o coletivo receberam

reparação de saneamento e foram pavimentadas.

PLANOS

Embora gostem muito da comunidade, João aguarda a aposentadoria e faz planos de ir embora com a família. “Aqui é bom de morar. No início era complicado, mas se ajeitou. Só que chega uma hora que queremos coisas novas”, conta ele. Ana complementa dizendo que gosta muito da vila, pois todos os conhecem e sem dúvida fez grandes amizades. “Quando vamos chegando na entrada da vila, todos nos cumprimentam. O mais difícil para mim seria fazer novas amizades, mas é bom buscar novos ares e novas experiências”, afirma. HELEN APPELT THARIANY MENDELSKI


Histórias de vida .11

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Pensar nos outros e fazer o bem, receita para ser feliz Aposentada conta como mantém a felicidade por mais de sete décadas

tomando conta das plantas e deixando tudo limpo, sem nenhum capim atrapalhando a produção frutífera.

lhar sereno e desconfiado, pote de água na mão e brincando com seus cães. Foi assim que conhecemos a aposentada Maria Dorcília Pires, de 75 anos. Como tantas outras mulheres da Vila Santa Marta, em São Leopoldo, é viúva, mora sozinha, e zela, com muito amor, pelo lar e família. Dedicou a vida inteira a cuidar de quem está por perto. Há quinze anos conseguiu um terreno e uma casa, com bom preço, na Vila. “Gosto de morar sozinha porque temos mais liberdade”, afirma. Somente o casal de cachorros, a Amarelinha e o Bingo, quebram a solidão. “Eles cuidam mais de mim que eu deles”, brinca. O que a deixa feliz na vila é a aconchegante casa, a boa relação com os vizinhos e a plantação de frutas e flores. Em seu quintal, dona Maria ocupa boa parte do dia

Entrando pelo portão da casa rosada de Maria, já é possível perceber a paixão por flores. São várias espécies, muitas cores e tamanhos. Avançando alguns passos até o quintal da residência, desponta outro gosto: o cultivo de frutas. São mais de dez tipos de árvores frutíferas, misturadas entre chás e plantas medicinais. De acordo com a aposentada, foi necessário muito trabalho e dedicação para ter um pomar tão diversificado. Desde a compra da casa, as primeiras mudas foram plantadas, regadas e cuidadas. Afinal, colhe quem planta, cuida e espera, pois existem árvores que demoram a dar frutos. Toda essa motivação vem da infância, quando vivia em meio à agricultura. Hoje em dia, tendo a saúde um pouco debilitada, sobra menos tempo e disposição para a capina e a limpeza do quintal. O

O

FRUTAS E FLORES

que era feito seguidamente, agora já não acontece mais. Mesmo assim faz um esforço para manter a plantação, pois há uma razão maior: “Eu gosto de doar as frutas para os meus vizinhos, meus filhos e consumo em casa”, responde. Questionada sobre qual a árvore mais bonita e a fruta preferida do pomar ela é enfática: “Eu gosto muito da fruta do conde e acho uma planta bonita”.

Maria Dorcília tem um carinho especial por suas frutas e plantas

CUIDANDO IDOSOS

Maria Dorcília teve quatro filhos, sendo que dois deles faleceram. Já os filhos, Patrícia e Amarildo, continuam na vida da aposentada. Segundo a mãe, são filhos trabalhadores. “Meu marido era taxista e trabalhava bastante. Eu ficava em casa e em muitas noites não dormi por estar preocupada com ele”, relata. Durante muito tempo trabalhou como funcionária de mercado e de hospital, ganhando pouco. Recebeu a oportunidade para cuidar de idosos e aumentar o salário. Fez isso com muito

gosto e amor por cerca de vinte anos. Mas, muito mais que lembranças de outras épocas, a felicidade de Maria está nos filhos. “Os meus filhos estão em primeiro lugar. Quero ver eles bem, com emprego e muito alegres”, confessa veemente. Ao longo de toda a entrevista, Maria Dorcília Pires falou da mãe, dos filhos,

dos netos, do marido e dos irmãos. Ao ser questionada sobre o que sente pelas pessoas ela se emociona, diz que é amor e dá um recado: “Que todos sejam bons, que pensem nos outros e façam o bem para melhorar a vida”, finaliza. JÚLIO HANAUER LIANNA KUNST

Aulas de Zumba alegram moradoras pagar uma academia.” e se expandindo. Tiago tamNo início as aulas conta- bém está ministrando aulas na vam com seis alunas, atual- Santa Bárbara, bairro vizinho. mente, a turma de Tiago já “Eu quero levar o projeto para conta com 15 moramais bairros, poder Moradoras ajudar mais pesdoras. O estudante dançam, soas a ter oportude Educação Física vê nidade de oferecer seu projeto obtendo se divertem e resultados positivos cuidam do corpo atividade física de PAULO PRESTES / ARQUIVO PESSOAL

Após muitos pedidos de moradoras da Vila Santa Marta, a comunidade agora tem um projeto voltado à atividade física para as mulheres. Aulas de zumba passaram a fazer parte da rotina de moradoras nas segundas e quintas-feiras. Com a ajuda da presidente da Associação de Moradores, Dilce Maria da Rosa, foi possível tornar realidade a ideia. Ela convidou o estudante de Educação Física, Tiago Natalino Mendes para ministrar as aulas. Tiago construiu o projeto Espaço Zumba. Relata que já tinha um desejo de montar um grupo de zumba na vila, pois sabia da necessidade. As aulas têm um custo baixo (R$ 35,00 mensal). “Quando fui convidado para dar aulas fiquei muito feliz, porque já tinha essa ideia do projeto. Principalmente porque sei que muitas mulheres não têm condições de

forma mais acessível.” Marlei Maria Haubert, 57 anos, é uma das alunas. Frequentando as atividades há duas semanas, a moradora diz que sentiu necessidade de participar das aulas, pois acredita que os resultados são sempre positivos. Marlei revela que mesmo com pouco tempo, as aulas vêm sendo muito importante para a melhora na sua saúde. “É cedo para ver resultados físicos, mas estou me sentindo muito bem. E estou dormindo bem melhor também.” A moradora relata que sempre fez uma atividade física. Alguns anos atrás fazia caminhadas durante alguns dias da semana por uma hora, para entrar em forma. Acredita que a zumba dá mais resultados que a caminhada, pelas dores musculares no dia seguinte. “Sempre me fez bem

a caminhada. Mas a zumba é mais motivante, pelo fato de ser dança e fazer em conjunto com outras moradoras. Temos a oportunidade de conhecer melhor as pessoas e nos divertirmos.”

O QUE É ZUMBA? Zumba é um exercício físico aeróbico baseado em movimentos de danças latinas, como o merengue, a cumbia, a salsa, o reggaeton, entre outros. A zumba traz vários benefícios para quem pratica. Além, de perder de 600 a 1.000 calorias em uma hora de aula, a zumba também trabalha o sistema cardiovascular e, o alívio do estresse por ser uma atividade de dança e contagiando mais as pessoas. Fonte: Site Quero Viver Bem

ANDRESSA PULIESI


12. Violência

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Saudade que não tem fim

Seu João se emociona ao lembrar da busca pelo corpo de Bruno

Casal convive com a perda do filho que foi morto pelo tráfico há seis anos

R

espeito, carinho e humildade. Foi com estes valores que João Valdomiro Ricardo e Márcia Elisabete Severo Ricardo criaram quatro filhos na Vila Santa Marta. O pai sorri no mesmo tanto que chora: quase raramente. Afinal, o próprio intitula-se como “seco”, de fala dura e objetiva. Sua rispidez é contrastada com o sorriso largo e fácil de Márcia. Uma das poucas coisas que fazem seu João chorar é a lembrança de 20 de fevereiro de 2012, dia do reconhecimento do corpo de um filho seu, no Instituto Médico Legal de Novo Hamburgo. Entre os quatro irmãos, Bruno Severo Ricardo era o segundo mais novo e carregava consigo o sonho de ser gari. “Ele tava faceiro que ia fechar 18 e ia poder trabalhar”, recorda a mãe. Logo completou 17 anos,

no dia 7 de fevereiro, e o sonho de se aventurar atrás dos caminhões da coleta de lixo foi interrompido pelo envolvimento com drogas. O corpo de Bruno foi achado na divisa com a cidade de Portão, há cerca de 11 quilômetros, cinco dias depois de seu aniversário. Naquela época, seu João chegava a ganhar três mil reais com o antigo ofício na construção civil. Esse dinheiro, muitas vezes, era usado para quitar as dívidas da dependência química de Bruno. “Se ele devesse cinco reais e me dissessem que devia dez, eu pagava”, conta o pai, que ainda carrega consigo a dúvida sobre a execução do menino. “Morte de pobre eles não vão atrás”, afirma a mãe, referindo-se à investigação policial. Dona Márcia cuidava de dez crianças em casa, filhos de vizinhas que trabalhavam fora. Bruno adorava os pequenos e era quem a apoiava na tarefa. Com a morte do filho, a família

Pais lembram do menino que tinha o sonho de completar 18 anos para ser gari decidiu ir para outro ponto do bairro. O endereço não foi a única mudança. Dona Márcia passou a ser dona de casa e a renda da família resume-se aos 125 reais do Bolsa Família. Seu João, por sua vez, não carrega mais tijolos, mas, sim, materiais recicláveis. Com sua pequena carreta, ele percorre quase toda a cidade de São Leopoldo em busca daquilo que ninguém mais enxerga valor, a fim de agregar renda à casa, situada na rua adjacente à da Associação de Moradores da vila. Quem o recepciona toda vez que retorna com a carreta cheia, ou até mesmo vazia, é Chiquinho, sua calopsita

de estimação, que assovia alto dentro da gaiola, e a cadela Laica, que segue a frequência de Chiquinho co m s e u s l a t i d o s . Faz seis anos que a família de Bruno convive com a sua ausência. “Tem que aprender a viver, porque a gente sabe que não volta mais”, pensa o pai. Os outros três filhos, João Vitor, 20, Bárbara, 26, e Rodrigo,

30, trabalham e moram em casas espalhadas pela cidade. Quando seu João reflete sobre o que teria feito de diferente para mudar o destino de Bruno, que teria 23 anos hoje, afirma: “Se eu tivesse tido condições, teria ido embora para o interior”, conclui. VITORYA PAULO BRUNA LAGO


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Participação .13

Santa Marta reivindica projetos sociais O problema não é só do poder público, a comunidade precisa se unir e agir em busca de conquistas

Isaac e Isaías esperam realizar o sonho da mãe: participarem de uma atividade musical ou esportiva

A

falta de oportunidade às crianças da Santa Marta em atividades extracurriculares e, principalmente, em projetos sociais, é reivindicação de uma vida inteira. O apelo das ruas, especialmente de pais e pessoas ligadas à associação de moradores, é para que a gurizada tenha uma alternativa às ruas, que não apresentam muita esperança. Os moradores concordam que existem projetos sociais, mas a percepção é de que eles atendem um número limitado de crianças e adolescentes. Tantos outros projetos iniciaram e terminaram pela falta de aporte do poder público. “Tem o Isaura Maia, mas é algo que fica meio fechado, que contempla uma parcela pequena da população juvenil”, afirma a tesoureira da Associação de Moradores, Terezinha da Rosa. A Associação Arte Cultura para a Paz Isaura Maia desenvolve oficinas para cerca de 120 crianças. Com essa deficiência, aquilo que todos temem vira realidade: a rua acaba sendo o destino, e a vulnerabilidade se torna presente. Mas o problema não é só do poder público, avisa a professora Cristina dos Santos, da Escola Santa Marta. “Falta mobilização de toda a comunidade”. Ela quer dizer que a força da comunidade pode gerar transformações nos mais distintos problemas existentes no bairro.

CRIANÇAS NA RUA

É sábado de manhã, o relógio nem bem marca 10 horas, e uma criança caminha pelas ruas da Santa Marta recolhendo sucata para a família revender. Sobre a carcaça de um carrinho de bebê , carrega uma barra de ferro enferrujada e mais alguns objetos sem serventia aos antigos donos. “Ganhei de uma tia e fui buscar”, observa, querendo dizer que não é todo dia que sai pelo bairro em busca de sucatas. Caminha rumo à sua casa, um local perto dali. Por mais que esteja fazendo a coleta em caráter extraordinário, a realidade

uma hora para treinarem. Fazem isso duas vezes por semana. Três dos quatro garotos sonham em se tornar jogadores de futebol. “Mas daqui não dá pra esperar nada, estragam tudo”, conclui Mateus. O relato dos meninos é só mais um exemplo das deficiências narradas por Terezinha da Rosa e Salete de Paula Zorzi.

PERTENCIMENTO

do estudante Marcos Isaías pela integrante da Pastoral Carvalho, 11 anos, é a de mui- da Criança, Salete de Pautas outras crianças da comu- la Zorzi. Ela fala isso com a nidade. “Nem escolhinha de consciência de quem conhefutebol, que a gurizada gos- ce a realidade das periferias: ta, tem. Tinha uma, mas não onde o poder público falha, acontecia de forma organiza- o crime tira proveito. da”, avalia Inajara Saldanha Salete e os demais inteCarvalho, 44 anos, mãe de grantes da Pastoral acompaIsaías e de Isaac Juliano Car- nham em torno de 90 crianças valho, que são gêmeos. da localidade e, segundo ela, A dona de casa, mãe de devido a falta de projetos sooutros dois filhos, uma ado- ciais ou com viés educacional lescente de 17 anos e um é mínima a porcentagem dos rapaz de 20, sente falta de pequenos que participam de atividades de turno integral alguma atividade neste conna escola, aulas de reforço ou texto. “O que se vê é muita até uma oficina de música na criança pela rua”, frisa. comunidade. Para ela, isso poderia garantir aos seus filhos UMA HORA A PÉ É perto das 11 horas de a chance de desenvolver alguma prática lúdica e produtiva, sábado. Um grupo de quatro os mantendo longe das ruas. meninos, com pinta de bo“Até agora eles não tiveram leiros, passa em frente a uma quadra de futebol construída oportunidade”, diz. O número de crianças e adolescentes residentes na Santa Marta é grande. Um indicativo disso é que somente na escola de ensino fundamental do bairro, são cerca de 750 alunos matriculados. No bairro Primos vão inteiro, moram em a pé, duas torno de 500 famí- vezes por semana, lias e, segundo a até bairro vizinho direção da Asso- para participar de ciação de Mora- projeto de futebol dores, em torno de cinco mil pessoas. A percepção de que faltam projetos para fazer um contraponto à violência existente na vila também foi observado

no ano passado ao lado da Associação de Moradores. “Estamos voltando da escolinha de futebol, lá no Jardim Luciana. Não jogamos aqui porque não tem (projeto)”, dispara o maior deles. Mateus dos Santos Nogueira, 13 anos, explica: o projeto de futebol que existia no bairro acabou no ano passado e não reiniciou em 2018. Para não ficarem sem fazer aquilo que gostam, acabaram descobrindo a escolinha no bairro Jardim Luciana. A escolinha fica cerca de 3 km de distância da Santa Marta. Sem dinheiro para pegar ônibus, ele e os primos Kauã Iziel Nogueira da Rocha, 10 anos, Érick Daniel de Oliveira Nogueira, 12, e seu irmão, Wellyson Nogueira da Silva, 10, caminham em torno de

A quadra do bairro foi construída no final de 2016, mas começou a ser usada no ano passado. Em um ano, já está em estado deplorável. As goleiras foram destruídas, uma delas foi substituída por uma improvisada, feita com paus. A rede está pendurada e em pedaços. A cerca, que garantia certa segurança às crianças, foi arrancada. “Roubaram”, pontua um integrante da Associação. Existe aí um problema que não pode ser “terceirizado” ao poder público. “A comunidade precisa cuidar daquele lugar, precisa desenvolver um sentimento de pertencimento”, contrapõe a professora Cristina. Além de dar aulas de Educação Física e de Iniciação Científica, ela é a responsável pela elaboração de projetos da Escola Santa Marta. A professora salienta também que o projeto de futebol, desenvolvido em 2017, deve ser reiniciado este ano, mas espera pelo sinal verde da Prefeitura. O que falta é o acerto entre a administração e o instrutor da escolinha, mas também o conserto dos estragos provocados na quadra. Cristina não nega a ausência da Prefeitura e concorda que há uma grande deficiência em relação às oportunidades aos jovens da Santa Marta. Mas, no entendimento dela, a comunidade também precisa mudar culturalmente, como a forma de pensar. Para a professora, toda a carga de reivindicação fica “nas costas” da escola ou de poucas pessoas da diretoria da Associação de Moradores. Na sua opinião, a mobilização precisa ser de toda a comunidade. “A gente sabe que sem isso o poder público não funciona”, finaliza. ISAÍAS RHEINHEIMER EMERSON SANTOS


14. Habitação

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MARÇO/ABRIL DE 2018

Luta diária pela moradia Com a renda do Bolsa Família destinada para o aluguel, Geneci não consegue suprir as necessidades básicas da casa

Com a esperança de conquistar a tão sonhada casa própria, Geneci e seus filhos sobrevivem apenas com o auxílio do Bolsa Família

Q

uando se passa pela rua Nove da Vila Santa Marta, o pequeno portão que dá entrada a uma casa de madeira é quase imperceptível, assim como a história de quem mora lá. É naquele endereço alugado que Geneci da Silva Viana, 38 anos, abriga sua família e enfrenta o desafio diário de sustentar seu lar. Com um olhar abatido, sorriso de quem nunca desistiu e o filho caçula no colo, ela conta sua história desde que voltou a morar na vila. Geneci tem oito filhos, dos quais cinco são meninos, e duas netas. A primogênita nasceu no auge da sua adolescência, aos 16 anos, e o último filho há menos de dois anos. Metade da família não mora com ela. Estão em casa apenas os quatro meninos mais novos, que ainda dependem de cuidados da mãe. Em especial o bebê de um ano e oito meses, que possui bronquite asmática e já passou por diversas crises e internações. A figura de outro dos filhos está presente no alto da parede, em um retrato notável. Na

foto posada é Emanuel, que ela não vê há meses e sofre com a distância, pois ele mora com seus padrinhos em outro bairro de São Leopoldo. Entre amores e abandonos, há cinco meses, Geneci decidiu seguir em frente sozinha. Sua realidade, assim como de muitas brasileiras, não é animadora. Ela não conta com um parceiro para dividir tarefas, gastos financeiros, responsabilidades e as preocupações com os filhos. Até o sexto filho, ela conseguia conciliar a rotina de casa e do trabalho, mas agora sua renda mensal se resume ao auxílio do Bolsa Família, gasto quase totalmente no aluguel que garante teto para os meninos. Junto aos cinquenta e sete reais que sobram, fica a angústia de não conseguir suprir as necessidades básicas da família. O conflito da escolha entre casa e alimento é bem definido para Geneci: “Fome tu passa, mas sem ter onde morar não”. Quem contribui com os alimentos é seu pai, que ajuda como pode. A casa, à qual ela dedica a única renda que tem, está em situação precária. Mesmo em más condições, Geneci a mantém a casa organizada e com ajustes ela esconde a estrutura danificada com uma cortina pregada na parede da sala.

APOIO AMIGO

“Em 29 anos aqui, a história mais triste que eu já vi é a dela. Sem casa, sem alimento, sem recurso do poder público, ninguém chegou aqui”, relata Vilson Prestes, um dos fundadores da Santa Marta e ex-presidente a associação de moradores. Ele a levou até a assistente social e tenta auxiliar no que pode para que ela conquiste uma morada digna. “Eu só vou dormir sossegado quando ela tiver onde morar”, afirma. A busca por informações, em relação aos seus direitos, também se torna uma barreira para Geneci, que cursou até a terceira série. Sem dinheiro para gastos extras ou passagens de ônibus, ela não consegue providenciar as comprovações necessárias para lutar pelo lar. Histórias como a de Geneci se replicam pelo Brasil. Conforme a doutora em Serviço Social e professora da Unisinos, Marilene Maia, alternativas como o aluguel social e Minha Casa, Minha Vida estão limitados, no atual governo. “Hoje, assim como Geneci, uma boa parte dos brasileiros não está conseguindo acessar os seus direitos básicos”, aponta Marilene. Desde 2015, repasses orçamentá-

rios destinados a políticas federais foram reduzidos significantemente e conquistas como a moradia popular estão desprovidas de qualquer investimento. O Estado tem o dever prioritário de prover proteção social às famílias que de alguma maneira estão em situação de vulnerabilidade. A professora salienta que na concepção original, o programa Minha Casa, Minha Vida teria planos para atendimento às famílias de extrema pobreza, como no caso de Geneci, mas lamentavelmente esses recursos foram cortados. Já o aluguel social é um benefício assistencial mensal extremamente restrito, que tem como prioridade oferecer moradias às famílias que sofreram perdas envolvendo desastres naturais.

Além disso, a reunião promove o espaço coletivo de escuta e troca de vivências, acesso a serviço setoriais e benefícios. O CRAS Norte, que atende a Santa Marta, realizará a reunião no dia 18 de abril, às 9h, na Associação de Moradores da comunidade. A iniciativa depende da participação dos moradores para o registro das necessidades da população. A luta pela moradia digna é um esforço que exige união do Estado, da sociedade e das organizações econômicas. Marilene destaca a importância em observar que o déficit habitacional é enorme, e que além da casa, é necessário luz, saneamento básico e proteção, mas isso não está sendo garantido para as famílias.

Saiba mais:

REUNIÃO DIA 18

Mesmo com a inexistência de recursos financeiros, o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) é a porta de entrada para a mudanças de realidades como a de Geneci. Em São Leopoldo, são realizadas as reuniões de rede, divididas por zonas, com o objetivo de oportunizar o debate das demandas atendidas e ainda pendentes das regiões.

O que: Reunião de Rede (Norte) Quando: 18 de abril de 2018, às 9h Onde: Associação de Moradores da Santa Marta Objetivo: promover atendimento socioassistencial Público-alvo: cidadãos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos. CAROLINE TIDRA KETLIN DE SIQUEIRA


Negócios .15

ENFOQUE SANTA MARTA | SÃO LEOPOLDO (RS) | MARÇO/ABRIL DE 2018

Viver e empreender No Mercado Santa Marta, o proprietário Jair da Silva se dedica ao negócio há mais de 15 anos

Relatos de moradores que resolveram empreender na comunidade e conquistaram a fidelidade de seus clientes

D

isposição para o trabalho e o bom atendimento aos clientes são características de empreendedores da Vila Santa Marta, como Édson da Silva, do Bazar Silva, Jair da Silva, proprietário do Mercado Santa Marta, e da cabelereira Graciela Machado. O sucesso nos negócios também é resultado da fidelidade e apoio da comunidade que frequenta as empresas locais. Orgulhoso de seu trabalho, o proprietário Édson da

Graciela Machado atua como cabeleireira no espaço em sua casa

Silva, 46 anos, é o dono do primeiro bazar de utilidades da Santa Marta, o Bazar Silva. “Há oito anos abro o bazar de segunda a sábado, das 8h às 20h. Fica difícil tirar férias, o pessoal pede para abrir”. Hoje com clientes fiéis, Silva começou o negócio em sua casa, vendendo brinquedos e alguns artigos femininos, como brincos e pulseiras. “E deu certo”, comemora. Dividindo o mate com Valtenir da Silva, um dos clientes mais antigos da loja, Édson atende os amigos e vizinhos que chegam. “As maiores demandas do bazar são hoje artigos para cozinha, eletrônicos, material escolar, roupas e brinquedos”, destaca o

proprietário. Valtenir é um dos clientes assíduos do empreendimento e prefere realizar as suas compras na Santa Marta, pois costuma sair pouco da região. “Preços e produtos bons, além de ser pertinho de casa”, elogia. Sobre as carências da comunidade, Valtenir não deixa de lembrar a falta de uma farmácia e de um posto de gasolina.

TRABALHO E CONFIANÇA

Morador da Santa Marta desde 1994, Enir Hubner, 42 anos, veio da cidade de Capanema, no Paraná, e acompanhou a formação e a criação dos empreendimentos da Vila. Sua preferência é realizar as compras

Coordenador do projeto Vida Limpa, Vladimir Rodrigues, acompanha a venda dos produtos de limpeza

para casa no Mercado Santa Marta, um dos primeiros estabelecimentos da Vila. Fica a poucos metros de sua casa e oferece diversas opções de produtos. O proprietário é Jair da Silva, 42 anos, conterrâneo de Hubner. “Há 15 anos me dedico de domingo a domingo ao mercado, os clientes são antigos e poucos fazem compras fora daqui”. Na época, chegou do Paraná na Santa Marta e adquiriu o mercado de outros proprietários”, conta. No caso da microempreendedora Graciela Machado, 31 anos, o investimento em um salão de beleza começou há apenas cinco meses, após realizar um curso de aperfeiçoamento profissional na área da beleza. Moradora há três anos na Santa Marta, Graciela está contente com o retorno positivo do novo negócio, apesar da concorrência. “Estão gostando do meu trabalho, as clientes são atendidas pela primeira vez e voltam. Superou minhas expectativas em pouco tempo”, conta. Anteriormente, no mesmo espaço, Graciela havia montado um minimercado. Desistiu pela dificuldade na cobrança dos devedores do tradicional “caderninho”. “Tenho um coração muito bom, os fregueses acabavam demorando para pagar e eu jamais negaria comida”, relembra ela. Agora, Graciela conta com o dinheiro garantido. “Se quer ficar bonita tem que pagar”. Além dos serviços para cabelos,

alongamentos de unhas em gel e porcelana são o carro-chefe de Graciela.

UNIÃO E FORÇA

O projeto Vida Limpa, iniciativa do Centro Terapêutico Fazenda Santa Rita de Cássia, em Portão, vende produtos de limpeza a cada 20 dias na Vila Santa Marta. Entre as atividades ocupacionais desenvolvidas pelos pacientes no centro de reabilitação para dependentes químicos está a produção dos produtos concentrados à base de glicerina. O valor arrecadado retorna para o centro, aonde 80% dos pacientes são carentes. O projeto, coordenado por Vladimir Rodrigues, conta com o apoio de químicos voluntários. Conforme Rodrigues, a escolha de comercializar os produtos na Vila Santa Marta decorre de uma das principais características da comunidade: a união e a força. “Como em muitas comunidades, as famílias têm problemas de alcoolismo dentro de casa. Aqui todo mundo se ajuda, a minha ideia sempre foi ajudar as pessoas como um dia recebi apoio da Fazenda Santa Rita de Cássia. Temos bons preços e, por isso, escolhemos a Santa Marta”, conta. Com o valor de apenas dez reais é possível adquirir três opções de produtos de um litro para ambientes, como o desinfetante, água sanitária e o repelente de citronela. AMANDA MOURA CRISTIANO JUNIOR


ENFOQUE SANTA MARTA

SÃO LEOPOLDO (RS)

MARÇO/ABRIL DE 2018

EDIÇÃO

7

Esforço individual em busca do bem coletivo Moradores buscam formas para diminuir os efeitos causados pela quantidade de lixo deixado pelas ruas

S

anta Marta sofre há anos com o descarte irregular de lixo, como móveis, papelão, plástico, entulhos de construção. Embora exista o esforço da Associação de Moradores em solucionar este problema, ele continua. Entretanto, há moradores que por iniciativa pessoal buscam novas formas de amenizar os problemas causados pelo lixo deixado nas ruas pelos próprios habitantes do local. Existem pessoas, como Valdo Amorim de Jesus, 69 anos, que buscam soluções para os transtornos causados pelo lixo. Ele faz do descarte incorreto de materiais recicláveis sua fonte de renda, além de ajudar a diminuir os impactos visuais e ambientais causados pelos rejeitos. Morador da vila há 24 anos, veio de Tenente Portela - região noroeste do Estado - em busca de emprego. O catador reclama que vê muito lixo pelas ruas da vila, e estes nem sempre são materiais recicláveis, em sua maioria são rejeitos como itens de higiene. “Eu não acho isso certo. Vou recolhendo o material, o que não serve para mim coloco em um saco e deixo para o caminhão levar”. Ele ainda completou dizendo que procura manter o pátio de sua casa sempre limpo. Valdo comentou que há

muitos catadores no local e por isso há poucos objetos recicláveis pelas ruas. Assim, combinou com alguns moradores que guardassem os materiais para que ele os recolhesse durante a semana. “Há pessoas que já sabem que eu recolho e deixam guardado para mim, aí vou passando durante a semana para pegar”, contou. Todo o resíduo coletado é levado até um depósito no Parque Mauá, no bairro Arroio Manteiga, onde é vendido pelo catador. Durante seis anos e meio Valdo trabalhou na Cooperesíduos - Cooperativa de Catadores de Resíduos e Prestação de Serviços de São Leopoldo, que fica localizada próxima a Santa Marta. Durante aquele período, ele chegou a conhecer a cooperativa da cidade de Bom Princípio, mas decidiu trabalhar de forma autônoma. Sendo trabalhador autônomo, Valdo, tem a possibilidade de escolher os dias e horários de trabalho, diferentemente se continuasse trabalhando na cooperativa.

VIZINHANÇA ATIVA

Não é somente Valdo que procupa-se com o visual da Santa Marta. Muitos moradores fazem diariamente um trabalho de “formiguinha”, limpando a frente de suas casas e pátios para impedir o acúmulo de resíduos. Érica de Oliveira, de 30 anos, explicou que busca manter a frente da sua residência sempre limpa. “As pessoas passam pela rua e jogam o lixo no chão. Quando vemos, está

na frente da nossa casa, em nosso pátio”, afirmou. “Nós separamos o que é material reciclável e guardamos para o cunhado da minha mãe - o Seu Valdo reforça João - que recolhe e é a renda morador daqui”, reve- familiar recolhendo lou Érica. Ela lamenta materiais recicláveis que muitas pessoas em casas e nas ruas não cuidem do local da Santa Marta onde moram e acabam jogando lixo na rua. Porém, Érica reconhece que muitos moradores ajudam no recolhimentos destes resíduos, e elogia o empenho de todos, mesmo limpando somente a Vila Santa Marta mais uma a frente de suas casas. vez não ingressou na lista. PROBLEMA ANTIGO Dilce contou que rotineiraOutras edições do jornal mente a diretoria também se Enfoque Santa Marta já tra- reúne para recolher rejeitos taram do assunto, mas con- deixado no pátio da Associaforme a presidente da Asso- ção, ou aqueles trazidos pelo ciação de Moradores da Santa vento, uma vez que o descarte Marta, Dilce Maria da Rosa, é em grande volume. o problema se agrava a cada Dilce contou que a E.M.E.F. dia. O caminhão que recolhe Santa Marta iniciou o Projeresíduos recicláveis (coleta to “Bairro Melhor”, que visa seletiva), como o papelão, melhorar a vida dos moradeixou de passar pela comu- dores e resolver os problenidade há dois anos, lembrou mas gerados com o descarte a presidente. Ela considera incorreto de lixo. Abraçado este um dos fatores decisi- pela Associação, o projeto foi vos para o acúmulo de lixo. discutido com a Secretaria Hoje, ocorre somente a coleta Municipal de Mobilidade e domiciliar - que recolhe res- Serviços Urbanos no final do tos de alimentos e materiais ano passado. Porém, o resutilizados para higiene - , ponsável em agilizar o projeto três vezes na semana. na Secretaria acabou sainEm janeiro deste ano, a do da Prefeitura e até agoprefeitura de São Leopoldo, ra nada foi resolvido. por meio da Secretaria de Serviços Públicos, anunciou a ARROIO MANTEIGA Os problemas causados expansão da coleta do lixo seletiva e domiciliar, aumentado com o descarte incorreto do de 19 para 27 as regiões aten- lixo são cada vez maiores. A didas. Mesmo com a mudança, 5º edição do Enfoque Santa

Marta (outubro/novembro de 2017) abordou a precária situação do Arroio Manteiga. Com riscos de deslizamento famílias moradoras à beira do local se utilizam dos entulhos para fazer uma barra de contenção buscando evitar que suas casas sejam levadas. Embora para alguns essa atitude seja uma solução ela acaba trazendo outros problemas para a comunidade. Entre eles estão os ratos, o cheiro forte devido ao lixo e animais mortos que são jogados no arroio. Além disso, em dias de chuva o nível de água sobre de forma significava, uma vez que não há escoamento devido ao lixo depositado e o local não recebe limpeza e desobstrução há muito tempo. Desde 2007, essas famílias estão cadastradas na Prefeitura para serem realocadas, mas desde então nada foi feito. BRUNA BERTOLDI CAMILA TEMPAS


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