Enfoque Vila Kédi 06

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ENFOQUE VILA KÉDI

PORTO ALEGRE / rs maio/JUNHO DE 2016

a kédi delas Edição temática sobre as mulheres do bairro

EDIÇÃO

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2. CRÔNICA

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Com elas é diferente

D

eixa o cabelo crescer. Pinta unha. Faz maquiagem. Embala a boneca, um dia você terá filhos, tem que saber desde cedo. Aprende a limpar o lar. Mulher precisar se domesticar. Tem que saber cozinhar. Se não, não vai casar. Todo esse blá blá blá fica de lado na Vila. Na Kédi, tem mina jogando taco. Tem mina jogando bola surrada. Tem mina de cabelo desgrenhado e cara amassada. E adivinha, a líder da Vila é MULHER. Porque na vila os valores são outros. Na Kédi tem que saber se defender. Tem que estudar para poder crescer. Tem que trabalhar desde cedo para ajudar em casa. Na Kédi se aprende a cozinhar para ajudar a mãe a cuidar da família. Se aprende a ser honesta e garantir o pão do dia. Chance não tem muita. Como disse o rapper Criolo: vivemos num país onde currículo tem que vir com foto. E quem vai empregar as mulheres que vem da Kédi quando comprovam esse endereço? Essa é uma pergunta feita há muito por Angela. Mas na Vila tem mulher que vive sozinha, também. Mulher independente como Teresa Du-

tra, que cuida da sua coleção de bonecas porque os filhos já foram embora. O marido morreu há oito anos e, há quatro, ela mora sozinha, apenas com a companhia do cusco e das bonecas. Teresa passa o dia costurando

RECADO DA REDAÇÃO

Feminino e final Os três sábados em que estivemos na Kédi foram únicos em cada nova história descoberta. Relatos de vidas duras, batalhadas, de alegrias e tristezas. A experiência de encarar uma difícil realidade, mas de se encantar com a receptividade dos sorrisos que sempre encontramos na chegada e na hora da partida, foi incrível. Nesta edição as mulheres estão em foco, estão na linha de frente da Kédi. A liderança comunitária é feminina, existem muitas histórias de mulheres e meninas para contar. A escolha do tema não foi por acaso. Fomos recepcionados de braços abertos por Angela, mulher guerreira como as outras moradoras da Kédi. Nas páginas deste

jornal experimental, grandes relatos de vidas que se encontraram. Nas palavras delas, o significado de ser mulher, como encarar a vida, mas nunca com a cabeça baixa. São mães, filhas, netas e bisnetas. Coincidentemente, a edição desta publicação foi feita exclusivamente por alunas. Desse lugar adverso que não tem asfalto, não tem esgoto, onde os moradores são responsáveis pelas melhorias, contamos algumas histórias nessas três edições do Enfoque Vila Kédi durante o semestre. Agradecemos pela carinhosa recepção. Boa leitura! Nathalia Amaral Editora-chefe

uma roupa aqui, outra ali. Vez ou outra, quando o sol aparece, ela senta no banco na frente de casa e fica de olho na criançada. E, a cada pouco, dá uma olhada no filho mais novo, deficiente físico. Ele mora na casa da frente,

passa o dia na cama que fica à beira da janela, com espelho retrovisor em mãos, cuidando quem entra e sai da ruela. Teresa tem 80 anos, detalhe que só se vê no documento e nos olhos azulados da catarata

ENTRE EM CONTATO

avançada. Mas não é ruim morar sozinha com essa idade? “Não moro sozinha, moro com Deus e ele não me incomoda. E aqui na Vila não tem solidão, não”. Lua Kliar

DATAS DE CIRCULAÇÃO

(51) 3590 1122, ramal 3727

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09 / 04 / 2016

enfoquevilakedi@gmail.com

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30 / 04 / 2016

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27 / 05 / 2016

Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744 – Petrópolis – Porto Alegre – RS Cep: 90470 280 – A/C Coordenação do Curso de Jornalismo

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Vila Kédi é um jornal experimental dirigido à comunidade da Vila Kédi, em Porto Alegre (RS). Com tiragem de mil exemplares, são publicadas três edições a cada semestre e distribuídas gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre.

CONTEÚDO Disciplina Jornalismo Cidadão Orientação Luiz Antônio Nikão Duarte (texto) e Flávio Dutra (fotografia) Edição geral (chefia) Nathalia Amaral Edição de fotografia Érika Ferraz Edição de texto Amanda Bicca, Laís Albuquerque e Lua Kliar Reportagem e fotografia Amanda Bicca, Érika Ferraz, Henrique Kanitz, Joquim Oresko, Laís Albuquerque, Lua Kliar, Maurício Trilha, Nathalia Amaral, Pedro Nunes e William Szulczewski ARTE Realização Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização Marcelo Garcia Diagramação Mariana Matté

IMPRESSÃO Realização Grupo RBS Tiragem 1.000 exemplares

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744 – Petrópolis – Porto Alegre – RS. Cep: 90470 280. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinícius Souza. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Thaís Furtado.


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ENQUETE .3

O que elas pensam sobre os seus direitos?

João Carlos começou seu segundo casamento em um dos bailes de seu bar, no início da Kédi

Andréia Oliveira da Silva 40 anos dona de casa

“Eu sinto que ainda falta alguma coisa. Ainda temos dificuldade no mercado de trabalho, por exemplo” Morgana de Oliveira 41 anos desempregada

AMANDA BICCA

Maria Solange Dutra 49 anos dona de casa

“Sou pai e mãe aqui em casa. Batalho pelos meus filhos, mas também por mim. Depois de 24 anos voltei a estudar, tenho como objetivo conquistar meu diploma”

William Szulczewski

Amanda Bicca

“Nós mulheres fazemos de tudo, mas isso não quer dizer que queremos menos direito que os homens”

AMANDA BICCA

No trabalho, na política e no dia a dia, o papel da mulher na sociedade vem se destacando cada vez mais. Esse é o ponto em comum entre as moradoras da Vila Kédi, a quem o Enfoque questionou sobre os direitos femininos

HENRIQUE KANITZ

AMANDA BICCA

Que os papéis femininos são crescentes na sociedade

“Acredito que cada vez mais nós, mulheres, estamos conquistando tudo o que queremos. Se conseguimos nossos direitos é porque somos batalhadoras. Aqui na vila todas são bem tratadas e respeitadas”

“No meu colégio não tem essa de meninos pra lá, meninas pra cá. Todo mundo é amigo” Kimberly Jordana 9 anos estudante

Angela Maria Oliveira da Silva 61 anos líder da vila

O olhar deles Lar de muitas famílias, a Vila Kédi abriga mais mulheres que homens, afirmam os moradores. Eles contam um pouco de sua relação com elas. CleitonMateusSilvadosReis,20anos, já esteve casado por dois. Hoje, está satisfeito com o término:“Já é um bom tempo. Chega por enquanto”. Amigo de muitas meninas da Vila, ele afirma que deviam se valorizar mais. “Elas namoram com qualquer um, não querem nada sério com ninguém”. Porém, tem uma boa relação com todas, visitando regularmente seu filho, que reside na Kédi junto com a mãe. De acordo com ele, mulheres têm os mesmos direitos e deveres que o homem, sem distinção de nenhum tipo. Apenas lamenta o fato de a primeira presidente mulher do país ter uma administração tão ruim, em sua avaliação. Com pouca representação no Governo, ela poderia ter feito mais pelo povo, apesar de não ter toda culpa. João Carlos Gonçalves Dutra, 73 anos, cuida do bar logo à entrada da Vila – pela Avenida Nilo Peçanha. E foi ali que conheceu sua “nega veia”, em um baile, há três anos. Ti-

rou-a para dançar e, dali para frente, sabiam que ficariam juntos. Recém saído de um casamento que durou 28 anos, do qual tem uma filha de 42, João não guarda ressentimentos algum. Ainda fala com a ex-mulher, apesar da traição por que passou. “Uma vez ela foi comprar um cigarro e voltou no dia seguinte. Aí não tive como aguentar”. Ele também defende a equivalência de gêneros. “Assim como tem mulher ruim, tem muito homem ruim também”, apesar de achar que elas eram mais direitas antigamente. Lamenta o fato de também caírem nas drogas, tão estigmatizadas como um problema masculino. Ele próprio tem experiências desagradáveis com o problema. Familiares e conhecidos presos ou mortos são comuns em sua história. Dentre eles, mulheres. “Mas aqui não tem nada disso”, tranquiliza-se João, ao ouvir o chamado de “pai”. Uma moça, filha de sua atual esposa, mesmo assim, um pai para ela. Henrique Kanitz


4. ENTREVISTA

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Angela acredita que tanto homens quanto mulheres têm direitos iguais

Angela:“Somos muito respeitadas aqui dentro” Em entrevista ao Enfoque, líder da Kédi fala da relação das mulheres com o cotidiano da Vila Aclamada pela comunidade como a atual líder da Vila Kédi, Angela Maria Oliveira da Silva, de 61 anos, é uma das pessoas que toma a frente nas decisões do lugar. Sempre simpática e disposta a ajudar aos demais, Angela se tornou a principal referência feminina entre vizinhos que moram na Kédi. Em entrevista ao Enfoque, ela aborda a rotina, a boa relação e o “domínio” das mulheres dentro da vila. Também fala sobre assuntos da atualidade, como a situação política brasileira e a igualdade entre homens e mulheres na sociedade. Enfoque Vila Kédi: Como a senhora se tornou líder da Vila Kédi? Angela Maria Oliveira da Silva: Foi o pessoal que votou. Fizeram uma reunião, mandaram me chamar e quando cheguei lá já me elegeram a líder. Na verdade, gosto muito de ser a líder da nossa vila. EVK: Quais são as atribuições de uma líder? Angela: Se alguém estiver precisando de alguma coisa a gente conversa, tenta resolver, tenta ajudar os outros. Que nem agora, os moradores não tinham comprovante de residência e eu conversei com o Maicon (filho de Angela) e fomos sondando. No final, arrumamos tudo para eles. Fomos no “postão”, conversamos com eles, explicamos que eles não tinham comprovante de residência e conseguimos, então, resolver essa situação. EVK: Dentro da Vila, existe respeito dos homens com as mulheres? Angela: Eles são muito respeitosos. Nós, mulheres, somos muito respeitadas aqui dentro. EVK: Já houve algum caso de violência doméstica dentro da Vila? Angela: Não, não! Graças a Deus nunca houve nada aqui.

EVK: Dentro da Vila existem mais homens ou mulheres? Angela: Tem muito mais mulheres do que homens. E aqui dentro as mulheres são mais resolvidas do que os homens. As mulheres vão lá, resolvem, fazem e pronto (risos). EVK: Existe uma comemoração que a Vila faz em homenagem às mulheres? Angela: Sim, o Dia das Mães. Fazemos sempre uma festa com todo mundo da Vila. Aqui a gente também comemora Dia das Crianças, Natal e Páscoa. EVK: O que a senhora acha do trabalho e do futuro da presidente Dilma Rousseff? Angela: Pois é, eu acho que ela não é culpada de nada. Sou contra o impeachment dela, pois acho que ela fez coisas boas pelo Brasil. Ela deu acesso à faculdade, o estudo melhorou bastante, tem também o Minha Casa Minha Vida. Ela fez coisas muito boas. Os estudantes vibraram com ela. EVK: As mulheres atualmente possuem os mesmos direitos que os homens? Angela: Eu acho que elas têm até mais direitos do que os homens. As mulheres estão na frente, estão mais bem resolvidas. Enquanto as mulheres estão indo para frente, parece que os homens que estão indo para trás. EVK: E em relação às mulheres negras? Angela: Eu acho que elas têm todos os direitos de que precisam. Os mesmos que os outros têm. Todos são iguais. E eu nunca sofri nada de mal, graças a Deus. EVK: Como é a sua rotina diária na Vila? Angela: “Acordo todo o dia às 5h30min e já vou direto fazer os lanches para vender. Fico fazendo isso durante o dia todo até umas 18 horas. Quando paro, daí fico cansada, sem contar que tenho de colocar tudo em ordem para o outro dia. Às vezes vou dormir à 1 hora da madrugada (risos). William Szulczewski

ENSAIO


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Todas elas em algumas delas Entre os galhos ainda verdejantes no nascer do outono, encontramos seus sorrisos. Aos que se expõem ao mundo, se revelam juntamente com seus êxitos e lástimas. Seus medos e sonhos. Cada uma da sua maneira, encara suas batalhas. Marias, Angelas, Brunas, Julianas. Mulheres. Maduras ou no despertar da infância. A juventude de sonhos se mistura à realidade do trabalho na vida adulta, que impõe desafios todos os dias. Mães, filhas, irmãs, tias, amigas, trabalhadoras... Todas mulheres da Kédi. Nathalia Amaral


6. gente

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Os muitos corações de Mara Ela tem sete vidas, a dela e as das filhas

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ainá, Taiana, Yasmin, Stephani, Kethelin e Aila são as filhas de Mara Ribeiro, de 41 anos e de Delmar Souza, de 45 anos. O casal dedica-se inteiramente à criação das suas meninas. A mãe se sente realizada pela “sorte” em ter só filhas mulheres. O Dia das Mães de Mara, todos os anos, é garantia de casa cheia e da família reunida. Mas, como toda a mãe, já enfrentou as dores e delícias da maternidade. Mara se permite o tempo todo estar na volta de suas filhas, principalmente a menor, de um ano e nove meses, a Aila. Ela teve as meninas anteriores em partos normais, mas devido à idade avançada, precisou fazer cesariana para dar a luz Aila. “Eu trabalhava de auxiliar de cozinha em um restaurante, mas larguei o meu trabalho para cuidar das meninas”, disse Mara, sem arrependimento algum. Todas as meninas têm uma coincidência curiosa entre elas: as seis irmãs só desmamaram quando cada uma completava cinco anos de idade. “Eu não via problema algum, se Deus me deu essa benção, eu não iria ir contra a vontade d’Ele. Nunca passei por nenhum constrangimento

até agora, em relação a isso, algumas pessoas até acham bonito”, complementa. Devido a uma febre, seguida de convulsão, Aila já esteve hospitalizada por uma semana. “Me senti culpada. Ela estava com uma febre muito alta, ao invés de tirar a roupa dela, fiz ao contrário, eu a agasalhei”, lamenta. A Taiana e a Tainá já são mães, e presentearam Mara com três netos: um casal e uma menina, respectivamente. O mais divertido é que tia e sobrinha brincam juntas, Aila e Isabela, filha de Tainá, possuem quase a mesma idade. A fase difícil na família foi quando um desentendimento com o genro, fez com que ele evitasse que Mara pudesse visitar o casal de netos, Luis Fernando e Isadora. “Foi muito agoniante pra mim como avó, agora já posso vê-los, mas ainda evito encontrá-lo, ficou um ressentimento”. Mara adora ser mãe e sempre diz: “que Deus nunca me tire nenhuma, minhas filhas sempre em primeiro lugar”. Seu maior desejo é ver as filhas com estudo, para serem independentes. “Eu só espero que quando elas crescerem, elas deem valor ao esforço que passamos para criá-las”.

Nathalia Amaral

Érika Ferraz

Aila e Isabela passam o dia sob os cuidados de Mara, enquanto brincam e cuidam uma da outra

Érika Ferraz Nathalia Amaral

Feliz Dia das Mães! Uma característica é bastante comum entre os moradores da Kédi: grandes famílias. Muitas mulheres já têm filhos, netos e até bisnetos. Alguns ainda vivem na vila; outros, adultos, já seguiram seu caminho e foram embora. Mas apesar da eventual distância, não é difícil encontrar, aos sábados e domingos, filhos que retornam em visita às mães e ao restante dos demais parentes. Dentre todos os fins de semana do ano, um em particular é bastante especial: o Dia das Mães. A data é bastante comemorada por todos, é o momento onde essas grandes famílias se reúnem. Com a chegada do mês de maio, a expectativa é grande por muitas mulheres da Kédi, pela oportunidade de rever filhos e netos, sobretudo aqueles quemoramlongeenãofazemvisitas com grande frequência. Tereza Dutra é viúva e tem

oito filhos, três rapazes e cinco mulheres, que não moram mais na Kédi. “Elas têm a vida feita já, moramcomosmaridos,jáformaram suas famílias, graças a Deus”. Aos 80 anos, aposentada e cuidando de um dos filhos que é doente, Tereza aguarda a visita das filhas no Dia das Mães e fala com orgulho por todas terem conseguido construir uma vida fora dali. “A gente cria, dá conselho, a preocupação é muito grande quando elas são mais novas, ainda mais na situação que a gente vive”. Ângela Maria ganha a vida passando roupa em uma lavanderia. Para ela, o Dia das Mães é um pouco mais triste. Dos quatro filhos, dois já faleceram (um homem e uma mulher). Restou outro casal. Apesar do destino não ter sido tão bom, o casal de filhos que permaneceu lhe trouxe uma nova sensação, a de ser avó.“Minha

filha tem duas guriazinhas, coisa mais linda e o meu filho me deu três netos”. Todos se reúnem para comemorar o Dia das Mães. Se ser mãe por si só já é um grande desafio, na Kédi ele vem em dobro. Luiza* é mãe solteira, tem uma filha de cinco anos e depende de creche para deixar a criançaeconseguir trabalhar.“Quando A chegada do Dia das virou o ano foi diMães sempre gera fícil colocar ela na grande expectativa para creche, disseram muitas mulheres da vila, que não tinha como Tereza (à esquerda) de todas as idades vaga, depois eu que cumprem diconsegui. Não posso deixar ela versos papéis: mães, trabalhadoras, em casa, não tem quem cuide e chefes de casa e inclusive, em alguns eu tenho que trabalhar” – conta. casos, mães que também são pais. Conciliar trabalho e o cuidado É o caso de Luiza. “O pai dela não com os filhos pequenos é uma assumiu, criei sozinha”. Homens realidade também bem marcante fugindo de sua responsabilidade entre as moradoras da Kédi. não é algo incomum, acontece em Realidade que tem mães jovens, várias famílias, de várias classes mãescommaisexperiência,mulheres sociais. No entanto, na Kédi isso

se torna mais gritante. “Tem que ser forte, né, tem que ser mãe e pai. No Dia das Mães eu vou na creche, no Dia dos Pais também. Eu sou as duas coisas”. *Nome trocado a pedido da entrevistada, que não quis ser identificada. Maurício Trilha


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GENTE .7

Eliziane e o sonho de crescer “Fruteira do seu Zé” é o caminho para a independência financeira

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omoamaioriadasmulheres da Vila Kédi, Eliziane Muller Vaztrabalhadesdecedo.Aos 14 anos teve seu primeiro emprego.“Sempre trabalhei fora e fui independente”, conta. Agora, aos 34, pela primeira vez, está desempregada. Mas é por uma boa razão: ela pretende realizar o sonho de iniciar um negócio próprio. Eliziane e o marido, José Anibaldo, trabalharam por cerca de 20 anos no ramo das pizzarias e agora querem mudar a área de atuação. A ideia é montar uma distribuidora de frutas e verduras. Aproveitando sua experiência com a cozinha, Eliziane também fará doces e salgados para distribuição. Na Vila Kédi, há apenas um verdureiro que entrega semanalmente as hortaliças para os moradores, portanto o negócio preencheria um ramo que está em falta no local. Além das entregas na Kédi, eles pretendem também distribuir frutas e verduras para pizzarias em Porto Alegre. Para isso, adquiriram uma Kombi, que fica estacionada sempre na entrada da vila. Até o fim de maio, a “Fruteira do seu Zé”, jáestaráemfuncionamento. A iniciativa partiu de seu marido. “O José sempre quis trabalhar nisso e eu me entusiasmava com a ideia”, explica Eliziane. A vontade de não ser mais empregada foi um grande fator de motivação: “Trabalhamos

muitos anos pros outros. Fizemos o patrão enriquecer, agora é nossa vez de crescer”, conta, cheia de expectativa. O casal criou coragem para botar o sonho em prática quando conseguiu construir a casa em que moram e também quando os filhos de já estavam mais crescidos.“Com essas coisas já acertadas, fica mais fácil começar”, pondera ela. Moradora há sete anos da Vila Kédi, Eliziane nasceu na cidade de Tapes e veio morar em Porto Alegre com 3 anos de idade. Aos 16, teve sua primeira filha: Nátalie. A gravidez precoce a fez interromper os estudos e concluiu apenas o ensino fundamental. Mas graças ao auxílio dos pais, não teve dificuldade em criar a filha. Nícolas, de 12, veio mais tarde. Ambos são frutos de relacionamentos passados de Eliziane. Com José ela ainda não tem filhos e aumentar a família não está em seus planos: “Chega, não quero mais criança”, revela. No início, o negócio funcionará como um fruteira itinerante, onde a Kombi irá levar os produtos até os clientes. Eliziane já tem planos para o futuro:“Nossa ideia é colocar aqui em frente à nossa casa uma fruteira, como um local fixo. Ai eu cuidaria dessa parte e o José continuaria com as entregas”, explica. Se tudo der certo, ainda irão adquirir mais uma Kombi, para aumentar as entregas. “Vamos trabalhando juntos e crescendojuntos”,esperaEliziane.

Após anos trabalhando para os outros, agora Eliziane quer empreender

Molho de estrogonofe Pedimos uma receita simples e Eliziane nos passou uma de molho de estrogonofe, que pode ser utilizado em pizzas ou como acompanhamento na refeição. Confira: Ingredientes: - Iscas de carne - Cebola - Alho - Pimenta em pó - Tempero pronto - Creme de Leite - Requeijão - Champignon - Ketchup - Mostarda - Batata palha

Modo de Preparo: Junte as iscas de carne com a cebola, o alho, o tempero e um pouquinho de pimenta em pó em uma panela. Cozinhe bem, até os ingredientes ficarem bem cozidos. Depois, acrescente o creme de leite, o requeijão, os champignons, o ketchup e a mostarda. Mexa sempre até ferver. Retire do forno e acrescente a batata palha.

Laís Albuquerque

Júlia, a catequista e o dom de ensinar Para quem está chegando na Vila Kédi, a primeira coisa que chama a atenção é a pequena construção azul e branca. Trata-se da Igreja Santa Edwiges, filiada à paróquia Nossa Senhora Montserrat. No local, estão localizadas uma capela, que quinzenalmente recebe a presença do padre da paróquia, e uma sala, que possui dupla função: de cozinha e de sala de aula para alunos da catequese. Na geladeira, ao invés de alimentos, livros e cadernos. O local pertencia à uma mulher chamada Carmen, que foi questionada por seu marido sobre o que ela gostaria de ganhar de aniversário. Após pensar muito, acabou pedindo para que fosse construída a igreja, pois acreditava que deveria ajudar as pessoas mais necessitadas. Após a morte de Carmen, outras mulheres cuidam para manter o lugar limpo e sempre ativo.

Uma delas é Júlia da Costa Silva, de 28 anos. Ela é professora da catequese, com reuniões que ocorrem todos os sábados na cozinha improvisada como sala de aula e conta que, antes da existência da paróquia,os índices de violência na região eram maiores: ‘’Algumas senhoras ajudam aqui também, mas como elas estão mais idosas, não podem se dedicar integralmente para cuidar da paróquia. Júlia é catequista desde os 14 anos e, além das aulas de catequese, também tira dúvidas de português e matemática das crianças. Além dos ensinamentos, outra coisa importante para as crianças é a alimentação. A jovem responsável por eles diz que muitas vezes o lanche servido no local é a única refeição dos pequenos. Muito mais do que apenas ensinar os princípios da religião católica, Júlia procura preparar

Ela cozinha, ensina e evangeliza sem medo

seus alunos para o futuro além da Vila Kédi: ‘’Minha esperança é que eles tenham outras expectativas. Explico que elas podem ter uma casa como aquelas que ficam em volta da vila. Para isso, basta estudar’’, completa. Emummomentoemocionante, a catequista relembra que, por trabalhar com uma faixa de idade específica, não colocou um jovem de idade mais avançada na catequese. Um tempo depois, acabou descobrindo que o rapaz havia se envolvido com o crime. ‘’Ele aparentava ser meio bagunceiro e eu acabei não deixando que ele estudasse com as crianças menores. Hoje eu me arrependo’’, conta ela, enquanto enxuga suas lágrimas. Participante da Jornada Mundial da Juventude, ocorrida no Rio de Janeiro em 2013 e que teve a presença do Papa Francisco, ela relembrade um ensinamento do líder da

igreja católica: ‘’Ide evangelizar sem medo’’. E é isso que ela faz. Ajuda aos mais carentes de uma vila que é esquecida por muitos, por estar localizada em um bairro de casas luxuosas. Apesar da lição de vida dada por Júlia, ela destaca que a paróquia não está recebendo a devida atenção: ‘’Nosso material de limpeza já não é mais enviado e os banheiros da igreja não funcionam’’. Porém, a Igreja Nossa Senhora Montserrat, mantenedora da Igreja de Santa Edwiges, envia ranchos ao local com certa periodicidade. Questionada sobre qual seria seu sonho, Júlia conta que o próximo passo de seu trabalho na paróquia é chamar a comunidade que mora fora da Kédi para fazer catequese com ela, para que eles convivam com uma outra realidade. Pedro Nunes


ENFOQUE VILA KÉDI

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Uma história que daria um livro Mãe e avó, Maria de Jesus dedica sua vida à família

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riso fácil de Maria de Jesus Martins da Silva chama a atenção. Aos 73 anos, a aposentada dedica sua vida aos quatro filhos, ao companheiro e, principalmente, à neta. “Ela é meu tesouro. A gente briga, mas nos amamos”, conta Maria sobre Louni que, aos 11 anos de idade, é criada pela avó desde os 3 meses. “A mãe dela tinha que trabalhar, então meu filho veio perguntar se eu podia cuidar da menina e aí fui me apegando”, diz. Por trás das lentes dos óculos de armação rosa, os olhos simpáticos de Maria de Jesus brilham ao falar sobre Louni. O chapéu preto da senhora contrasta com os curtos cabelos crespos, já brancos. O roupão azul claro protege Maria do frio do outono, ao mesmo tempo em que ela tenta proteger a neta das viroses comuns da estação do ano. “Tem que tomar vacina”, é o que a aposentada fala para a menina, que quer sair com a mãe.“´Ela só ganha cafezinho na cama”, brinca a aposentada, enquanto Louni, aos risos, diz não sentir a menor vergonha de ser mimada pela avó.

O apego à menina tem explicação: “Se não fosse por ela, depois da morte da minha filha, eu acho que nem estaria morando mais aqui”. Maria perdeu em 2007 a única mulher dentre os cinco filhos. “Faz nove anos que ela faleceu”, conta sobre a filha, que tinha câncer no útero. “Era minha única menina. Morreu com 42 anos. Ela era trabalhadora, me ajudava um monte, muito atenciosa”, lembra. Antes de falecer, a filha ficou 25 dias internada no Hospital Conceição aos cuidados da aposentada. “Larguei casa, larguei tudo”, relembra. Maria de Jesus diz que quando percebeu que a filha estava doente, pedia para ela ir ao médico. Entretanto sua filha não queria parar de trabalhar. “Ela já estava doente há anos, eu acho que não quis me dizer. Eu via que ela não estava bem”, recorda-se, falando que quando descobriram já era tarde. Após a fatalidade, Maria não conseguia sair de casa. Seus dias eram marcados pela tristeza. Quando percebia o tamanho da infelicidade, costumava ir à praça próxima à comunidade para admirar a natureza. Há 30 anos morando na

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A simpatia e o sorriso são marcas registradas da aposentada

Vila Kédi, Maria se criou em uma casa construída em um terreno dividido entre os parentes, localizado na Avenida Garibaldi, onde seguiu morando após o casamento com o primeiro marido, já falecido. Ao sair de lá, chegou a residir aproximadamente um ano em Canoas. Nessa época ela costumava visitar a Kédi e foi quando conheceu o atual companheiro Luiz Osmar da Cruz, agora com 82 anos, também aposentado. “Vinha passear aqui e conheci o meu companheiro, aí ele comprou o barraco pra nós” - conta, referindo-se à casa na qual vivem até hoje. Em um cômodo dividido entre quarto, sala e cozinha, moram Maria, seu companheiro e sua neta.“Banheiro eu não tenho”, revela. Eles costumam utilizar a instalação da residência do filho de Maria, que fica uma casa após a dela, praticamente do lado. A pia para lavar a louça fica na parte de fora, num local desprotegido pela falta de telhas – levadas por um temporal. Em frente à pia, há um espaço para guardar as latinhas que um de seus filhos vende, onde também é visto um colchão, algumas tábuas e outros objetos jogados.

A rotina de Maria é dedicada à família. “Levanto, faço café, depois faço almoço. Lavo roupa na casa do meu filho”, diz. Dois de seus filhos moram em Alvorada e os demais em outras casas da Kédi. No tempo livre costuma assistir à televisão. “Olho novela. Gosto mais das do cinco (canal SBT), que são as que eu olho mais”, conta, aos risos. Ela explica que um de seus prazeres é assistir às diversas novelas que passam nos canais de TV aberta. As mãos da aposentada dedicam-se em trabalhar nas tarefas da casa e também em acariciar os seus dois cachorros, que costumam ficar grande parte do tempo brincando em volta de Maria de Jesus. Entre um afago e outro nos animais, recorda: “Morava na (avenida) Anita Garibaldi, vinha lavar roupa no Anchieta (quando ainda não existia o colégio), porque lá não tinha água”. A saudade que Maria afirma sentir dessa época não tira o sorriso do rosto de uma mulher que dedicou sua vida inteira à família. Com toda a sua experiência de vida, a aposentada diz que teria outras fases da vida para lembrar. “Se eu contar tudo dá um livro”, finaliza. Joaquim Oresko


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