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Pessoas não binárias
Faltava uma semana para Roberta Fontana, empresária e influencer, viajar para o nordeste com a família. Suas mãos começaram a suar, e em alguns momentos o choro era iminente. Não era emoção, era medo. Roberta é mais uma das milhões de pessoas no mundo que têm medo de viajar de avião. O medo não é de altura, ela não é claustrofóbica. Roberta acha o avião inseguro e não confia nele. Para ela, viajar de avião é ter a sensação da morte perto.
Mas a sensação é outra para Thiago Borges, que usa a camisa branca com 3 listras na manga curta. Ele é copiloto internacional da Latam. E segundo ele, estudos comprovam por números que o avião é o veículo de transporte mais seguro, só perdendo para o elevador. Mas dizer isso para quem tem medo às veRoberta, o marido e a filha Antônia em uma zes não justifidas viagens de ca. “Eu gostaria férias da família muito que essas informações de protocolos de segurança e treinamento envolvidos chegassem mais ao público em geral. Os pilotos não decolam uma aeronave se algo estiver fora do protocolo, mas é compreensível o medo, pela dúvida dos que têm esse problema”, diz.
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Mas Roberta, cada vez que entra em uma aeronave, reza para a viagem terminar logo. Um dia antes da partida, ela não consegue dormir direito, o sono se confunde com sonhos e sensações ruins sobre a viagem. “O café, que eu tomo todo o dia, não desce direito, não tem o mesmo gosto. A hora vai se aproximando e o meu medo aumentando. Entro no carro em direção ao aeroporto e começo a chorar, me abraço no meu marido, sei que vou enfrentar meu maior medo”, relata.
Para Cíntia Deiro , psicóloga que trata também esse tipo de fobia,
Arquivo pessoal / Roberta Fontana
o medo faz uma função de auto preservação e sobrevivência muito importante em nossas vidas. É uma emoção que nos permite evitar e fugir de perigos iminentes ou presentes. Normalmente, a aerofobia, o medo de voar, pode estar conectado a outras fobias, como medo de altura, de ficar em locais fechados, de socializar, e pode decorrer até de influências de pessoas próximas. “Geralmente, esse pânico ocorre entre 17 e 34 anos, na época de uma mudança significativa na vida, como por exemplo os ritos de passagem – nascimentos, mortes, casamentos, divórcios ou graduações”, detalha.
Mas a saga de Roberta continua e, chegando ao aeroporto, ela fica muda, não consegue se concentrar, fica imaginando como será a viagem, sabe que para ela será mais uma vez desagradável. “No
embarque, pego na mão da minha filha Antônia, de 4 anos, enquanto o meu marido Ricardo, leva o Vicente, nosso filho mais novo de nove meses no colo”, conta. “Eu sei que a Antônia sente a minha mão suada e o meu nervosismo”, complementa. Roberta olha para a filha, tentando fingir que está tudo bem. “Sei que Antônia, mesmo ainda pequena, sente que não está. E eu não quero passar esse meu medo para ela. Tento distraí-la colocando desenhos na tela da poltrona do avião, mas por dentro sinto aquela sensação de que estou em perigo”. O bom disso tudo é que ela enfrenta o temor, mesmo a trabalho ou em férias, pois não deseja perder muita coisa na vida dela e da família.
Lidando com o medo
A psicóloga Cíntia diz que, para alguns, é possível ter pânico de voar por medo como altura, ficar em um lugar apertado, em contato com outras pessoas, experiências ruins em voos anteriores e até histórias catastróficas com pessoas terceiras. Os sintomas da aerofobia se caracterizam especialmente por ansiedade, nervosismo, suor e pânico. Apesar de se saber que a informação pode ser uma grande aliada no tratamento, para uma correta indicação terapêutica,
Arquivo pessoal / Thiago Borges
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outros pontos precisam ser analisados. “Deve ser identificada a origem e o grau de fobia de cada indivíduo, da ansiedade (leve, média ou grave), se a pessoa chega a paralisar com a ideia ou ato de entrar num avião e a intensidade de seu sofrimento. Para cada situação existe um tratamento diferente”, explana.
Segundo Thiago, normalmente as pessoas pensam que os comissários de voo estão ali só para servir as pessoas. Mas enquanto os pilotos estão sendo responsáveis pela condução da aeronave, os comissários estão a bordo para gerenciar a segurança dos passageiros e repassar qualquer anormalidade para a cabine. Eles estão preparados para fazer esse “filtro” de situações de passageiros desde o embarque. “Esses que têm pânico em um grau extremamente mais elevado, devem fazer um tratamento com algum profissional antes de pensar em fazer um voo”, aconselha.
O copiloto já presenciou várias situações em que o passageiro relata
Pessoas que têm medo de voar normalmente não tem sensação de segurança, apesar de haver poucos casos de acidentes ou imprevistos com aviões
que tem fobia. “Nesse caso, com a aeronave ainda em solo, levamos o passageiro até a cabine, para conhecer melhor os pilotos, o avião, e explicar que é bem seguro”, conta. Situação inusitada que aconteceu com Thiago foi a de um delegado de polícia de uma cidade do nordeste que iria para Orlando, nos Estados unidos, com a mulher. O passageiro relatou que tinha pânico de avião e não queria embarcar. Foi feito então o convite para conhecer a cabine, falar com os pilotos, ficar ciente de todos os procedimentos de segurança do voo. Depois de uns 40 minutos de visita, o delegado foi irredutível e não quis embarcar. O detalhe: a viagem era de lua de mel e a esposa foi sozinha. EventualO copiloto Thiago mente, a fobia Borges sugere que pessoas tenham mais pode envolver outras quesinformações sobre tões psicolóprocedimentos gicas que vão de vôo muito além dos traumas físicos e emocionais, sendo indicado para estes casos, além da medicação, do uso de técnicas para gestão da ansiedade e do medo, a modalidade de psicoterapia. Segundo a psicóloga Cíntia Deiro, os especialistas dividem o medo de voar em três grupos principais e a indicação terapêutica vai variar conforme cada caso: aqueles que nunca voam ou não voam há mais de cinco anos, apesar da oportunidade de fazê-lo; aqueles que voam apenas quando absolutamente necessário com extremo terror; e aqueles que voam quando necessário, mas com ansiedade. Caso a pessoa se enquadre em algum destes grupos ou disponha de outras questões que gerem sofrimento e ansiedade no tema e ato de voar, deve conversar com algum especialista, para que possa ser avaliada e orientada sobre as alternativas de tratamento correspondentes.
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Estudante Júpiter Wieczorek se identifica como demigênero
muitas formas DE SE VER
Não binários são pessoas que não se percebem dentro do espectro masculino ou feminino
Texto Ulisses Lima Machado
Apertar o botão, descer até o primeiro andar do prédio de Biologia da UFRGS, entrar em um banheiro pouco higienizado, faltando itens de utensílio básico: esse é o processo de Júpiter quando precisa ir ao toalete no intervalo ou ao fim da aula. Todo esse esforço se deve ao desejo de estar em banheiro que corresponde a sua identidade, neutro, pois Júpiter é uma pessoa não binária, ou seja, não se encaixa completamente nos gêneros masculino e feminino. Quando não tem tempo hábil para ir ao banheiro de gênero neutro, Júpiter opta pelo banheiro feminino. “As vezes eu sinto meio deslocado, contudo acredito ser melhor. Não sei se me aceitariam no masculino”, conta imitando uma reação de choque e raiva que provavelmente veria se fosse ao banheiro masculino.
O não binário pode transitar entre os dois gêneros, transcender os dois gêneros, rejeitar os dois gêneros, usar os dois gêneros de forma igual ou predominantemente um deles. Alguns gêneros dentro do não binário são: agênero, gênero fluído, bigênero, demigênero, poligênero e neutrois É o que diz o coordenador do Grupo Preconceito, vulnerabilidade e processos psicossociais da PUCRS, Angelo Brandeli. “As identidades variam de acordo com cada cultura e momento histórico e podem variar inclusive ao longo do ciclo vital ou mesmo de acordo com o contexto em que indivíduo está inserido”, explica.
Estudante de Biologia, Júpiter Wieczorek, 21, se entende como demigênero, pessoas que identificam parcialmente com um dos gênero