Primeira Impressão 54 - Lado Por quê

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| Dezembro de 2020 |

pi primeira impressão

por quê? PERGUNTA, REPOSTA, EXPLICAÇÃO. JUNTO, SEPARADO, COM ACENTO CIRCUNFLEXO. OS PORQUÊS SÃO ASSIM MESMO, VARIÁVEIS EM SEUS USOS E SIGNIFICADOS NO IDIOMA PORTUGUÊS E NAS INSPIRAÇÕES QUE SE FAZEM PRESENTES NESTA EDIÇÃO


Agência Experimental de Comunicação da Unisinos UNISINOS

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por quê > editorial

Uma edição, dois temas

A

atual edição desta tradicional revista que o Jornalismo da Unisinos produz semestralmente repete a experiência da anterior: foi toda elaborada remotamente. Se essa prática representou, no caso pregresso, uma inesperada situação, impondo ao mundo a realidade de uma pandemia, seus perigos e o isolamento como prevenção necessária, no atual foi uma realidade já conhecida – mas, nem por isso, menos dramática. Como no primeiro semestre deste 2020, as reportagens que ora apresentamos como produção conjunta das turmas de Jornalismo Literário e Projeto Experimental em Fotografia foram pensadas, apuradas (entrevistas, pesquisas e captação de imagens), redigidas, editadas, diagramadas e revisadas a distância – tais como foram as aulas das duas disciplinas. Experimentados, assim, pelas práticas do semestre anterior, alunos, professores e a estrutura de apoio composta do monitor e do designer e diagramador encararam 2020/2 com atribuições similares, que começaram com a escolha

do tema da edição. Como se sabe, a Primeira Impressão é uma publicação temática, com o assunto da vez sendo escolhido pelos alunos, em votações que nem sempre se esgotam na primeira tentativa. O mais comum, aliás, é chegar-se ao tema em votações orais de primeiro e segundo turnos realizadas nas primeiras aulas. A PI 54 tem uma novidade, que desde a aula inicial se mostrou necessária e, mais do que bem recebida, foi estimulada pelos professores: à falta de consenso sobre um tema dominante nas duas votações, fez-se uma terceira tentativa, em que também não houve predomínio significativo de um dos dois preferidos. Chegou-se, assim, à solução possível: tornar bitemática a presente edição, abordando as propostas preferidas pelos alunos das duas turmas. Esta, assim, é uma característica da PI 54: em vez de um tema, ela tem dois: “Por quê?” – assim aparecido neste texto por ter o sentido de uma pergunta, com o circunflexo justificado na sua condição de fim de frase –; e “Mistérios da mente”. O primeiro tema, que se desenrola em reportagens que ocupam metade da revista, assimila as variações “por que”,

“porque” e “porquê”, presentes nos textos criativos aos quais parte das turmas se dedicou. O segundo, na outra metade das páginas, e em posição inversa, envereda pelas infinitas possibilidades que a racionalidade proporciona aos seres humanos. Ambos abordam situações que visam aproximar Jornalismo e Literatura e apresentam histórias relevantes, sensíveis, dramáticas e/ou inovadoras. Vale lembrar: apuradas remotamente, as histórias aqui contadas estão ilustradas com imagens obtidas junto às fontes das informações – situação que, longe do ideal jornalístico, é a possível no jornalismo produzido em tempos de distanciamento social. Sua captação teve a orientação dos alunos, aos quais as circunstâncias transformaram em curadores fotográficos, em mais uma rica experiência para a qual se impôs a necessária adaptação. A essa combinação de esforços e, modéstia à parte, talentos, pedimos a atenção de sua leitura. Flavio Dutra Luiz Antônio Nikão Duarte Professores

Cynthia Báez, Diego Hayes, Gabriel Cubilla, Meli Gini, Paula García e Viví Arrieti (La Escuela - Fotografia y Arte) > primeira impressão > 3


por quê > índice

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Cynthia Báez, Diego Hayes, Gabriel Cubilla, Meli Gini, Paula García e Viví Arrieti (La Escuela - Fotografia y Arte)


6 Transformação

Com música e lixo, a Orquestra de Cateura vem transformando a vida de jovens na capital do Paraguai

10 Medo e superação

Crianças com AME precisam de tratamento caro para interromper a degeneração muscular

14 Alternativa de vida

Contrariando o movimento de êxodo rural, agricultores encontram oportunidades para inovar

18 Lugar de mulher...

Avanços na igualdade de gênero são visíveis, mas narrativas discursivas ainda impedem o zero machismo

22 Sonho de guria

Diferença de investimento e de tratamento é grande entre homens e mulheres no futebol

26 Tempos obscuros

Histórias de brasileiros que perderam familiares durante a ditadura de 1964

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por quê > transformação

A orquestra 6 > primeira impressão >

Amara Jazmín Rojas (direção de Sara Nedel Paz)


E

m meio a um amontoado de lixo, famílias de recicladores encontraram sustento e foram formando uma comunidade nas redondezas. O futuro dos mais jovens dali já estava selado e certamente não seria muito diferente daquilo que os pais viviam. Até que, de repente, em uma forma de bolo que em algum momento deve ter sido usado para fazer sopa paraguaia – comida típica do Paraguai – e com outros materiais aparentemente sem utilidade, começou a soar música clássica. Transformando o ambiente e as esperanças daquelas pessoas. Então, ali no aterro sanitário de Assunção, sonhos começaram a virar realidade. O aterro sanitário Cateura fica às margens do Rio Paraguai, na capital do país vizinho, em uma zona ribeirinha e periférica. É o maior depósito de lixo do Paraguai. Foi nesse lugar, no bairro Bañado Sur, que há 14 anos começou um som diferente do que aquelas pessoas estavam acostumadas, com a Orquestra de Instrumentos Reciclados de Cateura. Tudo começou quando o técnico ambiental Favio Chávez, que trabalhava no aterro, vendo os pequenos que acompanhavam os pais no trabalho, decidiu dedicar seu tempo às crianças e adolescentes da comunidade Cateura por meio da música. Não foi tão fácil começar esse projeto lá em 2006. Além da falta de recursos para comprar os instrumentos para todos, as crianças não tinham condições de adquiri-los por conta própria, pois, como Favio costuma dizer, “um violino custa mais que suas próprias casas”. Assim, foi naquilo que mantinha a maioria que a Orquestra de Instrumentos Reciclados de Cateura se viabilizou: o lixo. Primeiro, de forma muito simples, aprimorando -se com o tempo. “Quando a música foi uma necessidade, o lixo foi uma resposta”, destaca o maestro. Um desses jovens é William Wilson López, hoje com 28 anos, que faz parte do grupo há cerca de 10 anos. Ele conta que conheceu o projeto por meio de Favio. O técnico ambiental fez com que ele tivesse seu primeiro contato com a música por meio de um violão, mas com o tempo aprendeu também a executar violino e contrabaixo. Wiwi, como é conhecido pelo grupo, sempre sonhou em viver da música, o que só se tornou realidade pelos esforços dele e pelo apoio

Com música e lixo, a Orquestra de Cateura vem transformando a vida de jovens na capital do Paraguai

do maestro e de toda a equipe da Orquestra de Cateura. Foram muitos momentos de dificuldade para alcançar melhores condições. Em agradecimento a tudo o que recebeu da orquestra, o jovem decidiu retribuir, fabricando instrumentos de melhor qualidade, tornando-se então um dos luthiers – como são chamados os artesãos que fabricam e reparam instrumentos de corda – do grupo. “Busquei informação por conta própria. Foi tanto processo, tantos erros, que logrei fazer soar 60% do 20% que soava antes”, comenta. Sergio Ascurra, de 28 anos, também é um dos integrantes da orquestra como contrabaixista. Com o tempo, passou a ser também um dos instrutores para os novos alunos. Sergio é o mais novo de cinco irmãos de uma dessas famílias que moram na comunidade. Entrou no grupo em 2014 e hoje já é um dos bolsistas em Licenciatura em Música pelo Instituto Superior de Bellas Artes, um dos melhores conservatórios do país, graças à bolsa de estudos que conseguiu pela orquestra. Sergio afirma que muito além das mudanças mais perceptíveis, fazer parte desse grupo mudou sua visão e abriu sua mente. “Aprendemos a não nos limitar com o que está em nosso entorno”, comenta.

Impacto social Segundo Favio, o projeto começou com aulas de música para crianças da comunidade Cateura, filhos de trabalhadores do aterro sanitário que dá nome à comuni-

REPORTAGEM ESTEPHANI RICHTER CURADORIA E DIREÇÃO FOTOGRÁFICA SARA NEDEL PAZ

dos sonhos

dade e ao grupo. Com o tempo, pessoas de outras regiões se aproximaram, assim como algumas que talvez não vivem em situações de tanta escassez, mas sofrem com outras questões que os distanciam de melhores oportunidades. A orquestra busca, através da música, impactar a vida desses jovens que, por vezes, são excluídos da sociedade, não só ensinando a executar um instrumento, mas também melhorando a qualidade de vida. “Estamos rompendo um círculo vicioso da falta de oportunidades e estudos”, diz Favio. Sergio acredita que a orquestra ajudou a colocar a comunidade no mapa, para ser vista e notada em outros lugares. Ver o resultado do som obtido com o lixo é algo que surpreende aos próprios artistas da orquestra. Olhando para trás, ele percebe que antes de conhecer o grupo era uma pessoa sem metas. “Não sabia como ajudar a mim mesmo e agora quero ajudar os outros”, comenta. Tem ainda alguns sonhos em relação à música, como poder ensinar e auxiliar outras pessoas como foi com ele, porém pensa em ir um pouco mais além e focar também em alguma outra carreira. Para ele a música é uma das poucas atividades que a pessoa pode ver aquilo que oferece e afirma que tudo o que já viveu com o grupo são “experiências únicas que não podem ser descritas”. Viajou a vários lugares, mas destaca apresentações a crianças em escolas, seja em outros países ou no Paraguai mesmo. Wiwi é natural de Carapeguá, uma cidade no departamento de Paraguarí, a cerca de 70 quilômetros de Assunção. Foi lá que ele conheceu a música. Diferentemente de Sergio, ele é irmão mais velho e desde muito cedo precisou trabalhar para ajudar com as despesas de casa. Lembra dos dias que viveu, ainda na adolescência, quando se mudou a Asunción para trabalhar e estudar música. Trabalhou por cerca de oito anos no Mercado de Abasto, tradicional feira de abastecimento para outros comércios, de madrugada até 10h da manhã. Assim, conciliava música e estudos, tanto é que saía da aula a noite e ia direto ao mercado, onde dormia cerca de três horas sobre um papelão. “Era como se todo tempo a vida me dissesse: a primeira impressão > 7


por quê > transformação

música não é para você”, recorda. Mas seguiu lutando e hoje pode ver os resultados do esforço. A vida de Wiwi mudou muito. Graças à Orquestra de Cateura, pôde estudar em algumas das melhores instituições de música e hoje é licenciado em Música. Entre tantas mudanças, destaca também o fato de ter obtido 20 quilos, pois, devido à vida corrida estava muito abaixo do peso; poder sorrir novamente graças ao auxilio que recebeu para arrumar seus dentes, ter uma casa própria, estudar lutheria com grandes profissionais e também “que o mundo me escute tocando música”. Por isso, afirma que Cateura não é uma orquestra qualquer. “É uma orquestra dos sonhos, de oportunidades e mudança de vida”, completa.

Os pais de Cateura Com a ajuda da Associação de Pais da Orquestra Cateura as mudanças aparecem também dentro da comunidade. São melhorias nas moradias, o maior al8 > primeira impressão >

cance de programas de saúde e a construção de um posto de saúde, além de obras de infraestrutura. Um dos auxílios, por exemplo, é a compra de um terreno em um local mais alto para a construção de casas para famílias de alguns alunos. Por ficar perto do rio, estão em região inundável e facilmente afetada por chuvas. A educação é vista como algo primordial para a organização. Contam com bolsas de estudo em universidades e escolas, incentivando os pequenos músicos a não abandonarem os estudos e possibilitando a muitas daquelas famílias ver pela primeira vez algum de seus integrantes ingressando no nível superior. “A orquestra não melhora apenas a qualidade de vida dos alunos, mas também da comunidade”, destaca Juan Rojas, presidente da Associação de Pais. Rojas comenta que quando Favio começou o trabalho com a orquestra, logo impactou a sociedade. “As pessoas se perguntavam como podia ser possível

Instrumento musical no chão: Amara Jazmín Rojas (direção de Sara Nedel Paz)

fazer música com lixo”. Os integrantes da banda de rock Megadeth fizeram uma apresentação no Paraguai e aproveitaram para conhecer a orquestra. Nisso, convidaram os jovens a se apresentarem com o grupo nos Estados Unidos. Juan lembra que foi ali que tudo começou a crescer e, como Favio não dava mais conta de fazer tudo sozinho, se reuniram e em 2015 formaram a Associação. “Manejamos 100% do que é a orquestra, Favio ficou apenas com a parte musical”, destaca.

O poder transformador da música Rojas explica que além da orquestra, contam também com a Escola de Música, da qual qualquer pessoa pode fazer parte. O único pré-requisito é que tenha no mínimo sete anos, para que já consiga ler e interpretar as partituras. Mas não tem limite de idade, inclusive lembra de uma senhora que foi levar o neto e acabou se inscrevendo também para aprender violino. Rojas mora na comunidade e percebe muitas mudanças no lugar, tanto no ambiente do bairro, como na parte humana. Comenta que antigamente ali era sinônimo de delinquência e hoje a visão de fora é totalmente outra. “Ajudamos em todos os âmbitos, nosso objetivo não é que todos sejam músicos, mas que sejam pessoas do bem”, observa ele, que também é pai de Amara, uma das violinistas da orquestra. Amara Jazmín Rojas tem 15 anos e começou cedo


Wiwi dá nome a cada instrumento que fabrica, pois acredita que estes contam um pouco da história dele

a integrar o grupo, o qual conheceu através de uma amiga. Já faz seis anos que ela entrou na escola para aprender violino e hoje já é professora dos alunos de menor idade. Ela que também estuda no Conservatório Musical Miranda, explica que quando algum dos alunos se destaca, é comum que passe a ensinar quem está recém começando. Para a adolescente, a música e a orquestra trouxeram muitas mudanças em sua vida. Acredita que se não fosse por isso, estaria por aí, sem ter o que fazer. “Nunca imaginei viajar a outro país e conhecer as coisas que conheci”, destaca. Para Favio, é possível ver a marca da orquestra na vida de cada jovem que já passou ou faz parte do grupo. São pessoas que antes não eram vistas pela sociedade e hoje já são conhecidos em muitos lugares do mundo. Muitos se viam fadados a viver em meio à miséria, excluídos e sem perspectiva de um futuro melhor. Hoje seguem os mais diversos cursos universitários ou carreira musical. Isso tudo conquistado graças à música que

surgiu em meio ao lixo do aterro sanitário Cateura e aos valores que o grupo da orquestra ensina junto às melodias. Daí o poder transformador que a música tem, como Favio comenta: “ela aporta valores que outras ciências não são capazes de desenvolver”. Wiwi diz que a orquestra é sua segunda família e a compara ainda com uma ponte que une pessoas e derruba paredes. De tantos momentos marcantes que viveu com o grupo, ele destaca a primeira vez que viajou de avião, ao qual até então só os via no céu e acenava, sem imaginar que algum dia entraria em um deles. Lembra também da primeira vez que viu o mar ou de quando tocou com alguns de seus ídolos. “A música te abre portas e mostra o mundo, que é grande”, comenta. Acredita que a música é um idioma universal, lembrando das apresentações que fizeram em outros países e conseguiam comunicar-se com outros músicos por meio do som que saía dos instrumentos. “Ela nos guia como luz e nos conecta com o mundo”. n

IMPRESSÕES DE REPÓRTER “Há bastante tempo já conhecia a existência da orquestra de Cateura, pois sou natural do Paraguai e essa orquestra é um dos orgulhos nacionais. Sou uma dessas pessoas que já se perguntou “como é possível fazer música com o lixo?”. Sempre admirei muito o trabalho que esse grupo realiza na comunidade e me emocionei ouvindo o som que os jovens conseguem fazer com aquilo que descartamos. Já vi algumas vezes reportagens em veículos brasileiros sobre a orquestra e todas as vezes pensava como gostaria de estar lá também, conhecendo aquelas histórias pessoalmente. Consegui conhecer algumas das histórias, mas, infelizmente, não pude estar com eles de forma presencial. Mesmo assim, fui tocada pelos depoimentos. Suas histórias me mostraram que o lixo pode não só ser usado para fazer música, mas que pode também mudar vidas. Respondendo à pergunta inicial, “por que a música pode transformar vidas?”, acho que é pelo poder de voz que ela dá a quem a executa. Afinal, foi a música que tornou conhecida mundo afora uma comunidade antes invisível de Assunção; foi a música que possibilitou a muitas dessas pessoas uma moradia digna; foi também a música que permitiu a parte deles serem os primeiros de suas famílias com acesso ao ensino superior; foi a música que permitiu a Wilson realizar o sonho de voar - e como ele mesmo diz, a música é uma linguagem própria que facilita a comunicação entre pessoas de diferentes línguas faladas. Música é conexão, e ela pode ser feita de muitas formas, inclusive com o lixo.”

Instrumentos musicais na mesa e Wilson: Cynthia Báez, Diego Hayes, Gabriel Cubilla, Meli Gini, Paula García e Viví Arrieti (La Escuela - Fotografia y Arte) > primeira impressão > 9


por quê > medo e superação André Piccin Jardim e Letícia Schmitz, pais de Matteo, iniciaram campanha para conseguir o medicamento Zolgensma e buscam dar a melhor qualidade de vida ao filho com AME Tipo 1

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> Arquivo pessoal


Porque a vida é tão rara

Crianças diagnosticadas com AME precisam de tratamento caro para garantir crescimento saudável e interromper a degeneração muscular REPORTAGEM BIBIANA FALEIRO CURADORIA FOTOGRÁFICA KETLIN DE SIQUEIRA

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ogo ao acordar, ela olha o filho deitado. O respirador ainda fazendo seu trabalho, enquanto procura algum sinal de melhora. Mas os dias são vividos um de cada vez naquela casa. Afinal, a vida do pequeno é motivo de agradecimento diário e qualquer movimentar dos dedinhos é incentivo para sorrir. Ela prefere não pensar no futuro, e é assim que tem forças para cuidar do filho desde que ele nasceu. “Não é fácil lidar com o medo, o fantasma de uma possível perda a todo o momento. É isso o que a gente sente. Têm casos em que a AME leva as crianças muito cedo. O medo é constante, mas o amor que temos por ele nos dá forças para lutar”. Na barriga, Letícia Schmitz,

de 35 anos, carregava um sonho: a vida de Matteo, o Teteo, que hoje tem pouco mais de um ano e nasceu em Porto Alegre. A gestação foi tranquila e não preparou ela e o marido André Piccin Jardim, de 37 anos, para qualquer complicação que o filho pudesse ter. Na hora do parto, Teteo foi diagnosticado com Trissomia do Cromossomo 21, um distúrbio genético também conhecido como Síndrome de Down. Quando a família se adaptava à surpresa do diagnóstico, 27 dias depois do parto, Teteo sofreu uma cianose, ficou com falta de ar e cor arroxeada. Enquanto o pai fazia respiração boca a boca ensinada pela pediatra, a mãe ligava para a emergência. Teteo ficou 57 dias internado na UTI Neonatal. Depois de exames, foi diagnosticado com Arquivo pessoal > primeira impressão > 11


por quê > medo e superação Atrofia Muscular Espinhal (AME) Tipo 1, uma doença genética degenerativa. Teteo saiu da UTI no dia 23 de dezembro do ano passado, um milagre de Natal. Desde então a mãe deixou de atender como psicóloga para cuidar do filho e neste ano o pai passou a trabalhar em home office, também devido à pandemia da Covid-19. Assim, conseguem acompanhar a rotina do pequeno, que é rodeada por profissionais da saúde e a companhia diária de um aparelho para auxiliar na respiração. A fisioterapeuta Nicole Santos ensaia com Teteo algum movimento de cabeça enquanto segura seus ombros e alonga os dedos pequenos que por vezes tentam segurar algum brinquedo. Mas, apesar do tratamento constante, a melhora é lenta. “A AME Tipo 1 é a mais grave, porque consiste na perda de praticamente todos os movimentos corporais. Na Tipo 2, a criança consegue sustentar o corpo e se sentar. Na

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Arquivo pessoal

Tipo 3 muitas delas caminham, e a Tipo 4 é quando ocorre em adultos”, explica Nicole. Por se tratar de duas alterações genéticas juntas, a situação de Teteo é mais complicada. Assim que foi diagnosticado, ele já começou o tratamento contra a AME, com o medicamento Spinraza, com doses a cada quatro meses pelo resto da vida. “No início a criança tem que fazer as doses de ataque que são de 15 em 15 dias, até se tornar de mês em mês e a cada quatro meses. Em outubro ele tomou a quinta dose do medicamento”, conta a fisioterapeuta. O tratamento impede a progressão da doença que tira um pouco da vida da criança a cada dia. Cada dose do Spinraza custa em média R$ 130 mil, mas a família as conseguiu por meio de plano de saúde, depois de entrar na Justiça. Apesar do medicamento impedir a progressão da doença, Teteo ainda precisa tomar uma dose do remédio chamado Zolgensma, aprovado no Brasil neste ano, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que custa cerca de $ 2.125 milhões, antes de completar dois anos, em 30 de setembro do ano que vem, para que possa ter qualidade de vida. No Brasil, o medicamento ainda não foi precificado. A família e voluntários criaram campanhas pelas redes sociais, rifas e vakinha online para arrecadar o valor. Também vendem cuias e outros produtos por meio do instagram @juntospeloteteo. “Como mãe, quero poder ver meu filho brin-

car, caminhar, respirar e até comer sozinho. Nós não temos certeza do quanto ele pode melhorar”, diz Letícia. Têm vezes em que ela passa pelo parquinho no condomínio onde mora e imagina o filho brincando. Em outras, apenas deseja ter Teteo no colo, sentado com a família na sala de casa assistindo “Mundo Bita” e “A Galinha Pintadinha”. Ou mesmo escutando músicas, hábito criado quando ele foi internado, já que a mãe costumava cantar para acalmá-lo.

Tratamento na Itália

Na cadeira de rodas, Lorenzo não quer ser tratado diferente das outras crianças. Ele gosta de frequentar a escola e de brincar com os colegas. Vez ou outra pergunta à mãe porque ele precisa de uma professora só para ele. E não deixa que a rotina pesada tire o sorriso do rosto. Com cinco anos e sete meses, gosta de conversar e tenta aprender italiano, já que é na Itália que faz o tratamento contra a AME Tipo 2. Ainda em Florianópolis, onde Lorenzo nasceu, a mãe, Gisele Inácio, de 44 anos, vinha percebendo que o desenvolvimento do filho era mais lento ao engatinhar. “O corpo dele sempre foi mais flácido do que o das outras crianças, mas tínhamos esperança de que fosse só um atraso”, comenta Gisele. Um ano e oito meses depois, ela e o marido, Darlei De Marco, de 46 anos, levaram o filho ao Hospital Infantil de Santa Catarina. “O médico era nosso O músico Francis amigo e falou que ia ser Silveira compôs e muito duro com a gente, doou músicas para mas meu filho tinha uma campanhas da AME. doença genética degeneCom outros artistas voluntários, também rativa. Fiquei sem chão”, conta Gisele. Ao procucriou a playlist rarem um neurologista, “músicas do bem”. descobriram que Lorenzo Até o fim do ano, tinha AME Tipo 2. pretende arrecadar Depois de algum mais de R$ 25 mil tempo sem conseguir para as campanhas assimilar o diagnóstico, Gisele juntou forças para buscar o melhor tratamento para o filho, que iniciou com a hidroterapia, a fim de fortalecer os músculos da criança. Durante esse período, a família já encaminhava a cidadania italiana e algum tempo depois con-


A rotina de Lorenzo exige fisioterapias e o estímulo muscular da criança. Mas, entre um atividade e outra, ele gosta de montar quebracabeça, assistir a programas na Netflix e ir à pracinha com a mãe seguiu a autorização de residência no país europeu, onde todo o tratamento é gratuito, por meio do governo, incluindo as fisioterapias e a cadeira de rodas.

A vida e a AME Desde 2018, quando Lorenzo começou o tratamento na Itália, os pais percebem uma evolução importante. Antes, o menino não tinha firmeza cervical, não levantava os braços e sofria por algumas infecções respiratórias. “Antes da décima dose ele estacionou, porque cresceu muito e o músculo não acompanhou o crescimento. Ele está se adaptando agora ao novo corpo”, explica Gisele. No entanto, a mãe não acredita que as perdas que o menino teve possam ser totalmente recuperadas. “O Lorenzo não se vê na cadeira de rodas, ele pensa nele como uma criança caminhando, uma criança normal. Quero que ele seja assim, essa é uma ingenuidade bonita. Ele senta com os amigos na mesa, ele brinca, ele já sabe escrever e ler algumas palavras”, conta a mãe. Em casa, Lorenzo gosta de assistir a programas na Netflix, de montar lego e quebracabeça. Gisele também o leva à pracinha sempre que pode, para brincar no balanço. Desde que o filho foi diagnosticado, Gisele se dedica inteiramente a ele. Alguns dias são mais

difíceis do que outros. No Brasil ela e o marido tinham a ajuda da família, o que faz com que se sinta muitas vezes sozinha na Itália. Mas, com o desenvolvimento do filho, Gisele voltou a cuidar da saúde com exercícios e boa alimentação. “O Lorenzo é a razão de eu estar viva, é muito amável. Diz que sou linda mesmo quando não me sinto assim. Ele é iluminado, acho que as crianças com AME são mais sensíveis, observam o mundo com outros olhos. Isso faz toda a diferença”.

Música para o bem O violão já estava aposentado e a voz já há algum tempo sem treino depois de cerca de 20 anos de profissão. Não por falta de vontade, mas a vida de Francis Silveira, de 37 anos, tomara outro rumo quando se mudou para Florianópolis há mais de dez anos e se dedicou à administração de empresas de tecnologia. Até fevereiro deste ano, quando começou a ajudar como voluntário nas campanhas de crianças com AME. “Todo o fim de semana eu fazia alguma coisa, tanto doações como a divulgação das campanhas”, conta. Mas, com a pandemia, ele teve que encontrar outra forma de ajudar a arrecadar o valor das doações. Ele percebeu que as músicas que compartilhava em aplicativos como Spotify ou Youtube, por exemplo, geram uma quantia em dólar para cada visualização, e decidiu doar o valor para as crianças com AME. “Eu voltei a compor e doei as canções para as campanhas”, conta. A cada reprodução das músicas, ele recebe mais ou menos um centavo de real. As composições foram compartilhadas com os voluntários que lançaram desafios musicais onde a primeira música foi tocada meio milhão de vezes. “As pessoas foram desafiando as outras, foi muito além do que eu esperava”, agradece Francis. Hoje ele tem seis músicas gravadas e vai lançar mais uma até o fim do ano. Entre as composições, uma delas foi escrita para a filha, quando ela fez 15 anos. Outra foi composta durante a pandemia, em uma letra que promete dias melhores e que, em 90 dias, foi tocada mais de um

milhão de vezes. “Nós já depositamos mais de R$ 8 mil com as músicas e temos mais R$ 10 mil para receber”, comenta. Até o fim do ano, a expectativa é doar mais de R$ 25 mil para as campanhas, apenas com pessoas escutando as músicas. Com o tempo, outros artistas procuraram Francis e criaram a playlist de “músicas do bem”, com todo o valor arrecadado doado para as campanhas. n

IMPRESSÕES DE REPÓRTER “Sempre fui sensível a histórias como essas. Não só a do Teteo e a do Lorenzo, mas também as da Lívia, da Juju e de tantas outras crianças diagnosticadas com AME e que, talvez por falta de informação, acabamos não conhecendo. Por isso mesmo, conversar com essas mães não foi tão fácil quanto imaginei. Elas choraram, e eu tive que cuidar para não fazer o mesmo. Mas acho que é assim que sabemos que estamos contando uma boa história. Uma história que precisa ser contada. Transformar toda a apuração, muitas vezes técnica, em uma mescla de jornalismo e literatura foi um desafio. Ainda mais pelas entrevistas serem feitas pela tela de um celular. Entre um parágrafo e outro, tive que fechar os olhos e tentar imaginar o dia a dia dessas famílias para tornar a narrativa verdadeira. Mas, no fim, chego à conclusão de que, quem apenas lê ou escuta essas histórias, só pode mesmo imaginar uma vida com AME. E, claro, ajudar. O que dizem sobre viver um dia após o outro nunca fez tanto sentido” Arquivo pessoal > primeira impressão > 13


por quĂŞ > alternativa de vida

Por que estes jovens escolheram continuar no campo? 14 > primeira impressĂŁo >

Carol Augsten


Contrariando o movimento de êxodo rural, agricultores encontram oportunidades para inovar REPORTAGEM MARTINA BELOTTO CURADORIA FOTOGRÁFICA MATHEUS KLASSMANN

O

despertador toca precisamente às 6h. Enquanto muitos chegam em casa após noites de festas, Cássia Augsten, de 29 anos, debruça-se sobre a produção de morangos da família. Cada um dos frutos é colhido com amor e orgulho por Cássia, cuja rotina é o avesso de boa parte dos jovens de sua idade. Para levar alimento às mesas dos brasileiros, milhões de trabalhadores rurais acordam junto ao nascer do sol todos os dias. A rotina árdua garante a produção de metade dos alimentos consumidos no país. Cada vez mais expressiva, a agricultura familiar é fonte de renda para 40% da população. E, dentro desse expressivo número, estão jovens que escolhem permanecer no campo. Dos últimos anos para cá, histórias como a de Cássia se tornam mais frequentes. A seis quilômetros do centro de Gramado, na Serra Gaúcha, Cássia administra o negócio da família. Ao lado dos pais, ela cuida de 12 longas estufas de morangos, que devem produzir 28 mil quilos neste ano na Linha Ávila. Ao mesmo tempo em que aumentam os números de famílias agricultoras no país - conforme dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento -, mudam também os estereótipos da figura do agricultor. As estatísticas mostram um movimento de jovens, como Cássia, buscando o campo como alternativa de vida, abandonando cada vez mais o fluxo de êxodo rural. O número de jovens entre 15 e 29 anos que deixou o campo para viver na cidade caiu na última década, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Espaço para inovar Formada em Administração de Empresas, Cássia enxerga no campo muitas oportunidades para desenvolver e inovar. Até alguns anos atrás, a família comercializava apenas o morango in natura, fresquinho e recém colhido da terra. Atualmente, apostam também em uma agroindústria, na qual produzem 25 sabores de geleias, incluindo opções gourmets e sem açúcar. Por ser um negócio familiar, Cássia explica que suas sugestões e projetos são sempre bem-vindos pelos pais. Dessa forma, a jovem recebe confiança para dar continuidade à propriedade familiar, que abastece o comércio local há mais de 30 anos. “É incrível poder tocar um negócio que meus pais iniciaram. Poder colocar em prática as minhas ideias, aquilo que eu acredito”, aponta a jovem. primeira impressão > 15


por quê > alternativa de vida Mesmo enfrentando os desafios climáticos e a falta de incentivo por meio de políticas públicas, Cássia conta: “Um dos motivos que me fez ficar foi crescer com o negócio que meus pais criaram. Minha intenção é dar continuidade à história da família e expandir nossas vendas até mesmo para outros estados do país”.

Valorização das origens Do ano 2000 para cá, surgiram diversos movimentos de jovens que optaram por retornar ao meio rural. As motivações são variadas. Alguns são inspirados pelas possibilidades do agronegócio, outros porque querem dar continuidade ao trabalho das famílias e há ainda os que procuram o campo por motivos de saúde e bem-estar. Independentemente das justificativas apresentadas pelos jovens, é possível observar que a curva de êxodo rural diminuiu. “Praticamente não existe mais êxodo, apesar de termos dados de uma falsa urbanização das cidades. Isso acontece, porque os municípios acabam alterando o limite do perímetro urbano e compreendendo mais áreas para poder cobrar Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU)”, explica o doutor em Sociologia e mestre em Desenvolvimento Rural, Sergio Schneider, que também é membro do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS. Todas essas iniciativas de retomada ao campo levam a um movimento de revalorização do rural. Esse processo engloba diversas esferas, incluindo o lado econômico e produtivo, bem como o lado gastronômico. “Há uma busca cada vez maior por produtos orgânicos e nativos”, comenta Schneider sobre a demanda atual. Como os produtos oriundos da agricultura são cada vez mais valorizados e procurados por quem vive na cidade, os produtores rurais encontram mais possibilidades para investir em infraestrutura e, até mesmo, em contratação de funcionários. “Esse movimento de 16 > primeira impressão >

Carol Augsten

revalorização é tão positivo que leva até mesmo à geração de emprego. Muitas pessoas conseguem viver trabalhando só disso”, aponta o doutor em Sociologia.

Cássia cuida da produção de morangos ao lado dos pais, no interior de Gramado

Orgulho da profissão Homem acima de 50 anos vestindo uma camisa xadrez, com chapéu de palha e uma enxada debaixo do braço. Por muito tempo, essa foi a imagem que surgia no imaginário coletivo quando se pensava sobre a figura de um agricultor. Com a escolha dos jovens de permanecerem no campo, a realidade passa a ser outra. Os estereótipos sobre a profissão estão mudando, mas ainda há preconceito. Por querer desmistificar isso, Cássia faz questão de mostrar a importância do trabalho

no campo. “Relacionam o agricultor com uma figura ignorante, que se veste mal, que fala com a letra “r” puxada. Eu quero que as pessoas entendam o quanto é importante ser agricultor. É uma das profissões mais importantes da sociedade. A gente é responsável por gerar alimentos para, no mínimo, três refeições por dia”, salienta. Envolvida no trabalho rural desde os 13 anos, Cássia explica que o desejo de permanecer no campo foi desenvolvido naturalmente. “Eu nunca fiz outra coisa, sempre amei.


Na época do colégio, eu estudava em um turno, no outro turno eu ajudava na roça”, relembra ela, que levava baldes de morangos para vender na escola, dando os primeiros passos na vida no campo. Consequentemente, a familiaridade com o meio rural foi cultivada com o tempo. “Eu sempre tive o objetivo de crescer nesse segmento. Passei dias sonhando e me espelhava nos grandes produtores de morango”, conta sobre as inspirações que tinha desde a adolescência. Agora, Cássia busca servir de exemplo para outros jovens que cogitem a possibilidade de seguir no campo. “Quero um dia poder servir de exemplo para outros jovens. Quero que eles olhem para mim e vejam que é possível fazer uma faculdade e continuar trabalhando no interior”, relata a jovem, que se formou em Administração justamente para empreender no interior da cidade.

contra no campo o que sonha para o seu futuro. “Não pretendo sair da zona rural. Nasci aqui, cresci aqui e pretendo envelhecer aqui”, salienta sem pensar duas vezes. Mesmo enfrentando as tradicionais adversidades climáticas, o jovem se sente recompensado na profissão de agricultor de maneira que nunca se sentiu com outra atividade. “É muito bom olhar desde o começo do plantio até a parte de distribuição das batatas. Tu te sente satisfeito com isso, pode falar que valeu a pena todo o sacrifício”, comenta. A paisagem bucólica do interior da Serra Gaúcha dá espaço para uma vasta plantação, na qual são produzidos cerca de 125 mil sacos de 50 quilos por ano, ou seja, mais de 6 milhões de quilos de batatas anualmente. Todas essas toneladas de alimentos saem das mãos da família de Leonardo e são distribuídas em todo o Brasil. Amplitude essa que dá orgulho para o jovem agricultor. Além de trabalhar nas terras da família, Leonardo também mora na zona rural, especificamente na localidade de Serra Grande, em Gramado. “Continuo morando aqui porque quero passar essa experiência para os meus filhos. Eu sinto orgulho de estar aqui, de morar onde eu moro, de poder falar que sou produtor rural”, frisa ele sobre as vantagens de residir em meio a tranquilidade do campo.

Oportunidades para o futuro

Preocupação com o meio ambiente

Lidar com a terra é mais do que um ofício. Para Leonardo Kunst, de 23 anos, é também uma terapia. Acostumado com as responsabilidades do campo desde a infância, sente-se abraçado pela paisagem das longas plantações de batatas da família, que cortam as estradas da região de São Francisco de Paula. Pertencente à terceira geração de agricultores da família, o jovem en-

Outra jovem produtora rural é Giovanna Marschner, de 23 anos, moradora da Linha Furna, em Gramado. Estudante de Biologia, uniu o amor pela natureza com a paixão pelo campo na hora de escolher sua profissão. Assim como Cássia, Giovana demonstra que é possível fazer uma graduação e seguir trabalhando no meio rural. A formação que escolheu para si agrega muito no trabalho do campo, comenta a jovem. De acordo com ela, a Liga Estudante de Biologia, Acadêmica de Agroecologia, da Giovanna trabalha qual faz parte na Universidade, na agroindústria de massas e biscoitos da família

IMPRESSÕES DE REPÓRTER “Os alimentos orgânicos já fazem parte da minha rotina há muito tempo. Há alguns anos, escolhi saber mais sobre o processo de produção daquilo que consumo. Uma das alternativas que encontrei para comer melhor e de maneira mais saudável foi comprar de produtores rurais. Poder conhecer a realidade desses produtores a partir do exercício jornalístico foi prazeroso. Ouvir relatos sobre o que gostamos é ainda mais instigante, especialmente quando temos tantas curiosidades para sanar. A imersão no trabalho do campo teve um recorte ainda mais especial com esta reportagem: entender onde jovens da minha idade se situam no meio rural? A única tristeza que fica é não ter vivenciado presencialmente a experiência de acompanhar esses jovens no campo. Certamente esse é um dos maiores desafios do jornalismo em tempos de pandemia: captar as essências e nuances das fontes e de seus respectivos cotidianos sem estar presente. Consequentemente, o exercício de observação precisou dividir espaço com a imaginação para detalhar paisagens, relatos e rotinas.”

exerce um papel fundamental para a valorização do meio ambiente. “O projeto busca difundir sistemas produtivos que observa as interações dos animais e das plantas na agricultura. Isso ajuda muito no nosso trabalho”, destaca. Ao lado dos pais, Giovanna trabalha na agroindústria de massas e biscoitos da família, que são comercializados na própria região e que abastecem o Programa Nacional de Merenda Escolar. Fora isso, também possuem plantação de hortaliças e árvores frutíferas para subsistência. “Prezamos muito pela preservação do meio ambiente e apostamos no cultivo de orgânicos em função disso”, ressalta. Para a jovem, uma das vantagens mais desafiadoras de trabalhar no campo é ter a autonomia de buscar alternativas para produzir alimentos sem degradar o meio ambiente. Com esse foco, ela não pretende deixar o campo. “Acho que eu tenho muito a contribuir com a minha futura formação de bióloga. Hoje, consigo entender e interagir com vários processos naturais que antes de começar a estudar eu não compreendia. Acredito que isso pode fazer muita diferença”, projeta. n @Carlinhos.Acs > primeira impressão > 17


por quê > lugar de mulher...

Por que ainda vivemos em um mundo tão machista?

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rasil: mulher tem de se dar ao respeito. Colômbia: eso fue que se lo dio al jefe (ela deve ter dado para o chefe). Itália: tanto a voi basta aprire le gambe (você só precisa abrir as pernas). Alemanha: bist du heiratest, ist es weg (até tu casar, passa). Frases curtas, mas significados fortes. Essas pequenas pronúncias estão impregnadas em muitas culturas, assim como o machismo no mundo inteiro. Basta uma rápida pesquisa para encontrar a série de frases machistas repetidas em diferentes nações, em culturas distintas. Os humanos são capazes de reconhecer que vivem numa sociedade extremamente machista. Se têm essa capacidade, por que ainda não conseguem eliminar o machismo de suas culturas? Questionamento difícil de responder, solução ainda pior de encontrar. O fato é que atos machistas não se resumem apenas na pronúncia ou 18 > primeira impressão

escrita das frases exemplificadas no início deste texto. Agressão física, moral e psicológica, insinuações, assédio, estupro, objetificação da mulher e diferenças salariais entre pessoas do sexo feminino e masculino são alguns dos sintomas e alertas de que o machismo está se manifestando em determinada situação. Há, ainda, centenas de histórias tristes e outras trágicas.

Assediada duas vezes na mesma noite Dia de prova do curso de publicidade da ESPM Porto Alegre. O sol já havia cruzado a linha do horizonte no Guaíba. Era início de noite. Ônibus lotado depois do expediente é comum na capital gaúcha. Rhaíssa Mattiello, hoje publicitária, de 30 anos, na época se deslocava da agência na qual estagiava à universidade. “O ônibus estava muito cheio. Muito mesmo”, enfatiza. Segundo ela, algo aconteceu próximo à Avenida Ipiranga e o coletivo

Avanços na igualdade de gênero são visíveis na sociedade, mas construção de narrativas discursivas impede uma cultura sem preconceito REPORTAGEM JULIO CÉSAR SCHENKEL WANAUER FOTO PAOLA MACHADO


foi parado pela polícia. Todos foram revistados pelos policiais que realizavam a operação. “Eu tinha o estereótipo perfeito para não ser revistada. Sabe como é na nossa sociedade: mulher, branca e de classe média alta. Poderia esperar que o policial deixasse de me revistar”, comenta. Se Rhaíssa não imaginou a possibilidade de ser revistada, muito menos cogitou um assédio sexual. Ao perceber que seria abordada pelos policiais, ela estava preparada para a revista padrão, conforme acontecia nos eventos nos quais a jovem frequentava. Porém, foi tudo diferente. Um dos policiais afastou a estudante, na época com 22 anos, para um local escuro, ao lado da Avenida Ipiranga. “Ele iniciou uma sessão de assédio, passando a mão no meu peito, nas minhas partes íntimas e terminou nas pernas”, detalha a publicitária. Rhaíssa

estava branca, tremendo e nada pôde fazer na situação vulnerável em que se encontrava. “Tive medo de gritar ou pedir ajuda, pois ele era policial, uma ‘autoridade’, e alegaria desacato”, explica. Após o episódio, a universitária foi à aula de táxi. Tentou manter a calma e comentou sobre o que aconteceu às colegas. O relógio marcava 23h30min quando a estudante de publicidade embarcou em outro táxi e foi para casa, na Avenida Saturnino de Brito, Vila Jardim, Zona Norte de Porto Alegre. No banco do motorista, um jovem taxista. O carro se aproximava da casa e Rhaíssa já segurava o dinheiro. Nas proximidades o ambiente era escuro. Chegando em frente ao portão, do banco traseiro a jovem estendeu o braço para pagar a corrida. “Além do dinheiro o taxista pegou a minha mão, olhou e perguntou se poderia me levar até a porta. Fingi naturalidade para não ficar nervo-

Paola Machado > primeira impressão > 19


por quê > lugar de mulher... sa, desembarquei e abri o portão o mais rápido possível”, lembra. Em poucas horas, a jovem enfrentou dois episódios desoladores e marcantes em sua vida.

Viagem por culturas machistas na América do Sul “No Brasil a gente sente a presença do machismo. Crescemos dentro de uma sociedade machista e, por ser mulher, me dei conta disso em vários momentos da vida, principalmente quando fui criando consciência como ser humano. Só que, no Brasil, as coisas acontecem mais escondidas, veladas”, afirma a jornalista Manoela Vieira Petry, de 27 anos. Desde 2019 a Manu, como Manoela é conhecida pelos amigos, viaja com o marido Rodrigo Arnhold a bordo do projeto Com AnaLuz Pelo Mundo. AnaLuz é a Kombi ano 2003, branca e bordô, que percorreu oito países da América do Sul. A partir dessa experiência, a jovem da cidade de Montenegro, no Vale do Caí, descobriu que o machismo é mais explícito e forte longe das terras brasileiras, principalmente em locais mais isolados. “No Brasil as pessoas têm vergonha de serem machistas, muitas vezes. Por isso, a gente acaba não sentindo tão diretamente, mesmo com vários casos de abuso verbal, físico...”, comenta a jornalista. Foi em Mendoza, na Argentina, que a jovem viajante passou pelo pior momento machista em 27 anos. Manoela estava na AnaLuz, o marido Rodrigo fazia compras no mercado quando chegou um senhor e começou a falar com o amigo da outra Kombi que estava no local. Por entre a porta do veículo o senhor desejou um bom dia e Manu retribuiu. “Me senti parte da conversa”, revela. Ser viajante também fazia parte da vida do idoso, porém ele preferia estar sozinho, mesmo que a esposa questionasse o motivo dela não poder acompanhá-lo. A jornalista ficou intrigada e perguntou: “e nós, mulheres, por que a gente não pode ir junto?” Depois de ser indagado, o senhor olhou ao amigo da jovem, que estava na outra Kombi, sem responder à pergunta, e disse: “sabe 20 > primeira impressão >

qual é o problema do mundo? No momento em que Deus deu a língua para as mulheres. Esse foi o pior erro da criação do mundo. Deveria ter ficado como era antes, só com o corpo da costela de Adão, sem o poder da fala.” Manoela quis lhe dizer muita coisa, mas preferiu o silêncio. “Pensa

Arquivo pessoal (Manoela Vieira Petry)

na minha situação de estrangeira, turista, sem saber falar em espanhol e com medo da reação dele. Fiquei quieta e continuei fazendo as minhas coisas”, lembra. Os ataques machistas persistiram indiretamente, pois o homem continuou conversando com o amigo do casal brasileiro e repetiu:

Há cerca de dois anos viajando pela América do Sul, Manoela vivenciou e testemunhou a discriminação de gênero, em diferentes estágios


“é, porque ela acha que eu não percebo que está me escutando, mas eu sei que ela me escuta”. Conforme a jornalista, ele dava indiretas para ver se ela reagia. Alguns minutos se passaram e o senhor resolveu ir embora, mas fez questão de continuar provocando Manoela. “Vou embora porque está na hora da mulher seguir seus afazeres (Manoela estava lavando louça). Está certa, tem que lavar louça e roupa, que essa é uma boa ocupação do tempo de uma mulher”, disse, antes de se retirar. “Eu nunca tinha passado por machismo tão forte e escancarado. Foi duro, foi feio e eu chorei muito depois. Fiquei com raiva de mim mesma por não ter respondido”, expõe Manoela.

O desrespeito explícito dos colombianos Mesmo passando por essa desagradável situação na Argentina, Manoela afirma que o país é o menos machista dos seis pelos quais viajou e morou. “Acho que comigo foi um caso isolado, porque o país é mais aberto à fala feminista. A gente sente que as pessoas respeitam mais. Os homens não têm atitudes machistas tão radicais e abertas”, argumenta. A jornalista destaca que, sem dúvidas, há outros países perto do Brasil muito mais machistas. É o caso da Colômbia, onde a Manu esteve até recentemente. “O colombiano não esconde nada do que ele pensa e sente. Os homens aqui têm a ideia de que podem falar o que quiserem para uma mulher na rua, assoviar, fazer comentários e que a mulher é obrigada a escutar sem responder”, comenta. O feminicídio e a violência cresceram assustadoramente durante a pandemia em solo colombiano. De acordo com a dona da Kombi AnaLuz, as pessoas ficaram trancadas em casa por dois meses na Colômbia e, consequentemente, a violência contra a mulher chegou a um patamar inadmissível. “Quatro ou cinco colombianas foram mortas a cada dia por seus maridos, companheiros ou pessoas que conviviam com elas. Isso dói muito, porque eu pensei que estávamos progredindo, mas veio a pandemia para mostrar

que na verdade a gente está na mesma, que as coisas estão escondidas, veladas”, diz Manoela. A jornalista aponta que as colombianas têm medo, não saem sozinhas à noite, pois no país as pessoas transparecem demais o machismo. “As mulheres daqui são fortes e tentam levar suas vidas de uma maneira mais tranquila. Porém, como vivem neste contexto de sociedade e nesta cultura, elas acabam tendo ideias machistas”, acrescenta. Conforme Manoela, basta o marido não gostar que a esposa use bermudas curtas para que ela use somente calça ao sair de casa. “A gente conheceu meninas entre 20 e 30 anos que vivem essa situação. Com as idosas não é diferente. É lamentável!”, observa Manoela Petry.

É preciso falar de gênero e aumentar discursos feministas Tanto Rhaíssa Mattiello quanto Manoela Petry convergem que é preciso discutir ainda mais a pauta gênero e machismo, principalmente com os mais jovens. Mariléia Sell, professora universitária, doutora em linguística aplicada e pesquisadora sobre gênero e feminismo, diz que é possível entender o machismo a partir de um olhar com distanciamento histórico. Para ela, evoluímos a partir de diversas ondas de feminismos, no plural, porque as realidades e causas enfrentas pelas mulheres são variadas. “A luta das mulheres operárias é diferente das que possuem condição econômica mais elitizada. A realidade das mulheres negras é diferente da realidade das mulheres brancas. Os diferentes feminismos provocam rupturas neste mundo patriarcal e machista”, argumenta. Para a doutora em linguística aplicada, o avanço não tem sido maior porque alguns processos são sutis, no âmbito da construção discursiva. Determinadas ações machistas passam despercebidas pelas pessoas. “Eu tive uma aluna que entrevistou mulheres do interior, da roça, e elas sequer detectavam ser vítimas do machismo. Achavam ‘normal’ o homem controlar as finanças, o homem dar a palavra final sobre o que elas fariam ou não das suas vidas, onde elas podiam ir, quais roupas usar”. Para aquelas mulheres este era o modelo de mundo a que elas estavam acostumadas, sem elementos para identificar que a vida delas era marcada por opressão, machismos e relações desiguais de poder, aponta Mariléia. A mulher não está apenas na cozinha, lavando e passando. Está ganhando o mundo, estudando e buscando novos espaços. “Contudo, a mulher ganha menos, desenvolve tripla jornada de trabalho e comparece mais dentro de casa com serviços domésticos. Todas essas são formas da perpetuação das formas desiguais de poder”, afirma. Em suas palestras e textos, Mariléia diz que há vários movimentos com narrativas sociais colocadas em disputa. A partir disso, a sociedade é formatada pela narrativa vencedora. “Quando a gente acredita que a mulher é talhada naturalmente aos serviços domésticos, então este discurso vai determinar a realidade de muitas mulheres”, acredita. Muito recentemente houve uma disputa narrativa, no Brasil, sobre uma supostamente chamada ideologia de gênero. O que significa falar de gênero? Segundo Ma-

riléia, falar de gênero é justamente tensionar essas relações desiguais de poder, problematizar com as crianças, independentemente de qual idade elas tiverem, por qual razão cabe às mulheres determinadas tarefas e não aos homens? “Essas tensões e problematizações devem acontecer porque, na minha opinião, é somente através de uma educação libertadora que a gente vai conseguir mudar essa realidade”, acrescenta. Na visão de Mariléia, as conquistas históricas presentes precisam ser reafirmadas todos os dias, “porque qualquer distração, em um instante, faz a gente retroceder. Há sempre um embate de discursos, narrativas e de interesses. Que a gente fique atento a essas construções narrativas. Em que lugar esses discursos colocam a mulher? O que prendem? Quem faz esses discursos e para quê?” De acordo com Mariléia, é preciso focar nesses debates e nessas lutas, pois é um processo histórico de idas e vindas, de avanços e retrocessos, “em que a gente deve todos os dias demarcar território. Confirmar e reafirmar no discurso de que o feminismo é importante, necessário e todos deveriam se engajar, principalmente as mulheres”. n

IMPRESSÕES DE REPÓRTER “Muitas coisas sempre me intrigaram no dia a dia. A partir da construção cultural que tive, sempre quis entender por que ainda vivemos em um mundo tão machista, preconceituoso. Essa inquietação aumentou neste ano de eleições, no qual pela primeira vez na história da minha cidade uma mulher concorreu ao cargo de prefeita. Até então, a política era dominada por homens. Esta reportagem aborda momentos desconfortáveis enfrentados por mulheres. Há diferentes faces do machismo, diferentes graus de assédio, agressão e supervalorização do masculino. A partir das histórias dessas mulheres e da fala técnica de quem pesquisa questões de gênero e feminismo, proponho uma reflexão aos leitores. Acredito que vou além: trago uma visão do mundo machista em que vivemos, quais as possíveis causas e o que pode contribuir para que tenhamos uma sociedade com igualdade de gênero e machismo zero.” primeira impressão > 21


por quê > sonho de guria

Por que os clubes não investem no futebol feminino? Diferença de investimento e de tratamento é grande entre homens e mulheres REPORTAGEM THARIANY MENDELSKI CURADORIA FOTOGRÁFICA MATHEUS KLASSMANN

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Jessica Maldonado (Grêmio)


C

erca de 30 milhões de homens e mulheres praticam o futebol no Brasil. Mesmo com tanta popularidade, o preconceito com a mulher é muito presente, e atinge desde esportistas amadoras, jornalistas e até atletas profissionais. Esta reportagem conta a história da camisa 10 do Internacional, Rafaela Travalão, que se destaca por sua velocidade como ponta direita, mas também desempenha funções no meio de campo e na lateral. E também de Karina Balestra, a maior artilheira do Grêmio desde que o clube retomou o futebol feminino. São 41 anos desde que a prática do futebol feminino, ainda em 1979, foi liberada por lei no Brasil. Até então, o Decreto-Lei 3199, de 1941, no governo de Getúlio Vargas, proibia a “prática de esportes incompatíveis com a natureza feminina”. Sete anos depois do fim do impedimento, a Seleção Brasileira feminina entrava em campo pela primeira vez, em 1986 - num amistoso com os Estados Unidos. Após décadas de promessas de incentivo, a lei, enfim, se coloca a favor das mulheres no futebol. O futebol feminino vem ganhando cada vez mais força no Brasil e, principalmente, no Rio Grande do Sul. Os clubes estão investindo mais, profissionalizando as gurias e tornando o sonho de inúmeras famílias em realidade. O futebol é um sonho de muitas meninas e para Rafaela de Miranda Travalão, de 32 anos, jogadora profissional do Sport Club Internacional, não é dife-

rente. Ela conta que o futebol sempre esteve presente na sua vida. “Com sete anos eu comecei a treinar na escolinha no meio dos meninos e aos 14 fui para o time do Marília Atlético Clube, no interior de São Paulo, onde eu já pude começar a jogar”, conta. Apesar do futebol feminino ainda ser um cenário sem tanta visibilidade, o que mantém a jogadora firme é o amor e a paixão que ela tem pela profissão e o desejo de alcançar sonhos dentro do futebol. “Os obstáculos na vida de uma atleta são contínuos, o maior deles com certeza é abdicar de uma vida perto da família. E em relação à parte profissional, com certeza é a falta de visibilidade no nosso esporte”, conta. Para a jogadora do Internacional, atualmente o investimento dos clubes em futebol feminino é muito maior do que antigamente. Ela também destaca a infraestrutura oferecida por seu clube em relação aos outros. É possível perceber que hoje os times têm um elenco feminino com equipes competitivas que buscam se manter na elite. “Hoje temos um campeonato da série A1 muito competitivo, de um nível de excelentíssimo a muito grande”, afirma. Rafa chegou no Inter após passagem pelo futebol árabe. A atacante carrega na bagagem títulos como a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro, em duas ocasiões, além de passagem pela Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 2015. O time gaúcho é o décimo-primeiro da jogadora, que atuou fora do Brasil duas vezes, em 2015 pelo

Atletas da dupla Gre-Nal Karina Balestra (D) e Rafaela Travalão (E), em jogos do campeonato brasileiro

Mariana Capra (Internacional) > primeira impressão > 23


por quê > sonho de guria Boston Breakrs e em 2016 na Europa pelo FSK ST. Polten. Seu maior sonho é poder jogar uma olimpíada. Rafa comenta que teve a oportunidade de jogar contra Megan Rapione – uma das principais jogadoras que luta pelo futebol feminino – na liga americana, Megan pelo Seattle e ela pelo Boston. “Você percebe que lá nos Estados Unidos hoje em dia as mulheres têm uma voz um pouco maior que aqui, lá é um país em que o futebol feminino já está mais incluso no dia a dia. Eu torço muito para que num futuro bem próximo o Brasil chegue perto disso”, afirma. Para ela, a visibilidade no futebol feminino está muito melhor do que era a alguns anos atrás, “porém ainda falta muito para o país, mas acredito que estamos no caminho certo”. Com a nova regra implantada pela Conmebol, a modalidade do futebol feminino cresce e os clubes de camisa, quando formam times, acabam tendo torcida pressionando e a diretoria cobrando para que tenham resultados no feminino também. Rafa comenta que isso faz com que a modalidade cresça, ajuda a ter um campeonato ainda mais forte e com visibilidade. Para Rafa, o apoio da família foi o principal durante todos esses anos. “Minha família ama muito esportes, sempre se dedicou muito à minha carreira. Eu tenho muito a agradecer a eles, porque se não fossem eles eu realmente não estaria onde eu estou hoje. Sempre que eu tive algum problema, tive o apoio da minha família”, lembra.

Futebol feminino profissional Para a jornalista Laura Gross, que possui mais de cinco anos de experiência em veículos de comunicação da Capital e do Interior do Estado, e atualmente atua no SBT/ RS, é impossível comparar o investimento futebol feminino com o do futebol masculino. Porém, ela acredita ser possível fazer uma comparação dos investimentos 24 > primeira impressão >

Mariana Capra (Internacional)

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Eu sempre acompanhei futebol. Meu pai é exjogador profissional, mas sempre me incentivou. Desde os sete anos eu já jogava no meio dos meninos da minha cidade e foi onde eu joguei até os 14 Rafaela Travalão

atuais com os de anos atrás. No ano passado saiu uma pesquisa de que os grandes clubes do país investem apenas 1% no futebol feminino. “Se pararmos para analisar, é irrisório, quase mínimo. Mas se não começar com algum valor, nunca haverá investimento algum. Preferível que seja 1% do que 0%. Mas enquanto a mídia como um todo e os próprios clubes e patrocinadores não entenderem que é possível mudarmos a realidade atual, não conseguiremos sair do 1%”, comenta. Laura afirma que a visibilidade do futebol feminino nos meios de comunicação é muito baixa. As rádios do Rio Grande do Sul, por exemplo, não transmitem, não expõem, nem falam sobre o futebol feminino. “No ano passado, por exemplo, eu lembro que estive à frente do jogo do Brasil x França da Copa do Mundo. Antes disso, nós fazíamos pequenos boletins sobre os jogos e como estava a Seleção Brasileira na competição. Fora isso, o futebol brasileiro e, até mesmo o Campeonato Gaúcho, nem são citados ou falados. Quando são, sabemos que não há nem 1% do espaço que é destinado ao futebol masculino”, relembra. “As gurias gaúchas têm conquistado muitos títulos e ótimos espaços, mostrando o bom futebol, o bom desempenho e a importância do investimento. Eu não falo só da categoria profissional”, continua Laura.

O lado azul da história Ao falar em histórias inspiradoras de jovens garotas apaixonadas pelo futebol, pelo lado tricolor há a camisa 10 e capitã, Karina Balestra, de 38 anos. A atacante, que desde pequena sempre gostou de futebol, descobriu que queria ser jogadora de fato aos 14 anos, quando entrou para uma equipe sub-17 do Sport Club Internacional. “A minha família sempre me incentivou a ser jogadora e eu sempre coloquei na cabeça que eu queria ser jogadora profissional. Graças a Deus sempre joguei


em grandes clubes e consegui fazer história, até mesmo na Seleção Brasileira, que é um sonho para todos. Mesmo a modalidade não sendo tão valorizada isso me motivou a não desistir. As dificuldades enfrentadas no início da carreira são comuns para quase todas as meninas que têm o sonho de Karina: não havia time feminino perto da casa onde morava, em Cachoeirinha, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Por isso, ela precisava pegar dois ônibus para treinar na Capital, o que gerava um custo alto para seus pais, que ainda tinham de arcar com a mensalidade da escolinha de futebol. “Era muito difícil, porque no começo a gente não recebe nada para jogar, jogamos praticamente por amor mesmo”, relembra. Jogadora revelada em 1997, ela atuou pelas Gurias Coloradas até 2003. Em seguida foi para o Juventude, depois foi para o Corinthians, passou um período no interior de São Paulo e ainda teve um retorno em 2007 para o Internacional, quando alçou voos pela Seleção Brasileira e pelo futebol coreano, onde passou três anos, antes de retornar ao Brasil. Em 2017, recebeu a proposta do Grêmio. “Desde então defendo essa camisa com muito orgulho, eu sempre tive um sonho de jogar no Grêmio, então hoje eu tô muito feliz aqui e com a campanha que estamos fazendo no Campeonato Brasileiro e espero fechar com chave de ouro minha carreira no Grêmio” conta. Medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2003 numa Seleção Brasileira que tinha as eternas Marta, Formiga e Cristiane, a gaúcha Karina Balestra é a mais experiente do grupo gremista. Ela acumula conquistas dentro e fora de campo. Atualmente como capitã, seu maior sonho é levantar uma taça com a equipe do Grêmio. “O Grêmio hoje é um dos maiores clubes femininos do Brasil, oferecendo uma estrutura muito boa, a gente trabalha com excelentes profissionais tanto na comissão técnica quanto diretoria. O Grêmio vem investindo muito no futebol femini-

}

Eu sempre quis ser jogadora. Nunca tive fixo na minha cabeça outra profissão do que ser jogadora. Graças a Deus consegui realizar o sonho de ser uma atleta profissional de futebol feminino Karina Balestra

no, isso é muito importante, pois conseguimos ver um Grêmio mais forte para o futuro, investindo e se equiparando aos principais clubes do país, então acho que o Grêmio não fica atrás de nenhuma equipe em relação à estrutura, acredito que estamos no caminho certo”, ressalta. Para Karina, hoje em dia os clubes estão investindo mais no futebol feminino. Após a regra da Conmebol é possível perceber no Brasil grandes clubes de camisa investindo, é possível ver um campeonato brasileiro adulto sendo bem realizado, mas ainda falta muito para os clubes investirem na base. “A base é o futuro do futebol, então acredito que tem que se investir muito nela. Aqui no Grêmio mesmo está sendo criada uma equipe sub-18 para disputar o campeonato Brasileiro, então acho que começa por aí. O Brasil está no caminho certo, investindo e abrindo portas para o futebol feminino”. A reportagem da Primeira Impressão buscou informações sobre o futebol feminino junto à Federação Gaúcha de Futebol, mas não obteve retorno. n

IMPRESSÕES DE REPÓRTER “Foi um desafio e tanto produzir uma revista totalmente a distância. Mas acredito que ao mesmo tempo em que foi desafiador também foi uma experiência única. Desde a escolha do tema da revista eu já tinha em mente que gostaria de contar a história de meninas que sempre sonharam em ser jogadoras de futebol. Por causa do atual momento em que estamos vivendo, todos os contatos com as fontes e as entrevistas foram realizados a distância. Apesar de todas as dificuldades encontradas e da falta do contato presencial, considero que tenha sido um bom trabalho. É muito gratificante poder abordar um assunto pelo qual sou apaixonada e que infelizmente não tem o reconhecimento que merece. Considerado o país do futebol, o Brasil só aos poucos vê crescer o investimento no futebol feminino. Minha forma de poder contribuir com isso é dando visibilidade ao assunto na nossa revista, que é produzida semestralmente. Acredito que o jornalismo e as mídias em gerais têm um papel importante na visibilidade do futebol feminino.” Jessica Maldonado (Grêmio) > primeira impressão > 25


por quê > tempos obscuros

Por que você se foi? A

década de 1970 foi difícil para os Massena. Perseguida pelo regime militar, a família se dispersou, tendo um dos filhos viajado com bolsa de estudos para a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Foi nesse contexto, estudando Química em uma universidade de Moscou, que a filha de Luís Carlos Prestes e o filho de João Massena Melo se conheceram. Foi lá também que tiveram três dos quatro filhos, sendo a primogênita chamada Elisa Prestes Massena. Ela mesma conta que é “brasileira, natural de uma cidade estrangeira de um país que já existiu”; Elisa nasceu em 1975, já com o título de exilada, sem direito a advogado ou julgamento. Filha de dois exilados, passou grande parte da infância longe do Brasil. Saindo da URSS, a família fixou moradia em Moçambique. Lá, Elisa viveu até os 11 anos com algumas viagens ao Brasil. A mudança para a América Latina foi acompanhada de alguma resistência. Por ser a mais velha, já tinha amigos e era habituada à cultura de um país africano. A timidez, natural de sua personalidade, dificultava socializar com os novos colegas. Adaptar-se, portanto, teve seus altos e baixos. Conhecer a história da família, mais especificamente a dos avós, se deu num processo gradual. Elisa 26 > primeira impressão

Histórias de brasileiros que perderam familiares durante a ditadura de 1964 REPORTAGEM NATAN CAUDURO CURADORIA FOTOGRÁFICA SARA NEDEL PAZ

tinha acesso a algumas lembranças do pai e da mãe, mas nenhuma delas envolvia o período da ditadura. Esse filtro se dava, em especial, pela pouca idade da menina. “Quando a gente morou em Moçambique, essas histórias não eram faladas, mas a gente sabia que existia uma ausência”. O anonimato presente em Moçambique já não existia no Brasil. Com tal sobrenome, a ligação entre Elisa e Prestes era quase inevitável. Prestes foi uma das figuras mais influentes na política brasileira no século XX, mas ele não é a única conexão entre ela e a ditadura. Seu avô por parte de pai, João Massena Melo, foi dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 1974, foi sequestrado, um ano antes do nascimento de Elisa. “A questão do Massena ficava apagada porque não é tão conhecido, então eu vivi

isso também. Você tem um nome, as pessoas sabem do Prestes, mas e do Massena?”, relembra. O luto se mostra, em muitos casos, como uma ferida difícil de cicatrizar. Anos mais tarde, já adulta e com 45 anos, o tema ditadura toca em pontos sensíveis. Não é difícil encontrar depoimentos de ex-agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em entrevistas e documentários. Um dos mais proeminentes e vocais é o pastor Cláudio Guerra. Em uma de suas falas, ele menciona envolvimento na morte de João Massena. Elisa não consegue e nem quer ter contato na atualidade com esse tipo de material. “Eu não assisto mais. Quando eu era mais nova, eu lia bastante. De alguns anos pra cá, eu não consigo”, revela. Outro fator de incômodo são as manifestações do presidente Jair Bolsonaro. “Nossa, eu não consigo olhar para esse homem. Tudo o que ele fala, e em relação à ditadura não existir, é horrível”. Não só a figura de maior poder no Executivo, mas também um dos símbolos do país causa desconforto a ela. “Na verdade, eu sempre tive um incômodo em cantar o hino nacional. Eu, adulta, ainda tenho grande resistência. É a primeira vez que falo isso”. Elisa já se arriscou na escrita de alguns materiais que, futuramente, podem se tornar um livro de memórias. Ela não é a única.


João Massena Melo era metalúrgico, vereador e deputado estadual. Desapareceu em 3 de abril 1974, deixando mulher e três crianças

Elisa segurando cartaz: Elisa Prestes Massena (direção de Sara Nedel Paz) / Demais imagens: arquivo pessoal (Elisa Prestes Massena) > primeira impressão > 27


por quê > tempos obscuros

Família de Igor. Da esquerda para direita: Maurício Grabois, Gilberto Olímpio e André Grabois

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Igor lendo livro: Izabella de Carvalho (direção de Sara Nedel Paz) / Demais imagens: arquivo pessoal (Igor Grabois Olímpio)


O pai, João e uma das irmãs, Andreia Prestes, também usaram do papel e caneta como forma de registrar as lembranças de um período conturbado. O pai escreveu uma autobiografia “Kanimambo” e recentemente a irmã lançou um livro para crianças chamado “Lila em Moçambique”. Lila era o apelido de Elisa na infância, e o livro é uma homenagem a ela. A guerrilha do Araguaia é um marco na história do país, tanto por fazer oposição à ditadura quanto por ser uma das principais investidas comunistas no Brasil. Surgida entre 1966-67, teve seu fim entre 1974-75. O caso tornou-se famoso, em especial por ter sido encoberto devido à censura imposta pelo Ato Institucional Número 5 (AI-5), instalado em 1968. Apenas na década de 1980 os massacres do Araguaia foram noticiados. Igor Grabois Olímpio tem ligações de sangue com o Araguaia. Nascido em 1966 no Rio de Janeiro, é um economista, ativista político e ex-candidato a governador de São Paulo. Também é comunista assumido, em grande parte motivado pelo histórico familiar. “É uma coisa meio difícil de dizer hoje, mas eu sou”. Filho de Gilberto Olímpio e Victória Grabois, neto de Maurício Grabois e sobrinho de André Grabois, com exceção da mãe, todos executados na região do Araguaia. “Eu tenho 54 anos e a ditadura durou a minha vida toda.” Desde pequeno, Igor viveu na clandestinidade. O próprio hospital, no Rio de Janeiro, foi escolhido por oferecer suficiente privacidade e anonimato à mãe, àquela época já observada pelo regime militar. Do nascimento até 1979, a família vivia no que Igor chama de aparelhos imóveis controlados pelo PCdoB (partido da família e responsável pela guerrilha). Eram nesses aparelhos que ficavam parte das finanças, biblioteca e membros do comitê central do partido. Com cinco anos, Igor já tinha um nome de guerra. Chamava-se Jorge Freitas. Ele teve uma infância de restrições. As coisas que poderia dizer e fazer, especialmente em público, eram observadas pela mãe. “Vivi as restrições de segurança sem ter consciência disso. No sobradinho, as crianças da rua não podiam acessar os quar-

tos porque eram neles que ficavam as bibliotecas e documentações que o PCdoB tinha e que estavam sob a guarda do meu pai e da minha mãe”. A mãe de Igor foi uma das responsáveis pela preparação da Araguaia. Não na região, mas em busca de locais para criar a guerrilha rural do PCdoB. O pai, assim como o avô e tio, era guerrilheiro. O último contato de Igor com o pai e o avô foi em 1971, dois anos antes da morte de ambos. “A última vez que eu vi meu pai, tinha cinco anos. São lembranças em que a imagem é forte, mas o momento é tênue, uma lembrança do carro que o meu pai dirigia. Lembro do meu avô na casa de cômodo em Jabaquara (SP) que a gente morava”. O uso da palavra massacre não é em demasia. Documentos oficiais do exército brasileiro, acompanhados de fotos e exumação de cadáveres (os poucos encontrados), revelam que os guerrilheiros do Araguaia foram capturados e executados. O exército, em suas três grandes investidas, mobilizou uma média de cinco mil homens, enquanto que a guerrilha, estipula-se, não totalizava 100 indivíduos. Alguns dos principais arquivos sobre os ataques saíram da posse do tenente-coronel da reserva do exército, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, chamado de “major Curió”. Já adulto, ao contrário de Elisa, Igor não encontra barreiras quando confrontado com símbolos nacionais. Ele se define como uma figura nacionalista. “A gente tem que resgatar o hino, resgatar a bandeira, resgatar o país. Tirar ele dessa loucura em que ele entrou”. Ele ressalta, contudo, que a mobilização do Estado na busca pela verdade e pelas vítimas é baixa. “As indenizações (refere-se à lei 9.140) são por força de lei ou força de condenação. Apoio psicológico também, mas por iniciativa dos familiares. O Estado paga indenizações numa tentativa de calar a boca, como foi também na anistia. Agora, o que a gente quer é justiça, é verdade, é a construção da memória coletiva desse país, e que o que aconteceu na ditadura não se repita”.

Um passado que aguarda respostas Luto é uma palavra de grande significado para as famílias. É como se o pesar viesse em parcelas, cada geração responsável por quitar uma parte. Os primeiros a senti-lo foram os pais e mães, depois maridos e esposas. Então foi a vez dos filhos e filhas. Netos e bisnetos já sentem o peso nos ombros, a responsabilidade de carregar as memórias da família e de manter viva a luta por respostas. Quatrocentos e trinta e quatro nomes ocupam a totalidade de oito páginas de um dos documentos produzidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Esses nomes compartilham um passado em comum: todos pertencem às vítimas da ditadura militar brasileira. Em 2020, 35 anos após o término do regime, famílias ainda procuram por respostas para as seguintes perguntas: quem os matou e onde estão os corpos? Um desaparecido político, no contexto brasileiro, é alguém cujo corpo não tenha sido encontrado e a morte, presumida. Tal presunção advém do fator tempo. A probabilidade de estar vivo, depois de tantos anos, é remota. n

IMPRESSÕES DE REPÓRTER “Para criar este texto, eu tive de superar o medo do luto. E não foi coisa fácil, pois penso que escrever sobre morte seja uma tarefa coletiva. Eu não tenho como falar sobre a minha morte, então procuro pela tragédia no outro, e o faço reviver um passado dolorido. Isso me força a tocar num algo pessoal, lá no fundo. Um belo exercício de empatia. O grande ensinamento, talvez, seja como cada indivíduo lida com o pesar. O Igor foi um cara muito aberto, pronto pra conversa, disposto a remexer o fundo do baú. Já a Elisa foi tímida, cuidadosa e, em alguns casos, nem sabia o que responder. Tantos meses desde a primeira versão do texto, vez ou outra eu me pego pensando nos dois, no luto por partes e nas doses de injustiça que eles engolem todo dia. No fim, me parece que a missão do jornalista fica cada vez mais óbvia: oferecer uma chance para que a verdade desses indivíduos não se perca na história - o que é engraçado, pois é exatamente isso que as mais de 400 famílias fazem até hoje.” primeira impressão > 29


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