Lupa 15

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Lupa Porto Alegre | Junho de 2022 | Edição 15

Doação de ossos e tecidos esbarra na desinformação Falta de conhecimento da população — e de médicos — sobre o assunto é um dos obstáculos enfrentados pelos Bancos de Tecidos Musculoesqueléticos (BTMEs) para manter o estoque

Artistas sem gravadora: independentes sim, mas não só l O maior acervo público sobre Elis Regina fica em Porto Alegre l Violência no futebol: reflexo da sociedade E ainda: Mostra no MARGS convida o público a refletir sobre a escassez da representatividade racial no campo das artes l Praça General Freitas, em Sapucaia, ganha espelho d’água, brinquedos, banheiros, iluminação em LED e espaço para receber artesãos

DIVULGAÇÃO / BTME PASSO FUNDO

Nesta edição:


2 | MERCADO MUSICAL |

Artistas independentes geram projetos em um mercado alternativo incrementado por novas possibilidades surgidas nos últimos anos

YASMIM BORGES

Por trás da produção de canções sem gravadora ou selo

Q

uem ouve os trabalhos do Lista de Ausência nem imagina que por trás desse projeto existe apenas uma pessoa envolvida no processo de produção e distribuição. Gabriel Pozzan começou sua trajetória na música logo no Ensino Médio, quando escrevia canções, mas não conseguia produzi-las devido à falta de equipamentos apropriados para isso. Durante a faculdade de Engenharia Elétrica, Gabriel conseguiu uma bolsa para estudar na França, onde começou a estagiar e assim juntou dinheiro para comprar os equipamentos necessários para dar início a sua carreira como músico independente. Ele entende que, por ter tido outro trabalho como fonte de renda primária, conseguiu colocar em prática sua vontade de fazer música. Nos dias de hoje, ser independente na música está ligada à ideia de não depender de uma gravadora ou de um selo para lançar suas próprias músicas. Com o avanço da tecnologia, as pessoas que não estavam inseridas no meio musical começaram a ter acesso aos equipamentos de gravação e softwares de edição, possibilitando que esse processo de criar e editar seu projeto seja feito em casa, sem necessitar da assinatura de um contrato com alguma gravadora ou selo para ter acesso a um estúdio de gravação. Isso abriu portas para que milhares de pessoas conseguissem se lançar no mercado musical, e com a vinda de plataformas como o Youtube e o Spotify, os músicos independentes foram conquistando cada vez mais espaço e visibilidade. Por ter se tornado um processo acessível, muitos músicos produzem seus próprios projetos e trabalham na sua própria divulgação, porém são poucos que conseguem atingir um patamar nacional. Gabriel diz não achar tão ruim gravar sozinho, porque isso o permite explorar os instrumentos de diversas maneiras diferentes, algo que ele não conseguiria fazer em um estúdio, por exemplo, por não ser rentável. Por outro lado, ele entende que acaba deixando muitas músicas para trás por não conseguir explorar as ideias de uma forma que o satisfaça, e que talvez isso seria pos-

Youtube e Spotify propiciaram que músicos independentes pudessem alcançar mais pessoas e ter mais visibilidade

sível em um estúdio com a troca de ideias com outro produtor. “Esse primeiro álbum foi um resultado de tudo que eu estava aprendendo depois de comprar os equipamentos e conseguir produzir minha própria música, porque eu não tinha alguém pra me ajudar na produção, então eu fui me desenvolvendo ao mesmo tempo que eu gravava as minha próprias músicas”, relata o artista que hoje possui um novo projeto, Hiraeth.

Independente, mas não só

O estudante de música da UFRGS Guilherme Mesquita, que possui um projeto solo independente, o Ventríloquo Mudo, acredita que o maior desafio são os espaços físicos comparados com a internet e suas formas de alcance. “Ser independente não significa não ter que contar com mais ninguém: por mais que hoje em dia existam diversas ferramentas que facilitam todas as etapas, há um limite real no que se pode fazer sozinho”, analisa. Guilherme fala que, em sua opinião, o mais importante quando se trata da consolidação no mercado nacional é criar contatos e vínculos com pessoas que vão ser essenciais para a inserção nesse meio, participação em shows, festivais e lançamentos novos. São diversas dificuldades enfrentadas pelos artistas independentes, e

LUPA (Leia Unisinos Porto Alegre) é uma publicação experimental produzida por alunos do curso de Jornalismo. REDAÇÃO – Textos: alunos das disciplinas de Jornal e Notícia, Jornal e Reportagem e Jornalismo Opinativo, sob orientação dos professores Micael Vier Behs, Ronaldo Henn e Everton Cardoso. ARTE – Projeto gráfico: alunos da disciplina de Planejamento Gráfico (turma 2019/2) Carolina Pinto e Jéssica Montanha, sob orientação do professor Everton Cardoso. Diagramação: Marcelo Garcia (Agência Experimental de Comunicação - Agexcom). Impressão: Gráfica Uma.

uma delas vai além da música: a dificuldade na produção de conteúdos e gestão de redes sociais é algo que muitas vezes atrapalha e, para Gabriel, isso se dá principalmente por não ter a música como atividade primária, o que acaba fazendo com que não sobre tempo para lidar com a gestão das redes, resultando em um alcance baixo nas postagens que são realizadas. Sobre o planejamento, Guilherme Mesquita entende que faz parte de todo o processo, pois tudo é um pré-lançamento “Peças vão sendo coletadas no caminho: artes, fotos, pequenos textos. Com sorte essas coisas se alinham com as músicas”.

Ser independente não significa não ter que contar com mais ninguém Guilherme Mesquita,

estudante de música

Por mais que existam obstáculos no meio do caminho que muitas vezes fazem com que os artistas pensem em desistir por algum momento, há coisas boas para equilibrar e manter viva a vontade de continuar trabalhando no ramo. Gabriel relata que a música proporcionou a ele conhecer seu maior ídolo nacional, Ale Sater, da banda Terno Rei. Foi através de um vídeo postado por Gabriel como um cover de uma das músicas da banda que o vocalista Ale viu seu perfil no Instagram e começou a seguir e interagir com ele. “Ver pessoas que estão nesse meio há muito tempo e fazem um som de qualidade chegando em mim e me dizendo que meu som é bom é algo que me dá muita vontade de continuar”, diz. Além disso, o artista fala que uma de suas maiores motivações para continuar na música são os fãs e o carinho que eles demonstram. “Eu tenho recebido feedbacks muito positivos de pessoas que eu não conhecia até fazer música, pessoas que se tornaram fãs do meu projeto de verdade e gostam do meu trabalho, que entram em contato comigo pelas redes sociais dizendo que escutaram minhas músicas e de alguma forma se identificaram.” Por Yasmim Borges Campus de Porto Alegre

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Campus Porto Alegre: Av. Dr. Nilo Peçanha, 1600 - Boa Vista, Porto Alegre (RS) - 91330 002. Campus São Leopoldo: Av. Unisinos, 950 - Cristo Rei, São Leopoldo (RS) - 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Sergio Eduardo Mariucci. Vice-reitor: Artur Eugênio Jacobus. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Guilherme Trez. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretora da Unidade de Graduação: Paula Dal Bó Campagnolo. Coordenadores do Curso de Jornalismo: Débora Lapa Gadret e Micael Vier Behs.

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| MEMÓRIA | 3

Trajetória de Elis Regina segue viva em exposição na capital Mostra organizada com itens pertencentes à cantora valoriza a história da artista gaúcha na Casa de Cultura Mario Quintana

O processo de formação desse acervo foi feito a partir de uma campanha de doação de itens. Está aberto para quem quiser doar

E

Alexandre Veiga,

coordenador do Núcleo de Acervo e Memória da CCMQ

FOTOS PAOLA DE BETTIO

lis Regina morreu há quarenta anos, e embora sua técnica absoluta e repertório intenso, ela ficou muito lembrada por suas posições repletas de convicção e refinadas pela sinceridade. Elis morreu no verão de 1982, com uma carreira de, ao menos, 15 anos de sucesso. Hoje, passados o dobro de anos de atividades em vida, ela configura como uma das artistas brasileiras mais tocadas no Spotify, popular plataforma de áudio, com cerca de 2,2 milhões de ouvintes mensais. O app elenca os 5 estados onde ela é mais escutada no Brasil, e o Rio Grande do Sul não é um deles. Apesar do sucesso e relevância, a relação da cantora com Porto Alegre e o estado permanece complicada. No entanto, é aqui que o maior acervo público e permanente sobre ela fica, no 2° andar da Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ). O Coordenador do Núcleo de Acervo e Memória da Casa, Alexandre Veiga, dedicou o fim do expediente de uma sexta-feira para falar do Acervo e da Sala Elis Regina. Para ele, espaços como o da Casa valorizam a história da cantora. “A narrativa consegue se constituir à medida que se conhece a trajetória dela. A existência deste espaço de memória valoriza a trajetória do passado, mas ele projeta o futuro para uma existência já constituída”, justifica Veiga. Ele ressalta a diferença entre Acervo e Exposição: “A sala tem uma exposição de longa duração, em que nós colocamos alguns itens, os mais significativos, mas muita coisa não está exposta, está recolhida no Acervo”. São mais de 500 itens se tratando do Acervo, mas a exposição costuma ter de 30 a 40 itens.

Acervo de mais de 500 itens serve de base para a exposição que pode ser conferida no segundo andar da Casa

E precisamos rejuvenescer?

Coisas por dizer

Em março do ano passado, por ocasião dos 75 anos da cantora, da digitalização do Acervo e da doação de uma expressiva coleção de itens vindos do espólio do ator e escritor Zeca Kiechaloski, a filha de Elis, também cantora, Maria Rita, participou de um live publicada no perfil da Casa no Instagram. Neste dia, Maria Rita contou que gostaria de colaborar mais com o Acervo, mas nem mesmo a família possui muitos itens. Em janeiro de 1982, quando os jornais de rádio e televisão anunciavam a morte de Elis Regina, a comoção popular foi tamanha que ganhou ares de caos. Os fãs acharam que poderiam reivindicar itens pessoais da cantora,

Veiga adianta que está sendo produzido um documentário sobre a Elis e que conta com Acervo para a realização. Ele também contou que pessoas de outros estados entram em contato oferecendo diversos tipos de itens, que passam sempre por uma avaliação. “Tivemos, recentemente, a doação de um violão autografado”, revela sobre o objeto doado por um parente da cantora e que em breve estará em exposição.

considerada patrimônio nacional. João Marcelo, filho mais velho da cantora, conta sobre o episódio no livro “Elis e eu”. Ali, João conta que chegou no apartamento em que morava com a mãe e se deparou com a porta aberta e muitos desconhecidos vasculhando armários, estantes, gavetas e levando fotografias que estavam presas na parede. “O processo de formação desse acervo foi feito a partir de uma campanha de doação de itens, e continua acontecendo. Está aberto para quem quiser doar”, conta o coordenador sobre a formação do Acervo. A ideia do Acervo partiu de

Sérgio Naap, que foi Diretor da Casa de Cultura, em 2003. Sérgio era muito fã de Elis e entendeu que a cidade natal da cantora precisava de um local de memória significativo. “Ele lançou a campanha de divulgação e de solicitação de itens, e recebeu forte aderência da sociedade. Temos dois grandes doadores, um foi um marchand chamado Renato Rosa, e outro foi uma atriz chamada Sônia Duro. Eles fizeram expressivas doações”. Cerca de dois anos depois da proposta surgir, a primeira exposição abriu no segundo andar da Casa, na sala de frente ao Quarto do Poeta, em 2005.

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Para Arthur de Faria, jornalista e pesquisador da história musical de Porto Alegre há praticamente trinta anos, o repertório da Elis é uma das explicações para ela ser escutada por tantas gerações e ainda continuar ganhando novos “seguidores”. “Ela nunca teve um repertório banal. Ela nunca gravou aquelas músicas que poderiam fazer muito sucesso e depois serem esquecidas”, afirma o biógrafo. Porém, acrescenta que a personalidade é um diferencial forte. “O fato de ser sempre uma pessoa que falou muito sobre as coisas, que sempre se impôs muito”, explica o pesquisador que escreveu “Elis: uma biografia musical”. “O único lugar onde a Elis é controversa é aqui”, lamenta Arthur. Para ele, o que explica isso é o fato de os gaúchos serem bastante conservadores. A tese é confirmada por Alexandre. Para ele, o debate sobre ela ter saído da cidade, fazer sucesso em outro centro e não voltar a morar aqui corroboram também. “Diziam que ela não queria ficar aqui, mas para ela poder ter a projeção que teve, ela precisava de um centro onde essa capacidade de desenvolver essa arte fosse mais potencializada, que era no Rio e em São Paulo”, pondera Veiga. Por Paola De Bettio Campus de Porto Alegre


4 | REPRESENTATIVIDADE |

Presença negra ocupa o maior museu do Estado CHRISTIANO RANGEL

Deusa Nimba, escultura secular da deusa africana descoberta no Rio Grande do Sul em 2018, é um dos destaques entre as mais de 200 obras presentes na exposição

O

Museu de Artes do Rio Grande do Sul abriu as portas para mais uma exposição. Dessa vez, intitulada “Presença Negra no MARGS”, a mostra foi inaugurada no sábado, 14 de maio, e permanece em exibição até agosto. A temática convida o público a refletir e questionar a escassez da representatividade racial no campo das artes. A exposição conta com mais de 250 obras, de diferentes coleções, reunindo cerca de 70 artistas. “Além da produção de artistas gaúchos, a exposição também conta com peças de outros acervos e museus, além de objetos de coleções privadas. Contudo, “o cerne da exposição é a produção de artistas negros no Rio Grande do Sul e sua presença ou ausência nos acervos locais”, diz o curador da mostra, Igor Simões. Ao lado de Izis Abreu e Carolina Ferreira, que também atuam na curadoria, Igor afirma que existe uma outra ausência nos museus que independe do cenário de pandemia: a de um público que nunca tem acesso a esse tipo de instituição, mas que na abertura dessa exposição compareceu ao MARGS em grande número. “Mais do que a questão da volta ao presencial, para

Rita Léndè em sua performance “Arriada (fluxo reparatório)” na abertura da exposição

nós o sentido acaba sendo o encontro dessas presenças negras, desses corpos negros no espaço do museu. Essas dificuldades são muito anteriores à pandemia”, complementa o curador.

A abertura contou a participação de artistas como Rita Léndè e PretaMina. Rita diz que sua performance - “Arriada (fluxo reparatório)” - foi uma missão com sua ancestralidade, como se fosse uma

obrigação enquanto artista falar por todos aqueles e aquelas que não conseguiram ter voz. A sua apresentação teve justamente a ideia de evocar toda uma geração que acabou silenciada. Ela também levantou questões sobre o cunho dessa produção artística. “O artista produz sobre a questão da negritude ou produz sobre questões da sua humanidade? Embora soframos racismo, será que as nossas obras precisam expor essa questão? Uma vez que é um artista negro que já sofre racismo, então logo nessa obra isso tem que estar explícito?”, questionou. A exposição faz parte de um projeto cultural iniciado em 2021, idealizado pelo Núcleo Educativo e de Programa Público do Museu, e que esse ano encerra sua agenda com o retorno à presencialidade. O projeto que carrega o mesmo nome da exposição contou com conferências, palestras, cursos, debates e ações com artistas, pesquisadores, curadores e intelectuais, incluindo agentes de movimentos sociais e ONGs. A “Presença Negra no MARGS” também fez parte do itinerário da 6ª edição da tradicional Noite dos Museus, que ocorreu no sábado, 23 de maio. A exposição é aberta a todas as idades e ficará no MARGS até o dia 21 de agosto. A entrada é franca sem necessidade de agendamento prévio. O público pode ingressar no local das 10h às 19h, sendo o último acesso às 18h30. Por Laura Santiago Campus de Porto Alegre

Noite dos Museus leva uma multidão ao Centro Histórico da Capital Sul (MARGS) e a Casa de Cultura Mário espaços públicos da cidade cativou muita Quintana, seis novos centros culturais pas- gente. Com isso, as filas também cresceram saram a fazer parte da Noite dos Museus e o público precisou esperar até duas horas em 2022. Foram eles: o Instituto Ling, o para acessar determinados museus. André Museu Militar do Comando Militar do Sul, o Palácio Piratini, a Galeria do Dmae e a Fábrica do Futuro, no Quarto Distrito, que ce- Localizada entre os principais deu espaço para uma museus do Centro Histórico, a exposição do Museu Praça da Alfândega foi um dos de Arte Contempo- locais com maior concentração rânea do Rio Grande de público durante o evento do Sul (MAC-RS). Fecha essa lista um dos grandes destaques da noite, o Multiverso Experience, no Cais Embarcadero, que contou com uma exposição imersiva a partir de obras de Van Gogh e Monet, projetadas nas paredes. Neste ano, o mote da Noite dos Museus foi o reencontro. A proposta simbólica de reencontrar a arte e voltar a ocupar os LUPA | UNISINOS PORTO ALEGRE | Junho de 2022

KÉMILI VALDUGA

A tradicional Noite dos Museus marcou a sua 6ª edição com o retorno às atividades presenciais. Após dois anos de restrições, em decorrência da pandemia de Covid-19, o evento voltou a ocupar os espaços públicos de Porto Alegre no dia 21 de maio. A edição deste ano contou com mais de cem atrações, entre exposições, apresentações musicais e intervenções artísticas. Conforme a organização, cerca de 180 mil pessoas participaram do evento, tornando essa a sua maior edição. No Centro Histórico de Porto Alegre, os espaços estavam lotados de olhares curiosos e empolgação. Essa foi a percepção da social media Júlia Felipe, de 25 anos. “Esse ano estou achando maravilhoso. Estou muito feliz de ver tanta gente na rua novamente, prestigiando o evento”, conta. Além dos museus que tradicionalmente recebem o evento, como o Farol Santander, o Museu de Arte do Rio Grande do

Machado, de 22 anos, estudante de Engenharia de Materiais na UFRGS, sentiu essa demora nas atrações. “As exposições estão muito lindas, mas as grandes filas desmotivam ir em mais museus, já que precisamos ficar horas esperando”, afirmou. De acordo com Roger Lerina, integrante do Conselho Artístico da Noite dos Museus, a ideia para as próximas edições é alargar o alcance do evento para outras localidades de Porto Alegre. “O objetivo é desfocar um pouco do Centro Histórico, local onde se encontram a maioria das atrações, para que a população se espalhe por outros locais culturais da cidade”, explicou. Ainda segundo ele, essa é uma forma de diminuir o tamanho das filas para acessar os espaços culturais. Por Eduarda Ferreira Campus de Porto Alegre

e Kémili Valduga Campus de São Leopoldo


| DOAÇÃO DE OSSOS | 5

O sim que leva uma esperança para a vida de 30 pessoas Especialistas avaliam sistema de transplante e doação de ossos depois de 20 anos da instituição dos Bancos de Tecidos Musculoesqueléticos no Brasil

outras regiões. Prinz cobra maior alinhamento por parte das Centrais de Transplante, a fim de que mobilizem o setor público e privado na capacitação das equipes regionais, dando maior suporte no abastecimento dos BTMEs.

N

Doações de ossos no RS

Em atividade desde 2005, o Banco de Tecidos do Hospital São Vicente de Paulo de Passo Fundo, único na Região Sul, alcançou em janeiro deste ano a marca de 885 doadores. No mesmo período, mais de 6.800 pessoas foram beneficiadas por tecidos oriundos da unidade. Na avaliação do diretor do BTME, o médico Osmar Valadão Lopes Jr, houve um aumento de doadores ao longo dos anos, mas esse número não acompanhou a evolução das cirurgias ortopédicas, que devem duplicar em dez anos, gerando uma maior demanda por tecidos. Por estar localizado em uma cidade de porte médio, o banco de Passo Fundo conta com o suporte de outros hospitais da região para abastecer seu estoque. Segundo Valadão, as unidades hospitalares precisam cadastrar suas equipes na Central Nacional de Transplantes

Osmar Lopes Jr.,

diretor do BTME Passo Fundo

para ter a autorização de captar os tecidos e, posteriormente, enviar o material ao banco de Passo Fundo. “A captação não é um processo caro, talvez seja só desinteresse dos hospitais”, comenta o diretor ao ressaltar o quanto é preciso torno processo mais acessível.

Cultura doadora

Mesmo que haja uma melhor capacitação das equipes cirúrgicas ou a aplicação dos melhores protocolos sanitários, caberá ainda à família autorizar a doação de ossos. Por esse

DIVULGAÇÃO / BTME PASSO FUNDO

a idade adulta, o corpo humano chega a ter 206 ossos, destes cerca de 5% podem ser doados. Assim como na doação de órgãos, é preciso autorização da família para realizar a captação dos tecidos. Um único ‘sim’ pode beneficiar até 30 pacientes, já que desde um implante dentário ao tratamento do câncer nos ossos, a maioria das cirurgias ortopédicas e odontológicas no Brasil depende de tecido ósseo. E foi para garantir o fornecimento desse material, que em 2002 o país instituiu oficialmente os Bancos de Tecidos Musculoesqueléticos (BTMEs). Com cinco unidades em funcionamento - três em São Paulo, uma no Rio de Janeiro e outra no Rio Grande do Sul – os bancos são responsáveis por abastecer todos os hospitais públicos e privados. Mas a crescente demanda, acompanhada do baixo número de doadores e das dificuldades com a logística e captação do material, desafiam a manutenção dos estoques. À frente do Banco de Tecidos do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO) do Rio de Janeiro há mais de quinze anos, o médico Rafael Prinz acompanhou a melhoria contínua do sistema de transplante de ossos nesse período. Segundo ele, a legislação brasileira se tornou uma das mais modernas do ponto de vista de vigilância sanitária e segurança, estando no mesmo nível de bancos europeus e norte-americanos. Contudo, a falta de conhecimento, tanto do público como dos próprios profissionais da saúde, permanece sendo o principal gargalo. Prinz explica que, para garantir a qualidade dos tecidos, a legislação estabelece mais critérios de exclusão aos doadores de ossos, se comparado aos de órgãos, uma vez que os receptores não correm risco de vida. Segundo ele, não se trata de um ponto negativo, mas faz com que seja necessário um maior número de doadores de ossos para alcançar a mesma efetivação das doações de órgãos. E se de um lado faltam doadores, do outro está a dificuldade em captar e distribuir os tecidos. “É preciso capacitar as equipes cirúrgicas para que mais hospitais contribuam com esse processo, realizando a captação dos tecidos”, ressalta o médico. Conforme ele, as famílias deveriam ter o direito de fazer as doações em seus estados, sem a necessidade de mobilizar equipes de

A captação não é um processo caro, talvez seja só desinteresse dos hospitais

Hospital São Vicente de Paulo de Passo Fundo conta com o único banco de tecidos ósseos da Região Sul

LUPA | UNISINOS PORTO ALEGRE | Junho de 2022

motivo é fundamental comunicar em vida o desejo de ser um doador. A desinformação dificulta a decisão dos familiares e, consequentemente, a efetivação dos potenciais doadores. Em 2017, a cidade gaúcha de Montenegro registrou 100% de negativa familiar para a doação de órgãos e tecidos. Com o resultado entidades, hospitais, universidades e veículos de imprensa se mobilizaram para levar informação à comunidade. Em menos de um ano, a negativa familiar caiu para menos de 30%. Esse foi um dos exemplos relatados pela coordenadora do projeto Cultura Doadora, de Porto Alegre, Glaci Borges, ao comentar sobre os perigos da desinformação. Para ela, é necessário ampliar o debate principalmente em escolas e universidades. Conforme ela, crianças e jovens são mais receptíveis ao tema e exercem influência sobre os adultos com os quais convivem. Glaci também é crítica quanto à falta de uma política de Estado voltada aos transplantes e cobra maior continuidade de trabalho pela Central de Transplantes. Por Alana Cláudia Schneider Campus de Porto Alegre


6 | OPINIÃO |

Novidades gastronômicas

Giulia Corrêa Godoy

Preços acessíveis e menu com pratos selecionados

l O evento funciona como proposta para conhecer novos locais na cidade e apresentar sua culinária para turistas e moradores locais. l Tudo isso por um preço acessível com um menu de pratos selecionados. É possível navegar por diferentes categorias até encontrar a culinária mais afetiva para conhecer l Opções veganas e vegetarianas também integram o Restaurant Week Brasil, com sugestões de pratos principais, entradas e sobremesa.

CBLOL 2022

l Para mais informações acesse o instagram da marca e programa um final de semana de novidades.

Crescem os especialistas

O Rio Grande do Sul tem se destacado cada vez mais como um dos grandes nomes do turismo gastronômico. Entre vinhedos e praias, bares e restaurantes se sobressaem com sabores característicos de cada região. Não é atoa também que com isso o número de jornalistas que se tornaram especialistas nesse tema aumentou. Inclusive, pode-se observar esse crescimento se relacionado ao número de profissionais que hoje seque um estilo de vida como influenciador digital na área. Atualmente é muito comum percebermos a movimentação de veículos de comunicação em redes sociais notificando a chegada de novos estabelecimentos e eventos ligados à gastronomia. A matéria publicada em um jornal contando uma resenha que una informações sobre o espaço e comida até existe, de forma mais detalhada e literária. Mas é na procura pelas hashtags e pesquisando as menções do perfil que a visibilidade da gastronomia tem espaço. Com isso, o conhecimento real de jornalistas e críticos gastronômicos é colocado em evidência e questionamento diário. Entramos aí novamente no debate de onde, em um mundo com informação tão fácil de ser compartilhada e também exposta, entra o critério de escolher por onde se informar corretamente e com qualidade.

COLIN YOUNG-WOLFF / RIOT GAMES

Para quem procura novidades gastronômicas em Porto Alegre vem aí um prato cheio. O Restaurant Week Brasil chega na cidade e vai até o dia 22 de maio.

Games A eliminação do Brasil no MSI

Felippe Jobim

2º split

Red Canids representou o Brasil no MSI 2022 de League of Legends

Após um início promissor vencendo a equipe vietnamita PSG Talon, a RED Canids se despediu do Mid-Season Invitational nesse domingo, após perder para a RNG e terminar 2-4 na terceira colocação do grupo. A desclassificação levantou nas redes sociais o debate sobre o nível do competitivo de League of Legends brasileiro. As derrotas trouxeram críticas pois o sentimento era de que a equipe brasileira poderia ter ido mais longe, a RED mostrou uma significativa evolução se comparada com a performance no Worlds 2021. Apesar do Brasil ser uma região fraca, nos jogos contra a IW, mesmo com a derrota no primeiro jogo, a equipe brasileira foi dominante e mostrou muita superioridade. Um dos grandes debates que surgem nesses momentos é a dificuldade de equipes brasileiras para conseguirem treinos com regiões major, como China, Coréia e Europa. Um detalhe que aumenta essa discussão é que equipes dessas regiões geralmente aproveitam o público brasileiro nas redes sociais para ganhar engajamento. Esse é um problema que in-

felizmente não tem como resolver no curto prazo, equipes de alto rendimento não ganham nada treinando contra equipes de regiões minor. Além disso, no Brasil esse cenário também acontece, porém com equipes do CBLOL dificilmente treinando contra times do Academy. Salvo exceções quando são equipes da mesma organização. Uma disparidade tão grande de nível não rende conteúdo para análise e aprendizado para nenhuma equipe. O time mais forte vai ganhar a partida em pouco tempo e não será punida ou cobrada em suas decisões. Enquanto a equipe mais fraca não conseguirá aplicar seu jogo e perderá através de conceitos muito avançados para o seu nível. É importante lembrar que em regiões como China e Coréia o eSport é levado com muita importância, assim como futebol e basquete no ocidente. Enquanto aqui os jogos eletrônicos ainda não são valorizados, apesar do enorme público que acompanha os campeonatos todos os anos. Portanto, é compreensível que equipes do oriente dificilmente aceitem treinar com times de regiões minor.

LUPA | UNISINOS PORTO ALEGRE | Junho de 2022

Data de estreia O segundo split do CBLOL 2022 já tem data para começar, dia 11 de junho com jogos presenciais e com a presença de torcida. Torcida A Arena CBLOL, localizada em São Paulo terá 140 lugares à disposição sem lugares marcados. Essa uma novidade, pois é a primeira vez que teremos torcida na fase inicial do campeonato desde o início da pandemia. Formato Com o sucesso do novo formato implementado no primeiro split de 2022, a Riot Games decidiu manter a fórmula. Academy Equipes do Academy jogarão na segunda e terça-feira, compartilhando o mesmo calendário das equipes do CBLOL, ou seja, se RED enfrentar a Pain no sábado, esse confronto irá se repetir na segunda-feira pelo Academy. Grande final O local da final do CBLOL ainda não foi divulgado, a Riot Games prometeu promover essa e outras novidades em breve nas suas redes sociais.


| REVITALIZAÇÃO | 7

Praça General Freitas, em Sapucaia, é reinaugurada

“U

m momento histórico para Sapucaia do Sul”. Com essas palavras o prefeito Volmir Rodrigues iniciou a cerimônia de reinauguração da Praça General Freitas, no centro da cidade. O evento de reabertura ocorreu no sábado, 23 de abril, e contou com apresentações da banda do 19º Batalhão de Infantaria Motorizado, além da presença de moradores, autoridades locais e de municípios vizinhos. Com a conclusão da reforma, o novo ponto turístico foi bem acolhido pelos moradores. “Bonito ficou, mas tem que ver se vão cuidar agora”, disse Nilvana Martins, 53 anos, que acompanhou o evento de inauguração. O cuidado com a praça também é uma preocupação do governo municipal. “Vocês estão vendo os canteiros? Estão bonitos e devemos tomar cuidado para não pisar neles. Quando as flores estiverem feias, tragam de casa e troquem. Precisamos cuidar do que é nosso”, sugeriu o prefeito. A nova praça conta com espelho d’água, brinquedos acessíveis, banhei-

ros adaptados, sistema de iluminação em LED e casas para receber os artesãos da cidade. Para a vice-prefeita de Sapucaia do Sul, Dra. Imília de Souza, o principal destaque da inauguração é a inclusão. “A partir de agora, todas as crianças poderão brincar com a mesma alegria e diversão”, destacou ela. O projeto também contemplou a construção de um espaço que, futuramente, receberá uma cafeteria. Segundo a prefeitura, a empresa que vencer a licitação para instalar a cafeteria, em contrapartida, será responsável pela limpeza e manutenção dos banheiros da praça. Iniciado em outubro de 2021, o projeto de revitalização custou cerca de 2,5 milhões de reais e foi financiado com recursos da prefeitura.

Corte de árvores dividiu opiniões

Ainda durante as obras, o corte de algumas árvores, entre elas uma da espécie “Ficus elastica”, conhecida como Falsa Seringueira, gerou polêmica entre moradores e entidades de Sapucaia do Sul. “No começo fiquei assustada, porque estavam cortando todas as árvores. A gente não sabia o que esperar”, explicou a moradora Nilvana Martins. Na ocasião, o Ministério Público de Sapucaia do Sul foi acionado devido às reclamações dos moradores. Quem cuidou do caso foi o promotor de justiça

EDUARDA FERREIRA

Após a revitalização da principal praça da cidade, moradores acompanharam a reabertura do ponto turístico, que contou com a presença de autoridades locais e apresentações musicais

Muitos moradores de Sapucaia do Sul aproveitaram o dia ensolarado para prestigiar o evento de reinauguração da praça General Freitas, localizada no centro da cidade

Maurício Sanchotene de Aguiar, que chegou a recomendar a suspensão da revitalização depois de constatar que o engenheiro responsável não estava de posse da licença ambiental para a supressão da Falsa Seringueira. Entretanto, pouco tempo depois, a Procuradoria-Geral do Município levou a licença de autorização de corte ao promotor e a obra recomeçou. Conforme a assessoria de imprensa da prefeitura, a árvore de grande porte não estava em

local apropriado. “Já houve quedas de ramos que causaram estragos. Então, visando a segurança do cidadão que, diariamente, estava sendo colocada em risco, optamos pela retirada”, explicou a assessoria, que confirmou o plantio de cerca de 70 novas árvores no lugar das que foram removidas. Por Eduarda Ferreira Campus de Porto Alegre

e Letícia Flores Campus de São Leopoldo

Construção do Hospital Nora Teixeira entra na fase final

Após show lotado, Jão retorna à Capital em agosto

O complexo hospitalar Santa Casa de Misericórdia, de Porto Alegre, irá inaugurar no segundo semestre seu novo prédio, o hospital Nora Teixeira. Com 15 andares e cerca de 30 mil metros quadrados, o edifício será destinado ao atendimento de emergência via Sistema Único de Saúde (SUS). “O hospital Nora Teixeira irá suprir uma demanda muito importante: expandirá a emergência SUS, sendo que a atual conta com 13 leitos e, com o novo prédio, esse número será ampliado para 28”, disse Flávio Dornelles de Matos, diretor geral da Santa Casa. Além da emergência, o hospital conta com seis andares para infraestrutura de nutrição e almoxarifado. A maior novidade do complexo, contudo, está localizada nos dois primeiros andares e consiste num equipamento automatizado chamado Miniload, que tem como objetivo armaze-

Em noite eletrizante, o cantor Jão comandou de cima de seu navio e, ao lado de sua banda, um mar de fãs que lotou o auditório Araújo Vianna em show realizado no mês de março e que contará com nova apresentação no dia 18 de agosto. O cantor e compositor paulista João Vitor Romania ganhou popularidade em 2018, com o álbum “Lobos”. Aos 27 anos, vem fazendo sucesso com a turnê do seu terceiro álbum de estúdio, intitulado Pirata, lançado no final do ano passado. O show, que durou cerca de uma hora e meia, contou com imagens do artista nos telões, um navio com projeções de led e um espetáculo à parte de luzes coloridas e do público, que pulou e cantou de pé todas as músicas do início ao fim. A setlist

nar em caixas, de forma automatizada, remédios e insumos médicos. O sistema de distribuição digital trazido da Espanha é o primeiro a operar em hospitais no Brasil, sendo que a estrutura possui esteiras motorizadas e estantes. As informações referentes a medicamentos e equipamentos hospitalares ficam salvas por meio de um banco de dados, centralizando todo o estoque da Santa Casa. “O sistema veio aperfeiçoar e dar velocidade na gestão de estoque, sendo programado para priorizar insumos com data de validade mais próxima”, explica Shirley Fossi, supervisora na farmácia de suprimentos. O investimento da obra está orçado em 255 milhões de reais. Deste montante, 170 milhões foram arrecadados por doações. Somente o casal Alexandre Grendene e Nora Teixeira destinaram 80 milhões.

de clássicos como “Imaturo”, “Vou Morrer Sozinho” e “Idiota” também contou com cover de “O Tempo não Para”, de Cazuza. Para a porto alegrense Rafaela Arena, 16 anos, fã desde 2018, o show foi maravilhoso. “Não conseguia parar de gritar e dançar, mesmo me sentido mal”. Ela ainda conta que foi o primeiro show do cantor que assistiu. “Parece que estou em um show de amigas, pois ele me faz sentir muito em casa e amada”, relata. Já Richard Cavalheiro, 22 anos, diz não ser um fã assíduo do cantor, pois o conheceu apenas em 2020, após escutar o álbum “Lobos”. “Eu não estava esperando por um show tão bom e enérgico. Definitivamente superou minhas expectativas”, disse.

Por Dominik Machado

Por Luísa Bell

Campus de Porto Alegre

Campus de Porto Alegre

LUPA | UNISINOS PORTO ALEGRE | Junho de 2022


8 | ESPORTE |

Violência nos estádios escancara problemas sociais ARQUIVO PESSOAL / HECTOR QUIÑONES

Casos de agressões entre torcidas e autoridades, como o do GreNal 435, refletem uma sociedade marcada por atos violentos, avaliam especialistas

N

a tarde do dia 26 de fevereiro, o ônibus do Grêmio chegava aos arredores do Estádio Beira-Rio para a disputa do GreNal de número 435, válido pela nona rodada do Campeonato Gaúcho 2022, quando foi atingido por uma pedra maior que a palma de uma mão. Ao passar por um grupo de torcedores do Internacional, os atletas foram atacados com pedradas e uma delas atravessou o vidro do coletivo gremista, atingindo o jogador paraguaio Mathias Villassanti. Um incidente parecido havia ocorrido dias antes com a delegação do Bahia, na partida contra Sampaio Corrêa pela Copa do Nordeste, dessa vez praticado por torcedores do próprio clube. Poucos dias após o caso, as duas equipes se enfrentaram novamente, desta vez pelas semifinais do Campeonato Gaúcho 2022. A partida de ida foi no Beira-Rio, palco do último incidente violento envolvendo o clássico. No campo, o Grêmio venceu por 3 a 0 na casa do rival, mas, para Hector Quiñones, 24 anos, torcedor do Internacional e estagiário na área de Ciências Contábeis, o placar não foi o mais triste daquela tarde de 19 de março. Quiñones conta que, faltando cerca de meia hora para o início da partida, policiais militares do Choque, responsáveis pela segurança do entorno dos estádios de futebol e que, inclusive, foram alvos de críticas após o incidente com o ônibus do Grêmio, começaram a agir com truculência com torcedores do Internacional no entorno do estádio. “Começaram a jogar spray de pimenta em todo mundo, então eu e alguns torcedores, na tentativa de fugir da confusão, entramos em um bar próximo. Mesmo assim, os policiais tentaram invadir o estabelecimento a cavalo. Foi quando, ao tentar ajudar uma amiga que estava muito próxima da confusão, acabei sendo atingido pelas costas”, explica Hector, que sofreu um golpe de espada, objeto que policiais da cavalaria da Brigada Militar utilizam durante o patrulhamento. O Juiz de Direito e titular do Juizado do Torcedor e Grandes Eventos, Marco Aurélio Martins Xavier compreende que os acontecimentos dos últimos clássicos deixaram os ânimos mais acirrados do que o normal. Portanto, segundo ele, foi necessária atenção redobrada dos órgãos responsáveis pela segurança dos frequentadores dos estádios. “Hou-

Violência entre torcidas e no confronto com policiais em partidas de futebol têm sido constantes

DIVULGAÇÃO / GRÊMIO

ve um aumento da tensão por conta do GreNal 435, onde ocorreu a pedrada no ônibus do Grêmio. Os clássicos seguintes tiveram ação ampliada da Polícia Militar e demais órgãos competentes”, pontua. “O Juizado trabalha com dois eixos de atuação. O primeiro é a prevenção, em que utilizamos dois meios de comunicação (Youtube e Instagram) para produzir conteúdo visando a conscientização de quem frequenta as arquibancadas. O segundo eixo é a eficiência da prestação jurisdicional.

O contexto em que o futebol se coloca nada mais é do que a reprodução da sociedade Phelipe Caldas,

jornalista e doutorando em antropologia social

Acreditamos que a resposta penal aos fatos delituosos é fundamental em qualquer estado de direito”, finaliza.

Futebol e violência

O jornalista da SporTV e doutorando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na qual tem como objeto de pesquisa a relação das torcidas com o futebol, Irlan Simões explica que, na maioria dos casos, não é o esporte que torna as pessoas violentas. Esses indivíduos que cometem atos violentos nos estádios já estão inseridos em subculturas de práticas de violência em outros âmbitos da vida. Por isso, não necessariamente são os jogos que os fazem agir desta maneira. “Alguns deles buscam meios para praticar a violência, seja de forma acordada ou não. Partindo desse pressuposto, não podemos falar apenas de torcidas organizadas, pois estes grupos não estão em um só ambiente. Você pode encontrá-los nas ruas ou festas etc.”, destaca. Simões também defende que o futebol sempre foi um ambiente que mobilizou a cultura da masculinidade tóxica, e a ideia da rivalidade incentiva esse tipo de subcultura, que vem muito antes do próprio esporte. “Se observarmos grupos que praticam violência, de certa forma

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são oriundos de uma longa história de prática de atos violentos que não se resume ao futebol. Quando percebemos que a violência é uma prática subcultural, fica mais fácil de entender que o esporte está apenas inserido nesse contexto”, comenta o pesquisador. O futebol é a sociedade. Esta é a ideia que defende o jornalista e doutorando pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em antropologia social, Phelipe Caldas. “Não podemos discutir como se fossem duas coisas diferentes. O contexto em que o futebol se coloca nada mais é do que a reprodução da sociedade, com todos os conceitos, conflitos e violências. O problema é que, muitas vezes, autoridades públicas e veículos de mídia não conseguem perceber toda essa multiplicidade de classes que existem no âmbito futebolístico”, analisa. O jornalista também destaca que existem muitos preconceitos contra os torcedores no futebol. Ele afirma que, mesmo em um jogo de “torcida única”, medida usada pelas autoridades para coibir brigas de torcida, as rivalidades internas entre adeptos vão se aflorar. Por Leonardo Vieira Martins Campus de Porto Alegre


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