PUBLICAÇÃO EXPERIMENTAL DO CURSO DE JORNALISMO DA UNISINOS PORTO ALEGRE
EDIÇÃO JUN/2014
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facebook.com/lupajornal
THALLES CAMPOS
ESTE PORTO JÁ FOI MAIS ALEGRE Cais Mauá, hoje com acesso restrito, aguarda que o novo projeto de revitalização levante de vez suas âncoras para voltar a fazer parte do cotidiano da cidade. PÁGINA 3
DE IPANEMA AO LAMI
Balneários locais mostram que não é preciso ir tão longe para descansar ou se divertir na praia. PÁGINA 2
MAIS VERDE PARA O CENTRO DE POA
Parque Corredor do Gasômetro levará mais lazer e cultura aos moradores da região central da cidade. PÁGINA 4
BELEZA OCULTA NA MARGEM OPOSTA
Sem ser notada por quem aprecia o famoso pôr do sol da capital, Guaíba busca desenvolver o turismo. PÁGINA 5
PONTE DO GUAÍBA CONTINUA DE PÉ
Mesmo com a construção de nova estrutura, o cartãopostal de Porto Alegre será opção de travessia. PÁGINA 7
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EDITORIAL
Olhar de marinheiro Um cartão-postal é, por natureza, convidativo ao olhar. Para o olhar jornalístico, torna-se um convite ainda mais interessante. Pede que se olhe atrás, em volta, para todos os lados, por todos os ângulos. Foi o que fizeram repórteres e fotógrafos nesta edição do Lupa, que tem como pauta central o Guaíba. Central, neste caso, pois o tema é apenas um ponto de partida. Estudantes de três turmas do curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre percorreram a orla do Guaíba, atracaram no porto, navegaram até as ilhas, atravessaram pontes e pinguelas, conheceram a margem oposta e voltaram à cidade. Tudo para compreender e relatar as diversas facetas da relação entre a capital gaúcha e seu famoso lago. Fica claro, então, que cidade alguma cabe em um cartão-postal. É preciso enxergar além do pôr do sol, decifrar a paisagem, traçar outros horizontes. Para isso serve o olhar do jornalista, que se assemelha ao olhar do marinheiro: sempre atento ao curso e em busca do próximo porto, onde a viagem recomeça.
Pôr do sol do Guaíba: beleza natural que atrai inúmeros visitantes à Praia de Ipanema, em Porto Alegre
YES, NÓS TEMOS PRAIAS!
Moradores e turistas encontram lazer em Ipanema e no Lami Texto: LUIS FELIPE MATOS e PEDRO HENRIQUE NUNES Foto: LUIS FELIPE MATOS
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744, Bairro Três Figueiras - Porto Alegre/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Gustavo Fischer. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Thaís Furtado
facebook.com/lupajornal O Lupa é um jornal produzido por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre. TEXTOS Produção dos alunos das disciplinas de Jornalismo Impresso I e II Orientação: Felipe Boff e Everton Cardoso IMAGENS Produção dos alunos da disciplina de Fotojornalismo Orientação: Flávio Dutra ARTE Projeto gráfico Produção dos alunos da disciplina de Planejamento Gráfico (Curso de Jornalismo campus São Leopoldo/RS) Orientação: Everton Cardoso Criação: Caroline Veleda e Daniela Vaccari Diagramação Produção da Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) Campus São Leopoldo/RS Adaptação do projeto gráfico: Marcelo Garcia Diagramação: Gabriele Menezes e Marcelo Garcia Supervisão: Marcelo Garcia Criação do logotipo: Lucas Inhaia
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alor. Final de semana. Feriadão. Para muitas pessoas, a primeira opção é partir para o litoral. Capão da Canoa, Tramandaí, Torres e até Praia do Rosa, em Santa Catarina, são alguns dos destinos que os moradores de Porto Alegre seguem quando o sol castiga o nosso asfalto. Mas nem sempre as condições permitem. O tempo e o dinheiro muitas vezes são limitados. O risco de sofrer um acidente aumenta em datas comemorativas como Natal, Réveillon, Carnaval e Páscoa. Ou, simplesmente, enfrentar um congestionamento e chegar atrasado ao trabalho no dia seguinte pode ser motivo para ficar em casa assistindo televisão. Afastado da região central da capital, o Lami é um dos locais que a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM) sinaliza como próprio para banho. Assessora de imprensa da Secretaria, Cibele Carneiro da Silva diz que o órgão solicita o monitoramento semanal das condições das águas do Lami e do Belém Novo ao Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) apenas durante o verão. A análise identifica a concentração de coliformes fecais e as condições de acidez e adstringência da água. No momento, não há como saber se todos os pontos dessas duas praias estão balneáveis, pois novas coletas só voltarão a ser solicitadas no final de 2014. O entorno da Praia do Lami conta com uma vasta área verde. Crianças brincam e famílias fazem piqueniques na grama. Churrasqueiras comunitárias fazem parte do ambiente. Não tem hora certa para o churrasco. No meio
da tarde do feriado de Tiradentes, ainda havia uma família descarregando do carro carnes e bebidas ao som de “Deixa a vida me levar”, de Zeca Pagodinho. Os comerciantes Luís Carlos de Britos, 28 anos, e Sheila Santos, 34 anos, abriram um bar à beira da praia recentemente. Sheila lembra que frequenta o local desde os sete anos e que passava todo o veraneio com apenas uma barraca e poucos utensílios. Hoje, o casal conta que em alguns finais de semana o local recebe diversas atividades culturais, promovidas pela prefeitura. “Essa praia parece tomada por uma tropa de bois”, diz Sheila, relatando o grande movimento de pessoas no Lami durante o verão. Após sair da água com a namorada no colo e acompanhado de outro casal de amigos, Gabriel Palma, 20 anos, conta que também curte o litoral gaúcho, mas o Lami proporciona momentos de lazer quando o tempo está mais curto. Vai com a família e amigos, e lá podem passar o dia e preparar um churrasco no almoço. Garante que no verão, para a segurança dos banhistas, existem salva-vidas trabalhando nas guaritas ao longo da praia. Mas, entre as características apontadas pelos frequentadores, há uma, negativa, em comum: a falta de higiene do local. Do ponto onde estava Gabriel, não se avistava nenhuma lixeira na beira da orla, e o banheiro público mais próximo ficava a dez minutos de caminhada. Além de um bom mergulho, o clima de litoral pode estar apenas em reunir os amigos na beira do lago, tomar um chimarrão, aproveitar as águas de barco, jet ski ou até mesmo sobre uma prancha. Em Ipanema, nome dado em homenagem ao bairro do Rio de Janeiro, as condições de banho são consideradas impróprias. No entanto, as belezas naturais, a relativa proximidade com o centro
de Porto Alegre e a infraestrutura atraem muitos frequentadores ao Guaíba. Thiago Goulart, 32 anos, é um deles. Praticante de stand up paddle, ele afirma que Ipanema é ótima para o esporte, pois não tem muito vento. Deixando a prancha no chão, Thiago aproveita o pôr do sol para tomar um mate com os pais. Sobre os problemas do local, também cita a falta de lixeiras e se preocupa que ainda lancem o esgoto direto no lago. O comércio de rua na região é bem forte aos finais de semana e feriados. Vendedores de algodão-doce e de cachorro-quente e outros ambulantes disputam a preferência dos frequentadores. Antes das 17h daquele dia, a Kombi de churros teve de ir embora, pois o produto já havia acabado. Mas Ipanema conta ainda com empresários que buscam o desenvolvimento e colaboram com a manutenção da praia. Odacir Palaoro, 36 anos, é um dos proprietários do Radical Bar, que funciona há mais de 30 anos no bairro. Ali, trabalhou como garçom e adquiriu o estabelecimento em sociedade com um irmão, há nove anos. Percebeu o potencial do bar, que atende a diversos públicos, com um cardápio de pratos e valores bem variado. “Assim não tem como perder cliente. Atendemos do desembargador, servindo salmão a R$ 80, ao operário, com torrada a R$ 10.” O Radical é responsável pela conservação da praça em frente ao bar e, em contrapartida, dispõe de cadeiras para atender no local. Nota-se que são praias diferentes, entre si – com públicos de poder aquisitivo distinto – e daquelas do litoral. Lami e Ipanema, as praias de Porto Alegre, ainda carecem de mais investimentos, mas podem ser boas opções para escapar das correrias do trânsito e do dia a dia da cidade.
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UM PORTO ANCORADO NO TEMPO
Em 90 anos, Cais Mauá foi do auge ao abandono. Hoje, ainda aguarda a revitalização Texto: LAÍS ALBUQUERQUE, ÉRIKA FERRAZ e MARINA LEHMANN Foto: BRUNA FERNANDES
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xpostas na parede da biblioteca da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), as fotos da década de 50 mostram uma época em que o fluxo era intenso no porto da capital. Enquanto as explica, Jorge Fernandes fica nostálgico. Apesar de não ter trabalhado naquele tempo, a saudade é facilmente compreendida: o responsável técnico pela biblioteca trabalha há 37 anos na SPH e é uma autoridade quando o assunto é a história do porto. Porém, sobre o presente, mais especificamente do Cais Mauá, a situação muda: “Mas, afinal, o que acontece aqui hoje?”, pergunta-se a ele. “Nada”, responde Fernandes. Erguido a partir de 1911, o porto de Porto Alegre foi por muito tempo a principal via de contato da capital com outras cidades. Ele se divide em três cais: Mauá, Navegantes e Marcílio Dias, que, juntos, ocuparam até a década de 70 o quarto lugar em volume de cargas movimentadas no país. “Madeira, sal, soja, vinho... tudo aportava aqui. Eram tantos navios que eles faziam fila para atracar”, conta Fernandes. Entretanto, a falta de políticas públicas fez com que esse panorama mudasse muito, a ponto de o porto perder 52,1% de sua movimentação entre 1990 e 2000. Em 2005, todas as atividades portuárias no Cais Mauá foram encerradas. Segundo Andrei Fialho, assessor de comunicação da SPH, foi uma questão de saúde pública. “O porto recebe muitas cargas de fertilizantes, e o pó dos resíduos que aportavam no Mauá estava indo para a cidade”, explica. Agora, as cargas ficaram restritas ao Cais Navegantes. A desativação do Cais Mauá logo traz à lembrança a sua revitalização, uma ideia antiga, que já era pensada antes da interrupção das atividades. Diversos projetos foram propostos ao longo dos anos. O primeiro, de 1991, foi o “Caminho do Porto”, em que cinco armazéns seriam transformados; outro foi o “Porto dos Casais”, de 1998, que previa até uma casa noturna. Nenhum projeto saiu do papel. Porém, isso nunca impediu que a população utilizasse o espaço para passeio e turismo – até agora. Após a aprovação do
novo projeto de revitalização, o acesso, antes tão simples, ficou restrito. Por licitação, o poder público concedeu a área, em 2010, ao Consórcio Cais Mauá do Brasil S/A, formado pelas empresas NSG Capital, GSS Holding e Contern. O contrato prevê a administração do local pelo grupo privado por 25 anos, com possibilidade de renovação. As restrições se deram, segundo a empresa, por questões de segurança, devido ao início das obras. Atualmente, os galpões permanecem fechados. No pórtico principal, os guardas são enfáticos: por ali só entram funcionários. A entrada só ocorre pela escadaria subterrânea, que leva aos terminais fluviais. O que funciona de fato são o barco de passeio turístico Cisne Branco, as travessias do Catamarã, o Grupamento de Busca e Salvamento dos Bombeiros (GBS) e o prédio da SPH,
o antigo Deprec, empresa pública que administra os portos do Estado. Esse acesso limitado e as poucas atividades não foram bem aceitos por todos os cidadãos. Diante do desconforto, surgiram reações. Prestes a iniciar uma reunião, os integrantes do Defesa Pública da Alegria conversam tranquilamente. Apesar do clima descontraído, as pautas do coletivo são tratadas com seriedade. O Defesa surgiu em 2012 para se manifestar contra a privatização dos espaços públicos da cidade. Em dezembro de 2013, promoveu o ato “Defesa Pública do Porto Alegre”, que ocorreu no Cais Mauá e reuniu centenas de pessoas em uma série de shows e atividades culturais. Eles defendem a restauração sem privatizações e pedem que eventos como a Bienal e a Feira do Livro voltem a ser realizados no cais. Para o De-
fesa Pública, o projeto da Cais Mauá do Brasil se baseia em um conceito elitista, que não beneficiará a população de classes baixas. “Tem gente que acha que é bom, mas bom pra quem?”, indaga uma das ativistas do coletivo. Por outro lado, o Movimento Quero Cais defende a revitalização. Liderado por Jorge Piqué, o grupo vem acompanhando as obras desde o início. Segundo ele, o projeto não é elitista. “Seria ótimo se os críticos vissem as ideias do Fermín Vázquez. Suas concepções são corretas e ele tem uma visão humanista.” Vázquez é o arquiteto responsável pelo projeto do Cais Mauá e fundador da b720 Fermín Vázquez Arquitectos. Piqué alega que o cais será um grande catalisador para a capital. Ele acredita que a reforma promoverá a interação entre a cidade, o porto e o rio,
e, assim, Porto Alegre voltará a ser como era antigamente. Mesmo divergentes em vários pontos, os movimentos têm algo em comum: ambos nunca analisaram a planta e as informações técnicas do projeto. Nem eles, nem ninguém. A biblioteca da SPH, que tem todas as plantas relativas aos portos do Estado, não possui a que se refere ao projeto. No site da b720, é possível encontrar uma espécie de pré-projeto, assinado por Vázquez em colaboração com a Jaime Lerner Arquitetos Associados. O mesmo ocorre no site oficial, o “Viva Cais Mauá”, que apresenta uma versão interativa, mas sem detalhes técnicos. A dificuldade para ver as plantas se dá porque o projeto ainda está na primeira fase, que consiste em um estudo de caso. Exigido para concorrer à licitação, o estudo não inclui a apresentação de um projeto técnico, que deverá ser feito após a prefeitura autorizar as construções. Por sua vez, o Município aguarda liberações de 16 secretarias para conceder a licença de instalação definitiva. O parecer mais aguardado é o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (Rima), estabelecido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). A sede do Consórcio Cais Mauá do Brasil não recebe a imprensa no local. Entretanto, Luiz Eduardo Franco Abreu, representante do consórcio e diretor-presidente da NSG Capital, palestrou em maio na Federasul. No evento, Abreu esclareceu que o objetivo é oferecer tanto locais de alimentação e consumo popular como espaços mais refinados. Ele garantiu ainda que haveria um espaço aberto ao público, com telão para assistir aos jogos da Copa do Mundo de 2014. As obras parecem discretas e o prazo de entrega, estendido para 2015, não foi garantido pelo diretor-presidente. Construções ainda não são vistas e se sabe que algumas demolições ocorreram. A incerteza ainda paira no ar quando o assunto é o futuro do Cais Mauá. Por ser um patrimônio histórico importantíssimo para o Estado e até mesmo para o país, toda a extensão do cais é tombada. Revitalizar o local é realmente necessário para preservar os 90 anos de história do Porto de Porto Alegre. A população espera há anos para ver o que acontecerá com o cais – e, pelo jeito, precisará ter mais um pouco de paciência.
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CENTRO DA CAPITAL GANHA NOVO PARQUE
ARTESÃS DE ILHA CRIAM COOPERATIVA
Texto: GUILHERME ENGELKE Foto: GABRIELA GONÇALVES
Texto: FABÍOLA MOLINA Foto: KALLEB FRANÇA
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orto Alegre está prestes a ganhar um novo espaço verde: em março deste ano, a Câmara de Vereadores aprovou o projeto que institui a criação do Corredor Parque Gasômetro. A coordenadora do Movimento Viva Gasômetro, Jaqueline Sanchetone, avalia que a região finalmente está sendo valorizada pelo poder público, visto que a luta por melhorias no parque vem desde 2007. Segundo ela, o espaço perdeu áreas verdes ao longo dos anos, e a população deixou de ver o Gasômetro como um lugar de lazer. A criação do parque, prevista desde 2009, só foi sancionada recentemente pelo prefeito José Fortunati.
salta que o principal objetivo é melhorar a qualidade de vida dos moradores e frequentadores da região, além de valorizar a cultura e a ecologia. O Corredor Parque Gasômetro, inicialmente, ficará dividido em duas áreas. A primeira compreende o Museu do Trabalho e seu entorno, chegando até a Avenida Presidente João Goulart. Na outra, na região da Praça Júlio Mesquita, o alcance chega à Avenida Loureiro da Silva e Usina do Gasômetro. O prefeito José Fortunati formalizou a criação de um grupo de trabalho, composto por representantes dos governos estadual e federal e sociedade civil, que deverá sugerir a melhor forma de uso e de atividades a serem desenvolvidas no local.
Qualidade de vida
Segundo o estudante de Administração Thiago Cáceres, morador do bairro Centro Histórico há 20 anos, a criação do parque trará benefícios à região. “Mesmo que as obras dificultem o trânsito, que já é complicado por aqui, o Centro precisa de mais parques e áreas de lazer, e é isso que o Parque Gasômetro irá nos proporcionar”, enfatiza. Também Jaqueline res-
Prevista desde 2009, a obra demorou três anos para iniciar
Um grupo de quarenta moradoras da Ilha das Flores está se reunindo para formar uma cooperativa de trabalho artesanal, onde atuarão na confecção de uniformes, toalhas de mesa e bolsas. Elas pretendem, com isso, prover o seu sustento sem precisar usar programas assistenciais. E, por esse motivo, já estão desenvolvendo alguns desses produtos em suas próprias casas, porém, por falta de maquinário e de um lugar fixo, a cooperativa ainda não está funcionando. A artesã e moradora do local Josinete Machado diz: “Não foi fácil sair da situação de pobreza a que estávamos acostumadas. Só recebíamos doações ou dependíamos de programas de assistência e não queremos mais viver desse jeito!” A artesã salienta que só precisam de condições de trabalho para ter uma situação de vida melhor. Aqui todas são trabalhadoras!”, frisa Josinete. Na Ilha das Flores, tudo anda
muito devagar: a comunidade tem muitos projetos, mas tudo está emperrado, segundo a presidente da Associação de Moradores da Ilha das Flores, Laci Hirscher (foto). “Tínhamos espaço para que as mulheres trabalhassem, porém isso nos foi tirado. Máquinas para o trabalho
da cooperativa estavam prometidas, mas até agora não chegou nada. Não precisamos de promessas, mas de ações!” afirma. E, por precisar de ações concretas, o grupo, agora, está em busca de investimentos de empresas privadas que queiram ligar seus nomes a esse projeto da cooperativa da comunidade.
TRATAMENTO DE ESGOTO TRIPLICA
EXPOSIÇÃO MOSTRA TRAJETÓRIA DE IBERÊ
Texto: DÉBORA VASZELEWSKI Foto: AMANDA BICCA
Texto: CINTIA FERNANDES Foto: RAFAEL MARTINS
Mudar de 27% para 80% a capacidade de tratar o esgoto de Porto Alegre é um dos principais meios para garantir que as águas do Guaíba sejam despoluídas. O responsável pela ação
é o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) por meio do Programa Integrado Socioambiental (Pisa). A Estação de Tratamento de Esgotos Serraria é a obra central. Inaugurada em abril, é composta por tecnologia capaz de remover os poluentes com baixo consumo de energia. Segundo a assessoria de imprensa do DMAE, a
implantação mais significativa é a do emissário subaquático (tubulações no solo do rio). Ele conduz o esgoto até a Estação Serraria, onde é tratado para retornar ao Guaíba. Com 11km de extensão a obra foi a primeira do gênero a ocorrer no país. Em relação a possíveis danos à natureza, o secretário municipal de meio ambiente, Claudio Dilda, entende que o projeto da obra é totalmente acoplado ao conceito da sustentabilidade. “Vai ao encontro das ações de cidades que pensam e planejam a gestão socioambiental. Esta é uma área que foi esquecida por muitos anos e que agora, com o Pisa, passa a integrar um processo para qualificar o ambiente e a saúde da população”, avalia. O processo de tratamento da água passa ainda pela Estação de Bombeamento do Cristal (foto), que capta resíduos das bacias dos arroios Dilúvio e Cavalhada. O Pisa conta com investimentos oriundos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Caixa Econômica Federal.
A Fundação Iberê Camargo prepara exposições inéditas do artista que dá nome ao lugar. Está em cartaz a mostra Iberê Camargo: as horas [o tempo como motivo], com curadoria do crítico de arte Lorenzo Mammì. São 22 pinturas e 26 desenhos produzidos entre as décadas de 1970 e 1980. As obras, colocadas em sentido cronológico, introduzem a exposição e funcionam como uma passagem para compreender a pintura de Iberê. A exposição concentra um momento importante na arte do pintor: a volta da inserção de figuras humanas nas pinturas, tema que o artista fez uso no começo da carreira, em 1940. Há também a exibição do filme Iberê Camargo: Pintura pintura (1981), de Mário Carneiro, e a reprodução do conto O relógio, assinado pelo pintor. A mostra segue até o dia 9 de novembro. Para a professora do instituto de Artes da UFRGS Mônica Zielinski, a essência expressionista de Iberê Camargo foi importante para a arte contemporânea brasileira. “Iberê tinha a preocupação com o uso dos pigmentos das tintas”, conta a crítica de
arte. E acrescenta: “Existia uma busca constante pela qualidade”. A comemoração do centenário do pintor se inicia no dia 18 de novembro. O Comitê Curatorial organizará as obras, que estarão distribuídas por todos os andares do espaço expositivo. Sobre a expectativa para o grande dia, o gestor cultural Pedro Mendes revela: “Esperamos que a abertura da exposição resulte em um grande público e em uma excelente visibilidade para a produção e pensamento de Iberê Camargo”.
lupa | porto alegre/rs | junho 2014 | 5 ARTHUR MARQUES
Na Beira, a paisagem convida ao lazer
A OUTRA MARGEM O município de Guaíba vem se destacando na exploração turística de uma orla que antes passava despercebida
E
quilibrando-se em seu novo par de patins rosa, a menina abre espaço entre a multidão. Logo atrás, mãe e tia seguem a passos lentos e descompromissados enquanto tomam chimarrão jogando conversa fora. Um olho na cuia, o outro na Júlia. Atravessar o lago para visitar a tia já é um hábito para a garota e sua mãe, que aproveitam para fazer atividades ao ar livre. “Moramos no Bom Fim, mas eu prefiro trazer ela aqui, é bem mais tranquilo”, afirma Cristiane Moreira, vendedora. O “aqui” a que a mãe da menina de 8 anos e sorriso fácil se refere é a chamada “Beira”, um conjunto de calçadas, bancos, grama e árvores que contornam a outra margem do Lago Guaíba, no município de... Guaíba. Uma viagem de 20 minutos, de barco, é o que separa Guaíba da capital gaúcha. A sensação ao desembarcar se assemelha ao que Cabral deve ter sentido há mais de 1.500 anos quando caiu, sem querer querendo, em terras tupiniquins. A margem guaibense do Lago Guaíba (desconsiderem a redundância) lembra qualquer cidade praiana em época de veraneio: uma avenida movimentada divide bares, restaurantes e comércio do calçadão propriamente dito. Bicicletas, patins, patinetes e skates disputam espaço na
calçada com barraquinhas de pipoca, cachorro-quente, crepe, churros e outras atividades empreendedoras. Na metade do passeio o visitante se depara com um imenso píer, todo de madeira, por onde se pode experimentar a sensação de entrar no lago e permanecer seco. À medida que o espaço de terra entre a água e a avenida aumenta, vão surgindo pistas de skate, bancos de praça, gente, mais gente, e uma quadra de vôlei de praia, que sedia campeonatos na área verde, o que justifica os olhares atentos de quem passa. Com um sorriso de satisfação, Tatiana Souza, presidente da Associação de Voleibol Guaíba (AVG), conta que a entidade foi criada em 2006 e, desde então, viu na Beira o lugar ideal para realizar seus campeonatos. No inverno, as competições ocorrem dentro de ginásios. Segundo Tatiana, a prefeitura cedeu uma pequena sala embaixo da pista de skate para que os atletas pudessem guardar seus materiais. Naquele ponto, a prática de atividade física parece ser tão unânime quanto o chimarrão. Embaixo de uma árvore, um pouco mais à frente, um belo comercial de margarina poderia estar sendo gravado. Gilson Machado, 30 anos, tocava violão para a esposa, enquanto o filho Felipe, 16 anos, praticava slackline, esporte em que a pessoa se equilibra sobre uma fita. Gilson conta sobre as dificuldades que a orla enfrenta. “Desde que vocês desembarcaram aqui, viram algum policial em
ronda? Uma viatura sequer? Sofremos com a insegurança, que aumenta à noite com a falta de iluminação”, desabafa. Nenhum agente de segurança havia sido avistado naquela tarde. Questionada sobre o tema, a Secretaria de Turismo de Guaíba se limitou a dizer que “contam com o apoio da Brigada Militar, que faz rondas em vários horários”. Se quando chega a Guaíba o visitante se sente Cabral, nesse momento também se coloca no lugar de um extraterrestre observando a vida frenética de uma Porto Alegre que não pode enxergá-lo. O Beira-Rio, com sua imponência pós-reforma, pode ser avistado a olho nu pelo pipoqueiro guaibense, que do outro lado da margem ouve em seu radinho de pilha os lances da partida de reinauguração. Assim como ele, muitas pessoas acompanham o jogo pelas emissoras de televisão, das quais se avistam as antenas no Morro Santa Tereza. Que criança nunca sonhou em descer as curvas do Centro Administrativo Fernando Ferrari de skate ou carrinho de rolimã? O mesmo prédio que habita o lúdico da gurizada dá seu olá silencioso a Guaíba. No lado oposto ao maior shopping da região Sul, temos a silhueta marcante da Usina do Gasômetro. Quantas pessoas estariam visitando a Usina naquela tarde, olhando para o horizonte sem nem imaginar que existe vida na outra extremidade? Apesar dos problemas, pouco a pouco Guaíba parece con-
FERNANDA GARRIDO
Texto: VINICIUS FERRARI e STÉPHANY FRANCO Fotos: ARTHUR MARQUES e FERNANDA GARRIDO
Porto Alegre brilha vista de Guaíba quistar seu espaço. A Secretaria de Turismo do município afirma que a cidade se tornou um atrativo turístico, tanto para os visitantes quanto para os próprios moradores. A pasta estima que mais de 3 mil pessoas circulam pela orla nos finais de semana, número que chega a 5 mil nos grandes feriados. Desde 2010 os visitantes podem contar com a linha Catamarã, que faz a travessia Porto Alegre-Guaíba, e com várias outras linhas turísticas que garantem um belo passeio de ônibus pelos principais pontos de Guaíba para apresentar mais a fundo a história da Re-
volução Farroupilha, que acaba se confundindo com a do próprio município. Guaíba, com sua margem visivelmente mais limpa do que a de Porto Alegre, ficou por muito tempo escondida atrás da sombra da capital. Recentes revitalizações abriram as portas do município na expectativa da chegada de mais e mais pessoas para conhecer o outro lado da margem, aquele que não se pode ver de longe. Talvez um dia os moradores de Guaíba se reúnam para acenar e gritar a Porto Alegre: “Ei, olhem pra gente! Nós também existimos!”.
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O GIGANTE AGORA É PARA SEMPRE Um passado de boas lembranças, um futuro de encantamento: o novo Beira-Rio
Texto: DOUGLAS DEMOLINER e MATHEUS MARTINS Foto: LUANA CHINAZZO
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uarenta e cinco anos depois, após três campeonatos brasileiros, uma Copa do Brasil, um Mundial e duas Libertadores da América comemorados no estádio, o Beira-Rio passou por uma remodelação. Passado, presente e futuro simbolizam esse mar de concreto e ferro, onde já desfilaram Falcão, Carpegianni, Figueroa, Dadá, Jajá, Fabiano, Dunga, D’Alessandro e Fernandão. Após quase dois anos fora de seu estádio, o Internacional e o seu torcedor podem retornar à sua casa. Onde foi construída toda a trajetória de um clube centenário. Onde a torcida vibrou, chorou, comemorou, reclamou, e elogiou. Onde taças foram erguidas. Onde derrotas decretaram o fim de uma era vencedora ou iniciaram um novo caminho de glória. O Gigante, inaugurado na tarde de 6 de abril de 1969, agora passa a ser mais imponente. Claudiomiro, autor do primeiro gol do estádio, lembra cada detalhe daquele dia: “Foi um cruzamento da direita do Valdomiro, mas a bola foi muito forte e passou por toda a extensão da área. O Dorinho deu um toque para o meio e eu, com a cabeça, escorei no canto esquerdo do goleiro”. As melhorias são percebidas logo de cara com a cobertura. Ela é uma das partes mais charmosas do processo de modernização. É formada por 65 estruturas metálicas em conjunto com uma membrana autolimpante e resistente a incêndios. Iluminação, gramado, telões, todas as modificações foram realizadas visando total conforto ao torcedor colo-
Após a reforma, estádio tem capacidade para 56 mil torcedores rado, que passará do concreto para a cadeira estofada. Menos de 20 metros separam o torcedor do gramado, o que encanta o ex-jogador do clube Jajá: “Dentro de campo dá para sentir a energia da torcida! O bafo na nuca do adversário será grande”. Na área do escanteio a distância é ainda menor, apenas 12 metros. Essa aproximação com o gramado se deu pela retirada da antiga “Coreia”, espaço que ficava no nível do campo e onde eram vendidos ingressos populares. No início das obras, porém, não se via esse mar de rosas. O engenheiro Lucio Matteucci, ge-
rente da Andrade Gutierrez, responsável pela reforma, fala sobre a modernização do estádio: “Quando encontramos o Beira-Rio, ele estava sem manutenção preventiva. A parte elétrica estava danificada, a hidráulica carecia de cuidados e descobrimos muitos espaços que não eram aproveitados corretamente”, afirma o engenheiro. Passada a obra, chegou o dia de o torcedor voltar para casa. O retorno ao estádio aconteceu no dia 15 de fevereiro, uma reinauguração não oficial contra o Caxias pelo Gauchão. E naquele dia Fabrício escreveu seu nome na história do Inter. O jogador
marcou o primeiro gol oficial na reabertura, e fala com orgulho: “O primeiro gol já foi meu, né? Isso ninguém vai tirar”. O atleta ainda comemorou a oportunidade de jogar no primeiro ano do estádio remodelado: “É muito gratificante poder participar dessa parte da história de um grande clube como o Inter”. É só conversar com qualquer colorado: é perceptível o sentimento de intenso orgulho. Mas a saudade do antigo Gigante erguido sobre as águas ainda fica. Querendo ou não, é um estádio praticamente novo, e para Antônio Freitas, 71 anos de idade e 40 de Beira-Rio, que doou cerca de
1 mil tijolos para a construção, a saudade será imensurável: “Eu cresci nos Eucaliptos, ajudei a construir o Gigante, e agora vejo essa reinauguração, não preciso de mais nada na vida. Já posso morrer feliz”. Passado, presente e futuro. Esse é o Beira-Rio. O estádio do torcedor colorado, da Copa do Mundo de 2014, o palco em que a Seleção Gaúcha desfilou diante da Seleção Brasileira e que viu os maiores títulos da história do Internacional. Esse estádio não poderia ser esquecido. Comemore, torcedor, vibre e se orgulhe. Pois haverá Copa e ela será na sua casa.
CATAMARÃ É ALTERNATIVA PARA IR A GUAÍBA Texto: JOÃO DANIEL AITA Foto: SARAH NIEDERAUER
Com acesso pelo armazém B3 do Cais Mauá em Porto Alegre e pelo terminal rodoviário de Guaíba, o Catamarã é uma alternativa rápida e segura para moradores e trabalhadores das cidades. Operando desde o início de 2011, a embarcação faz todos os dias o trajeto entre os dois municípios. O vendedor Antônio Carlos mora em Guaíba e trabalha na capital. Ele vai e volta da cidade há 30 anos e se diz feliz com a embarcação. “O passeio pelo rio é muito mais rápido que pela rodovia. O conforto das poltronas é um diferencial, além de ser um trajeto seguro”, diz o vendedor.
Ramón Destro é mecânico, mora em Porto Alegre e trabalha numa oficina na cidade vizinha. Ele disse que a possibilidade de transportar sua bicicleta fez com ele mudasse seu trajeto até o trabalho. “O barco tem espaço para bicicleta, agora não preciso pegar ônibus para chegar em casa ou no trabalho.”, diz o trabalhador. Com o transporte terrestre ainda como alternativa, o Catamarã tem a passagem um pouco mais cara que a de ônibus. O trajeto tem duração de vinte minutos e o valor da passagem é R$ 7,35. A mesma viagem pela estrada leva uma hora e custa R$ 4,85. A CatSul lançará ainda este ano, trajetos entre os dois terminais até a zona sul da capital, onde já existe o píer pronto.
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PONTE LEVADIÇA SEGUE EM USO Depois de construção da nova estrutura, antiga continuará sendo opção
Texto: JOAQUIM ORESKO Foto: RAFAEL ACOSTA
O
conhecido cartão-postal de Porto Alegre deve seguir como opção para o trânsito depois da construção da nova estrutura sobre o Guaíba. Pelo menos é o que diz o gerente de engenharia da Triunfo Concepa Fabio Hirsch. Ele é o encarregado, pela empresa que administra a via, de supervisionar manutenções e melhoramentos no local. Segundo o engenheiro, a Concepa já realizou estudos de viabilização para reformulação da estrutura e os encaminhou para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). “Com a construção da nova ponte, o tráfego rodoviário poderia ser desviado e o vão móvel içado para uma reforma, liberando o tráfego hidroviário. Fica viável uma modernização de todo o sistema”, explica. Um grande empecilho para a modernização à qual o engenheiro Fabio se refere é justamente a falta de opções para a ligação entre a capital e a região Sul do estado – além do acesso às pequenas ilhas anexas a Porto Alegre. Com
a construção da nova ponte, o trecho atual poderia ser fechado enquanto é melhorado, e ainda assim haveria outra opção. O maior complicador na reestruturação é justamente o que um dia foi motivo de orgulho nacional, o vão móvel. Desenvolvido na Alemanha, foi um projeto inovador e moderno à época de sua construção. Erguido por quatro torres a 40 metros do nível da água e 26 metros da rodovia, as 460 toneladas do trecho de 58m x18m se elevam graças a um sistema de contrapesos que necessita de manutenção diária.
Problema constante
Construída na década de 50 e inaugurada no dia 28 de dezembro de 1958, a ponte recebia um fluxo médio de 600 veículos por dia nos primeiros anos de seu funcionamento. Os responsáveis pela obra previram que em 35 anos a travessia não daria mais vazão ao tráfego de automóveis. Hoje, quase 56 anos depois, passam por ela diariamente 50 mil veículos. O professor de trânsito e transporte do curso de Engenharia Civil da Unisinos João
Em funcionamento desde 1958, travessia deve seguir como alternativa para o trânsito na região Hermes Nogueira Junqueira defende: “Uma obra como essa não se descarta. Conservá-la e utilizá-la é o melhor caminho”. E adverte: “Nas chegadas a Porto Alegre, caso os acessos não sejam bem dimensionados, teremos problema com grandes congestionamentos”. Mesmo
assim, ele acha que, no lado oposto, na cidade de Guaíba, a chegada será tranquila. O auxiliar de atendimento Thiago Gonçalves, de 24 anos, que reside em Eldorado do Sul e utiliza a ponte para chegar ao trabalho no centro da capital, adverte: “Acho que vai ser um de-
safogo, mas quando der acidente, o trânsito vai parar”. Ele conta que normalmente leva 40 minutos para realizar o trajeto de ônibus, mas que, quando acontece um acidente, o tempo aumenta para uma hora e meia. “Na média, acontece um acidente a cada dez dias”, calcula.
MORADORES DE ILHA SOFREM COM CHEIAS
MURO PERMANECE NA AVENIDA MAUÁ
Na Ilha Grande dos Marinheiros, as casas são construídas quase dentro da água. A moradora Jussara da Silva conta que, quando era criança, ela e seus 11 irmãos acordavam com a casa alagada. O perigo maior são os animais e as doenças que as enchentes trazem: Jeferson, filho de Jussara, contraiu leptospirose. “Ele quase morreu no hospital”, ressalta. “Antigamente, os moradores aterravam o terreno com lixo e jogavam terra por cima, para tentar evitar que água chegasse até eles”, relata Jussara. Todos que chegam para construir uma nova casa são instruídos a fazerem construções altas. A presidente da Associação das Mães da ilha Nazareth da Silveira conta que as famílias são retiradas pela Defesa Civil somente quando a água entra em suas casas. “Antes disso, elas não querem sair por causa dos móveis”, diz. O Centro Administrativo Regional das Ilhas, a Defesa Civil e a Fundação de Assistência Social (FASC) trabalham juntos nos períodos de elevação dos níveis dos rios. A intenção é garantir assistência aos atingidos pelas cheias, conta a gestora do CAR, Patrícia Salcedo. A Defesa Civil, junto com o CAR, vem mapeando as áreas de risco para fazer um monitoramento prévio.
Ao contrário do que muitos pensam, a estação portuária de Porto Alegre está em utilização. Na hidrovia que vai de Rio Grande até capital, são movimentados mais de cinco milhões de toneladas de granéis por ano. Só em 2013, foi mais de um milhão. Atualmente, o porto pertence à Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), que é do governo do estado. Segundo o administrador da empresa, Bruno Almeida, os produtos que chegam pela capital vão além da região metropolitana e alcançam a região responsável por 55% do PIB do estado. No último ano, o porto teve um aumento de 20% na economia e mais de 190 navios atracados. A maioria das embarcações vem do exterior e traz cargas de grãos e fertilizantes. Por essa via, também chega o sal que é distribuído para 90% do Rio Grande do Sul. E, em questão de exportação, são enviados transformadores para o exterior, em sua maioria para os Estados Unidos.
O Muro da Mauá será mantido e deve fazer parte das próximas etapas da reforma do Cais do Porto, localizado na região central de Porto Alegre. Segundo a assessoria de imprensa do consórcio Cais Mauá Brasil, empresa responsável pelas obras, a parede será revitalizada devido à sua importância estrutural, pois une os diques de contenção das águas do Guaíba. O projeto de revitalização conta com investimento exclusivamente privado e prevê nova pintura e reforço da estrutura. O paredão foi construído pela Prefeitura em 1974, após a maior enchente já registrada na capital. O desastre natural, ocorrido entre os meses de abril e maio de 1941, desalojou cerca de 70 mil famílias, prejudicou mais de 600 empresas e causou um dano de 30 milhões de dólares aos cofres públicos. “Ninguém tem coragem de demolir o Muro da Mauá, devido a seu contexto histórico e, principalmente, por se tratar de uma construção elaborada após muito estudo técnico”, afirma a historiadora Célia Ferraz de Souza. Em razão da possibilidade de nova enchente, a permanência do muro tornase uma forma de precaução.
Texto: REBECCA ROSA Foto: BRUNA FERNANDES
Texto: LEONARDO STÜRMER Foto: AMANDA BICCA
Texto: LUCIANO DEL SENT Foto: THALLES CAMPOS
PORTO RECEBE GRÃOS, FERTILIZANTES E SAL
8 | lupa | porto alegre/rs | junho 2014
LOGO ALI, UMA ILHA CONTA HISTÓRIAS Para ser lembrado, o passado da Ilha do Presídio depende da preservação do presente
Texto: CAROLINE GARSKE ROSA Fotos: LUANA CHINAZZO
Q
uem leva os visitantes até a Ilha das Pedras Brancas, ou Ilha do Presídio, é Marlene Machado, estudante de Gestão Ambiental e membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente de Guaíba (Comea). Antes de embarcar, é preciso passar pela residência de Marlene, na beira do Lago Guaíba. A casa é singela e apresenta a estética da vida de pescador – Marlene e o marido, Rogério Machado, também vivem da pesca. Nos fundos, já se enxerga o lago e a pinguela que leva até o barco Corsário Beira-mar II. Como precaução para que nada aconteça com os recém-chegados, ela orienta: “Pisem somente na tábua do meio. É mais firme”. O percurso até a ilha leva cerca de 15 minutos. Ao som de “Descobridor dos Sete Mares” no rádio, Rogério guia o barco enquanto faz leves movimentos dançantes com o corpo. O cachorro Dark também participa do passeio e é atencioso com os visitantes, pedindo carinho e até posando para as fotos. Ao chegar à Ilha do Presídio, há um deck bem mais seguro do que o da casa de Marlene. “A construção do deck foi a primeira benfeitoria que realizamos junto à prefeitura de Guaíba. A segunda será colocar cartazes para que não sujem a ilha e não ponham fogo”, afirma Marlene. Ela conta que muitas pessoas vão até o local com lanchas ou barcos próprios, já que a ilha é pública. Lá, passam o dia, fazem churrasco, piquenique, e acabam deixando muito lixo acumulado. O churrasco é um problema. Como no local venta muito, seja verão ou inverno, qualquer réstia de fogo pode ocasionar um grande incêndio na vegetação. Marlene aponta para uma pedra que tem uma churrasqueira de tijolos ao lado e diz “Olha, a rachadura da pedra está cada vez maior”, referindo-se ao dano causado pelo fogo feito próximo à rocha. O presídio, ou o que sobrou dele, está muito depredado. O telhado e as grades das celas foram furtados. Com pichações e paredes quebradas, é difícil reconhecer quais eram os lugares de convívio da guarda e dos presos. Um dos únicos locais reconhecíveis é o compartimento das celas. Todas do mesmo tamanho e com um pequeno buraco para iluminação no teto, elas são pequenas, frias e muito úmidas. A Ilha do Presídio não é tombada, mas segundo a Secretaria
Municipal do Turismo e da Cultura de Guaíba, o pedido de tombamento foi encaminhado e está em andamento. Há também um projeto de restauração que ainda não saiu do papel por precisar de muita verba, podendo variar de R$ 2 milhões a R$ 8 milhões. A história da ilha lembra tempos sombrios da história do Brasil. Da casa de Carlos Franklin Paixão de Araújo, advogado e ex-deputado estadual pelo PDT, é possível lembrar o passado todos os dias, pois mesmo de longe dá para identificar a Ilha do Presídio. Localizada na Zona Sul de Porto Alegre, a residência de Araújo possui um quintal cujo terreno termina na margem do Lago Guaíba. Perseguido durante a ditadura, ele foi preso em 1970, ficando nos estados de São Paulo
Pequenas e úmidas, as celas tinham péssimas condições para os detentos; a Ilha do Presídio pode ser reconhecida por suas enormes pedras brancas
e do Rio de Janeiro. Em 1972, foi conduzido à Ilha das Pedras Brancas, onde um presídio de presos comuns fora transformado em presídio político após o golpe militar de 1964. O advogado de 76 anos tem uma longa história na militância política. Com Dilma Rousseff, atual presidente do Brasil, que foi sua esposa por mais de 30 anos, pregava a luta armada contra o regime militar. Relembrando os tempos de militância e, como consequência, de prisão, Araújo se defende: “Fui preso porque lutava contra a ditadura, e todo aquele que lutava contra ela era tido como subversivo e até terrorista. Mas terroristas eram aqueles que derrubaram João Goulart, eleito pelo povo, aqueles que matavam e torturavam”. Ao voltar à ilha, em 2013, Carlos Araújo se surpreendeu: “Percebi que estava tudo destruído. A sensação foi de profunda tristeza e indignação pelo abandono a que foi relegada essa ilha tão simbólica”. Raul Jorge Anglada Pont, ex-prefeito de Porto Alegre e atual deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT), foi preso por militância estudantil contrária à ditadura militar. Pont foi “sequestrado”, como costuma falar, pela Operação Bandeirantes (Oban) e levado para o Departamento de Ordem Social (Dops) de São Paulo. Ficou detido no presídio Tiradentes, também em São Paulo, e, por fim, na Ilha do Presídio, onde permaneceu da metade de 1971 até o fim de 1972. “Éramos sequestrados por pessoas que não tinham identificação, eram apenas bandos armados”, lembra Pont. Antes de ser usada como ilha penitenciária, a Ilha das Pedras Brancas foi utilizada como local estratégico pelos revolucionários farroupilhas, em meados de 1835. Depois disso, ficou conhecida como Ilha da Pólvora, em 1857, quando foi construído um grande paiol. Esse passado deixou de herança a insalubridade para os que ficariam presos ali mais de um século depois. Sobre o presídio, Raul Pont comenta: “As condições eram desumanas. Como são grandes pedras e o paiol foi construído em cima delas, aquilo se transformou em algo insalubre, sem ventilação. Havia aberturas para ter um mínimo de iluminação externa. Dificilmente alguém passava um inverno lá sem pegar uma pneumonia”. Abandonada há 31 anos, a Ilha do Presídio clama por socorro. Não deixar que a história caia no esquecimento depende, também, que o presente seja preservado.