Lupa.9 edição
União Moradores se reúnem para revitalizar escadaria abandonada do Centro Histórico
Parcerias União entre bares de futebol e moradores trouxe melhorias para a região
Dragbar Cidade Baixa recebe a Workroom, o primeiro bar com temática drag do Estado
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junho.2017
CLÓVIS DARIANO
Espaços de convivência Segundo Silvio Soares Macedo e Fábio Robba, autores do livro Praças Públicas, podemos definir praças de uma maneira ampla, como qualquer espaço público urbano, livre de edificações que propicie convivência e/ou recreação para os seus usuários. Esses espaços, existente há milênios, utilizado por civilizações de distintas maneiras, nunca deixaram de exercer a sua mais importante função: a de integração e sociabilidade. Porto Alegre têm 625 praças públicas, e só no Centro Histórico são 25.
Pracinha em um dia atípico
Comer, cantar e socializar g Praça Marquesa
de Sévigné torna-se ponto de encontro para jovens
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m um local privilegiado da cidade, a Praça Marquesa de Sévigné fica na confluência das ruas Coronel Genuíno, Cel. Fernando Machado e Gen. Lima e Silva, no Centro Histórico da capital. A praça vem chamando a atenção de pessoas que passam por ela, especialmente a noite. O motivo? A ocupação de jovens e adultos utilizando o espaço para fazer rap, encontrar amigos ou que vão para comer cheese vegano. Por muitos anos a “pracinha”, como é chamada pelos usuários, ficou sem nome, sendo batizada em 1996 como Praça Marquesa de Sévigné. O nome é uma homenagem à Marie de Rabutin-Chantal, Marquesa de Sévigné, uma escritora de destaque na França e, indiretamente, ao Colégio Sévigné, localizado nos fundos da praça.
O nome “Praça do Triângulo” nunca foi oficializado, arbitrariamente em 1949 foi nomeada em uma planta da cidade.
Olhar dos moradores
O fotógrafo Clóvis Dariano tem um estúdio fotográfico em frente à praça. Desde 1968 é um observador do que acontece por lá. Morou até 1983 no prédio chamado Eleutério Araújo e hoje tem seu estúdio no mesmo local. Segundo Dariano, na década de 1970 a praça era um reduto de malfeitores, pois haviam assaltantes e ladrões de automóveis. Para ele, o movimento na praça trouxe mais segurança para a rua e consegue conviver tranquilamente com a gurizada que frequenta a praça. É uma convivência pacífica, afirma Dariano. Por ser um local onde há um grande movimento de pessoas o cartunista Uberti, que mora em frente ao largo desde 1980, publicou um livro com o título “Graça na Praça”. De sua janela observou o cotidiano e retratou com doses de humor
os acontecimentos da pracinha através de cartuns. A prefeitura acrescentou em torno de dois metros de calçamento ao redor da praça. Ele e seu amigo Dariano concordam que um ponto negativo desde a última reforma no local em 2012 foi a modificação da calçada. Para eles descaracterizou o conjunto arquitetônico da praça.
Um ambiente que acolhe
Diversos grupos ocupam o espaço, e um deles é o das pessoas que vão à praça para comer os cheeses veganos. Proprietária do MM Lanches há sete anos, Selene Telles Bueno, relata que o local era muito perigoso, pois era um ponto de tráfico. As pessoas tinham medo de frequentar e serem assaltadas. Segundo Selene “era uma praça suja e acabada, ninguém usava. Essa praça era inativa. A partir das oito da noite todo mundo se recolhia, era perigoso chegar aqui porque era escuro. Era largada, hoje ela tem vida. ” Quando começou a vender
cheese vegetariano e vegano, há mais ou menos quatro anos atrás, aumentou o movimento na praça. Segundo ela, os frequentadores costumam cuidar da limpeza do local. Quando acontece de ficar lixo pelo chão a proprietária que também é moradora do entorno costuma recolher a sujeira. Recentemente um usuário da praça, dono de uma floricultura, doou mudas de flores para criarem um jardim coletivo e Selene ficou responsável pela conservação das plantas. Para o Psicólogo social Pedro Lunaris, vegano e frequentador da lancheria, a ocupação das praças públicas são a força do encontro, da possibilidade de se encontrar com as pessoas que moram na região, e, portanto, fortalecer laços comunitários. É muito nítido que a falta desses laços é um dos fatores de existir tanta depressão, ansiedade e falta de sentido na vida. Acredita que espaços ocupados significa segurança. A praça tornou-se palco de um grupo de rap chamado SentidoÓ6. Encontram-se no local
faz um ano para fazer freestyle, caracterizando-se, portanto, pelo improviso do rapper. Vindos de diversos bairros da capital e até mesmo de cidades da região metropolitana os integrantes dizem que o ambiente cria esses grupos, já que existem os que vão ao local só para comer o cheese, fazem um som, conversar e encontrar amigos Os integrantes do grupo contam que passaram pela pracinha e sentiram-se escolhidos por ela, não sabem dizer exatamente porque frequentam o local. Lá eles se sentem acolhidos por pessoas estranhas. O rapper Marcelo Nenê comenta: - “ A gente termina de tocar violão e quando tu menos espera a praça inteira bateu palmas pra ti e tu sente um afeto tão grande...”. A ocupação da Praça Marquesa de Sévigné é só mais uma entre tantas que já acontecem pela capital. Percebe-se que a população está tomando consciência de que estes lugares estão na cidade para serem usados. Texto Tainara Mauê
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Lupa
EDITORIAL
Uma rua muito acolhedora Bairro boêmio da capital, a Cidade Baixa reúne diversas histórias, bares e personagens. A rua Cel. Fernando Machado vem chamando a atenção do público desde a Copa do Mundo de 2010. O motivo é a concentração de bares com temática predominantemente voltada ao futebol. No ano passado foi encaminhado à Câmara de vereadores um projeto para acrescentar “Rua do Futebol” na placa com o nome original do logradouro. Além dos bares, outro local de encontro entre os jovens é a pracinha. Localizada entre as ruas Cel. Genuíno, Cel. Fernando Machado e Gen. Lima e Silva ela tornou-se um espaço de socialização e encontros. A Fernando Machado, como costumeiramente é chamada, também é um local de lendas perturbadoras, como é a do Açougueiro do Arvoredo. Exemplo de superação, o ex morador de rua, ex detento e hoje vendedor de livros Vinicius Camargo conta a sua trajetória de vida. A comunidade acredita que os bares trouxeram segurança para a rua. Nos dias de hoje, quando poucos conhecem seus vizinhos, houve um movimento de união entre os moradores para revitalizar uma das escadarias da rua. O que também vai ficar para a história do bairro e cidade é a inauguração do primeiro bar com temática da cultura drag. Tainara Mauê
EXPEDIENTE Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744, Bairro Três Figueiras - Porto Alegre/ RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente dos Cursos de Bacharelados e Tecnológicos: Paula Campagnolo. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Debora Lapa Gadret. REDAÇÃO – O Lupa (Leia Unisinos Porto Alegre) é um jornal produzido por alunos da disciplina de Jornalismo Impresso I e Jornalismo Impresso e Notícia do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre. Orientação: Pedro Luiz S. Osório. ARTE – Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico e diagramação: Marcelo Garcia. Diagramação: Mariana Matté. Impressão: UMA/RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.
A diversidade além dos bares futebolísticos FOTOS CAROL STEQUES
g A convivência
com o marcante crime do passado e a modernização da rua
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rua Coronel Fernando Machado ou Rua do Arvoredo, como era antigamente chamada, é um local em Porto Alegre conhecido pelas histórias de 1863, como o crime do açougueiro. E a partir de 2000 pela temática diversificada dos bares locais. Pouco antes do país sediar a copa do mundo FIFA, em 2014, a rua já vinha recebendo um número maior de visitantes nos bares e estabelecimentos locais. Além disso,aFernandoMachadooferece bares e quitandas que fogem do conceito esportivo da rua. Durante a Copa, os clientes se tornaram mais assíduos, assim como as visitas dos que tinham curiosidade de conhecer a “Rua do Futebol” e seus bares com ambientes temáticos sobre futebol e estádios. Além de diferentes espaços para confraternização, que possuem ambientes decorados com propostas diversas, tal como o Brechó do Futebol, com decoração de camisetas e logotipos retrô conhecidos do meio futebolístico. Em meio a bares e torcedores fica uma loja de espumantes pouco movimentada em dias de jogo, quando o assunto principal na Fernando Machado é o futebol. Enquantoosoutrosbarestransmitem jogos e acolhem os torcedores, dois amigospensaramemalgodiferente para uma rua tão movimentada pelos amantes do esporte. Sandro Teixeira e Lídio Freitas são, além de amigos, sócios proprietários do La Cava Espumantes, bar especializado em champagnes, vinhos e cervejas artesanais. A ideia de abrir o espaço surgiu durante a estadia de Sandro em Barcelona, Espanha, onde morou por cinco anos e conheceu um bar parecido. Os dois amigos queriam proporcionar para os clientes um ambiente que fosse além do comum entre os bares locais. Segundo eles, os clientes brincam dizendo que o La Cava tem um tipo de portal onde eles passam com a impressão de ser um bar comum e saem transformados. Ao decorrer da noite, o La Cava se transforma em um pub onde as luzes se apagam, as músicas tomam o ambiente e um globo espelhado surge no meio da pista, tornando o ambiente mais vintage. Lídio comenta: “Daí a gente brinca, pode subir nas mesas que agora começa a festa.
La Cava Espumantes procura manter um ambiente que fuja do padrão esportivo da Fernando Machado. Abaixo, Vilma e Neri, proprietários do mercado, criaram com os estudantes um ambiente familiar
Os crimes
Antes de abrir o estabelecimento os amigos contaram que conheciam a Fernando Machado pelo temido crime do açougue que vendia linguiça feita de carne humana. Em Porto Alegre a história é muito conhecida pelos famosos homicídios que ocorreram na Coronel Fernando Machado em meados de 1863-4, chamados de “crimes da linguiça”. José Ramos mudou-se para uma casa na Fernando Machado com sua esposa, Catarina Palse e logo começaram uma amizade com o alemão Carlos Claussner. Claussner era proprietário de um açougue atrás da Igreja das Dores onde, em seguida, Ramos tornou-se ajudante. Certa vez, o dono da mercearia próxima, Januário e seu caixeiro, José Ignácio desapareceram. A vizinhança havia presenciado Ramos em uma discussão com os dois
pouco antes do sumiço, resolveram avisar a polícia sobre a suspeita. Quando os policiais bateram à porta encontraram os pedaços de um corpo humano, já em avançado estado de decomposição. A vítima foi identificada: era o alemão Carlos Claussner. Ao examinar um poço desativado nos fundos da casa encontraram os corpos de Januário Martins Ramos da Silva e de seu caixeiro, José Ignacio de Souza Ávila, esquartejados.
Ambiente familiar
Do outro lado da rua vê-se uma quitanda, por fora, ela parece ser mais uma no comércio local, porém, é recheada de histórias. De dia uma fruteira, à noite um ponto de encontro onde estudantes de diferentes faculdades se reúnem para um happy hour depois da jornada universitária. Dona Vilma
e Neri moram na Zona Sul de Porto Alegre e estão há vinte e oito anos trabalhando juntos na fruteira que hoje, é como se fosse sua segunda casa. Os jovens que frequentam o local têm uma relação bem familiar com o casal Vilma e Neri. A estudante de administração, Gleice Machado, de 22 anos, conta como tudo começou. Quando uma chuva forte alagou a Fernando Machado, ela e alguns estudantes se abrigaram na fruteira até passar o temporal. Desde então a relação dos donos com os estudantes só cresceu. Chás de panela, convites de formaturaeumgruponoWhatsapp de aproximadamente cinquenta pessoas fazem parte da rotina de Vilma e Neri. Dona Vilma conta que não imaginava ser convidada paraasformaturasesertãoquerida pelos jovens. Hoje considera-se muito grata por tudo. “Aqui todo mundo é filho”, declarou. Mesmo depois de formados, grande parte do grupo continua frequentando o local. Além da diversidade proporcionada pelos espaços espalhados pela rua, existe uma grande quantidade de pessoas dispostas a contar suas histórias e apresentar aquele lugar para quem não conhece. Conforme a maioria dos empresários, que abriram seus estabelecimentos de braços abertos não somente para aqueles que gostariam de consumir produtos, mas sim para os que gostariam de consumir histórias. Conforme dizem os clientes, empreendedores e moradores, a Fernando Machado é um lugar aconchegante e acolhedor a todos. Texto Giulia Godoy
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Lupa
Escadaria abandonada é revitalizada g Iniciativa de
moradores do Centro Histórico ainda inclui uma horta em terreno ao lado
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oradores da região central de Porto Alegre fizeram mutirão para revitalizar escadaria entre as ruas João Manoel e Fernando Machado. Evento realizado no sábado, 06 de maio, juntou cerca de 20 pessoas, cujo trabalho trouxe limpeza, música e capinagem do solo ao lado da escadaria, no qual surgirá uma horta comunitária. O grupo ainda planeja trazer para o local grafite, apresentações de teatro e música. E, nesse contexto de ocupação dos espaços públicos, cresce o espírito de união entre os moradores. Carmen Fonseca, jornalista e Presidente da Associação das Hortas Coletivas do Centro Histórico (HCCH), moradora da região há mais de 30 anos, diz que, “a ideia inicial era trazer mais vida à escadaria”, abandonada pelo poder público. Além disso, ela ressalta, “tanto a limpeza quanto a futura horta tem o poder de mobilização, mas principalmente
de união entre a vizinhança”. Carmen também contou como começou a se mobilizar: “Sugeri a ideia de uma horta comunitária em uma rede social, o pessoal gostou e abraçou a causa”. Mas a mobilização dos moradores esbarrou em um velho problema da capital com relação ao uso de espaços públicos: a burocracia. Segundo Carmen, não existe a possibilidade de moradores simplesmente “porem a mão na massa”. Para conseguir liberação junto à Prefeitura, o grupo precisou fundar a HCCH e registrá-la. A Associação projeta ocupar e instalar hortas comunitárias em todos os espaços ociosos da cidade. Morador do bairro há quatro anos, o engenheiro químico Bruno Bavaresco está contente com a iniciativa. Ele ajuda na limpeza do solo onde ficará a horta. Bruno conta. “Esse terreno é um lugar que estava abandonado há muito tempo. É um local muito bonito que merecia essa revitalização. Além do mais, uma horta pode beneficiar todo mundo”. Bruno capinou e ajudou a tirar grande quantidade de lixo do local. Junto com ele, cerca de 20 pessoas utilizaram enxadas e outras ferramentas. Segundo Bruno, além da horta
trazer grandes benefícios para a comunidade e renovar o espaço público abandonado, essa iniciativa produz um sentimento esquecido: o espírito de vizinhança. Ele contou o quanto foi interessante conhecer e fazer amizades com os outros moradores do bairro, algo incomum nos dias de hoje. Além do mais, a ideia de compartilhar uma horta com os vizinhos reforça esses laços de união.
Prefeitura auxilia na limpeza
A Prefeitura de Porto Alegre ajuda na limpeza do local por meio do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU). Funcionários são chamados para tirar o lixo do local. Além disso, instalaram tonéis para os resíduos. O sentimento entre o DMLU e os moradores é de parceria. Existe também um projeto de iluminação, solicitado à Prefeitura, para reforçar a segurança da escadaria à noite. Funcionária da Secretaria de Serviço Urbanos, órgão do qual o DMLU faz parte, Rafaela Redin ajuda os moradores na limpeza. Ela conta sobre a importância dessas movimentações para a cidade e fala sobre a burocracia envolvida nessas iniciativas. “É muito ruim as pessoas quererem cuidar da
cidade e não conseguirem”. E acrescenta: “Um dos projetos da Prefeitura é diminuir a burocracia”. Rafaela faz referência aos entraves burocráticos apresentados pela Prefeitura no começo da iniciativa dos moradores.
Ajuda não se limita ao bairro
Moradora do bairro Petrópolis, Denise Dalmark, acha importante essa iniciativa e foi se juntar à Associação. Ela acredita na horta e na revitalização do espaço como “uma boa ideia para aproximar as pessoas”. E mais, Denise salienta. “A população tem que estar por dentro da cidade. Acho importante a população tomar conta dos espaços públicos senão fica tudo abandonado”. Para a fundadora da Associação, Carmen Fonseca, toda ajuda é bem-vinda. O grupo espera receber o auxílio de mais moradores ou simpatizantes da revitalização e, também, ajuda de comerciantes e empresários, seja com materiais de construção, seja com produtos para a horta. “Tudo que for para agregar e colocar o projeto em prática a gente está aceitando”, conta Carmen. Carmen projeta o futuro da escadaria quando a iniciativa estiver completa: “Nós imaginamos uma
horta comunitária e sustentável, num local muito bonito da cidade, com a escadaria bem arrumada e restaurada, com o ambiente bem iluminado, com murais grafitados e espaços para outras intervenções artísticas”. Em breve, artistas poderão compor o cenário com suas manifestações. Tudo é feito com cuidado e calma. A Associação das Hortas Coletivas do Centro Histórico marca nas redes sociais eventos para os mutirões, realizados em geral aos sábados. Cada um auxilia de alguma maneira nas tarefas: capina a terra, varre o solo ou junta os detritos espalhados no terreno. E o trabalho pesado acaba por transformar-se em diversão entre vizinhos. A escadaria foi construída em 1928 e inaugurada em 3 de fevereiro de 1929 devido ao desnível da topografia da região. Ela já foi ponto de referência turística da cidade. Agora, prestes a completar 90 anos de existência, a escadaria ganhará restauração feita pelas mãos de quem mais a utiliza. Com essa união entre os vizinhos, Porto Alegre ganhará novamente um espaço bonito, no qual terá, também, uma horta para o desfrute dos moradores. Texto Thiago de Loreto Fernanda Romão
Vizinhos se reuniram à tarde para limpar o local
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Lupa
Coronel Fernando Machado se torna a Rua do Futebol g No coração de
Porto Alegre, há reuniões de torcidas nos bares temáticos para assistirem as partidas de futebol
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o Centro Histórico de Porto Alegre existem bares que reúnem torcedores para assistir jogos de futebol. Alguns estão localizados na Rua Coronel Fernando Machado, que já foi batizada como “Rua do Futebol”. Os bares Brechó do Futebol e Cantina Express Foodball são estabelecimentos que recebem torcedores, a fim de acompanhar os jogos de seus respectivos times. Essa história começou em 2010, quando um dos sócios do bar Brechó do Futebol, Carlos Caloghero, vendia camisetas de times pela internet. Com o acúmulo de camisas em sua casa, Carlos precisava de espaço físico maior para o seu estoque. Alugou uma peça na Rua Lopo Gonçalves, mas também o espaço começou a ficar pequeno.
O começo dos estabelecimentos
Em uma partida de futebol de botão, nesta mesma loja da Lopo, estavam os três sócios atuais do Brechó do Futebol: Carlos, André Damiani e André Zimmermann. Nessa conversa informal, começaram a ajudar o amigo Carlos a vender e aumentar o espaço físico da loja de camisas. Tiveram a ideia de criar um bar e junto vender as camisas oficiais de time de futebol. Começaram a pesquisar lugar para alugar imóvel nos bairros Bom Fim, Cidade Baixa e Moinhos. Ficaram cerca de dois meses pesquisando até achar na Fernando Machado um imóvel para alugar. Neste local acharam um espaço bom, nele puderam equipar um bar e no andar de cima colocaram a loja de camisas. Construíram uma escada que dava acesso à loja. Hoje o acesso é pela porta da frente do Café. A dificuldade foi anunciar que havia uma loja em cima do bar, pois com o estabelecimento fechado as pessoas não sabiam que ela estava aberta. Com o passar do tempo os moradores e comunidade foram sabendo da novidade. Um bar e uma loja de roupas juntas. Em 2013 alugaram a loja ao lado e aumentaram o espaço interno do estabelecimento e juntos a parte superior. Em 2015 foi a
vez do outro lado, também com parte superior, ficando assim três peças de bar. E em 2017 criaram o Café no espaço do lado direito do bar, unindo também com a loja de cima. Foram ampliações que deram mais credibilidade às lojas, favorecendo o cliente. No ano da Copa do Mundo no Brasil (2014), chega na rua a loja Los Trapos Football, que também vendia camisas de futebol, mas não camisas de time oficiais (Adidas, Alicorp esportiva). Até para não abrir concorrência, pois são todos amigos. Em 2016, o empresário Fernando Pinheiro Quines abriu a Cantina Express Foodball. O nome do estabelecimento associa palavras inglesas que significam comida (food) e bola (ball), e a Cantina diferenciava-se dos outros estabelecimentos pela oferta de refeições e lanches. Passou a oferecer pratos inspirados no futebol. Um deles são as tradicionais almôndegas, com desenhos de bolas de futebol.
Pratos diferenciados
Para o bar ficar mais próximo ao futebol, foram batizados alguns pratos de comida com nomes de jogadores de futebol como André Lima, Sandro Sotilli. Técnicos também estão no cardápio, Celso Roth e Maradona, tudo para ter relação ao futebol. Fernando também apostou na música acústica, colocando cantores em dias de jogos. Segundo ele a música dá mais aconchego ao cliente e se sentir à vontade em seu bar. Apesar o vínculo com a torcida do Grêmio e dos sócios do bar serem gremistas, eles querem tirar esse rótulo de gremistas e deixar a rua mais “gre-nal”. O objetivo é criar a Rua do Futebol no geral, sem uma torcida só. Quando o Atlético-MG jogou na Arena ano passado contra o Grêmio, teve diversos torcedores mineiros vindo até ao bar. “Ficamos mais visados a partir da Copa do Mundo e quando algum torcedor de outro time vem para Porto Alegre, eles já querem saber, o que é a Rua do Futebol e onde ela fica, comenta um dos sócios do Brechó, André Damiani. “Há dois anos que eu frequento o bar e vejo os jogos do Grêmio, sou sócia do clube e vou assistir alguns jogos no estádio, mas quando eu não vou sempre venho aqui”, declarou a torcedora gremista Fabiane Pereira Póvoa. Moradores estão abraçando esta ideia, pois no bar reencontram amigos e dividem um chopp e aquele bom papo durante o jogo.
“Eu adoro vir aqui nos bares. Quando têm jogos eu saio do meu serviço e venho direto pra cá assistir as partidas da dupla gre-nal, e isso que moro na avenida João Pessoa. Inclusive adoro beber uma cerveja com os amigos, é muito gratificante isso. Essa rua um dia vai lotar totalmente e parar o trânsito em dias de jogos”, disse João Sousa. Em abril do ano passado (2016), o vereador Kevin Krieger (PP), deu entrada na Câmara Municipal de Porto Alegre, no Projeto de Lei n° 074/16. Que pretende incluir nas placas da Rua Coronel Fernando Machado a identificação nas quadras onde estão os estabelecimentos com a temática do futebol. A ideia era pôr “Rua do Futebol”, ao lado do nome Fernando Machado. Mas até o momento a Câmara não discutiu essa lei. Moradores e comerciantes apoiam a ideia de a rua se chamar como “rua do futebol”, pois o atual momento da rua é de felicidade e confraternização entre torcidas. E a partir das chegadas dos bares o local ficou mais seguro, pois a Brigada Militar faz rondas no entorno. Texto e Fotos Alexsander Peixoto Machado
Bares que recebem os torcedores em dias de jogos e suas decorações
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Bares de futebol apostam em parceria com a comunidade g Presença dos pubs
melhorou segurança e deu vida nova à rua, além de ajudar a impulsionar demais estabelecimentos comerciais
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orar em uma rua onde existam bares com grande movimentação seria, para muitos, sinônimo de um pesadelo. Porém, não é o que acontece com grande parte dos moradores da Rua Coronel Fernando Machado. Lá, a comunidade local aprovou totalmente a chegada do Brechó do Futebol e do FoodBall, devido às inúmeras melhorias geradas pelos dois estabelecimentos. Com a chegada desses empreendimentos a rotina da população local foi totalmente alterada. Transformando uma rua quase abandonada, em um ponto de encontro de amigos e amantes do futebol. A revitalização promovida com isso acabou convertendo a Rua Fernando Machado, na “Rua do Futebol”, em Porto Alegre. Como consequência dessas transformações
pessoas de outras partes da cidade passaram a frequentar a rua e lotar os bares, modificando completamente vida no lugar. Em geral, os residentes locais afirmam que a convivência mudou para melhor, principalmente no quesito segurança. Pois antes da inauguração desses estabelecimentos não havia muita movimentação de pessoas e a rua era escura, fato pelo qual tornava-se perigosa a circulação. Com isso, as pessoas evitavam a rua, principalmente no período noturno. Para a professora de Educação Física Karine Reis, o fato de esses lugares atraírem um grande público gera um sentimento de segurança na comunidade local. Segundo ela os bares não atrapalham os moradores, pelo fato de suas atividades se encerrarem cedo, normalmente logo após as partidas de futebol, por volta da meia-noite. “Apesar da alta concentração de pessoas no entorno dos pubs em dia de jogos, a rua não fica suja, pois os frequentadores respeitam o local”, completa a professora. Na mesma linha, Carolina Soares, Psicóloga Social, tem uma opinião bem parecida com a de Karine. De acordo com ela
os bares são muito agradáveis, e toda iniciativa com objetivo de atrair a ocupação pública melhora a segurança. Por isso, a ideia de abrir esses estabelecimentos na região acabou agradando a todos, donos, público, bem como os moradores. “Essa iniciativa ajuda revitalizar o bairro, o que faz com que mais pessoas percebam que é possível estar na rua sem sentir tanto medo”, afirma. Tanto Carolina quanto Karine moram nas proximidades desde antes da abertura das casas, e afirmam ter ocorrido grandes mudanças desde suas chegadas. Segundo ambas, antigamente era quase “impraticável” andar pela Rua Fernando Machado, devido à insegurança. Hoje, já é possível transitar pela região, até mesmo sentar na praça, localizada ao final da rua, para conversar, passar o tempo e tomar um chimarrão com um pouco mais de tranquilidade. Emílio de Freitas, advogado, pensa que a revitalização trouxe importantes benefícios para o local. No lugar onde hoje ficam os bares havia casas comerciais cujo expediente se encerrava no final do dia, deixando a região praticamente deserta. “Com a
Mercado Alcará é um dos locais que se beneficia em dias de jogo
Revitalização devolveu a tranquilidade aos moradores
vinda do Brechó e do Foodball as coisas mudaram. A rua agora fica ocupada tanto durante o dia, quanto à noite. E quando os pubs fecham algumas pessoas ainda esticam a noite ficando na praça ao lado, onde existem outros estabelecimentos”, conta o advogado. A revitalização ainda beneficiou as faculdades existentes no entorno. Antes, a saída das aulas era muito perigosa, e os alunos corriam riscos ao irem embora a pé, ou esperando pelo ônibus nas paradas próximas. Além disso, não tinham um local próximo onde pudessem se reunir após a saída. Agora, há mais segurança e, consequentemente, mais movimentos nos pubs. Houve ainda outras mudanças promovidas por esses comércios, como a ampliação dos próprios locais, a instalação de canteiros, a implantação de bicicletários, colocação de bancos na calçada. Assim, ao invés de encher a rua com cadeiras e mesas, eles optaram por fazer melhorias para beneficiar a população. Isso chamou atenção das pessoas e fez perceber que os estabelecimentos não pensaram apenas em si mesmos e em seus clientes, mas também na comunidade local.
Ajuda mútua
Mas, nem só de futebol vive a rua Fernando Machado. Existem também outros comércios margeando a “rua do futebol”. Um deles é o Mercado Alcará, que segundo o dono Lauri Alcará, aproveita bastante a movimentação dos bares de futebol em dias de jogos. “As vendas aumentam consideravelmente, principalmente em bebidas, e melhoram ainda mais quando ocorrem partidas nos finais de semana, pois nesses dias os torcedores se reúnem no horário do almoço para fazer churrasco, e deixam para fazer as compras aqui”, relata o dono do mercadinho. Lauri também cita a melhora na segurança trazida pelos bares. Embora afirme nunca ter sido assaltado anteriormente, desde a chegada do Brechó do Futebol e do FoodBall na região, ele tem conseguido trabalhar com muito mais tranquilidade. Com todas essas melhorias, os alunos das faculdades ao redor começaram a frequentar a rua, impactando positivamente nas vendas de seu negócio. Texto e Fotos Fernando Eifler
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Além de um simples jogo de futebol g Rua da capital
reúne multidões em dias de jogos de futebol e beneficia o entorno
Os bares ficam lotados e os torcedores acompanham os jogos na rua
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o ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo de 2014, muitas capitais brasileiras, as quais realizaram jogos das seleções, organizaram a Fifa Fan Fest. Esse foi um evento, que reuniria pessoas de diversas culturas, para assistirem juntas os jogos da Copa. Na cidade de Porto Alegre, uma rua foi muito movimentada. A Coronel Fernando Machado mobilizou bares em todos os jogos, fazendo com que a reunião das pessoas nesse lugar fosse além do ato de assistir um simples jogo de futebol. Esse mesmo local proporciona uma grande movimentação em dia de jogos, unindo torcedores, comerciantes e moradores de rua. É muito frequentado por cidadãos de baixa renda, que vivem ali pelas redondezas, pedindo dinheiro ou comida. As pessoas que frequentam a rua para assistirem os jogos contam não se perturbarem com a presença dos mendigos, e ainda, sentemse muito seguras no local.
Ambientes temáticos também atraem os aficionados
Opinião dos moradores
Seu Avelino, de 62 anos, morou a vida inteira na redondeza dos bares que hoje enfrentam superlotação, não apenas dos torcedores de times gaúchos, mas também dos brasileiros e até mesmo dos internacionais. Avelino comentou que depois da Copa do Mundo, o aspecto da rua também mudou bastante. “A grande reunião de pessoas tornou a rua mais segura, mesmo sem policiais realizando o monitoramento”. Moradores relatam que o grande número de pessoas presentes na rua provavelmente intimida quem passa pelo local com outras intenções. João Airton, funcionário do Banco do Brasil, frequenta os bares desde o ano de 2014 e fala da importância das pessoas se reunirem com um mesmo objetivo. “Mesmo com a rivalidade de Inter e Grêmio, que é muito grande aqui no nosso estado, o esporte está promovendo uma grande interação, que além de qualquer coisa, reúne amigos companheiros, famílias e vizinhos. Sem dúvidas, essa é uma
virtude que só o futebol nos proporciona”, finalizou.
Um pouco da história
Aspectos culturais que são cultivados pelo futebol referem-se não apenas ao jogo em si, mas tudo o que faz relacionar com a sociedade em sua volta. Silvia e Bárbara, uma estudante de enfermagem e a
outra farmacêutica formada, são amigas apaixonadas pelos jogos e frequentadoras dos bares, falaram sobre o fanatismo e relações que só futebol é capaz de proporcionar. “Aqui tornou-se um ambiente em que me sinto segura, todos são tratados da mesma maneira, ninguém tem outro intuito, a não ser, torcer pelo seu time”. Relatou Bárbara.
Gilberto Freyre, famoso pensador brasileiro, que dedicou grande parte da sua vida à interpretação do Brasil sob ângulos da sociologia, defendia que o talento do brasileiro para o futebol deve-se à grande mistura de raças, dos povos e etnias. Entretanto existem outras explicações. O futebol é considerado uma manifestação cultural,
que no Brasil se deu de uma forma mais abrangente, cuja conseguiu transformar esse esporte em uma característica do povo brasileiro. Essa cultura refere-se a diversos aspectos, não apenas ao jogo em si, mas tudo o que faz relacionar com a sociedade em sua volta. O intenso fanatismo desse esporte e a sua capacidade de atrair multidões, fizeram com que ele fosse perdendo o prestígio entre os intelectuais e ganhando força nas classes abastadas da população. Alguns autores, como José Sergio Leite Lopes, Waldenyr Caldas e Leonardo Affonso Pereira, dedicaram-se a estudar o futebol e sua história no Brasil. É quase unânime o reconhecimento que esse esporte possibilita, gerando uma conexão de vários sentidos e diferentes interpretações. Como o Brasil foi sede da última Copa do Mundo, muitos estádios sofreram grandes reformas, que geraram ao aumento muito grande nos valores de ingressos para os torcedores. Devido isso, muitas pessoas que antes iam assistir todos os jogos no estádio, não tenham condições de acompanhar seus times mais de perto. Esse também é um dos fatos, de muitas pessoas se reunirem na Coronel Fernando Machado. “A rua se tornou um ambiente familiar para os frequentadores, onde os mesmos se identificam e compartilham de um mesmo sentimento. Os jogos promovem uma união de um diversificado público de torcedores, onde famílias com crianças, jovens, muitas mulheres e idosos, estão juntos em um esporte, que até então, era conhecido por ser cultivado só por homens”. Contou Seu Avelino. Para Sílvia, “O futebol não é só para as pessoas de elite, é para todos que vivem desse amor”. Esse esporte é um fenômeno cultural caracterizado pela participação e integração, independentemente de classe social ou econômica. Ocorrem importantes trocas de valores e interações entre todos que dele fazem parte e o vivenciam, cada um de uma forma e com um significado particular. É um esporte que une diversos tipos de pessoas, onde o amor pelo time do coração faz uma união que só o futebol, em um país como o Brasil, seja capaz de proporcionar. Texto e Fotos Maria Julia Pozzobon
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Constante busca de superação g Aos 34 anos
Vinicius Camargo busca nas vendas de seus livros a salvação de uma vida conturbada
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uarta-feira à noite, dia de jogo de futebol. Grandes agitos no centro da capital gaúcha. Bares repletos de gente observando atenta a televisão, com esperança de um vitorioso jogo do seu time. Encontramos na esquina da Fernando Machado com a Borges de Medeiros uma fileira de livros dispostos no chão e um carrinho de supermercado carregado de livros grandes e pesados. É difícil crer que em meio à multidão e gritaria há um lugar na rua onde são vendidos livros. Vinicius Camargo, de 34 anos, já passou por muita dificuldade em sua vida. Foi na venda de seus livros que conseguiu o tão desejado sossego. Quando criança, Vinicius morava na Restinga, bairro localizado na Zona Sul de Porto Alegre, com sua mãe e seus irmãos. Muitas vezes se alimentava somente de pipoca e chimarrão. Devido as dificuldades enfrentadas, ele sempre teve
o desejo de dar uma vida melhor para seus familiares. Em razão dos obstáculos encontrados na vida acabou entrando para o tráfico e ajudou a criar seus irmãos mais novos, auxiliando sua mãe nas coisas da casa, a partir do dinheiro que ganhava. “Minha irmã mais nova me chama de pai, pois acabei fazendo esse pa- Atualmente, pel cuidando dela e dos Vinicius mora meus irmãos”, declarou. em uma pensão e amigos Porcontadealgumas incentiva a largarem as ruas decisões que tomou ao e as drogas longo da vida, acabou se afastando da família. Ao se envolver com as drogas, Vinicius se viciou em crack e virou morador de drogas. “Droga que eu me refiro de rua. Por anos morou em baixo é crack, com muita força de vontade do viaduto da Avenida Borges de me livrei dele”, declarou. Medeiros. Nesse período, esmolava nas redondezas para poder sobre- Um novo olhar viver. As pessoas que tinham seu sobre a vida comércio por ali, como o dono da Quando voltou para as ruas, farmácia localizada em frente ao acervo de Vinicius, hoje ficam orgu- ao sair do presídio, uma senhora, professora, perguntou se Vinicius lhosas por ver a evolução dele. Por causa do tráfico de drogas, gostava de ler. Como a resposta Vinicius acabou sendo preso no foi positiva, ela lhe deu seis liPresídio Central. Foram quatro vros. Após ler todas as obras, ele anos que acabaram parecendo uma acabou vendendo duas. Com a eternidade. “Não existe sentimento venda, percebeu que poderia sair lá dentro, a única coisa é perma- daquela vida de morador de rua. E necer vivo e ficar quieto”, explicou. então começou a arrecadar livros Segundo Vinicius, quando saiu da e vendê-los. Até que conseguiu cadeia, voltou para as ruas, porém, dinheiro suficiente para sair das com muita força de vontade, livre ruas e morar numa pensão.
mudar as pessoas “se todo mundo ouvisse música, não teríamos o mundoquetemoshoje”,diz. Ele conta que alguns pais e mães vão até a sua loja para comprar discos para seus filhos, com a intenção de tirá-los do mundo das drogas, pois acreditam que isso vai fazê-los mudar o rumo de suas vidas. “Eu creio fielmente e tenho certeza que a música pode mudar as pessoas, pode ajudá-las e sempre para melhor”, comenta. Quando jovem juntava seu dinheiro durante três semanas para comprar um LP, sem gastar um centavo. Esperava chegar até domingo, pois era o único dia que tinha para comprá-los, nas feiras especializadas. Seu primeiro LP foi do Pink Floyd, sua banda favorita. Entre os anos 1960 e os anos 1980 o disco custava o equivalente a 80 reais, e ele ganhava cerca de 20 reais por semana com o seu trabalho. Após comprar discos, vender e até mesmo trocar, decidiu abrir sua própria loja, a Power
Vinícius manteve seu hábito de leitura. Atualmente está lendo uma biografia do Eduardo Tevah, que é reconhecido como um dos grandes nomes do Brasil nas áreas de liderança empresarial. Na esquina da Borges de Medeiros com a Fernando Machado, ficam dispostos no chão os exemplares de literatura, gibis e revistas. Ao lado, fica um carrinho de supermercado com os livros de negócios, como administração e empreendedorismo. Além do grande acervo de Vinicius, os clientes também podem comprar quadros decorativos. Há uma concepção geral de que morador de rua passa dias e dias com fome, sem ter como se alimentar. De acordo com Vinícius
isso não é totalmente verdade. Ele conta que a rua acaba proporcionando bebidas, comidas e drogas e com isso não passou necessidades. Hoje convive com muitos de seus amigos da rua com a mesma simplicidade de antes, mas busca conscientizá-los que há uma saída para os usuários de drogas. Após toda sua trajetória de batalhas, umas vencidas e outras não, o que mais lhe deixa triste é não poder conviver com seus filhos, Victor e Breno. “A última festa dos meus filhos que eu fui convidado para ir, eles eram muito pequenos. Minha ex mulher não deixa eu vê-los. Quero que ela perceba que eu realmente mudei e que hoje posso ser um bom exemplo para eles”, contou Vinicius com lágrimas nos olhos. A projeção de Vinicius para sua vida daqui a cinco anos é viver da melhor forma possível. Tendo adquirido sua loja de livros, localizada em baixo do viaduto da Avenida Borges de Medeiros. E com um carro, conquistado com o suor do seu trabalho, e não através do tráfico. Para os jovens e adolescentes que estão começando a vida, ele deixa um simples recado: “Escutem seus pais, eles só falam as coisas para o seu próprio bem. Eu não os escutei”. Texto Carol Steques
A Power Discos possui discos de todos os gêneros. Na foto, alguns clássicos, como “Brother Where You Bound”, da banda Supertamp, e “On The Night”, do Dire Straits
O poder do vinil Fundada em 2014, a Power Disco uma loja mais conceituada e procurada pelos colecionadores de todas as idades. Situada no fim da Fernando de Machado em Porto Alegre, a loja oferece todos os tipos de vinis, desde os mais antigos até os mais atuais. Os preços variam de acordo com o ano de lançamento do disco. Além de vender vinis, ele também vende aparelho de toca discos e agulhas. O proprietário Natanael Peres de 62 anos relata a sua vinda de Santa Maria para Porto Alegre, na tentativa de uma vida melhor. Ele conta que antes de abrir a loja havia trabalhado em outros lugares, como sapateiro, na sapataria que tinha com o seu pai. Natanael fala do amor que tem pela música, sempre está ouvindo algo, até na hora de dormir ele está escutando algum som. E a primeira coisa que ele faz quando abre a loja é ligar o toca disco. Quando coloca Pink Floyd algumas pessoas param na frente do estabelecimento para curtir a banda. Ele acredita que a música pode
GIULIA GODOY
Discos. No início vendia as bolachas no máximo 20 reais, porém hoje ele vende mais caro, pois a procura se tornou maior. Cada vinil custa entre 80 e 120 reais. “Hoje possuo 30.000 discos na loja, os mais vendidos são os de rock e MPB”, conta. Seu maior público é constituído por pessoas entre 15 e 30 anos. Quanto à situação do mercado de vinil, ele acha que mudou muito de uns tempos para cá, afirma que sim a mudança foi muito grande. Antes não era valorizado, o disco e acabava sendo jogado fora. Agora como está acabando, não restam muitos no mercado, ainda mais os Texto e foto Fernanda Garrido
antigos. Por isso o preço é alto. Os colecionadores de hoje não compram discos novos, pois sabem que a qualidade não é a mesma dos discos antigos. Segundo Natanael os compradores preferem discos da primeira edição, pois na segunda já se nota diferença. Hoje a bolacha é copiada de um cd, por conta disso que o som perde em qualidade. Sobre a indústria da música e como ele a vê hoje, acha que no passado o som era de boa qualidade, os músicos se empenhavam mais. Considera que antes os instrumentos eram caros, reconhece que hoje a qualidade
deles aumentou, mas no entanto a qualidades dos músicos, não. Ele acredita que a música mudou dos anos 80 para cá, haviam pessoas fazendo música boa naquela época, entre elas a Elis Regina, Cazuza e o falecido Belchior. Natanael conta que os estudantes de música vão à loja dele para comprar vinil antigo para poder estudar, pois acreditam que o som saía melhor, que se pode identificar os instrumentos, coisa que não acontece com os cds. Relata que se o cd fica uns dois anos parado, pegando sol e umidade ele já não funciona direito, enquanto que a bolacha permanece intacta. No final da entrevista ele me pergunta qual é a minha banda favorita e eu digo que são os Beatles, ele concorda e diz que a banda é ótima, me questiona também qual é meu Beatles favorito e eu comento que é Paul McCartney. Logo em seguida ele me mostra alguns discos e coloca para escutarmos o álbum Abbey Road. Algumas pessoas até param para dançar na frente da loja.
Lupa
Uma dragbar em Porto Alegre g Workroom,
pub inspirado em RuPaul’s Drag Race, inova e traz representatividade às drags e à comunidade LGBT
F
oi inaugurada no último dia 13 de abril a Workroom, a primeira dragbar do estado. E sim, a preferência é que ela seja tratada no feminino, segundo os seus criadores, Rodrigo Borges, Rafael Guedes e Gabriel Dreher. A proposta do ambiente é inspirada no famoso reality show norte-americano RuPaul’s Drag Race. No programa, existe a “workroom”, traduzida como “sala de trabalho”, um lugar onde drag queens se montam para competir em uma série de desafios. É a partir daí que o pub, localizado no bairro Cidade Baixa em Porto Alegre, apresenta uma estrutura parecida com o cenário do programa de televisão. São mesas que imitam penteadeiras, quadros referentes ao movimento popart e, ainda, paredes cobertas de espelhos. Segundo Rodrigo, o projeto teve origem partindo da ideia de construir um lugar que
também estivesse ligado a uma responsabilidade social: “Eu estava num bar com o Rafael, meu namorado, e começamos a imaginar como seria legal um lugar temático de RuPaul’s, até porque a cidade estava carente de um ambiente voltado ao público LGBT”, afirma. Ele, que é formado em Administração e sempre teve vontade de empreender, completa: “Para assistir shows de drags, a gente tem que ir em festas, então pensamos num lugar onde as pessoas estivessem sentadas, assistindo esses shows. Elas poderiam acompanhar os episódios de RuPaul’s ou até mesmo fazer lipsync”.
As noites no bar
Lipsync – traduzido como “sincronização labial” – é uma das marcas do universo drag, que consiste em performar uma canção a partir da dublagem. Na Workroom, todas as terças e quintas-feiras o público pode escolher uma música e interpretá-la, somente dublando, fazendo do microfone um mero coadjuvante. Para dar brilho em suas apresentações, os participantes também podem utilizar perucas, plumas e paetês. Nos outros dias há temas específicos, com apresentações
variadas de drag queens e drag kings da região. Drag king é o termo utilizado para definir a pessoa que tem uma personagem masculina, diferente da drag queen, baseada em uma personagem feminina. As noites no bar são: “A Noite dos Musicais”, “Brasilidades”, “Corrida das Loucas”, “Legendado ou Dublado?” e “Saturday Night Divas”. “A Noite dos Musicais” consiste na apresentação de drags performando números musicais da Broadway e da história do cinema. Já o dia das “Brasilidades” se resume a espetáculos caracterizados no tropicalismo brasileiro e, é claro, ao som de músicas cem por cento nacionais. “Corrida das Loucas” é uma competição musical entre drags, enquanto “Legendado ou Dublado?” caracteriza-se na reprodução de cenas de séries, novelas e filmes no palco da dragbar. Estas noites temáticas são alternadas entre quartas e sextas-feiras. O único evento com dia fixo é o “Saturday Night Divas”, que como diz o próprio nome, ocorre todo sábado. Ele nada mais é que um espetáculo das drags, caracterizadas como grandes nomes da música pop e cantando seus sucessos. Sobre as apresentações das drags, Rodrigo Borges diz: “Foi
pensado principalmente na qualidade delas, com ensaios sendo feitos todas as segundasfeiras. No início do projeto, nós as contatamos e apresentamos todas as atrações que teriam, para que elas decidissem o que queriam ou não fazer. Dessa forma, as drags que fazem a noite das Brasilidades, por exemplo, é porque realmente curtem a proposta daquela temática”.
Glamour e representatividade
“Acima de toda essa parte linda e glamourosa, este espaço cumpre um papel social muito importante em Porto Alegre”, fala a trompetista Ana Bernarecki, que estava em uma das noites de lipsync do local. Sua amiga, a estudante de Engenharia Ambiental, Bianca Castillo, completa: “A Workroom é um lugar onde as pessoas podem vir do jeito que quiserem, se vestirem como quiserem, serem o que quiserem. Além de poder dar voz para drags e para a comunidade LGBT”. Para Lo Litta, drag queen há 1 ano e meio e que já se apresentou na dragbar, a cultura drag é uma forma de expandir seus limites artísticos e criativos. Segundo ela, o pub traz o
sentimento de pertencimento e representatividade, além de renovar a cena drag, pois oferece mais possibilidades em apresentações e diversidade de público do que uma festa. O estudante de Ciências Biológicas Piethro Dutra foi na inauguração da dragbar e a caracteriza como um lugar de aceitação, onde todos são bem vindos e ninguém é julgado: “Você se sente bem no ambiente porque ele tem essa ideia de liberdade e de ser quem você é, diferente de festas, por exemplo. Nelas, até mesmo pessoas da comunidade LGBT acabam excluindo e julgando uma pessoa que é gorda, negra ou afeminada.” Em relação aos projetos futuros, Rodrigo declara que seria interessante utilizar o espaço da dragbar também na parte do dia, com oficinas de maquiagem, por exemplo. Além disso, o maior sonho dos proprietários é implantar filiais por todo o Brasil. A Workroom está aberta de segunda a quinta-feira, das 18h às 00h, e nas sextas-feiras e sábados entre 18h e 02h. É localizada na Rua Lopo Gonçalves, nº 364, no bairro Cidade Baixa em Porto Alegre. Texto e Fotos Felipe Vicente
O palco da Workroom também é utilizado pelo público nas noites de lipsync
A Workroom não tem distinção de gênero
O público pode utilizar perucas e outros acessórios nas noites de lipsync