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TRILHOS DA VIDA


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EDITORIAL

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á muitas vidas e histórias dentro do veículo longilíneo que passa em alta velocidade sobre os trilhos. Olhares que se cruzam, vozes que cantam e pessoas que se apaixonam fazem parte da rotina do trem, que vai e vem num ritmo acelerado. Observar o que se passa nos trens da Trensurb é dar a oportunidade de olhar a si mesmo. De alguma forma, todos nós, estudantes, funcionários e professores da Unisinos, temos uma relação com eles. Muitos só chegam à universidade por conta desse transporte. Outros, vivem em cidades cortadas pelos trilhos. É por causa dessa relação que os repórteres e fotógrafos da revista Primeira

Idas e vindas Impressão decidiram narrar diferentes trajetórias relacionadas ao trem. Dentro e fora dos vagões, tendo como ponto de referência uma das 22 estações, nasceram reportagens curiosas, como a da faxineira Isabel da Silva, que faz da Mathias Velho um palco para mostrar sua dança, e o texto sobre Carlos Siciliano, um senhor que troca cédulas de dinheiro por moedas e as distribui nas estações. Há também fatos ocorridos muito próximos das paradas. A repórter Carolina Zeni, por exemplo, revela a angústia de viver em casas irregulares nas imediações da Santo Afonso, enquanto o repórter Igor Mallmann aponta os desafios das empresas de reciclagem de lixo.

Deve-se ainda destacar reportagens com personagens inspiradores. Aos 95 anos, Juvenal da Cunha Silveira é um dos mais velhos taxistas de Porto Alegre e tem parte da sua vida revelada no texto assinado por Graziele Iaronka. As 22 reportagens, organizadas por estações, revelam o visto e o não visto. E, de alguma forma, se cruzam e se complementam - assim como a equipe que fez parte de todo esse trabalho jornalístico. Boa leitura. Anelise Zanoni Professora editora de texto Flávio Dutra Professor editor de fotografia JESSICA SANTOS

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ESTAÇÃO FARRAPOS: UM HOTEL FAMILIAR

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ESTAÇÃO ESTEIO: PALCO DA EXPOINTER

ESTAÇÃO SÃO LUIS: PRIMEIRA VIAGEM

ESTAÇÃO CANOAS: ESTAÇÃO VINIL

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ESTAÇÃO FÁTIMA: DE OLHO NAS OBRAS

ESTAÇÃO ANCHIETA: LUGAR DE SUSTENTO

ESTAÇÃO NITERÓI: JOGOS RETRÔ

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ESTAÇÃO AEROPORTO: HISTÓRIA FERROVIÁRIA

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ESTAÇÃO SÃO PEDRO: CULTURA DO ARROZ

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ESTAÇÃO RODOVIÁRIA: TAXISTA EXPERIENTE

ESTAÇÃO MERCADO: AMOR PELOS TRILHOS

ESTAÇÃO PETROBRÁS: O DESTINO DO LIXO

ESTAÇÃO MATHIAS VELHO: ELA SÓ QUER DANÇAR

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ÍNDICE


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ESTAÇÃO SAPUCAIA: SAPATEIRO DE SUCESSO

MATEUS FRIEDRICH

ESTAÇÃO LUIS PASTEUR: HIP HOP NO VAGÃO

ESTAÇÃO UNISINOS: FÉ EM PADRE REUS

ESTAÇÃO SÃO LEOPOLDO: MUSEU DO TREM

ESTAÇÃO RIO DOS SINOS: TRABALHO INFORMAL

ESTAÇÃO SANTO AFONSO: VIDA NAS OCUPAÇÕES

ESTAÇÃO INDUSTRIAL: CHECK-IN NO TREM

ESTAÇÃO FENAC: HOMEM DAS MOEDAS

ESTAÇÃO NOVO HAMBURGO: CENTÉSIMO CASAL

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ESTAÇÃO MERCADO

A TRENSURB TRANSPORTA CERCA DE 185 MIL PASSAGEIROS POR DIA E JUNTO CARREGA HISTÓRIAS DE PESSOAS QUE ENCONTRARAM O AMOR NOS TRILHOS DO TREM POR JACQUELINE SANTOS FOTOS DE VANESSA FONTOURA

No início da linha, o início do amor PRIMEIRA IMPRESSÃO

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A estação mais movimentada da Trensurb tem um papel especial tanto na história de Julia e Daniel (ao lado) quanto na de Karina e Gislaine (acima)

arina Freitas, 38 anos, estudante, quase desistiu de sair naquela noite quente de sábado. O recente fim do segundo casamento ainda abalava o coração. O incentivo da mãe pelo celular a manteve firme dentro do ônibus vindo de Viamão com destino a Porto Alegre, junto com o desejo de reencontrar uma amiga com quem havia perdido contato há anos. Essa amiga também convidou Gislaine Freitas, 45 anos, conferente de atacado. As três iriam para uma festa no bairro Azenha. Porém, Gislaine ainda não sabia da presença de Karina. O ponto de encontro do trio era a Estação Mercado. Já passava do horário marcado e apenas a estudante estava no local. Nisso, ela avistou outra mulher na estação. Imaginou ser a conferente de atacado, pela descrição previamente feita por sua amiga. Karina foi tomada

por um frio na barriga - comum quando precisamos falar com um desconhecido -, mas se aproximou e perguntou, “Tu é a Gislaine?”. A mulher de longos cabelos pretos ondulados respondeu em tom sério e desconfiado, “Sim, por quê?”. “Ela não era tão sociável quanto é hoje”, explica Karina, de forma divertida. Entretanto, ainda é a mais quieta do casal. A mulher de cabelos curtos e naturalmente grisalhos, contrastando com a pele morena, apenas pontua algumas situações, enquanto a estudante viaja pelos trilhos da história, relembrando aquela noite de verão, com uma incrível memória para datas e detalhes. Aquilo que sua mente

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não guarda, fica registrado em fotografias, uma de suas paixões. Desde aquele momento na estação, em 7 de janeiro de 2012, nunca mais se afastaram. Momentos depois, a amiga em comum das duas chegou e as três rumaram para um pub. Entre o movimento no local, com pessoas cantando em um lado e fazendo refeições em outro, as mãos de Karina e Gislaine levemente se encostaram e houve um rápido abraço. Além, é claro, dos registros fotográficos. “Era o legítimo namoro antigo”, lembra a estudante, enquanto sorri. Cerca de duas semanas depois, a mãe dela adoeceu em decorrência do consumo de cigarro. E, naquele momento, surgiu a pri-


meira demonstração de amor. Gislaine cuidou de Sarah Kally, filha do primeiro casamento de Karina, enquanto ela estava com a mãe no hospital. Foi nos momentos de dificuldade que o amor foi posto à prova, e o amor de Gislaine e Karina só se fortaleceu. Poucos dias depois, começaram a namorar. A ideia era de se casar após cinco anos, porém, quem disse que o coração faz planos? Em maio de 2012 firmaram uma união estável e em junho já estavam no cartório oficializando o casamento, com a presença da amiga que as uniu, que após esse dia, desapareceu novamente, e desta vez para sempre, como se tivesse cumprido seu papel em cruzar os destinos do casal.

AMOR EM JOGO

Naquela mesma estação de trem os trilhos da vida uniriam outras duas histórias. “Não gosto de ninguém, não sinto nada por ninguém”, lamentava Julia André, 19 anos, para a sua tia. Como num presságio, a garota de cabelo laranja e tatua-

gens negras contrastando com a pele branca, ouve da familiar, “Calma, a tua hora vai chegar”. Apesar de ser verão, a temperatura estava levemente baixa na capital naquela quarta-feira, dia 2 de março. Julia usava uma blusa de manga comprida preta e calça. Esperava uma carona de seu pai para voltar para casa, em Canoas, como geralmente faziam. Porém, nesse dia, as coisas não saíram como o planejado. Teria que voltar de trem para a cidade. O que deixou a jovem irritada. Daniel Warlet, 29 anos, torcedor do Grêmio, não costumava ir de trem aos jogos na Arena. Seu apartamento fica perto da avenida Farrapos, em Porto Alegre, então pegava um ônibus ali e ia direto ao estádio. Mas um encontro com amigos na Estação Mercado para irem juntos ao jogo mudou a rotina. Era em torno de 15h30min quando ele avistou uma garota descendo as escadas da estação e imediatamente ficou encantado. Tentou uma aproximação frustrada na fila da bilheteria. “Dei-

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xa que a gente paga a tua passagem”, informaram os amigos. Ela percebeu os olhares do alto jovem de olhos azuis, barba rala e cabelo levemente comprido, mas não acreditou. “Será que tem alguma coisa errada comigo?”. Não queria olhar para trás pra não demonstrar que estava interessada, mas caminhou lentamente para que Daniel pudesse avistar em qual vagão ela entraria. O plano deu certo e, como recompensa, Julia ganhou um sorriso. Entre a Estação Mercado e a Estação Anchieta, que dá acesso à Arena do Grêmio, são apenas quatro paradas. Não havia muito tempo. Mesmo assim, ela permaneceu em seu lugar. “Eu queria falar com ele, mas não sabia se ele iria falar comigo”. Daniel estava preocupado com a expressão séria da garota, achava que ele e os amigos estavam fazendo muito barulho no vagão. Consciente de que a viagem logo acabaria, arriscou um largo sorriso na direção de Julia, que começou a rir escandalosamente.


Um alívio tomou conta do jovem ao perceber que não era a causa da seriedade da moça, de cabelos ruivos. Finalmente podia se aproximar sem receio. Ao avançar pela composição, que não estava lotada, os olhares dos demais passageiros acompanharam Daniel, como um torcedor acompanha ansioso o lance do seu time. Até a Estação Anchieta foram alguns minutos de conversa e troca de contatos. Na despedida, um tímido e voraz beijo entre a boca e a bochecha, e o gremista sentencia antes de deixar o vagão, “Tu vai me dar sorte hoje”. Naquela noite, não só o time venceu, mas também o amor do casal, que segue junto até hoje.

APOIO VIRTUAL

Assim como muitas pessoas conseguem ter iniciativa e se aproximar para tentar iniciar uma relação, seja ela qual for, outras tantas acabam apelando para as redes sociais, mesmo que isso seja muito mais difícil. Segundo Luan Paris Feijó, doutorando em Psicologia Clíni-

ca pela Unisinos, não existe um público específico para o uso da tecnologia, mas esse público pode seguir por dois caminhos. O primeiro deles por uma questão emocional, relacionada à timidez, ao medo da exposição e à dificuldade de comunicação, também influenciada pelo anonimato, em que as pessoas se sentem aliviadas por não serem julgadas pelo que escrevem e assim conseguem se expressar. A segunda possibilidade envolve fatores de grupalidade. “Aqueles que, por um fenômeno social, por ser a modinha da época, acabam utilizando. É o que muitos estudos chamam de “modernidade líquida”. Que é tudo mais rápido, mais fácil. Necessariamente, essas pessoas não vão ter um problema de saúde mental mais específico.” Seja pelos meios virtuais ou pessoalmente, o trem segue sendo palco de muitos encontros e a Estação Mercado, a mais movimentada de todas, marca não só o começo da linha, como o começo de grandes histórias. PRIMEIRA IMPRESSÃO

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER No início do processo de produção da reportagem tive dificuldades para definir um tema e, posteriormente, para encontrar minhas fontes. Todo estudante de Jornalismo sabe dos obstáculos que enfrenta por ainda não estar formado. Porém, após superados os transtornos, vieram as recompensas que a prática do jornalismo oferece. Tive a oportunidade de conhecer pessoas com histórias de vida que iriam muito além destas páginas. Pessoas que confiaram e permitiram uma desconhecida entrar em seus lares. Também conheci por dentro uma empresa que sempre tive curiosidade, que é a Trensurb, além de ouvir as histórias dos seguranças do trem, os verdadeiros guardiões do transporte. Quem vê o trem na sua rotina de embarques e desembarques, não imagina as situações – muitas vezes de vida ou morte – pelas quais eles passam diariamente para manter a ordem e cuidar dos passageiros. Realizar uma grande reportagem é sempre um desafio, mas também muito gratificante.


ESTAÇÃO RODOVIÁRIA

Com 95 anos, Juvenal, celebridade na rodoviária de Porto Alegre, esbanja simpatia e orgulho de ser um dos taxistas mais velhos do Brasil

O coração das chegadas e partidas PRIMEIRA IMPRESSÃO

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m vai e vem de malas. O passo apressado em busca das passagens de ida ou de volta movimenta os corredores do grande saguão. Olhares esperançosos, outros nem tanto. Repleta de histórias, a rodoviária de Porto Alegre ganha vida nas palavras de quem a vivencia todos os dias. Personagens reais fazem o cotidiano dos passageiros tomarem rumo. Localizada na entrada da Capital desde 1970, é na rodoviária que Juvenal da Cunha Silveira, mais conhecido como Seu Juvenal, conta sobre a vida de taxista. Com 95 anos feitinhos e energia de um garoto, ele faz parte da frota de táxis do local desde 1982. Antes de entrar no mundo das corridas, era mecânico torneiro. Ao contar sobre a carreira de 57 anos, ele explica a mudança de profissão: “ah, aqui é mais livre, não tô preso na oficina”. Mas a liberdade tem limite e está dentro de Porto de Alegre. Com a identificação 4284 no táxi, Juvenal não gosta de corridas longas. “Nunca chega. E depois o carro volta vazio”, explica. Entretanto, quando a viagem é sem passageiro, o assunto é outro. “Aí sim. Quando meu neto morava em Pelotas eu sempre ía. Mas não pros outros”, brinca. Com a ajuda dos amigos da frota, o taxista lembra vagamente do carro que iniciou na rodoviária: um Fusca vermelho ibérico. Entretanto, o primeiro carro que teve na vida, ele não apenas lembra, como tem uma matéria com a foto do carro. “O primeiro carro que eu tive foi esse aqui: um Pontiac A 40 preto, de quatro portas. A identificação era 142080, eu trabalhava na esquina da São Pedro”, fala apontando para a foto. Bom de papo, Juvenal deixa clara a importância da rodoviária para sua rotina “Na rua tem que estar procurando serviço, parado. Aqui sempre tem passageiro”. Mas nem tudo foi tão bem assim na profissão do senhor de cabelos grisalhos. Ele foi assaltado seis vezes em 57 anos. “Isso é normal, não tem quem não foi assaltado no Brasil”, ressalta. O número de passageiros que o taxista transporta pela Capital vêm diminuindo. Segundo o diretor de operações da rodoviária (Veppo), Giovanni Luigi Calvário, 59 anos, isto ocorre em todos os modais, não apenas na rodoviária de Porto Alegre. Um dos motivos é o econômico, e outro a tecnologia, detalha o diretor. Diante das dificuldades, Juvenal abre o sorrisão “Eu sou o taxista mais véio do Brasil! Aqui na rodoviária, eu sou celebridade, todo mundo gosta de mim”. Com uma rotina das 7h às 11h e das 14h às 17h, ele não pensa em largar o táxi tão cedo. “Pretendo trabalhar até onde dá. Agora, na minha idade, minha carteira é renovada de um em um ano. O dia em que a psicóloga me disser que não dá mais, eu fico em casa parado esperando a morte”, conta aos risos.

RODOVIÁRIA DE PORTO ALEGRE É CENÁRIO DE INÚMERAS ROTINAS HÁ MAIS DE 40 ANOS POR GRAZIELE IARONKA DA SILVA FOTOS DE FRANCIELE ARNOLD

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Considerado o maior e mais moderno prédio da América do Sul nos anos 70, a Rodoviária de Porto Alegre ganha vida por meio de histórias como a de Marlei (acima)

PARA CADA PAPEL, UMA HISTÓRIA

Em uma sala repleta de fotos de cidades turísticas do Rio Grande do Sul, viajantes do Estado e de fora do país passam todos os dias. É nessa sala que também está Marlei Lazzarotto Oliveira, 53 anos, responsável pelas informações turísticas da rodoviária da Capital. Com sotaque porto-alegrense bem carregado, ela conta com carinho sobre o amor ao turismo, que começou em abril de 1997, na rodoviária. “Fiz um concurso público para a Secretaria de Turismo do Estado. Chegando aqui, eu fui me apaixonando pelo trabalho”, enfatiza. Dedicada, ela conta que as pessoas que vêm realmente a turismo, tem grande expectativa em conhecer o Rio Grande do Sul e que, além das belezas naturais, querem prestigiar não só a gastronomia, mas também os trajes tradicionalistas. “Quando chegam em Porto Alegre, eles pensam que vão me encontrar vestida de prenda e que eu estarei com um gaúcho ao lado, e que nós vamos sair dançando um chamamé”, brinca. A atual sala, concedida na Copa do Mundo, em 2014, traz à tona uma história marcante que Marlei vivenciou, a qual destaca a importância não só da rodoviária, mas também do trem. “Na Copa do Mundo, em 2014, eu nunca vou esquecer: teve uma família de 16 pessoas do Peru, que só queria andar de trem. Eles andaram por todos os lados. Ficaram apaixonados”, relata. Em pequenos papéis presos por clipes, ela anota o nome, telefone e a informação que cada pessoa solicitou. Segundo ela, é uma forma de controlar quem passa por ali. As anotações dos papéis, infelizmente, não mostram apenas histórias felizes da grande rodoviária. Marlei explica que muitas pessoas pedem auxílio para voltar às cidades de origem, pois a Capital não era o que essas realmente esperavam. Ao ser questionada sobre o que viajar significa, ela dá dois sentidos: “viajar no primeiro momento tu lembras de felicidade. Mas nem sempre. Muitas pessoas vêm para tratar o câncer, para cuidar de um doente, para enterrar um familiar na Capital. Ou imigrantes, que buscam por uma vida melhor e não encontram”. PRIMEIRA IMPRESSÃO

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ALÉM DO GRANDE PRÉDIO

Por trás de uma grande estrutura, há muitas histórias. Quando inaugurado em 28 de junho de 1970, o prédio da rodoviária, em questão de arquitetura e funcionamento, foi considerado o maior e mais moderno da América do Sul. Desde lá, a rodoviária vem sempre sendo a primeira em muitos aspectos, explica Luigi. Há 38 anos no cargo, ele traz exemplos para os motivos do pioneirismo da rodoviária “em 1 de dezembro de 1980, nós informatizamos a venda de passagem. Já em maio de 1981, fizemos os primeiros quatro guichês de passagem pré-impressa por computador. Depois em 1 de setembro de 1989, nós colocamos a venda de passagem automatizada e com a primeira loja na rodoviária”. As mudanças para ajudar os usuários não param. Segundo Luigi, hoje a Veppo disponibiliza a compra pelo celular, e o usuário escolhe a poltrona, o horário, a forma de pagamento. Entretanto, os passageiros ainda precisam passar no guichê para imprimir o bilhete. O diretor de operações explica que em breve novas mudanças nesse sistema serão feitas.

REFORMAS EM DEBATE

O grande coração de idas e chegadas necessita de reforma. O diretor de transportes rodoviários do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER), Lauro Roberto Lindemann Hagemann, expli-

ca que a discussão é necessária. “O prédio está com mais de 50 anos. Nós precisamos de alguma forma atualizar o conceito. Hoje temos outros dispositivos, há a legislação da acessibilidade, e uma série de coisas que precisamos olhar de uma forma mais abrangente. Claro, que, à medida que foram surgindo as necessidades, a legislação foi alterando e a nossa concessionária foi se atualizando também”, esmiúça. Entretanto, para essas reformas, são necessárias algumas análises. Conforme explica Hagemann, é preciso ver a questão do fluxo, a localização do comércio, ou seja, uma leitura nova das necessidades que a sociedade impõe. Para esse tipo de mudança, é preciso uma atribuição do concedente, que é o Estado, explica o diretor do DAER. “Hoje existe uma discussão. Nós já recebemos algumas propostas que contemplam essa reforma, só que isso envolve um processo também, que é delicado, que tem que renovar a concessão. Então, seria necessário passar por um processo licitatório, que renova a concessão, e a Veppo precisará participar desse processo para permanecer”, explica. Luigi completa que enquanto essa reforma de estrutura não é feita, outras mudanças são realizadas, como por exemplo a facilitação da compra de passagens. Sem saber a data para as mudanças da estrutura da rodoviária, Seu Juvenal ao ser questionado sobre as reformas reivindiPRIMEIRA IMPRESSÃO

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cadas pela população responde “O povo reclama demais, nunca tá feliz com nada”. Com quase um século de vida, se depender da força e disposição do taxista, ele ainda verá as melhorias no espaço que ocupa uma boa parte das suas memórias.

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Sempre gostei de pautas que dão trabalho. Reclamamos das dificuldades, mas no fim comemoramos as histórias incríveis que encontramos durante a construção da reportagem. Ligar muitas vezes para as mesmas fontes nunca foi um problema para mim. Entretanto, neste trabalho, a busca foi um pouco mais difícil, pois eu queira pessoas que conhecessem o local desde o início. Algumas desistiram e outras remarcaram muitas vezes. Mas entre um telefonema e outro, tive a oportunidade de conviver com figuras importantes para a história de Porto Alegre. Além disso, pude conhecer mais sobre o espaço que também fez parte da minha infância, tempos em que o meu maior passeio era ir para casa dos meus avós em Maquiné. Em meio a tantas ligações de “marca/desmarca”, percebi que a insistência é o caminho para fontes cheias de histórias. Seu Juvenal, Marlei, Giovanni e Lauro foram pessoas importantes para a construção da reportagem sobre a Rodoviária de Porto Alegre: o coração de idas e chegadas da Capital.


ESTAÇÃO SÃO PEDRO

A vida de grão em grão NO RIO GRANDE DO SUL, 232 MIL PESSOAS VIVEM DIRETA OU INDIRETAMENTE DO CULTIVO DE ARROZ POR PAOLA CUNHA. FOTOS DE PATRICIA NUNES

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e acordo com a ciência da Astronomia, a primavera no hemisfério sul começa no equinócio de setembro e termina no solstício de dezembro, marcando assim o início do verão. É quando um dos hemisférios da Terra está inclinado em direção ao Sol, recebendo maior quantidade de raios solares. Esse é o período ideal, de temperaturas elevadas, que agricultores brasileiros fazem o cultivo do arroz. Considerado um dos alimentos mais importantes para a nutrição humana, sendo a base alimentar de mais

de três bilhões de pessoas, o arroz é o segundo cereal mais cultivado no mundo, ocupa área aproximada de 168 milhões de hectares. A produção de cerca de 740 milhões de toneladas de grãos em casca corresponde a 29% do total de grãos usados na alimentação. China, Índia, Indonésia, Bangladesh, Vietnã, Tailândia, Myanmar, Filipinas, Brasil e Japão são os dez maiores produtores de arroz no mun-

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do. No Brasil, o Rio Grande do Sul se destaca como o principal produtor nacional, sendo responsável por em torno de 70% do total produzido no país, seguido por Santa Catarina. A quase totalidade da produção no RS e em SC apresenta grãos de classe longo-fino, com alta qualidade de cozimento, características exigidas no mercado brasileiro, principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Assim como os trilhos do trem


percorrem inúmeras estações pela Região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul o arroz é cultivado em lavouras de 131 municípios localizados na metade sul do Estado gaúcho, onde 232 mil pessoas vivem direta ou indiretamente da exploração dessa cultura.

DA CABEÇA AOS PÉS

Chapéu na cabeça, botas nos pés, luvas nas mãos, formam o trio

de acessórios necessários para que os produtores possam se infiltrar nas lavouras, onde o cereal é plantado, cultivado e colhido. O chapéu é obrigatório para proteger das altas temperaturas do verão. As botas também são indispensáveis para não se molhar, já que o arroz é irrigado e mantido sob a água. As luvas, apesar de também serem uma segurança básica, muitas vezes são dispensadas, já que as mãos livres PRIMEIRA IMPRESSÃO

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são muito mais ágeis do que revestidas de algum tipo de proteção. Em Porto Alegre, a cerca de 300 metros da Estação São Pedro, está o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), entidade pública responsável por promover o desenvolvimento sustentável do setor orizícola (relativo à cultura do arroz) do Rio Grande do Sul por meio da geração e da difusão de conhecimentos, informações e tecnologias, bem


como propor políticas de interesse setorial e do consumidor. Segundo o engenheiro agrônomo e assessor técnico da diretoria do Irga, Athos Gadea, o Estado é dividido em seis regiões produtoras, o que equivale a 1 milhão de hectares. São elas: Fronteira Oeste, Zona Sul, Campanha, Depressão Central, Planície Costeira Interna e a Planície Costeira Externa, que abrange todo o litoral gaúcho. Gadea, enquanto segura em uma de suas mãos a cuia de chimarrão, mostra no mapa do Rio Grande do Sul a parte do Planalto e da Serra que, segundo ele, ficam as áreas de plantio de soja e trigo. Na metade Sul do Estado, predominam as zonas das terras baixas onde se cultiva o cereal. “Se estabeleceu nessas regiões, porque são as extensões mais ricas em questão de água, pois o arroz é a cultura irrigada”, explica Gadea, que afirma ainda que a planta é do verão, tendo o período de outubro até os primeiros 20 dias de novembro como a época ideal para o plantio dos grãos. Geralmente, 20% das lavouras são semeadas em setembro, 30% em outubro, e os outros 50% no mês de novembro. “A gente inicia o processo de semeadura a partir do mês de setembro, ou seja, na

primavera a gente pode começar a plantar, e 30 ou 40 dias depois, essa lavoura já começa a receber água. No final do ano, o arroz já começa a criar flores, frutificar, e dar os grãos. Já a colheita inicia em março, abril e às vezes se estende a maio”, exemplifica o engenheiro. Atualmente, essa é a cultura com maior potencial de aumento de produção e responde pelo suprimento de 20% das calorias consumidas na alimentação de pessoas no mundo. O arroz é rico em carboidratos, fontes importantes de energia para nosso organismo e que ajudam a manter a integridade funcional do sistema nervoso, desenvolver e restaurar tecidos e manter as funções vitais. Flávia Miyuki Tomita, engenheira agrônoma e pesquisadora da Estação Experimental do Arroz em Cachoeirinha, é a primeira mulher a assumir a gerência da Divisão de Pesquisa do Irga. Natural de Araçatuba e concursada desde 2014, o sotaque do interior de São Paulo ainda é bastante presente, apesar de Flávia já estar superadaptada ao solo gaúcho. Segundo a engenheira, a estação experimental é responsável pelo processo de melhoramento do grão. “Aqui nós temos as seções que vão desde a extração rápida do DNA em

sementes de arroz até o processo de melhoramento do cereal nas lavouras”, explica a pesquisadora. O arroz regula o funcionamento do intestino, bem como reduz o risco de câncer sobre esse órgão. Auxilia ainda na prevenção de doenças dos sistemas digestivo e cardiovascular. O óleo desse alimento - orizanol - reduz o colesterol. O integral ou parboilizado integral ajudam a perder peso. O integral contribui para a eliminação do excesso de líquidos no organismo. “Estamos vencendo a imagem equivocada de que o grão engorda, faz mal, e mostrando os benefícios que traz”, destaca a nutricionista Carolina Pitta. Um debate bastante comum sobre o arroz é se ele deve ir em cima ou embaixo do feijão. Eis que no Caribe e na Flórida, ele recebe a denominação de Congrí, em que o costume é servir o feijão sobre o arroz. Na preparação em conjunto, destaca-se o prato baião-de-dois, encontrado no nordeste brasileiro. Outra curiosidade é que essa combinação do feijão com o arroz traz como principal benefício, a chamada ação sinérgica dos aminoácidos essenciais: a metionina do arroz e lisina do feijão. Já em lugares como Equador, Cuba e Costa Rica, a combinação recebe os nomes Moros y Cristianos, devido às colorações dos seus constituintes. Na Costa Rica, o prato típico nacional de arroz com feijão é o Gallo Pinto, por ser servido com frango e ovo. Já na Ásia e na Califórnia, é cultivado o Black and Red Grain, um grão exótico de casca e película com as cores externas preta e vermelha. Seu aspecto decorativo se une à mistura com outros grãos de arroz convencionais. O tradicional arroz branco é o de maior consumo no mundo, com destaque por participar da dieta de muitos asiáticos, como os chineses e japoneses. Difundiu-se mais após a Revolução Industrial,

Flávia é engenheira agrônoma e pesquisadora da Estação Experimental de Arroz em Cachoeirinha

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quando a mecanização permitiu menor esforço para o polimento a um menor custo final, além de ir substituindo gradativamente o integral, de menor vida útil.

ARROZ EM CASCA

A casca do arroz é uma camada externa à parte comestível do grão. Sua principal e mais direta aplicação é como combustível, sendo importante para suprimento da energia térmica demandada pelo engenho, como ocorre na secagem. A utilização da casca e o universo dos subprodutos dela são muito amplos, variando desde a utilização direta como cama para aves até o aproveitamento de seu silício na indústria em eletrônica. A partir disso, podemos dizer que o arroz em casca é o produto que antes do beneficiamento não passa por qualquer preparo industrial ou processo tecnológico. Ou seja, pela definição se trata do produto tal como vem do campo, após ser colhido, sendo fisiologicamente desenvolvido e maduro.

1001 UTILIDADES

Contudo, o que a maioria não deve saber são as múltiplas faces do arroz. Um dos principais ingredientes da culinária mundial, está

mais presente no nosso cotidiano do que imaginamos. Cerveja, álcool e papel são alguns dos consumíveis mais utilizados pelo ser humano contemporâneo. A cerveja de arroz, por exemplo, é fermentada com a participação do grão como fonte de amido e açúcares. “Alguns alemães conservadores consideram um “sacrilégio” usar qualquer coisa além de água, lúpulo e cevada maltada. Isso em função do preceito da pureza dos cervejeiros alemães do início do século XVI”. É o que afirma o engenheiro químico e Pesquisador-Colaborador do Laboratório da Universidade Federal de Pelotas, Gilberto Wageck Amato, em seu livro “Arroz de A a Z”, de 2017. De acordo com o exemplar, o grão tem entrado em formulações de cerveja e ocupado espaço importante no mercado mundial. Os apreciadores de “cerveja de arroz” ressaltam seu sabor neutro e sua suavidade, os quais não impactam no sabor e aroma do malte. “Diz-se que o ideal para a produção de cerveja é o grão curto, porém existe aí uma confusão entre causa e efeito. Ocorre que os grãos curtos têm, em geral, baixa amilose e facilita a fermentação”, comenta o autor. Já o álcool de arroz é utilizado em produtos de alto valor agregado, como nas áreas de perfumaria e medicamentos, devido sua pureza, praticamente isento de constituintes geradores de cor, aroma e sabor. Outro elemento do nosso dia a dia é o papel, que pode ser feito a partir de uma massa confeccionada de farinha de arroz e água, ou de palha também. Nas cozinhas vietnamitas e tailandesas, por exemplo, serve de revestimento para os rolinhos primavera. Assim como em festas de aniversário, ele aparece em papel colorido para enfeite de bolo com dizeres e desenhos temáticos, técnica originária do Japão.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER Quando li o livro Jornalismo Literário do Felipe Pena, considerei que seria “fácil” escrever uma reportagem com as duas vertentes: jornalismo + literatura. Pensei que o simples fato de ler tantos livros, pudesse facilitar a construção dessa narrativa. Entretanto, apesar das dicas e técnicas apresentadas por Pena, o fazer jornalismo literário não tem nada de trivial, pelo contrário, é um trabalho árduo. O repórter deve ser observador, minucioso nos detalhes, e para isso precisa deixar o óbvio e a objetividade de lado. Muitas vezes a gente sai para a pauta com diversas ideias na cabeça, outras vezes não. Meu primeiro passo para essa pauta foi pesquisar lugares relevantes próximo à Estação São Pedro. Eis que dei de cara com o Irga e não quis mais largar a pauta. Foi aí que talvez eu tenha “me perdido”, pois não busquei outras opções, e deixei a praticidade tomar conta da minha reportagem. Talvez a minha matéria não seja a mais interessante que vocês vão ler nessa edição da PI, mas conhecimento sobre algo nunca é demais, não é mesmo?! Ela também não é um modelo de jornalismo literário, mas ainda acredito que mesmo que uma pauta tenha “saído” dos trilhos, ela pode levar o leitor ao seu destino certo, o da informação.

Extração de DNA de sementes de arroz

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ESTAÇÃO FARRAPOS

HOTEL ROMA RESSIGNIFICA HISTÓRIA FAMILIAR QUE SE REFLETE EM CADA DETALHE DO LUGAR POR VANESSA SOUZA FOTOS DE FRANCIELE ARNOLD

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Roma não fica em Roma, mas em Porto Alegre. Mais precisamente na esquina da Avenida Farrapos com a Rua Coronel Dico de Barros. O ponto de referência é a Estação Farrapos. De algumas janelas, assiste todos os dias o vaivém

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do trem, as chegadas e partidas, o movimento frenético do cotidiano. O Hotel Roma já viu muita gente ir e vir. Gente ficar por muito tempo e ir embora rápido. Já viu gente voltar. É, definitivamente, um lugar de gente. Também foi testemunha ocular de muitas transformações e se transformou. Em outros tempos (e em outro “corpo”), abrigava uma clínica médica. Hoje, abriga as histó-


Uma casa para quem está de passagem

rias de gente que por lá passa. Sua fundação ocorreu há quase 40 anos, em 1980. Mas basta conhecer Célia Pinheiro para entender que a história começou muito antes. A matriarca da família que construiu o lugar, hoje com 74 anos, reflete na ternura dos profundos olhos azuis toda a essência do Hotel Roma: um lugar para se sentir em casa, fora de casa. Quando saiu de Ve-

nâncio Aires, região central do Estado, para tentar a vida na Capital junto com o marido, Victor Pinheiro, e os dois filhos, Victor e Cátia, já trazia na bagagem o prazer por servir as pessoas. No posto de gasolina do marido, ainda no interior, ela era a responsável pela lancheria. Fazia questão de não deixar nenhum caminhoneiro que por ali parasse voltar para a estrada sem um justo café da manhã. Célia é cozinheira de mão cheia, aprendeu tudo ainda pequena. Ao chegar em Porto Alegre, em 1976, a família abriu o antecessor do Roma, um hotel que ficava no centro PRIMEIRA IMPRESSÃO

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da cidade. Quatro anos depois, o Hotel Roma nasceu em parceria com um sócio argentino, que o batizou dessa forma. Até hoje Célia não sabe o porquê do lugar carregar o nome da capital italiana. No entanto, a escolha se tornou uma despretensiosa jogada de marketing: muitas pessoas relacionavam o Hotel Roma com o jogador de futebol Falcão, que jogou no Roma.


Victor e Célia comandam o Hotel Roma, que está na família desde o início, há 38 anos

Naquela época, Victor, o filho, tinha 11 anos. Hoje, comanda o lugar onde cresceu. Célia segue ao lado dele. O pai, que deu vida ao lugar, faleceu em 2008, vítima de um câncer. O filho deu sua juventude e hoje comanda o lugar. Célia sempre deu o afeto, expressado de várias maneiras. O Hotel Roma, por sua vez, guarda com carinho todas as memórias deles. Que não são poucas. Nos quase 40 anos de vida, o lugar viu o bairro Floresta se transformar. Testemunhou o 4º Distrito ser esquecido, lembrado e revitalizado. Viu um lugar maltratado ganhar vida novamente - e até contribuiu para isso. Estava lá quando empresas chegaram e partiram. Na construção do Trensurb, abrigou em seu primeiro vislumbre a Estação Farrapos. Abrigando, também, os operários que a construíram. Hoje em dia, a estação faz com que mais hóspedes cheguem - e com que alguns até peçam a vista do quarto para ela. A proximidade com o centro

da cidade, o Aeroporto Salgado Filho e a ligação que o trem faz entre os dois, faz da localização do hotel muito providencial aos homens de negócios e aos trabalhadores que estão de passagem.

TEMPO, TEMPO, TEMPO, TEMPO…

Em 40 anos, a cidade e as pessoas se transformaram. O Hotel Roma, também. Com 30 quartos, divididos em três andares do prédio anguloso da esquina 4001, o lugar, hoje em dia, traz na fachada um grande “R” branco com grafismos azuis. O nome do local está disposto na vertical de toda curva da esquina do prédio. Na entrada, palmeiras estão dispostas pela calçada, um grande vaso com cactos em uma primeira entrada de grandes portas marrons, que ficam fechadas. Vasos brancos, pregados na parede exibem plantas diversas e imponentes Espadas de São Jorge. Passando o toldo, que abriga a porta de entrada, mais vasinhos nas paredes.

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Inicialmente, o lugar oferecia apenas o café da manhã, preparado com empenho por Célia. O que não a deixava satisfeita. Ora, uma cozinha parada? Eu posso fazer mais! Foi então que, em 1991, ela resolveu abrir o restaurante do Hotel Roma, batizado de Pinheiro, mas conhecido como “vamos almoçar ali no Roma?”. Com a “comida de mãe” de Célia, não demorou muito para o lugar se tornar um sucesso e ganhar fama na cidade. A decoração do espaço é um misto de memórias de família e de viagens. Há quadros com dizeres, pratos decorativos na parede, reportagens em que o lugar foi notícia, devidamente enquadradas e penduradas, fotos da antiga cidade e da família de Célia. Há também um mural com fotos das pessoas importantes que por ali passaram - grandes cozinheiros e amigos. A comida, servida em grandes pratos, é simples, como Célia faz gosto de frisar. Mas o sabor está para além de qualquer papila gus-


tativa, está do cuidado e no afeto. “É simples e bom”, ela frisa mais uma vez. Não tem esse negócio de reaproveitar, ou requentar, ou grande escala. “Na casa da gente, não fazemos a comida todo dia? Por que aqui seria diferente?” É feito - e muito bem feito todo o dia uma comida novinha, artesanal, com os ingredientes escolhidos por Célia e a preparação supervisionada por ela. Não satisfeita, ainda serve as mesas e se certifica de que todos estão bem. “Quer mais alguma coisa, meu anjo”? Célia tenta ser uma espécie de mãe que invade as rotinas corridas. E que as quase 70 pessoas que passam diariamente pelo restaurante têm o prazer de conviver. Célia dá o tom de lar ao Hotel Roma. O lar que a gente passa. Não é à toa que Almo Bento passou e por lá está há quase 15 anos. Aposentado, sem filhos, solteiro e vindo do interior, o senhor de 68 é quase que parte do Hotel Roma. Célia diz que ele está lá há tanto tempo porque

quer conforto, serviço de quarto, comida sempre servida. Eu acho que é porque ele quer um lar. Ter as frutas separadas na geladeira esperando por ele todos os dias de manhã e para o lanchinho da tarde, após o tradicional passeio pela cidade, atravessa o conceito de conforto. É coisa de lar. Ter uma pessoa como Célia, que faz isso por ele, supera o conceito de hóspede. É amizade. Almo é tão apegado ao lugar que, mesmo depois de sofrer um acidente, quando caiu e se machucou feio, não quis ir embora para os cuidados dos irmãos, que residem em Santa Cruz do Sul. Só mesmo depois de muita insistência é que Aldo partiu. Mas deixou no hotel as suas coisas e o quarto reservado, pois pretende voltar. Deixou lá também a sua saudade. O Hotel Roma reflete a história de quem o compõe - e se constrói em torno de gente. De todos os tipos e lugares, de vidas que ninguém vê - mas o lugar que as hospeda, vê. Quanta coisa cabe no cotidiano? Quanta coisa a gente parou de prestar atenção? Quantas coisas surpreendentes podem guardar os lugares comuns? Quanto afeto cabe em uma senhora? Quanto conforto cabe em um quarto e em um prato de comida? As perguntas com respostas imensuráveis são as que valem a pena ser feitas. E respondidas. O Roma não fica em Roma, fica no cotidiano, na paisagem de todos os dias, naquela esquina que a gente passa, na surpresa de descobrir que um hotel pode ver e guardar mais do que imaginamos. PRIMEIRA IMPRESSÃO

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER O desafio de encontrar histórias comuns e transformá-las em uma coisa singular foi algo novo e muito enriquecedor para mim. Quando se contam histórias do cotidiano, de lugares pelos quais passamos todos os dias, o nosso olhar acaba ficando mais sensível para o que nos rodeia. O exercício de ir atrás de uma pauta sem nenhuma ideia pré-estabelecida, me fez perceber como nós perdemos, muitas vezes, chances de conhecer coisas incríveis por estarmos agarrados às nossas certezas. Conhecer a história do Hotel Roma, da Célia e do Victor, me fez abrir os olhos para isso. Um lugar que se mantém e se reinventa em um mundo de coisas cada vez mais descartáveis. A opção por uma simplicidade que carrega a grandeza das coisas que realmente importam. O Hotel Roma carrega tudo isso e, para mim, é uma felicidade encontrar lugares assim pelo caminho. Toda a pessoa e todo o lugar tem algo a dizer, e aprender isso é essencial na vida de um repórter.


ESTAÇÃO AEROPORTO

Ponto de partida de

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uma história

A ANTIGA ESTAÇÃO FÉRREA DIRETOR AUGUSTO PESTANA, ÚNICA AINDA VISÍVEL EM PORTO ALEGRE, É A MEMÓRIA VIVA DA TRAJETÓRIA DO TRANSPORTE FERROVIÁRIO NO RIO GRANDE DO SUL POR VICTÓRIA LIMA. FOTOS DE PATRICIA NUNES Quem vai chorar, quem vai sorrir ? Quem vai ficar, quem vai partir ? Pois o trem está chegando, tá chegando na estação

“Q O Trem Das 7, Raul Seixas

uando ele c o m e ç a va a sair, era aquele tuck, tuck, tuck, tuck e ia aumentando confor me ele ia pegando pressão”, conta o aposentado Inácio Rodrigues dos Santos, 86 anos, sobre o barulho dos trens que saíam da Estação Ferroviária Diretor Augusto Pestana, em Porto Alegre, para o interior, no século passado. Atualmente, o prédio da estação está desativado, mas ainda guarda detalhes de uma história marcante para o Rio Grande do Sul e o Brasil: o transporte ferroviário. Caminhando sobre o prédio da Augusto Pestana, noto as marcas do tempo: uma placa com letreiros antigos, a elevação mais baixa que das plataformas da Estação Aeroporto, da Trensurb, localizada ao lado. Os trilhos, que antes serviam de passagem para pessoas e cargas, hoje competem o espaço com o gramado. A estação foi inaugurada em 1874, quando se chamava Gravataí, e só foi titulada de Dir. Augusto Pestana em 1934. Seu funcionamento chegou ao fim em 1995. O barulho que se ouve não é mais das locomotivas, somente dos


Augusto Pestana, que dá nome à estação, foi engenheiro e importante figura para o transporte ferroviário do Estado

trens que passam constantemente na estação paralela, enquanto nesta parte só o que há é o silêncio. As locomotivas e os trens que passavam por ali transportavam tanto passageiros quanto cargas para os quatro cantos do Estado. Muitas pessoas utilizavam o transporte que, na época, era rápido e de fácil acesso. Uma delas era Santos que, aos 22 anos, residia próximo à estação Augusto Pestana e acompanhava o movimento na área, além de usufruir dos serviços. “Ali quase sempre os maquinistas paravam e carregavam carvão ou lenha e abasteciam os tanques da máquina com água, porque aquilo era a vapor”, conta. A estação era ponto de partida dos passeios de final de semana do aposentado, que ia da Capital até o interior. “Uma vez eu e um amigo mandamos fazer um terno igual, um claro quase branco, e na passagem de Novo Hamburgo, nas curvas, sempre entrava faíscas e fumaça e tinha que fechar as janelas. Daquela vez nós descuidamos e entrou uma faísca dentro do bolso do casaco e queimou, fazendo um buraco”, conta em meio a risadas, lembrando da época em PRIMEIRA IMPRESSÃO

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que viajava nas ferrovias. Os caminhos percorridos nos trilhos ferroviários marcaram gerações. O transporte funcionou de 1850 até 1992 no Brasil. Renato Rodrigues dos Santos, 54 anos, filho de Inácio, também lembra das aventuras vividas entre a Estação Dir. Augusto Pestana e o interior. Ele conta que na juventude, por volta dos anos 1970, utilizava os trens para se deslocar de Porto Alegre até o município de Triunfo. “Muito interessante era aquele passeio, porque a lotação era gigantesca. Era só gurizada, e quando a gente fazia a passagem de um vagão para outro, sempre tinha alguém na parte de cima do trem”, afirma. A experiência com as locomotivas foi um pouco diferente para a designer gráfica Roseana Caeneghem Kriedt, 56 anos, que lembra com clareza de uma viagem que ficou marcada em sua memória. Aos seis anos, ela e a família saíram de Santa Maria para se deslocar até Porto Alegre. “Meu pai nos colocou em bancos separados, mas as minhas irmãs gêmeas, de aproximadamente um ano, ficaram sem lugar. No final do vagão tinha um

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facilitando a importação e exportação de produtos. Ao mesmo tempo, tornava-se muito mais acessível o ir e vir entre as cidades, beneficiando as classes mais baixas. O engenheiro Roberto Albuquerque conta que muitos municípios se criaram com a implantação da ferrovia, como por exemplo a cidade Estação, localizada no Noroeste do Estado, que ganhou esse nome graças à grande movimentação provocada pela estação ferroviária. A extinção do transporte ferroviária foi gradual, começou com a ampliação e modernização das rodovias diminuindo aos poucos o deslocamento de passageiros a longo curso, permanecendo somente o de carga. Com a privatização da RFFSA, em 1996, o DNIT recebeu o patrimônio da Rede Ferroviária, incluindo a malha ferroviária, os vagões e locomotivas, e é o responsável por tais desde 2007.

QUEM FOI AUGUSTO PESTANA

De engenheiro nas construções das vias férreas de Porto Alegre a diretor da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, assim evoluiu a carreira de Augusto Pestana. Formou-se em engenharia pela Escola Politécnica, em 1888. Entrou para a carreira política em 1915, tornando-se deputado federal, envolvido na Comissão de Finanças. Pestana foi o fundador da VFRGS, e em 1920 foi nomeado seu diretor-presidente, permanecendo no cargo até 1926. Faleceu em 1934 e recebeu uma homenagem, uma estação férrea com seu nome devido ao seu importante trabalho. banco de madeira onde o chefe de vagão ficava, então o pai abriu a mala imensa da família e colocou as gêmeas para dormir ali.” O nome Augusto Pestana era sinal de alerta para os passageiros na época, final dos anos 1960. “Quando chegávamos na estação, o chefe de trem informava ‘Estação Augusto Pestana’, e o pai já avisava ‘olha, vamos nos arrumando porque na próxima é Porto Alegre e a gente desce”, relembra Roseana. Em Porto Alegre, chegou a existir cinco estações ferroviárias, mas a única ainda de pé é a Pestana.

MEMÓRIA VIVA

O letreiro “Dir. Augusto Pestana” ainda está localizado na parte superior da plataforma, na ponta esquerda, dando nome e significado ao que um dia foi aquele espaço. O prédio que faz o acesso entre a entrada da estação e a plataforma contempla a sede da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), empresa que foi responsável por todas as malhas de ferrovias do Brasil de 1975 até 1999. Ali, onde transitavam centenas de pessoas diariamente, agora se encontram caixas e pa-

péis com os arquivos da rede ferroviária do Rio Grande do Sul. Hoje o saguão da estação de passageiros está organizado em salas com divisórias, servindo como sede administrativa dos funcionários do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Dentre eles está o engenheiro Roberto Albuquerque Guedes da Luz, 64 anos, antes funcionário da extinta RFFSA. “Aqui é o hall de entrada da estação e tudo isso aqui até lá no fundo era o saguão da estação de passageiros”, indica ele enquanto caminhamos pelo local, possibilitando uma pintura imaginária da movimentação por ali na época das ferrovias. “Aqui tinha uma grande circulação de pessoas porque o passageiro chegava de trem e pegava o metrô, ou chegava de avião e tinha o trem”, lembra Guedes da Luz, falando dos últimos anos da rede ferroviária, em que a Estação Aeroporto já funcionava. O aumento do transporte ferroviário foi significativo tanto para a economia quanto para o povoamento do Estado e do país. O transporte de cargas era feito de forma muito mais segura e rápida, PRIMEIRA IMPRESSÃO

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Todos os dias eu utilizo o metrô e passo pela Estação Augusto Pestana. O local sempre me chamou atenção, pois até então eu não conhecia sua história e sabia pouco sobre as ferrovias. Quando o tema da revista foi definido, eu vi a oportunidade de conhecer aquele lugar. No decorrer da apuração, notei que havia muita história a ser contada, muito mais do que cabia em uma reportagem, por isso foi um desafio reduzir as informações. Ao mesmo tempo, foi uma aventura, porque pude acessar o espaço interno e a plataforma da estação. Foi como visitar um museu. Percebi que não só a Augusto Pestana, mas toda a via férrea fez parte da vida de muitos brasileiros e que cada um a partir da meia idade tinha alguma história para contar sobre o lugar. Acredito que essa reportagem resgata a importância das ferrovias e contribui para que os mais jovens, como eu, entendam um pouco sobre uma parte da vida de nossos pais e avós.


ESTAÇÃO ANCHIETA

Lugar que planta, colhe e doa sonhos TRABALHADORES DEPOSITAM NA CEASA A ESPERANÇA DE GARANTIR O SUSTENTO DA FAMÍLIA E LEVAR PARA CASA DIAS MELHORES POR ARIANE LAUREANO. FOTOS DE LUCAS SCHARDONG

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e segunda a sábado, ela tem a mesma rotina: o celular anuncia o primeiro despertar às 4h. Ela vira para o outro lado da cama, descansa mais um pouco. Já são 4h15 e, após mais 15 minutos de descanso, finalmente levanta. Veste-se apressadamente para trabalhar, lava o rosto, toma um gole de café e vai para a parada de ônibus, esperar o Integração (ônibus de passagem integrada), que fica em frente ao kitnet que Pâmela Machado, 25 anos, divide com a amiga, próximo à Estação Ulbra/Canoas. No ano passado, a estudante que está entre o 5° e 6° semestre da faculdade de Psicologia, veio sozinha de Camaquã tentar a vida na “cidade grande”. Apenas o sonho de se tornar uma psicóloga a guiou nessa nova empreitada em Canoas. Ela trabalha no mercado Soul Alimentos, na Central de Abastecimento do Estado do Rio Grande do Sul (Ceasa), a aproximadamente 1,5 quilômetros da Estação Anchieta. Para cumprir o horário, precisa pegar o primeiro trem que parte em direção à Estação Mercado, às 5h. Se as pessoas acham que o trem das 17h é lotado, não imaginam que às 6h, também o é. Durante

a viagem observamos diferentes tipos de trabalhadores: os que num sobressalto despertam na estação correta em que precisam descer, outros se assustam quando o trem sofre um solavanco, também há aqueles que só saem do sono profundo quando estão deitando no ombro da pessoa ao lado, e têm as pessoas que só são acordadas na Estação Mercado. Pâmela, assim como outros passageiros, utiliza os fones de ouvidos para deixar a preguiça de lado. Alguns tentam conversar para que os minutos passem logo. Ela é mais reservada e se atém aos próprios pensamentos. Da Estação São Luís até a Anchieta, se recorda e lembra o porquê de fazer esse sacrifício todos os dias: deseja trabalhar com psicologia clínica. Ao desembarcar, ela vai a pé até a Ceasa, porque não há horários disponíveis de ônibus próximo. Ela relata que conhece histórias de pessoas que já foram assaltadas e atropeladas no caminho. Isso nunca aconteceu com ela. Pelo horário, o caminho se torna deserto, mas, começa a ficar movimentado quando trabalhadores vão ocupando seus postos de trabalho, ao longo das inúmeras fábricas que existem no trajeto. O dia começa mais cedo que o normal para quem trabalha na Ceasa. O atendimento ao público inicia às 5h30 e vai até as 19h, sendo PRIMEIRA IMPRESSÃO

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comercializado apenas orgânicos, hortifrutigranjeiros e flores, em dias específicos. Segundo a central, os chamados “dias fortes” são terças e quintas-feiras, por se tratar da venda de legumes e verduras. Também encontramos dentro dos pavilhões, barzinhos, restaurantes, bancos, escritórios de prestações de serviços, estacionamento e segurança 24 horas. Diariamente, circulam cerca de 10 mil pessoas, podendo atingir até 45 mil. São realizadas mais de 700 cargas diárias para o abastecimento de 119 municípios gaúchos. Se para o público o funcionamento tem uma escala de horário bem extensa, para os funcionários não é diferente. Muitos têm uma rotina de trabalho de mais de 15 horas por dia. Alguns só saem de lá após finalizarem o descarregamento dos caminhões, sem horário para acabar, como Igor Gustavo Mazzoro, 21 anos. Ele é o responsável pela carga de tomates de todo o Estado e atua na Banca da Maísa. O rapaz trabalha há oito meses na Ceasa e exibe com orgulho o crachá que dá acesso liberado aos pavilhões da empresa. Mas não é só pelo abastecimento de tomates que ele é responsável; vem de lá o suprimento da família inteira. Igor é casado e tem um enteado. Apesar da pouca idade, a tarefa que carrega é de prover o alimen-


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to necessário à família, Vem da Ceasa que assolou o país em 2010, ela veio há cinco que muitas vezes vem a garantia de anos, com o marido e os dois filhos para o Rio do seu local de traba- subsistência de Pâmela Grande do Sul. Ao longo desse tempo, conlho. “Tem vezes que o Machado, 25 anos seguiu comprar um apartamento que fica na patrão deixa a gente leAvenida Assis Brasil, em Porto Alegre. var alguma coisa pra casa, quanAlém de confiança para refazer a vida, ela luta para do sobra. Mas, no mercado, eu trazer a mãe que ficou no Haiti. No Brasil, foi pospasso longe das verdura…” sível recomeçar e dar à luz uma nova vida. Além de Quando estávamos à procura conciliar a rotina exaustiva de trabalho, ela também de uma história para contar, avis- cuida da filha mais nova, hoje com 10 meses. tamos Darlene: uma haitiana, que A separadora de alimentos conta que o motivo de sua descia a passarela apressadamente pressa era porque deveria começar a trabalhar às 6h. No com uma bicicleta branca. Foi difícil entanto, a escolinha da filha só abre às 7h, o que faz com convencê-la a parar e conversar. que ela chegue todos os dias atrasada. A UniSalvo também Ela explicou que estava atrasada e abastece os sonhos de Darlene, salvando a família da miséria que poderíamos procurá-la dentro e da fome. Com a conquista da casa própria, ela pensa em da Central. Mas, mais difícil ain- buscar a mãe no Haiti. Ainda com muitos objetivos a serem da foi entender a sua explicação: conquistados, ela vê nos filhos a realização de todos os eles: “Me chamo Darlene e trabalho na “Se eu não conseguir, meus filhos vão conseguir.” Não Salvio”. Descobrimos que Quando estávamos indo embora, nos deparamos com “Não Salvio”, era UniSalvo, uma um senhor que carregava um enorme cesto de flores, era das maiores empresas atacadis- Jorge Anastácio de Sousa, 65 anos. Perguntado sobre a tas de distribuição de hortifruti- grafia correta do seu nome, ele diz que tanto faz: “Deve granjeiros, dentro da Ceasa. ser com “S”, eu não sei ler.” Apesar do pouco conheAlém de ter a banca para o pú- cimento com as letras, Anastácio tem muita habilidade blico externo, eles também possuem com as flores, as reconhece de longe só pela cor ou até um depósito. Lá, o que mais cha- mesmo pelo cheiro, vantagem de um olfato apurado ma a atenção são os trabalhadores, de quem trabalha com isso há mais de 35 anos. a maioria deles de origem haitiana. Para garantir as flores mais bonitas, Anastácio sai de casa Assim como Darlene Delicast, 35 às 5h. Todo o sustento do casal de filhos e da mulher, que já anos, que veio do Haiti para o Brasil falecera e trabalhara no mesmo ramo, veio da semente que na expectativa de abastecer a família crescia na terra. Com o dinheiro das flores, ele adquiriu uma de esperança e de suprimentos. casa em Porto Alegre, na Lomba do Pinheiro. Conforme Desenganados pelo terremoto conta, o mercado floral é muito bem organizado.“Cada PRIMEIRA IMPRESSÃO

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pessoa tem sua zona, ninguém ocupa a área de outra pessoa, a minha zona é Viamão”, explica. Entre o outono e o inverno, as flores que mais vendem são lírios e orquídeas. No entanto, Anastácio relembra um tempo em que o custo era menor. “Hoje eu gasto R$200 aqui, coisa que eu nunca precisei gastar”, desse valor ele pretende lucrar 100 %. Para quem vem de terça a sábado o dinheiro precisa rodar. É por isso que ele não se atém a um modelo só. “Eu vendo flor de corte, flor de dentro de casa, flor em vaso, todos os tipos de flores.” Ele tem uma clientela fixa, muitas lojas e restaurantes compram as flores dele para enfeitar os ambientes. O comércio porta a porta também é feito, mas sempre que sobra alguma flor ele não a desperdiça. Leva para casa e a coloca no jardim, que está sempre enfeitado, do jeito que sua esposa gostava. Objetivos que estão apenas começando, sonhos que já estão no fim. A Ceasa é a responsável por fazer com que todos eles sejam possíveis. Muitas histórias passam todos os dias por ali, muitas vidas dependem dos suprimentos que podem ser encontrados por lá, e dirá que tudo isso é possibilitado por uma simples viagem de trem!


Além de lutar para garantir o sustento da família, a haitiana Darlene Delicast sonha em trazer a mãe para o Brasil

IMPRESSÕES DE REPÓRTER Desde que entrei no curso de Jornalismo ansiava por fazer essa cadeira. Sempre gostei de Jornalismo Literário e imaginava que eu iria me sair bem. Afinal, adorava ler, tinha uma imaginação bem fértil e era corrigida ao longo da faculdade por ser “literária” demais. Mas, com o passar dos anos, acredito que com a sistematização e a insistência para fugir do tão temido “nariz de cera”, me especializei num lead bem feito. Os cinco porquês eram respondidos com extrema facilidade. A falta de espaço disponível nas impressões que fazemos ao longo do curso me obrigaram a ser objetiva. Fazer essa reportagem foi um desafio. De começo já sabia que gostaria de contar a história de trabalhadores que pegam o trem para chegar em seus locais de trabalho. A escolha da Estação Anchieta se deu por abrigar diferentes fábricas nas proximidades, e a opção pela Ceasa para desvendar um pouco do que acontece naquele lugar. Um espaço como aquele, que abriga tantas histórias, deveria ser melhor explorado por nós jornalistas. Eu que nunca havia entrado nos pavilhões, fiquei abismada com a quantidade de produtos, pessoas e histórias que encontramos. O que mostro no texto não chega nem perto de todos os sonhos que lá são depositados diariamente. PRIMEIRA IMPRESSÃO

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ESTAÇÃO NITERÓI

Brincadeira de criança para gente grande PRIMEIRA IMPRESSÃO

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PROJETO RETRÔ TRAZ DE VOLTA JOGOS DE VIDEOGAME DAS DÉCADAS DE 80, 90 E 2000 E ENCONTRA MERCADO EM ASCENSÃO POR IARA BALDISSERA. FOTOS DE JESSICA SANTOS

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uando as portas adesivadas de um prédio com arquitetura moderna se abrem antes mesmo de se tocar na campainha, não se pode imaginar que lá dentro terá início uma viagem ao passado, um retorno à infância, um momento nostálgico capaz de mexer com qualquer um. Logo na entrada, somos recepcionados com um sorriso largo e cativante do atendente Samuel de Souza Santos, que nos deixa tão à vontade

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que parece que já nos conhecíamos há muito tempo. Atrás do balcão, algumas prateleiras expõem pequenos bonecos de personagens de jogos de videogames, algumas canecas e outros mimos. E uma porta conduz a um ateliê. Mas é a escada de metal com mais de 20 degraus, que leva para o segundo andar, que chama a atenção. Isso porque quando o cliente chega ao topo dela, é recepcionado por uma figura conhecida por toda a garotada das décadas de 80, 90 e até os dias de hoje. O Mário. Sim, quem nunca jogou Mario Bros, Super Mario Bros, Super Mario World, Super Mario Land, etc. Ao fim da escada


No Projeto Retrô, o cliente escolhe jogos de diversas plataformas e pode levar para casa até 8 mil títulos diferentes

emoções afloram: o coração dispara e os olhos brilham. O mundo dos videogames, ali, bem diante de nossos olhos. Atari, Odissey, Nintendo, Super Nintendo. E, no centro da sala, ela, a cobiçada por gerações de jogadores inveterados, a inesquecível “Máquina de Fliperama”. E agora ela não precisa ser somente observada. Ela pode ser sua. Depois de respirar fundo e as lembranças se acomodarem, conhecemos o idealizador do Projeto Retrô. Luciano da Rosa explica que ele e uma equipe formada por mais de oito profissionais trabalham com um sistema de emulação que consiste em pegar vários jogos, que estão disponíveis na internet, e esses jogos são copilados em um único sistema e transportados para um fliperama. “Ao invés de um único jogo em uma máquina de fliperama, o cliente pode levar para casa uma máquina de Fliperama com até oito mil jogos. São diversas plataformas, desde a época do Atari de 1973 até o Play 1 em meados dos anos 2000.É diversão para toda a família”, explica. O objetivo do Projeto Retrô é

resgatar a infância, proporcionar ao cliente nostalgia, levá-lo até a época de quando era criança e mostrar que é possível materializar lembranças, trazê-las de volta e compartilhá-la com amigos e familiares. O que acontece hoje com os videogames atuais e modernos? Não são raras as vezes que se ouve os pais reclamarem que os filhos ficam presos nos quartos horas e horas jogando em seus mundinhos. Pois os jogos atuais são criados justamente para isso. Para a criança ou o adolescente se entreterem sozinhos. Os jogos das décadas passadas eram feitos para que a família se divertisse. Existem jogos que podem ter até quatro participantes. Acreditando ou não, os clientes estão reunindo a família em volta de suas televisões para jogarem juntos. “Alguns têm o seu equipamento como uma relíquia em casa”, conta.

NÃO FAÇO ATENDIMENTO. FAÇO ENTENDIMENTO

Na loja o cliente não vai para jogar. Ele vai para adquirir os jogos. Hoje, a loja trabalha de portas fechadas, pois os prin-

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cipais canais de venda são as mídias sociais: através do site www.projetoretro.com.br, Facebook e Instagram. Luciano tem prazer em dizer que, quando recebe um cliente, ele não faz um atendimento, ele faz um entendimento. E justifica a afirmação: “ Aqui todos são treinados para fazer exatamente isso. Porque primeiro eu preciso conhecer o cliente e saber o que ele veio buscar. Nós precisamos dar ouvidos a ele, escutá-lo com atenção. Depois ele é conduzido pelas escadarias até o showroom onde é apresentado a ele todos os produtos e o sistema”. E acrescenta: “ E só então eu faço a pergunta principal: o que tu jogastes na infância e adolescência?” E continua: “ a partir da resposta dele, o jogo é localizado e em minutos o cliente revive as emoções do passado”. E encerra dizendo: “ Já vi cliente chorar de emoção”. O trabalho é muito dinâmico, mas sem perder a humanização. Cada cliente tem o seu tempo respeitado e o desejo rigorosamente atendido. Embora a em-


Luciano (à direita) e equipe: a meta da empresa é atingir até o final do ano um total de dez franquias

presa esteja ampliando horizontes e agregando novos franqueados, existe uma preocupação em não perder a essência, o foco. Luciano diz que não é contra os jogos modernos, pois eles serão retrô em alguns anos. E assim com o slogan: “Eu sou retrô e você está esperando o que? Vem”, o Projeto está conquistando público por todo o estado.

O ATELIÊ

Luciano não abre mão de supervisionar o processo desde a produção, marcenaria até a arte final. E também faz questão que toda a matéria prima necessária para a confecção dos produtos (consoles e/ou caixa do fliperama) seja produzido na cidade ou arredores. Isso torna o Projeto Retrô uma empresa 100% gaúcha. É onde fica a área de criação. Uma espécie de controle de qualidade para garantir a plena satisfação do cliente. Um espaço pequeno, mas muito organizado onde cada peça, parafuso, ou botão está ao alcance das mãos de Daniel Rodrigues Gomes que realiza o traba-

lho montagem com o cuidado de quem pega um bebê pela primeira vez. “Pra mim é muito gratificante trabalhar aqui”, diz.

DE NITERÓI PARA O MUNDO

Em maio deste ano, a empresa completou um ano. Com apenas 11 meses de negócio já está com mini franquias estabelecidas nas cidades de Guaíba, Gravataí, São Leopoldo, Esteio e está em negociação com a Serra Gaúcha, Cachoeirinha e mais três lojas em Porto Alegre. A meta é atingir até o final do ano um total de dez mini franquias. Não é difícil entender o sucesso do Projeto Retrô com menos de um ano de existência. A resposta está no atendimento personalizado que cada cliente recebe, na pontualidade da entrega e a qualidade do produto. O cliente decide o quanto quer investir. E o valor varia entre R$ 500 e R$ 2,5 mil. Afinal, sonho é sonho. Para a Coordenadora do Curso de Jogos Digitais da Unisinos, Rossana Queiroz, Luciano conseguiu perceber uma tendência PRIMEIRA IMPRESSÃO

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que visa resgatar os jogos das décadas de 80 e 90. Hoje os jogos são muito complexos e com uma narrativa muito detalhada onde, muitas vezes, é necessário jogar com um manual do lado. “O que mais chama atenção nesses jogos é justamente a simplicidade”, acrescenta.

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Há muito tempo eu assisti a um filme chamado Boa noite Boa Sorte, de George Clooney. No making off do filme uma frase definiu meu sentimento quanto à profissão que escolhi. “Todo o jornalista é um funcionário da humanidade”. É exatamente assim que me sinto. Essa atividade acadêmica mexeu com dois sentimentos distintos dentro de mim. De um lado, a paixão por contar histórias e de outro, o medo de não fazer isso com excelência. Mas maior que o medo foi a paixão, pois eu sabia que em algum lugar dentro de mim ainda estavam os dons guardados. E, no primeiro dia de aula, vindo na contramão do que eu estava acostumada a ouvir, a professora disse: “eu também acredito que isso não se perde e está aí dentro em algum lugar”. E somado a tudo isso veio a reportagem que foi muito prazerosa de fazer, pois me fez relembrar a infância. Quanto ao medo? Deu lugar à coragem de continuar acreditando no meu sonho.


ESTAÇÃO FÁTIMA

Do trailer ao trem

ENQUANTO TRABALHAVA EM UMA LANCHERIA AO LADO DA ESTAÇÃO FÁTIMA, IVONE ACOMPANHOU DE PERTO AS OBRAS DA TRENSURB

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POR TAINAH GIL. FOTOS DE VANESSA FONTOURA

scutar o barulho do trem que chega, freia, para e segue viagem. Ver pessoas indo trabalhar, passear. Reconhecer o rosto de quem desembarca todos os dias, no mesmo horário. Fazer amizade com os clientes que param para tomar um café. Esta é a rotina de quem tem um comércio próximo à passarela do metrô. Na década de 1980, a vendedora autônoma Ivone Stein de Chaves, 48 anos, ajudou a mãe a vender lanches em um trailer na Estação Fátima da Trensurb, na Avenida Guilherme Schell. Em 1985, fez a primeira viagem no transporte metroviário, mas hoje não viaja mais com tanta frequência como antigamente. A proximidade e a a relação com o trem ela carrega apenas em suas lembranças.

DE VOLTA AO PASSADO

Natural de Erechim, Ivone já morou em vários lugares. Saiu da cidade natal e foi para Sapucaia do Sul, depois para Canoas e Esteio. Coincidentemente, as três cidades são dividas pelos trilhos do trem. Há 12 anos, retornou para o município canoense, de onde tem boas recordações. Durante quatro anos, a mãe, Dejanira Stein de Souza, teve um trailer de lanches ao lado de onde morava, na Avenida Guilherme Schell. “A minha mãe alugou o terreno para pôr o trailer. Quando as obras da Trensub estavam começando, ela foi para lá. Quando o metrô inaugurou, estava lá também”, relembra. Enquanto as obras ocorriam, Ivone ajudava a mãe a cuidar do ponto. Diariamente, engenheiros estrangeiros que participavam da construção tomavam café ou almoçavam lá. Mas, se tinha algo que Dejanira tinha medo era de que a filha a deixasse. “Até tinha

um engenheiro japonês que queria me levar embora. Ele ia todos os dias no trailer”. A reação da mãe foi dizer: “A minha filha, não”. Ivone conta a história meio envergonhada e aos risos. Segundo ela, o engenheiro tinha um intérprete e a mensagem foi captada. Daquela época, ela guardou – além das memórias – uma grande recordação: uma fotografia sua em frente ao trailer. “A foto foi feita pelo engenheiro japonês. Passados alguns dias, ele trouxe ela revelada e me deu de presente”, lembra.

INAUGURAÇÃO DO METRÔ

Em uma postagem em um grupo do Facebook, Ivone perguntava sobre quem havia andado de metrô na semana de inauguração. “Quem aqui do grupo fez a viagem inaugural na Trensurb, há 33 anos? Eu fiz, no dia 2 de março de 1985. Ainda tinha a Maria Fumaça praticamente dividindo os trilhos. Nossa história, nossa raiz. Na época, minha mãe tinha um trailer que vendia lanches, bem embaixo da Estação Fátima”. Nos comentários da publicação de Ivone, diversas pessoas compartilharam relatos das primeiras viagens em um serviço que era muito aguardado por muitos gaúchos da Região Metropolitana de Porto Alegre.

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Antes mesmo de Ivone e Dejanira se instalarem em frente à estação Fátima, já havia pessoas trabalhando no planejamento das construções que começariam em 1979. O assistente de serviços gerais Antônio Thadeu Souza Almeida tem 55 anos e está há 38 na Trensurb. Começou a trabalhar na empresa em 1980, quando ela ficava no prédio da Rede Ferroviária. Naquela época, começavam os projetos para as obras do metrô. Antônio e mais dois colegas auxiliavam com o material de escritório, montando os editais para os processos de licitações e anexando toda a documentação da empresa, no antigo Centro de Comunicações (CECOM). Em 2 de março de 1985, às 9h, o metrô da Trensurb foi inaugurado, inicialmente ligando a cidade de Porto Alegre a Sapucaia do Sul, facilitando a vida de muitos gaúchos. Um dia antes da inauguração, a prefeitura da Capital, por meio do Jornal do Comércio, publicou uma nota de agradecimento ao “trem do futuro” e afirmou que este foi um passo gigantesco em direção à solução do transporte coletivo da Região Metropolitana. A cerimônia ocorreu na Estação Mercado e Antônio esteve presente. Ele guarda, na sala onde


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Ivone guarda com carinho a foto feita por um engenheiro japonês que frequentava a lancheria

trabalha, o primeiro convite feito para convocar os futuros usuários e o bilhete que mostrava em qual dos vagões se poderia passear. “Minha primeira viagem foi naquele dia, no vagão seis. Foi muito emocionante. Eu só tinha andando no trem da Rede, aí depois andei no trem elétrico. Foi interessante”. Para a linha, foram adquiridos 25 trens da série 100 que foram fornecidos e fabricados por empresas japonesas. Hoje, 17 carros continuam em circulação e possuem vida útil de 50 anos. No início da operação só existiam os veículos antigos, diferente do que a Trensurb oferece hoje

após a aquisição do modelo série 200, os “trens novos”. Quem teve a oportunidade de conhecer Ivone e a mãe foi o assistente de serviços operacionais Cláudio Gilberto Carvalho Teixeira, que trabalhou por quase três anos na Estação Fátima, a primeira onde prestou serviço como auxiliar de operações. Durante o período em que esteve lá, ele chegou a fazer refeições no trailer delas. Mas depois foi realocado para a Estação Mercado e nunca mais as viu. Cláudio tem 60 anos e em dezembro completa 34 na Trensurb. Passou no concurso público da empresa em 1984. No primeiro

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dia na estação, em 3 de março de 1985, o trem estava no período de inauguração. Naquela época, o funcionamento do metrô era das 5h30 até às 20h. Sobre a estreia do trem, Claudio conta que muitas pessoas estiveram presentes. “Foi bem divulgado na mídia. Teve panfletagem, distribuição de folders dizendo o dia em que seria iniciado. Foi feita uma viagem inaugural com vários ministros e seus acompanhantes, mas qualquer um poderia ir”, relembra. No primeiro e segundo dia, quem quisesse viajar no transporte poderia andar sem pagar passagem.


IMPRESSÕES DE REPÓRTER Se alguém me perguntasse se eu acredito em coincidência, pensando na minha reportagem, eu diria que sim. Foi com a ajuda da minha fotógrafa, Vanessa, que eu descobri a história da Ivone em um grupo do Facebook. Um detalhe importante de mencionar é que a postagem de Ivone foi feita no dia 4 de março de 2017, exatamente um ano antes de eu escolher a Estação Fátima como ponto de partida da minha pesquisa. Eu nunca tinha visto essa publicação antes, mas por um acaso, ela caiu de paraquedas e se encaixou perfeitamente naquilo que eu precisava. Como o passado da personagem principal do texto está muito ligado ao trem, saí em busca de arquivos para fazer um resgate histórico sobre a Trensurb e encontrei muitas fotos das obras acontecendo e jornais que retrataram a época da inauguração. Conversando com a Ivone, consegui enxergar em seus olhos e em suas palavras a emoção de ter o trem como parte da sua jornada, e por hoje ela ser um trecho das memórias que nesta revista serão contadas. Esta foi a melhor coincidência que já me aconteceu.

Apenas no terceiro dia - em uma segunda-feira -, é que começou a operação comercial e o bilhete custava Cr$ 450, o equivalente a R$ 0,20. O preço do passeio era o que os passageiros mais elogiavam na semana de testes. Mas os canoenses que não estavam acostumados com este tipo de serviço, reclamaram da divisão que o metrô causou na cidade, já que os trilhos separaram os bairros Fátima, Centro e Mathias Velho.

A PRIMEIRA VIAGEM

Ivone não se importou com a separação que o metrô causou, pois enquanto via os trilhos serem coloca-

dos e os pilares da estação serem erguidos, estava ansiosa para ver a construção pronta e para andar de trem. No dia de abertura, foi para a Estação Fátima sozinha e embarcou no vagão que ia em direção à Mercado, em Porto Alegre. “Foi emocionante, muito legal. Eu estava ansiosa porque nunca tinha andado, nem em trem de carga. Então, era novidade”. Naquele dia, ela foi até a Capital, conheceu a estação e voltou para Canoas. Ivone conta que as estações eram limpas, os vagões novos e vazios. Ela pôde se considerar uma pessoa corajosa por andar em um meio de transporte desconhecido até então. “Não tive medo. Eu queria me aventurar. PRIMEIRA IMPRESSÃO

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Sagitariana não tem medo”. É fácil reconhecer no rosto de Ivone a emoção que a história com relação ao trem possui, pois a faz recordar de sua mãe, Dejanira, falecida há 12 anos, e sobre todo o tempo que passaram juntas, das obras da Trensurb até a inauguração. Do trailer ao trem. Quando perguntada sobre as boas recordações que o trem a traz, ela subitamente responde, com plena certeza: “O trem me traz boas lembranças, principalmente a Estação Fátima. Bons momentos ali ao lado da minha mãe. Eu sempre pegava junto com ela. Era uma época muito legal”, conclui.

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ESTAÇÃO CANOAS

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Tenho tantos discos quanto amigos UMA DAS ÚLTIMAS OPÇÕES DE CANOAS PARA CONSEGUIR ANTIGUIDADES DA MÚSICA, UM GRUPO DE COLECIONADORES MONTOU A LOJA “SÓ NO VINIL” PARA PROMOVER A COMPRA E VENDA DE DISCOS POR VITOR DOS SANTOS BRANDÃO. FOTOS DE VANESSA FONTOURA

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m meio ao tumultuado centro de Canoas e à correria do dia a dia, o soar de uma música chama a atenção daqueles que não estão passando apressados para pegar o próximo trem. Justamente no local de embarque da principal estação da cidade, as pessoas se deparam com uma grande opção para consumir cultura e reviver o passado por meio de itens que não são tão comuns nos dias atuais. A loja Só No Vinil, apesar do nome, tem diversas opções de literatura, arte e, é claro, CDs e discos dos mais variados gêneros musicais. Toda essa história se iniciou ainda nos anos 80. O jovem Sérgio Garbino foi até a banca mais próxima de casa, o que era comum na época, e comprou a coletânea “Video Hits 84”, um disco composto por músicas clássicas da época, como Michael Jackson, que naquele tempo havia lançado o álbum “Thriller”, o long play mais vendido de todos os tempos. “Era só musicão”, afirma Garbino, ao recordar, mais de 30 anos depois, a sensação de ter começado a vida de colecionador. Com o passar dos anos, o garoto passou a apurar mais o ouvido (como ele mesmo conta) e descobriu nas bandas Led Zeppelin e Pink Floyd o gosto pelo rock. Ao longo da vida de apreciador de uma boa música, Garbino chegou a ter de 3 a 4 mil discos. O que ele não imaginava é que o hobby seria a principal atividade da rotina nos dias de hoje. Em meio à era do Spotify, quando qualquer um pode facilmente escutar músicas online, o colecionador decidiu vender seus discos. “Com uma coleção desse tamanho, a gente nem sempre consegue ouvir tudo, né?”, relata Sérgio Garbino enquanto procura os melhores LPs à venda para mostrar.

Em 2016, Garbino e alguns amigos decidiram propor à prefeitura do município a instalação de um ponto fixo na estação Canoas. Porém, a proposta não limitava-se a criar um espaço para compra e venda de discos. A ideia do grupo era oferecer um espaço cultural, pois eles sabiam que não havia lojas desse tipo na cidade. “Se tu vais hoje em uma Multisom (loja de música comum em shoppings) e pede o (long play) Clube da Esquina, do Milton Nascimento, tu sai de lá de mãos vazias”, brinca Garbino. Para o colecionador, as vendas do mercado musical estão limitadas ao cenário atual, regido pela mídia, em estilos como funk, pop e sertanejo universitário. Aos poucos, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Canoas foi dando oportunidades para eles, autorizando feiras de exposição semanais e mensais na estação da Trensurb. A procura pelos itens foi tão grande que, em março de 2017, a prefeitura aceitou criar um ponto fixo para a loja. Durante a semana, as pessoas que passam pelo local vão diminuindo a passada, atraídos pela trilha musical, e começam a observar com um ar de curiosidade as capas de discos históricos, CDs, DVDs, quadros, acessórios e livros dos mais diversos assuntos. Para o músico e professor universitário Frank Jorge, haverá sempre um nicho de colecionadores e vendedores que preferem ter o material físico. Segundo Jorge, todas as indústrias passam por reformulações na sua maneira de vender e com a musical não foi diferente. “Não consigo ter aquele olhar saudosista de que era melhor antes, pois acho que o grande barato é tu justamente teres essa riqueza de possibilidade de acesso”, conclui o cantor e compositor gaúcho sobre as facilidades que a era digital trouxe para o mundo da música. Passado algum tempo, o amigo Renato Ramos se juntou à PRIMEIRA IMPRESSÃO

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equipe e a loja ganhou o setor de livros. “Quem gosta mesmo de cultura, sempre prefere o objeto físico, porque é uma arte”, afirma Ramos, quando perguntado sobre o mercado de exemplares em formato pdf (leitura digital). “Aqui é uma espécie de sebo, pois trabalhamos na base da compra e venda”, conta Ramos. Para Ramos, o uso excessivo da internet acaba “alienando” a pessoa. Ele diz que um livro de literatura clássica, como Olavo de Carvalho, estimula a imaginação e ajuda no desenvolvimento pessoal de cada um. “As crianças de hoje em dia preferem ficar na frente do computador e isso é ruim para essa geração”, conta o vendedor. Na coleção de exemplares, os clientes encontram obras nacionais e internacionais, além de biografias, filosofias e livros didáticos. Com alguns minutos de con-

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Capas memoráveis de discos e livros chamam a atenção de quem passa pela Estação Canoas


IMPRESSÕES DE REPÓRTER Há alguns anos, eu e minha família resolvemos comprar uma vitrola (famoso toca-discos) de aniversário para o meu pai - um presente bastante ambicioso, já que, na época, tínhamos nossa “conta-família” no Spotify. O que eu não imaginava é que o episódio revelaria uma extensa coleção de discos de vinil que meus pais construíram ao longo de suas vidas, algo que passou longe da minha geração. Para mim, que ganhei meu primeiro mp3 player aos 10 anos, aquelas antiguidades eram devidamente estranhas, já que eu não possuía sequer a habilidade de encaixar a agulha no disco. A primeira vez que entrei na loja, conversei brevemente sobre jazz com o Sérgio, que me apresentou um disco do cantor Nat King Cole que eu jamais havia ouvido falar. Ali, notei um grande movimento no estabelecimento e percebi que as pessoas ainda procuravam por discos de vinil. Mais do que conhecer a história dos colecionadores, resolvi compartilhá-la por meio dessa reportagem.

versa, Garbino precisa interromper o papo para atender um senhor que chega carregando uma sacola. “Fiz uma limpeza lá em casa e acabei achando isso aqui”, conta o cliente, enquanto exibe um disco do cantor Roberto Carlos. Com o vasto repertório de colecionador, Sérgio analisa o material e responde “pago R$ 40”. Após uma breve conversa sobre antiguidades (com termos demasiadamente difíceis para a compreensão de um jovem repórter) os dois chegam a um acordo e a loja ganha novos itens para venda. Precisando aumentar o volume da voz por conta da chegada do trem, o colecionador me conta que a loja tem o compromisso de não trabalhar com materiais falsificados. Além do acordo com a prefeitura, ele assegura que a verdadeira qualidade de uma música só pode ser apreciada com um bom disco original. Tanto músicas baixadas da internet como os cds pirateados comprometem a essência da música, de acordo com o colecionador. “Os caras que gostam mesmo de escutar um bom som, meu deus, nem falam em mp3”, afirma Garbino, enquanto ajeita cuidadosamente a caixa de vinis. Nos dias de hoje, alguns artistas optam pelo relançamento de obras no formato de vinil. Um dos exemplos é a banda Guns N’ Roses, que

anunciou recentemente o lançamento de uma nova edição de seu álbum de estreia, Appetite for Destruction. O grupo lançou o trabalho original há quase 31 anos e esse continua sendo o disco de estreia mais vendido dos Estados Unidos. A paixão de Sérgio Garbino pelo rock fica visível até mesmo no toque do celular: o clássico som Whola Lotta Love, da banda Led Zeppelin. Ao ser questionado sobre a qualidade dos materiais recebidos, ele afirma que a loja preza pelo bom estado dos itens, justamente pelo fato de que serão reaproveitados por outras pessoas. Os vinis recebidos, antes de serem colocados à venda, são lavados e revestidos com plásticos externo e interno. “Sabemos que o pessoal está comprando hoje para escutar e não para pendurar nas paredes”, conta Sérgio Garbino. “O legal daqui é que os objetos

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que estão sobrando, acumulados na garagem ou ocupando espaço no apartamento do pessoal, podem ser úteis para outras pessoas”, relata o dono da “Só No Vinil”. Garbino diz ainda que a cidade de Canoas conta com poucas opções desse tipo, que não há lugar que ainda venda EPs e LPs, e cita, novamente, a pouca variedade oferecida por lojas de música convencionais. Além de todos os elementos que fazem do estabelecimento um ponto atrativo, a localização favorece muito a divulgação. “Por ser na estação, passa muita gente, não sei quantas mil são, mas o ponto é essencial”, conta Renato Ramos. Com isso, grande parte dos moradores do município já sabem onde encontrar essas antiguidades que seguem sendo, conforme a equipe de vendedores, as principais fontes de cultura para a sociedade.


ESTAÇÃO MATHIAS VELHO

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Ritmo da dança embala a vida FAXINEIRA USA ESTAÇÃO MATHIAS VELHO COMO PALCO PARA REALIZAR O SONHO DE DANÇAR POR DANKIELE TIBOLLA . FOTOS DE KELVIN HOFFMANN

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hegou sexta-feira. Para Isabel Cristina Camilo da Silva, faxineira, é o início do fim de semana. Depois de um dia cansativo de trabalho, é hora de se arrumar. Veste-se: macacão longo de alça rosa forte, sua cor preferida. Camiseta azul marinho escondendo os ombros. Na cabeça, usa um turbante preto e vermelho enfeitando os poucos fios de cabelo. Nos lábios, um batom coral se destaca a cada sorriso. Muito vaidosa, seu perfume exala pelo ar. Lá vai Isabel curtir e fazer o que mais gosta: dançar. Em meio à multidão que se desloca entre um trem e outro, ela faz da Estação Mathias Velho seu palco. E, entre um barzinho e outro, exibe para quem quiser ver seu rebolado. Muito eclética, samba no funk e rebola no samba, mas a cada gingado é o sorriso que sempre destaca. Quem passa por ali percebe o quanto a faxineira ama a dança. Frequentadora assídua, Isabel já é uma figura carimbada da estação. Aos 50 anos, a mulher mora em

Canoas, mas foi criada em Alvorada. Abandonada ainda pequena pela mãe, tem poucas memórias da vida. Sentada em um pequeno espaço do quitinete alugado, ela lembra com carinho das lembranças que tem do seu pai. “Eu não ganhei festa de 15 anos, então meu pai me levou numa loja para eu escolher um vestido. Era no tempo do ‘mirreis’”, relembra. A moça disse que a roupa custava 126 mirreis, e o pai então pediu para que ela guardasse, que no outro dia iria receber e então comprava. Com os olhos brilhando e na tentativa de dar mais detalhes, Isabel puxou do pequeno guarda-roupa, que fica ao lado da cama e próximo da porta, um vestido semelhante, porém rosa (o que tinha ganhado do seu pai era branco com pedras brilhosas) “Ele era lindo, branco com umas pedras, ia até o chão e tinha uma manga linda. Fiquei muito triste o dia que ele rasgou e eu não consegui arrumar, hoje tenho esse”, disse, mostrando um vestido rosa de prenda que foi de sua filha ainda na infância.

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A vida de Isabel não é nada fácil. A faxineira criou a filha com a ajuda dos patrões que deixavam que a menina fosse junto ao serviço. Por conta do alcoolismo, foi denunciada por um ex-namorado e perdeu a guarda da filha, que passou a viver com a tia por parte de pai. “Meus patrões sempre foram bons, me ajudavam com a minha filha. Depois que eu perdi a guarda dela, eu tinha os horários certinhos para visitar. Hoje é uma mulher já, tem 18 anos e mora aqui perto de mim, sempre que eu posso ajudo em alguma coisa”, conta Isabel, mostrando a televisão que a patroa “tirou no cartão de credito” (maneira que as pessoas com menos condições utilizam para dizer que alguém comprou algo para elas). Mesmo passando por todas as dificuldades, Isabel nunca deixou o sonho de lado, e o sorriso sempre foi seu maior aliado. O encantamento pela dança começou ainda jovem, com o pai que adorava tocar vários instrumentos enquanto ela dançava. “Meu pai tinha uns instrumentos de samba que ele vivia tocando, eu fui gostando e aprendendo. Meu sonho


Isabel pronta para mais uma festa na Estação

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era ser dançarina, mas aí foi ficando difícil e não deu”, conta Isabel, que entre uma conversa e outra desculpa-se pelo jeito com que contava sua história. Ela justifica que é desprovida de estudos. Logo que seu pai faleceu, foi morar em Canoas. Das escassas e confusas lembranças, uma ela não esquece. “Eu tinha um irmão que era doente. Essa doença o deixava nervoso e agitado. Ele morava em um lugar lá em Porto Alegre. Às vezes deixavam ele me visitar, traziam ou ele vinha de ônibus. Era querido e eu o amava. Um dia teve uma crise forte e acabou falecendo. Minha mãe pelo menos me deu ele, né!?”, relata. Sempre que tem uma farra por perto, Isabel se prepara, coloca a roupa preferida e parte para dançar. Todo o ano acontece a Festa do Motorista – onde católicos comemoram em honra a São Cristóvão, padroeiro dos motoristas. Engana-se quem pensa que a animação fica por conta das bandas que tocam por lá. Quem faz o povo se divertir com suas danças é Isabel. “As festas aqui só começam quando ela chega. Já é de praxe, todo mundo fica perguntando por ela”, conta Gorete Leffa, 60 anos, que trabalha todos os anos como voluntária do evento. Quando a faxineira chega, todos param para apreciar sua performance. Ela, como uma bela passista, mostra todo o talento alegrando e roubando as atenções até mesmo daqueles que ali estão a trabalho.

Segundo Gorete, Isabel é uma mulher sempre disposta e muito alegre. “Encontro ela na rua indo para o trabalho, ela trabalha de faxineira nas casas das pessoas, sempre alegre e muito disposta”, conta. Ariane Laureano, 23 anos, estudante de Jornalismo, conhece Isabel desde o tempo da escola. “Conheço como Lacraia, e a primeira vez que a vi, foi numa gincana que a gente fez no colégio. Tinha a festa de encerramento com bandinhas e ela estava lá “sambando na cara da sociedade”. Foi bem na época daquela música pocotó, pocotó, minha eguinha pocotó. Então estava muito em alta o nome Lacraia e me falaram que esse é o nome dela”, recorda Ariane. Apesar de ser chamada com esse apelido, Isabel sente-se desconfortável e prefere ser lembrada apenas pelo seu próprio nome. Mas não é só a dança que embala seu coração. Solteira e rodeada de crushs, Isabel tem ídolos por aí. Na geladeira branca do pequeno quitinete, vários adesivos revelam a admiração que sente por um político da cidade. Com uma rápida olhada

para a geladeira e um sorriso largo, não conseguiu conter-se ao falar dele “Eu adoro o vereador Dario, ele é muito querido, meu amigo, me ajuda, “meu fã”, sempre que têm as coisas dele eu apareço”, conta Dario sabe desse amor platônico. Segundo ele, é uma mulher muito feliz e sempre que a encontra, faz questão de ir abraçá-la. “Teve um ano de eleições que fizemos uma carreata muito grande e passamos em frente à casa dela. No final da carreata lá estava ela me esperando com um pedaço de bolo em formato de coração, muito bom por sinal”, lembra Dario. Para Ariane, Isabel é uma motivação, principalmente naqueles momentos em que as coisas não vão bem. “Recentemente vejo Isabel na Estação Mathias Velho na volta da faculdade. Devido à violência, e constantes assaltos, Isabel não tem comparecido muito, mas sempre que aparece as risadas são garantidas. Já que ser dançarina como profissão não foi possível, ela sonha com o dia em que desfilará em uma escola de samba. “Quero entrar de sapatinha mesmo para não doer os pês. Com um vestido igual ao que meu pai me deu e que dê para tirar as mangas, se não eu passo calor. Na cabeça uma coroa e um monte de crianças na volta comigo dançando. Um dia eu vou”! Isabel é um exemplo de superação e, por meio da dança, mostra o quanto a vida pode ser mais simples e feliz.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER Quando iniciei a disciplina, achei que não teria muitos problemas com relação ao jornalismo literário, visto que sempre tive facilidade em escrever textos literários, tendo inclusive que me policiar. Definido o tema, não passei por maiores dificuldades para encontrar uma pauta. Porém, minha dificuldade foi encontrar a fonte principal, pois ela não estava indo mais na Estação Mathias Velho, além de não ter nenhum meio de comunicação a não ser, presencial. Quando finalmente encontrei minha fonte, percebi que

ela é um pouco desconfiada. Acredito que a vida tenha pregado algumas peças que a deixaram assim. Depois de muita conversa, consegui criar uma relação de confiança e então, saber de sua história. A vida realmente não foi nada fácil para Isabel, por vezes, confusa. Tão difícil quanto entende-la, foi tentar colocar as emoções e vivências dela em aproximadamente, três páginas do word. Espero ter conseguido mostrar a história de superação e sonhos de uma mulher que faz da dança sua maior aliada.

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ESTAÇÃO SÃO LUÍS

No vagão da saudade PARA REVER OS PAIS QUE MORAM LONGE, JOVEM VIVE AS EMOÇÕES DE UMA PRIMEIRA VIAGEM DE TREM TEXTO E FOTOS LIDIANE MENEZES

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o longo dos anos, nossa vida é repleta de primeiras vezes, e cada um de nós tem uma percepção e uma reação diferente ao enfrentar estes momentos. Mas você ainda lembra da sua primeira vez em um trem? Pode parecer estranho que em pleno século 21 algumas pessoas nunca tenham utilizado este meio de transporte, mas elas existem e os motivos para nunca terem andado são diversos. Eu sou uma dessas pessoas. Andréia da Silva Correa, também. A jovem de 18 anos nasceu no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Taquara, no Vale do Paranhana. Estudante do 3º ano do Ensino Médio, ela mudou-se para Canoas no início de 2018. Veio de Parobé, município com cerca de 50 mil habitantes, conforme dados do IBGE. Ela mora com o namorado, os avós, os pais e a irmã dele. São sete pessoas em uma casa de paredes cor de rosa, próxima à Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Em nosso primeiro encontro combinamos nossa viagem para um fim de semana, assim pois, não atrapalharia a rotina da jovem. O termômetro do carro marcava 30ºC, uma tarde de sábado quente e abafada com tempera-

tura atípica no outono gaúcho. Desde que se mudou para Canoas, a jovem tem visitado os pais apenas quando o namorado ou o avô dele a levam de carro, mas esses momentos são raros. Desta vez, ela aventurou-se pegando o trem até Novo Hamburgo. Lá seguiu o trajeto em um ônibus até Parobé. Vinda de uma cidade relativamente pequena, Andréia confessa que estranhou a vida na cidade grande. “Aqui é tudo maior, são mais pessoas, mais coisas para ver e conhecer. Tem até dois shoppings, coisa que na minha cidade antiga não tinha”, afirma. Canoas é um município localizado na Região Metropolitana, com uma população estimada em 340 mil habitantes, um número bem mais elevado que sua morada anterior. A jovem mudou-se para o lugar ao conhecer o namorado em uma festa. Já estão juntos há dois anos e alguns meses. “Ele pegou meu número e me mandou um WhatsApp, depois fomos conversando e nos conhecendo”, confessa. Os pais da garota ficaram em Parobé e apoiaram a mudança da filha. “Eles aceitaram numa boa, sempre gostaram do meu namorado e da família dele, são amigos há muitos anos, então foi tudo muito fácil”, conta. Trafegando por uma longa avenida que dá acesso até à BR 116, vamos jogando conversa fora. Ela

Andréia enfrentou inúmeras sensações na primeira vez que andou de trem


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aparenta estar nervosa, morde os lábios, olha pela janela, procura por alguma poeira imaginária na roupa. Parece ser difícil ficar parada. No último ano do Ensino Médio, ela apenas estuda, já que não encontrou um emprego, mesmo depois de deixar currículo em diversos lugares. Frequentando as aulas na parte da manhã, sonha em cursar uma faculdade. “Na escola eu gosto de esportes, por isso penso em fazer Educação Física, mas não quero ser professora. Também já pensei em Administração, mas fico em dúvida, é muito difícil essa fase de escolher o que fazer”, diz. Bastante tímida, a jovem tamborila os dedos em um ritmo acelerado sobre o banco, falar sobre o futuro a deixa ansiosa. “Acho que preciso escolher um curso que eu realmente goste, imagino que estudar uma coisa que não agrada vai

me deixar sem vontade, sem motivação, isso deve ser muito ruim”.

A PRIMEIRA VEZ EM UM TREM

A Estação São Luís/Ulbra é a mais próxima de sua residência, fica a cerca de 3 quilômetros, localizada na Avenida Guilherme Schell. Conforme dados do site da Trensurb, a estação conta com duas escadas rolantes e um elevador. Segundo Kauê Menezes, responsável pela Comunicação Integrada da Trensurb, em 2017, passaram pelo local cerca de 5 mil passageiros por dia útil, muitos estudantes da universidade que dá nome ao lugar. Além deles, passam por ali trabalhadores e outros transeuntes que cruzam o recinto todos os dias. Na estação temos uma missão: será a primeira vez de Andréia em um trem. Eu havia passado por isso há PRIMEIRA IMPRESSÃO

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apenas algumas semanas e sei bem o que a jovem estava sentindo. O frio na barriga, a emoção do desconhecido. Na estação, um dos funcionários passa por nós acompanhando um rapaz com problema de baixa visão. Segundo o site da Trensurb, pessoas com deficiência recebem um atendimento diferenciado, feito por funcionários treinados. No guichê de venda de passagens, o valor está fixado logo acima do vidro - R$ 3,30. Até alguns meses atrás, o valor era menor, e mesmo após diversos protestos em decorrência do aumento e uma multa aplicada a empresa, a Trensurb manteve o preço. Entrego uma nota de R$ 20, o atendente dá o troco e três cartões. Pensando em testar o atendimento, questiono para que serve aquele cartão. “Você deve inserir na catraca”, o funcionário responde. Com o cartão em mãos, Andréia segue em direção à roleta. Explico que o cartão deve ser inserido e após isso sua entrada será liberada, aguardo que ela e a prima do seu namorado cruzem. Ao descer as escadas, estamos na área de embarque, como informa uma placa nas cores azul e vermelho com letras brancas. Àquela hora do dia, próximo das 14h, quase ninguém ocupa o lugar. Uma família sentada em um banco, algumas poucas pessoas espalhadas pela área e só. Percebo o olhar

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Em um primeiro momento, o tema “Nos trilhos da vida” me causou estranheza. Para uma pessoa vinda do interior do Estado, andar de trem nunca foi algo comum. Desde o início, acreditei que minha maior dificuldade seria com a escolha da pauta, afinal, não conhecia o ambiente, nem nunca havia me aventurado a andar sobre trilhos. Ao longo dos dias, percebi que esse era justamente o assunto que deveria abordar: encontrar pessoas que como eu, não costumassem utilizar este meio de transporte. Pauta escolhida, saí a procura de boas fontes. Foi um caminho longo e tortuoso, até que conheci Andréia. Nossas histórias possuem inúmeros traços em comum, somos duas estudantes, vindas do Vale do Paranhana e que hoje moram na região metropolitana, mas nossa maior semelhança envolvia o trem. Acompanhar a primeira viagem da jovem foi uma experiência bastante enriquecedora, comparamos nossas experiências e sensações, trocamos ideias ao viver esse momento especial. Contar sua história foi, sem dúvida, um grande aprendizado.

Após embarcar na Estação São Luís/ Ulbra, Andréia foi de ônibus até Parobé

da menina absorvendo todas as informações ao seu redor. Ela quer saber sobre o funcionamento de tudo, a maneira como os trens se locomovem, como sabemos a hora de embarcar, qual a diferença dos trens novos. O trem chega, é um dos modelos antigos. Não está lotado, mas tem um número razoável de passageiros dentro. Há três bancos livres, mas em lugares separados. Pergunto a uma jovem se ela poderia trocar de lugar comigo, ela aceita. Durante a viagem, vamos discutindo sobre o que vemos ao redor. Uma jovem encostada próxima à porta anuncia a venda de álbuns da Copa do Mundo da Rússia, segundo ela podem ser compradas figurinhas também. Algo chama atenção de Andréia, com um tom de riso ela comenta: “Olha, não precisamos nos preocupar com segurança, ele poderá nos defen-

der”, brinca. Olho para o lugar que ela aponta, em um banco do trem um homem vestido com roupas do personagem Chapolin Colorado dorme encostado à parede. Na rua, o sol e o calor são insuportáveis, dentro do trem não há grande diferença, já que os veículos antigos da frota não contam com um equipamento para aliviar o calor escaldante. Um trem passa pelo nosso, assusta a jovem que arregala os olhos e comenta: “Nossa, que rápido”. Ela não está errada, uma vez que os trens podem chegar a uma velocidade de até 90 km/h. Seguimos o caminho com o trem sacolejando pelos trilhos, acelerando e freando ao se aproximar de cada estação. Na estação Sapucaia um senhor adentra o trem com um bebê nos braços. A criança deve ter cerca de um ano, como ninguém parece notar, levanto do lugar onde estou sentada para que o homem tome o assento. Ele agradece. A cada estação, o número de passageiros muda. Lembro que na primeira vez que andei de trem a televisão localizada dentro do vagão mostrava o horóscopo diário, desta vez passavam notícias sobre o Grêmio. “Sou gremista e você?” pergunta a jovem. Sou colorada, é a minha resposta. Nos minutos que separam nosso ponto de partida até nosso destino final, Andréia conta sobre como sente falta PRIMEIRA IMPRESSÃO

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dos pais. “Às vezes a saudade bate forte, chega a doer”, confidencia. Após mais algumas paradas, o condutor do trem anuncia nosso destino. Saímos do trem para conhecer o lugar, talvez por sua localização e pelo número elevado de pessoas que cruzam o lugar todos os dias, nossa impressão é que essa estação aparenta ser maior que a estação São Luís/Ulbra. Na rodoviária de Novo Hamburgo, antes da nossa despedida, pergunto qual foi sua impressão ao andar de trem pela primeira vez. “Eu gostei, é mais rápido, tem mais lugares para pessoas, mas não tem uma grande diferença de um ônibus”, afirma. Assim nos despedimos, cada uma irá seguir o seu caminho, eu volto para minha casa, enquanto ela segue até Parobé para finalmente matar a saudade dos pais, que não vê há algumas semanas.


ESTAÇÃO PETROBRÁS

Reaproveitar

D

as toneladas de recicláveis compactados desponta um pequeno papel brilhante com um logo de marca de cerveja. “É um rótulo que sai com defeito e eles mandam pra cá”, explica o gerente comercial da empresa de reciclagem. Todo dia, os caminhões protagonizam um entra e sai sem fim na matriz da CTS, localizada a cerca de cem metros da Estação Petrobrás, em Canoas. Por mês, são cerca 6 mil toneladas de diferentes tipos de papeis e plásticos reciclados. Apesar de ser uma cifra alta, é ainda pequena se comparada com a quantidade de lixo que não é reaproveitado. “É muito prático jogar fora. E as pessoas pagam por isso. Enquanto isso acontecer, o capitalismo não vai perder a chance de vender. Não está errado, pois gera um monte de emprego, mas chega um ponto limite no ambiente em que passivos começam a ser deixados”, alerta Felipe Basso, gerente comercial da CTS, recicladora fundada em 1993 por seu pai e seu tio. Cerca de 70% do que passa pela empresa é composto de papelão. Esse material é altamente reciclável, podendo voltar a servir de embalagem após o processo. “Praticamente tudo que se transporta precisa de caixa. É interessante que o mercado de aparas (materiais reciclados) mede o fervor econômico. Se há muita geração de embalagens, é porque as pessoas estão comprando bastante”, analisa Basso. Segundo ele, a produção de lixo também mede a riqueza das populações. “Hoje, no Brasil, gera-se cerca de 1 kg de lixo por pessoa ao dia. Em países desenvolvidos, esse número chega até 2,5 kg”, explica.

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é preciso

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EM UMA SOCIEDADE ALTAMENTE DESCARTÁVEL, O DESTINO CORRETO E A RECICLAGEM DO QUE É JOGADO NO LIXO AINDA SÃO DESAFIOS POR IGOR MALLMANN. FOTOS DE KELVIN HOFFMANN

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Todo esse lixo que produzimos precisa ser recolhido e, algo que geralmente não pensamos muito a respeito, receber um destino adequado. Vai para reciclagem ou para o aterro sanitário. A Cooperativa dos Recicladores de Dois Irmãos é um exemplo bem sucedido, realizando, toda a coleta de resíduos no município sede. “Hoje nós reciclamos cerca de 130 toneladas de lixo por mês. Cerca de 25% de todos os resíduos são reciclados. Temos uma média muito melhor do que outras cidades, que geralmente reciclam de 3% a 5% do lixo”, explica Roberto Araújo da Silveira, presidente da cooperativa, sobre o porquê de Dois Irmãos ser considerado um município exemplo na questão ambiental. Os caminhões da coleta da cidade vêm e vão pela estrada de terra que leva à cooperativa. Quando chegam, descarregam os materiais para que se inicie o processo de separação. De uma esteira, os cooperados jogam os materiais em diferentes sacos, de acordo com a natureza do resíduo. Plásticos, papéis, vidros,

metais – tudo precisa ser classificado criteriosamente para poder ser reaproveitado e merecer um preço melhor. A partir daí, os processos variam de acordo com o material. Alguns vão para lavagem, são triturados ou compactados. O objetivo é deixar o que foi lixo em condições de ser reutilizado pela indústria. Lâminas de raio-X, garrafas, latinhas cadernos, louças: um fluxo sem fim de produtos descartados passa pela esteira. Pelo custo das máquinas e da mão de obra, Silveira afirma que a reciclagem é um ramo de retorno muito baixo, complicado de se sustentar financeiramente. Conforme ele, a cooperativa só se mantém em função de um contrato de prestação de serviço com a prefeitura de Dois Irmãos firmado há sete anos. O poder público entra com caminhões e motoristas para a coleta. Também há projetos para auxiliar com o custo de manutenção das máquinas. Há 38 pessoas trabalhando como garis e na separação do lixo. Descendo as escadas do galpão principal da cooperativa, no piso PRIMEIRA IMPRESSÃO

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inferior, há a parte de lavagem de materiais. Ali a explicação do cooperado Silveira só pode ser compreendida por meio de gestos, pois o volume do som emitido pelas máquinas supera muito a capacidade vocal humana. O barulho dos equipamentos em funcionamento contrasta com a natureza tranquila das árvores que circundam a cooperativa, molhadas pela fina chuva de um dia do outono gaúcho. Televisões de todos os tamanhos e monitores de computador perfazem um amontoado de lixo típico da contemporaneidade. Segundo Silveira, faltam pontos de coleta para descartar estes eletrônicos que um dia foram novidade para alguém. E mesmo na separação de materiais simples ainda há confusão ou desleixo. “Como a cooperativa já realiza um trabalho de anos, as pessoas aqui de Dois Irmãos têm o costume de separar o lixo, mas sempre tem gente que vem de outras cidades e não está habituada a fazer isso”, conta o presidente da cooperativa, salientando que a conscientização precisa ser constante. Por esse motivo, ocorrem visitas constantes de escolas aos galpões da cooperativa. Na parede, um cartaz explica as diferenças entre cada tipo de plástico e traz outras informações pertinentes à reciclagem. Também há uma prateleira de livros que são encontrados no lixo e podem ser retirados pela comunidade.

NEM TÃO RECICLÁVEL ASSIM

Se perguntarmos aos nossos pais ou avós, descobriremos que em tempos pregressos a relação com o lixo era bastante diversa. Reinavam as garrafas retornáveis e os produtos vendidos a granel nos arma-

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zéns. “Hoje temos uma sociedade altamente descartável e pouco consciente da responsabilidade na produção de lixo”, adverte Basso. No ciclo de reciclagem, a maioria dos papeis brancos vira guardanapo e papel higiênico. Este material que usamos para nos assear é um exemplo do preconceito e das contradições nas relações das pessoas com os reciclados. “A pessoa vai no mercado e paga pelo papel higiênico bem branquinho. Aquele cinza ninguém quer mais. Mas esse é justamente o reciclado. Se tu não comprar esse papel higiênico, não tem sentido recolher folhas de papel para reciclar aqui”, pondera o gerente da CTS. A falta de consciência, conforme Basso, está também nos projetistas de embalagens. Ele cita o exemplo das garrafas de energéticos, que, por vezes, contêm rótulos com compostos químicos que inviabilizam a separação nos métodos industriais de classificação de materiais. “Estamos aceitando colocar no mercado produtos que

vão para o aterro sanitário. E isso ocorre impunemente. Existe hoje uma consciência grande quanto aos orgânicos, ao uso de agrotóxicos, por exemplo. Por que não se pode ter essa consciência também no consumo, na questão das embalagens?”, provoca. Roberto da Silveira caminha entre os montes de lixo que os caminhões descarregaram e escolhe uma garrafa branca como exemplo, arrancando o rótulo. “As indústrias não estão preocupadas com o ambiente. Ao invés de nos ajudar, elas complicam nossa vida. Estão lançando um monte de garrafas brilhosas, com cada parte feita de um tipo de plástico diferente. Daí lá na esteira temos que separar tudo”, afirma ele. O mercado da reciclagem, além de uma necessidade para a preservação ambiental, tem crucial papel econômico. “É uma baita ferramenta de distribuição de renda, pois geralmente são pessoas bem pobres que trabalham no recolhimento dos materiais.

Em um país com tanta desigualdade de renda, isso é algo muito importante”, garante Basso. A CTS emprega 40 funcionários e tem uma rede de cerca de 500 fornecedores, sem contar os catadores envolvidos na coleta. “A reciclagem, infelizmente, ainda é um ramo discriminado: chamam o pessoal de lixeiro e ninguém gosta de ter um ferro-velho ou qualquer coisa que pareça lixo perto de casa”, lamenta Basso.

A Cooperativa dos Recicladores de Dois Irmãos recicla mensalmente 130 toneladas de lixo proveniente da coleta seletiva da cidade

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Ao longo do dia, nós descartamos os mais variados materiais, nos mais variados locais. Quando colocamos uma embalagem na lixeira de casa ou de algum estabelecimento, normalmente não temos noção de todo o lixo que produzimos. Essa dimensão eu tive ao visitar dois espaços de reciclagem sobre os quais discorre esta reportagem. Também a complexidade do processo de reaproveitar o lixo é algo pouco refletido no cotidiano. São volumes medidos em toneladas e há uma longa cadeia de pessoas envolvidas e afetadas. Concluí essa matéria com a certeza de que só a conscientização ampla da sociedade pode trazer um futuro sustentável. É preciso ampliar o debate sobre o que consumimos e como consumimos, sobre a maneira como os produtos são oferecidos pela indústria e qual destino daremos a todo o volume de materiais descartados. Enfim, uma discussão sobre o próprio modelo econômico no qual se insere o consumo.


O outro

ESTAÇÃO ESTEIO

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lado da Expointer UM DOS EVENTOS MAIS BADALADOS DO PARQUE ASSIS BRASIL ESTÁ NA MEMÓRIA DOS GAÚCHOS HÁ 40 ANOS POR STEPHANY FOSCARINI. FOTOS DE MATEUS FRIEDRICH

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G

rama verde e cortada, cheiro de campo no ar, homens passeando com cavalos, muita conversa jogada fora e risadas soltas ao vento. Assim é uma manhã em plena quinta-feira no Parque Estadual de Exposições Assis Brasil, ao lado da Estação Esteio, na BR 116. Quem vê o parque assim não imagina que é conhecido pelos inúmeros eventos que realiza e atrai um grande número de público de todas as idades. Em 2017, a Expointer chegou à 40º edição. O que será que tem de tão especial e faz durar por tantos anos? Quem pode responder esta pergunta é o subsecretário de agricultura do parque, Sérgio Bandoca Foscarini da Silva, 68 anos. Segundo ele, o evento passou por grandes inovações ao longo destes anos. Lavadores novos, alterações nas pistas de desfiles, reformas no pavilhão do gado do leite, calçamento na entrada do portão 4, nova caixa da água de 50 mil litros, instalação da nova rede de luz e criação do pavilhão novo onde era o antigo cavalo crioulo, que a tempestade levou, são algumas melhorias. Silva alega que o planejamento de uma Expointer é de um ano para o outro. Assim que acaba um evento, já inicia a preparação para o próximo. “Temos 48 eventos até o final do ano. Então nós diversificamos o parque. Atualmente, não é só da agropecuária. Em convênio com a prefeitura e com outras entidades, nós temos todos os tipos de festas, até carnaval de rua e apresentações de igrejas. Foi um movimento de mini Expointer”, considera. Quem passa pela BR 116, em Esteio, percebe de longe as bolas coloridas, decorativas e grandes em frente ao parque. O subsecretário pronunciou que é o símbolo da Expointer e é cedido para entidades que fazem artesanato, totalizando 25 dentro de cada espaço. A meta é reformar todas antes do grande dia neste ano.

SOBRE O PARQUE

O subsecretário assumiu o cargo em 2015, quando um vendaval destruiu 70% do parque. “Assumimos o compromisso de reconstruir o local e trazer mudanças importantes. O PRIMEIRA IMPRESSÃO

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parque tinha dois ou três eventos, e no resto do ano ficava parado. Nossa intenção sempre foi dar vida ao local, tanto que hoje tem pessoas que frequentam de segunda a segunda-feira”, acrescenta. Caminhadas, rodas de chimarrão e pedaladas são algumas das atividades que as pessoas cadastradas realizam no lugar. Os interessados devem levar um documento de identificação. Dois dias depois, podem retirar o crachá e estão autorizadas a entrar todos os dias no parque. O lugar conta com seguranças 24 horas em todos os portões, carro e moto de segurança que circula dentro do parque e guardas caminhando em todo o espaço. Tem aproximadamente 80 funcionários, contando com profissionais da limpeza e administração. “É uma mini prefeitura rica. Não dependemos de ninguém, visto que temos tratores para limpeza, retroescavadeira, caçamba, guincho, entre outros materiais”, anuncia.

ENCANTO QUE DURA ATÉ HOJE

Ex-comandante da Brigada Militar, em Palmares do Sul, e aposentado, Lauro Roberto Masschmann dos Santos, 49 anos, é casado e pai de uma menina de 17 anos. Santos foi na 5º edição do evento, em 1984, aos 15 anos, junto com os ex-colegas em um passeio da escola. Era estudante da 8º série, na Escola Polivalente de Osório, quando surgiu a oportunidade de ir até a Expointer. “Como estávamos estudando técnicas agrícolas e o professor era veterinário, nós fizemos a excursão até Esteio. Foi no último domingo do evento e passamos o dia todo”, relembra. Ele recorda com carinho do momento em que chegou e viu o local. “Eu até fiquei surpreso, porque era do interior e de uma área agrícola. O que me surpreendeu é que a tecnologia já era avançada. Não só isso, lá onde eu morava conhecia só uma raça de gado, ali tinha uma diversidade e várias máquinas”, pontua. Algumas lembranças ficaram marcadas e estão presentes até hoje na memória do aposentado. “Naquela época, já havia shows e, na oportunidade, assistimos à apresentação do cantor Gaúcho da Fronteira”, disse. Na opinião dele, o lugar passou por mudanças significativas, entre

elas: o tamanho do local, número de visitantes, avanço da tecnologia e estrutura do parque. O tempo passou, mas a relação com a Expointer continua firme e forte. Nos anos de 2008 a 2011, trabalhou como segurança da governadora Yeda Crusius. O trabalho surgiu quando tinha 38 anos, pois já era segurança da governadora quando ela era deputada, era cedido da Brigada Militar para fazer este tipo de serviço. A rotina de trabalho era de apenas seis horas por dia, durante todos os dias do evento, na casa de governo. “Nosso dever era simples: acompanhar Yeda em todos os percursos no parque. Eu e mais sete seguranças, fora os policiais da Brigada Militar”, revela. De acordo com ele, é uma espécie de cargo político e ele ficou exercendo este extra durante os quatro anos de governo da Yeda.

PRESENÇA DO ARTESANATO É FORTE

Há 36 anos coordenador da Federação Gaúcha de Artesanato, João Carlos Mentz, 63 anos, diz que em torno de 300 artesãos cadastrados participam da feira no Parque Assis Brasil todos os anos. “Vai quem quer e tem condições de pagar, pois tem que pagar alimentação, estrutura do espaço adquirido e transporte. Eles ficam todos os dias do evento, das 9h às 20h”, esclarece. Antes de participar, os artesões passam por uma seleção, na qual são escolhidos os melhores trabalhos e quais estão aptos para entrar no evento. Depois da Expointer, cada artesão deve entregar um relatório com o número de vendas.

ca, fazia artesanato para conseguir renda extra, mas foi se desenvolvendo até chegar ao ponto profissionalizante. Na Expointer é uma oportunidade de expor material e abrir clientes novos. “Não podemos desconsiderar que há momentos em que a crise está maior e consequentemente o número de vendas baixa. O ideal é criar uma rede que dê sustentação”, complementa. Na opinião dele, a Expointer cresce a cada ano que passa por causa do atrativo da genética do gado que é exposto e desenvolvimento tecnológico da máquina e implemento agrícola. “Paralelo a tudo isso ocorre a feira da agricultura familiar, o programa do artesanato e a área de comercialização interna e externa que também fazem movimentar o evento”, avalia. A rotina de trabalho é puxada e quando não está produzindo materiais novos, Marcus visita os clientes nas cidades como Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapiranga e Porto Alegre. Antigamente ele tinha a ajuda da esposa, Silvia, mas tudo mudou com o nascimento de Marília. Silvia ficou em casa para cuidar exclusivamente da filha e Marcus teve que seguir na carreira sozinho.

EXPOINTER TAMBÉM GERA LUCROS

Marcus Vinicius da Cunha, 62 anos, formado em Enfermagem na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) atualmente trabalha como artesão e é expositor há cerca de 24 anos na Expointer. Ele revela que faz este tipo de trabalho desde os 14 anos. “Já trabalhei até no Hospital Conceição, mas nunca deixei o artesanato de lado, até o momento em que optei por trabalhar unicamente com isso. A produção funciona todos os dias e tenho o ateliê montado em casa”, salienta. De acordo com Cunha, na époPRIMEIRA IMPRESSÃO

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Ao descobrir o tema da revista e escolher a Estação Esteio, a primeira pauta que me veio na cabeça foi escrever algo sobre o Parque Estadual de Exposições Assis Brasil (PEEAB). A dificuldade foi em encontrar algo legal para contar e que não fosse clichê. Os dias se passaram e, como em um passe de mágica, veio a ideia de unir um dos maiores eventos do parque, a Expointer, com histórias de pessoas que participaram das primeiras edições ou trabalham há anos no local. O momento foi de desespero, pois devia achar estas pessoas. Ainda bem que hoje em dia existe internet e as redes sociais. Postei no Instagram e nos grupos do Whatsapp. Deu super certo. Recebi indicações, e o período foi de iniciar o trabalho imediatamente. Saí da minha zona de conforto e fui parar no parque em um dia de manhã. No outro, entrevistei uma fonte na Federação Gaúcha de Artesanato em Porto Alegre. Esta reportagem me mostrou que é possível fazer aquela pauta que parecia impossível. O sentimento agora é de alívio e satisfação.


ESTAÇÃO LUIZ PASTEUR

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O rap segue nos trilhos A RIMA É O PONTO DE PARTIDA DA DUPLA SECO E MATIAS DKT, QUE PERCORRE AS ESTAÇÕES DE TREM POR JÉSSICA MARTINS. FOTOS DE LUCAS SCHARDONG

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s i n a l av i s a que as portas do trem vão se fechar. Na Estação Luiz Pasteur eles sobem. Como controladores de tráfico, sabem o horário que passa o novo trem. Encostados na porta, eles arrumam as roupas. Olhos sempre atentos aos movimentos à volta. Um puxa a gaita. Escuta-se o som da música e todos buscam de onde o barulho vem. ‘Boa tarde, vagão, com licença. Não queremos incomodar, só alegrar’. Assim, os dois artistas da Alquimia Espiritual se apresentam no trem. A dupla já é conhecida. Alguns cumprimentam. Outros parecem estar intrigados. Alto, cabelos longos, uma aparência magricela se apresenta Seco de Fênix, nome que adotou desde aos 13 anos. O jovem de 24 anos lança a primeira rima e pede aos passageiros que compartilhem as três primeiras palavras que lhes veem a mente.

Felicidade. Liberdade. Não tem. A última expressão surge de uma voz claramente envergonhada, que não sabe o que dizer. Em um beat pesado, alto, quase difícil de acreditar, que faz apenas com o som da boca, o argentino Matias Gomez, de 22 anos, dá a deixa para Seco prosseguir com a rima. Um casal joga uma moeda e, no instante seguinte, Seco agradece “lança uma moeda, um sorriso, que “nós toca” na festa do seu casamento”. O improviso agrada até as senhoras, as quais ele nunca deixa de elogiar. Estou atenta, como repórter, às rimas que parecem fluir naturalmente, mesmo que ele nunca tenha visto as pessoas, ou não saiba as reações que elas possam ter. Seco conta como funciona o processo criativo. Estar atento ao que acontece em seu redor. Fazer as pessoas pensarem naquilo que estão ouvindo. As rimas estão presentes no vagão há cerca de oito anos, mas seu projeto com o rap é mais antigo, ao


que chama de “Rima Cinza”. Em uma das canções ele cita Jorge Amado. Uma jovem que estuda sentada no vagão do trem tira os olhos do caderno para prestar atenção. Seco não perde a oportunidade, se abaixa e começa a improvisar em cima do conteúdo. Enquanto uma senhora saca o celular do bolso para filmar a intervenção, três crianças surgem pedindo uma rima, mas é hora de o trem parar em mais uma estação. Quando as portas do trem se abrem, eles chamam de “parada para os comerciais”. A dupla faz graça, enquanto um coloca o óculos escuro e se escora na porta, o outro se senta e finge ler um jornal. É Matias DKT, como gosta de ser chamado, quem confere se tem algum segurança rondando no trem. Por entreolhares, se avisam que está tudo certo para continuar. Se um agente da Trensurb aparece, eles são retirados do trem e só podem subir na próxima estação. A cada parada, automaticamente as pessoas também começam a vigiar. Segundo a assessoria de imprensa da Trensurb, a empresa busca incentivar as ações culturais em suas dependências. Porém, dentro de espaços delimitados, conforme o

regulamento para intervenções artísticas nas estações. “Visando a segurança e o conforto dos usuários, não é permitido nos trens, estações e áreas adjacentes à empresa: promover apresentações artísticas não autorizadas”, bem como “pedir esmolas ou donativos”, garante o comunicado oficial. Quanto a flagrante ou reclamação por parte dos usuários referente a apresentações não autorizadas, a assessoria afirma que os agentes da segurança metroviária devem comunicar ao artista que a prática é proibida, solicitando que ele se retire até a saída da estação mais próxima.

A RIMA APROXIMA

Quando param de rimar, os olhares, ainda são todos voltados para eles. “Que cara terrível, ele é muito bom”, comenta um homem encostado na porta, se referindo a Seco. “Ele parece um rádio, se escuta do fundo do vagão”, diz outro referindo-se a Matias. São três intervenções em cada vagão e uma surpresa diferente a cada vez que se reinicia. “É muito visível que “nós entra” no trem e as “pinta” estão emburradas, tristes, cansadas, de cara feia. Ninguém olha para ninguém, porque tem celular na mão ou está lendo seu livro. A gente inicia as rimas e automaticamente começa a mudar, a ter risada, atmosfera fica mais leve. Geralmente quando a gente sai é muito louco ver as pessoas falando umas com as outras, interagindo”, comenta Seco em um português falhado. Sobre as interações que acontecem nos vagões ele ainda acrescenta que “é necessário quebrar essas barreiras porque isso são armadilhas pré-construídas para a gente se perder”. Não é possível prever se as pessoas vão gosPRIMEIRA IMPRESSÃO

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tar da rima. Em algumas intervenções, os aplausos rompem sem que Seco precise pedir. Em outras, as pessoas parecem estar concentradas demais em sua própria rotina. Existem muitas pessoas usando o trem diariamente como uma espécie de palco. Todos precisam de atenção para conquistar o público e algumas moedas. Às vezes apelam para o lado emocional, às vezes fazendo rir ou apenas oferecendo algum produto. É interessante observar como esses enredos se constroem, quando alguma mulher ou idoso aparece as pessoas parecem se mobilizar mais. As histórias tristes são vistas com desconfiança. A dupla da Alquimia parece convencer a plateia por fazer rir. “E se eles fossem negros? Como seriam vistos pelas pessoas falando “me dá teu celular que eu termino a ligação” ou “não procura moeda e joga a carteira inteira”. Coloca Suzane Cardoso, que além de artes cênicas, faz rap e acompanha ocasionalmente Seco e Matias. Ela atenta que existe um contexto que precisa ser analisado, uma situação de privilégio dentro de um recorte racial. Conforme a dupla passa a touca pedindo con-


As rimas do Coletivo Alquimia Espiritual são carregadas das vivências cotidianas

tribuição, algumas pessoas entram no clima e começam a interpretar junto. Dançam, cantam. As crianças parecem encantadas, como se Seco tivesse lançado algum tipo de poção mágica sobre elas. Nessas horas é quase possível sentir a tensão do trem se quebrando.

A DUPLA DO BEAT

Eles percorrem da estação Novo Hamburgo até a São Pedro, em Porto Alegre. Paradas finais são evitadas devido à grande quantidade de seguranças. As paradas, na espera por um trem e outro, são intercaladas por um cigarro, um beat de improviso do Matias DKT ou alguma piada do Seco de Fênix. Eles brincam, se provocam e, por vezes, até parecem esquecer da presença da repórter e do fotógrafo. Seco é cheio de gírias para falar é aficionado por personagens de filmes e histórias em quadrinhos. Matias fala rápido, hora em espanhol, hora em português. Ele cita a hospitalidade brasileira e apresenta em uma conversa rebuscada de sotaque, alguns artistas que gostou de conhecer. O que apresentam no trem é carregado de histórias próprias. Seco começou a fazer rima e co-

nhecer “a rua”, em Santa Catarina. Matias já viajou diversos países da América Latina só com a mochila. São extremamente gentis com todos que encontram e não é difícil perceber porque conseguem fazer da arte o seu meio de sustento. Eles acreditam que a música tem uma força transformadora. Ao término de cada dia de trabalho, o passo seguinte é a procura por um lugar para fazer a contagem do dinheiro. A escolha do dia é pelo Mc Donalds, o lugar é o mais vazio em torno das 17h30. Após dividir as moedas em montes, cada pilha de um modo quase perfeccionista, o valor é repartindo igualmente. Os olhares das pessoas em volta são atentos. Meninas passam com seu lanche e os observam. No final do ‘expediente’ eles se separam e combinam o próximo encontro. O entardecer vai se aproximando, quando o trem está muito cheio não é possível rimar. Na última parada, um segurança entra no vagão. Entre comerciantes e pedintes, todos avisam da chegada do agente. Seco que está no meio da rima, se abaixa e continua em um tom baixinho avisando que vai ser necessário uma pausa. ‘E se, por acaso, alguém perguntar se estivemos rimando em seu vagão, por favor, digam que não’. Última parada e se encerra mais um dia de rima. PRIMEIRA IMPRESSÃO

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Acompanhar esse trabalho foi cansativo. Estar atenta às composições, à maneira como a dupla se movimenta por entre os vagões e aos comentários das pessoas à volta foi difícil porque havia muitas coisas a observar, em curtos períodos. Além de tudo isso, existia a expectativa durante o dia inteiro de ser pego ou não por seguranças da Trensurb. Fazer essa reportagem foi se desprender de muitos pré-conceitos e valorizar ainda mais algo que já me mexia comigo, a arte de rua. Na correria do dia a dia, quando alguém faz uma intervenção artística, ao ver as pessoas sorrirem e realmente se deixarem entregar a um momento de relaxamento é recompensador. Algumas pessoas podem acreditar que, por estarem no trem, em um trabalho informal, eles não passam de pedintes. Ao segui-los o dia inteiro, nota-se que eles fizeram da arte realmente um ganha pão e que trabalham lidando com as emoções das pessoas que nunca se pode saber como vão reagir, em uma carga horária maior que os empregos formais na maioria das vezes. A dupla é singular e dividir isso com eles e meu fotógrafo Lucas foi uma experiência narrativa cheia de desafios.


ESTAÇÃO SAPUCAIA

Da incerteza C

LAMARTINE ASSUMIU UM GRANDE RISCO, TEVE SUCESSO E HOJE SE SENTE REALIZADO COMO SAPATEIRO

POR THIAGO GOMES BORBA FOTOS DE LUCAS SCHARDONG PRIMEIRA IMPRESSÃO

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om agilidade nos movimentos, Darlan Luiz manuseia o calçado. Vira para um lado, passa a cola com o pincel. Vira para o outro e repete a ação. Na outra mesa, Lamartine Gonçalves, sapateiro por vocação e quem ensinou o ofício para Darlan, observa o ex-aprendiz. Lamartine acredita que uma pessoa pode até ser boa em uma profissão que não gosta, mas só consegue ser excelente quem ama do que faz. E se alguém aprecia

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à realização o que faz, o faz com alegria. A paixão pelo ofício de sapateiro começou quando era adolescente. Por volta dos 13 anos, Lamartine conseguiu um trabalho de mandalete numa sapataria. O então menino adorava bicicleta e procurou aquele emprego porque sabia que lá havia uma. Pela manhã, estudava e, durante a tarde, fazia o serviço. Então, nas ho-

ras vagas, o garoto ia para a bancada e começou a aprender. Gostou da profissão e o aprendizado veio fácil. “Eu aprendi a consertar, com arte, sem ser remendeiro”. Aprendeu a fabricação, até que dominou todas as etapas. Trabalhou em torno de quatro anos como aprendiz, e depois como sapateiro. De Caçapava do Sul, o jovem continuou estudando e acabou mudando de emprego. Aos 21 anos, veio morar em Sapucaia do Sul e logo conseguiu trabalho no setor de recursos humanos na Samrig, em Esteio. Conquistou estabilidade e boa condição PRIMEIRA IMPRESSÃO

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de vida. Mas, queria voltar para a antiga profissão. No entanto, já era casado e tinha dois filhos. “Quando tu toma uma atitude na vida que tu sofre a repercussão é uma coisa, quando tua família vai sofrer repercussão, é outra coisa”, conta. Lamartine decidiu se aventurar. Há erros que são acertos. “Eu estava muito inseguro em largar a empresa que eu trabalhava, tinha


Há 31 anos à frente da Status, Lamartine tem orgulho de ter formado os filhos trabalhando como sapateiro

muitos anos de casa, com credibilidade na firma, e aí fui fazer uma pesquisazinha de quantas sapatarias tinha em Sapucaia.” Ele encontrou quatro e ficou convencido de que era possível abrir o próprio negócio. “Depois que eu abri, o primeiro fornecedor que veio nos trazer material me disse ‘vocês agora são a 12ª de Sapucaia’. Se eu sei que é a 12ª, eu não teria largado a empresa. Graças a Deus eu errei essa pesquisa”, brinca. A poucos metros da passarela da Estação Sapucaia do Trensurb, no lado oposto do calçadão, há um prédio estreito, porém comprido, com fachada verde claro. Em cima há uma placa com fundo amarelo claro e letras vermelhas grandes onde se lê “Status”. A fábrica de sapatos de Lamartine Gonçalves produz e conserta calçados há 31 anos. Na parte da frente fica o balcão de atendimento. A lateral de vidro do balcão guarda um mostruário. Nas paredes laterais, prateleiras expõem diversos produtos. São botas, sandálias, chinelos, sapatos. Tudo bem organizado. No lado direito de quem entra, uma portinha vai e

vem de uma folha. Atrás da bancada, uma mesinha de escritório com computador e impressora. A peça é dividida por uma parede, daquelas comuns em escritórios e salas comerciais, com cerca de dois metros de altura, com a metade superior de vidro adesivado com o nome da sapataria e informações sobre os serviços oferecidos. Ela separa o local de atendimento do início da fábrica. No espaço são feitos a preparação do material, corte, costura e pintura, entre outros processos. E, ao fundo, uma porta liga o ambiente da frente à oficina. Logo na entrada tem um maquinário com vários tipos de discos, para lixar e polir, no lado direito de quem entra. No lado oposto fica uma mesa auxiliar e uma prateleira com moldes de calçados. Mais à frente, postos de trabalhos, um de cada lado na oficina. Adiante, do lado esquerdo, há outra máquina, um tanque de roupas, um fogão e uma geladeira. No lado direito há uma prateleira com mais moldes e um armário. Bem ao fundo, a parede de madeira do depósito sustenta uma

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bandeira do Internacional. Não se vê sujeira no chão, as máquinas estão limpas e cobertas para não acomularem poeira, os moldes ficam todos bem organizados e as bancadas de trabalho com as ferramentas dispostas adequadamente para sua utilização. Esse cuidado é reflexo da relação que Lamartine tem com a profissão. Sapataria não é seu trabalho. É sua vocação. “Aqui só trabalha comigo quem realmente se empolga com a profissão. Porque trabalhar só para ganhar dinheiro é a coisa mais xarope do mundo que existe”, afirma. Várias pessoas já trabalharam na Status. Chegaram lá sem conhecimento sobre o ofício e tiveram a oportunidade de se tornarem sapateiros. Lamartine lembra: “Algumas pessoas que entraram aqui não tinham vocação para a profissão e foram procurar outros caminhos. Mas nós temos no mínimo seis sapateiros bons, e no nosso caso aqui é sapateiro mesmo.” Sentado em uma cadeirinha, fazendo um conserto, Darlan, sobrinho de Lamartine e sapateiro há 31 anos, comenta: “Além de


consertar a gente fabrica também. Esse sapato aqui, eu sei como ele é feito, tô só colando ele aqui, mas eu sei como ele foi feito. Se eu tiver que desmontar ele e copiar o modelo, eu consigo fazer um igual. Porque eu sei fazer e sei consertar. Então eu tenho que saber primeiro consertar ele pra depois eu saber fabricar. Geralmente quem só fabrica não conserta. Então esse sapateiro não é o mesmo que nós. Ele passa a vida toda passando cola nessa sola aqui. E ele é o sapateiro”. A consideração e o respeito que os clientes têm com a Status não se repete com algumas pessoas que, por vezes, veem os sapateiros com preconceito. Lamartine comenta um caso que aconteceu com Jose Jungblut, funcionária há 10 anos: “Já aconteceu de ela ir em loja abrir crediário, aí foi abrir a carteira… ‘Mas tu não trabalha em sapataria?’ Sim, trabalho”, relata ele. E Jose complementa: “O comentário diz: ‘Tá, mas tu ganha tudo isso?’” O sapateiro conta que existe preconceito sócio-econômico com a profissão, e que por desempenharem esse ofício eles não conseguiriam

ser bem remunerados. “Porque? Ela trabalha em sapataria. Se ela trabalha em sapataria, logo não tem que ganhar nem o mínimo, quanto mais isso”, Lamartine relata. Jose finaliza: “Teve uma (loja) que eu fui e ela (a atendente) disse que precisava do meu contracheque, mas tem que ganhar mais que um salário mínimo. ‘Mas eu ganho mais que um salário mínimo’. E aí ela olhou e disse: ‘Vou pedir emprego na sapataria’”. Embora Lamartine tenha tanto carinho por sua profissão, o mercado vem diminuindo. De acordo com a Associação Brasileira da Indústrias de Calçados, a produção nacional no ano passado foi de 909 milhões de pares, sendo que 20%, ou seja, cerca de 182 milhões de pares, em couro. Heitor Klein, presidente-executivo da Abicalçados comenta que o mercado de sapatos de couro natural vem caindo no Brasil. “Especialmente em função de este tipo de produto ser mais caro”, explica. A indústria gaúcha se destaca, em relação ao restante do país, por produzir calçados de maior valor agregado, que incluem PRIMEIRA IMPRESSÃO

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os feitos de couro. Entretanto, a entidade não tem dados específicos sobre a produção artesanal. A sapataria é uma vocação que trouxe uma vida satisfatória e, aos 65 anos, Lamartine se sente realizado. “Hoje tenho uma casinha para morar, que é minha, tenho dois filhos formados na rede particular, desde o pré até a universidade, são dois bons cidadãos. Não tenho pretensões de ficar rico. Nem penso, nunca pensei. Mas as minhas prioridades, meus objetivos pessoais, eu consegui”.

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Pela experiência que tive na atividade acadêmica Jornalismo Impresso II, não me preocupou que essa reportagem devesse ter 8 mil caracteres. Eu sabia que conseguiria escrever esse tamanho de texto obtendo mais informações nas entrevistas. O receio que ainda tinha era de os entrevistados serem tímidos e/ou monossilábicos. Entretanto, senti um grande alívio ao perceber que um bate-papo com o Lamartine renderia muitos assuntos, pois ele não economiza na fala. O que me preocupava era conseguir usar corretamente as técnicas do jornalismo literário. Se por um lado esse tipo de redação me deu mais liberdade na escrita, por outro, acabou me deixando sem parâmetros de até onde podia ir, quais elementos devia inserir e como utilizar esses recursos para que o resultado pudesse ser considerado um texto de Jornalismo Literário e não um amontoado de técnicas. Fiquei um pouco perdido. Durante todo o processo de escrita eu, me questionava se o que estava fazendo e do jeito que escrevia estava adequado, bom.


ESTAÇÃO UNISINOS

Fé que move pessoas FIÉIS FAZEM DA FÉ UMA FORMA DE VIVER E INTERCEDEM POR PADRE REUS NO SANTUÁRIO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

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POR MATHEUS MIRANDA DE FREITAS. FOTOS DE MATEUS FRIEDRICH fé em João Batista Reus, conhecido popularmente como Padre Reus, mobiliza muitos fiéis todos os anos, seja nas romarias ou nas missas. E é no Santuário do Sagrado Coração de Jesus, um dos principais pontos turísticos de São Leopoldo, que os devotos agradecem pelas graças alcançadas por intercessão dele. Os diversos bancos, espalhados nas dependências do santuário, mostram, genuinamente, o reconhecimento das pessoas que receberam milagres. Jandir de Oliveira é um dos devotos e fiéis a Padre Reus. O construtor de 71 anos conta, convicto, que foi criado no catolicismo, batizado na primeira comunhão e sempre adepto à religião. “A razão de eu estar aqui hoje foi devido à promessa que fiz em 1986. Se a promessa fosse realizada, eu viria a pé da Vila Floresta, em Porto Alegre, até o santuário. E tudo aconteceu exatamente como eu esperava. Era hora de pagar a promessa. Aí eu vim de lá até aqui. Desde então, passei a frequentar o santuário”, declara. São pessoas como Jandir que costumam frequentar o santuário e depositar fé ao padre tão popular. Mobilizadas pela crença, elas fazem promessas confiantes e, se realizadas, pagam de alguma forma. “Uma vez por mês venho agradecer a Padre Reus pela vida, pela proteção. E todas as outras promessas que fiz, em questão de serviço e de saúde para outras pessoas e para minha família, as quais se concretizaram, me fazem ser devoto a ele”, complementa. Jandir relembra a época em que passava por problemas de saúde, e precisou recorrer a uma cirurgia PRIMEIRA IMPRESSÃO

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no coração. Ao realizar exames médicos e constatar que seria preciso realizá-la, a primeira coisa que fez foi buscar ajuda a Padre Reus. “Fiz a cirurgia e correu tudo bem. Por causa disso, minha fé se renova cada vez mais. Para mim, fé é crença, é sentir-se firme de quando eu pedir alguma coisa, aquilo vai se concretizar”, explica. Há 14 anos trabalhando como auxiliar de serviços gerais no Santuário Sagrado Coração de Jesus, Diva Rigo Gazzola, 64 anos, relata que o que lhe toca são as pessoas que frequentam o espaço para fazer agradecimentos pelas graças alcançadas. “Eu diria que é tanto agradecer quanto há pessoas que vem pedir. Realmente, o pessoal que costuma visitar o santuário tem muita fé, e eles alcançam aquilo que mentalizam. As pessoas vêm com testemunhos agradecer porque conse-

QUEM FOI PADRE REUS Conhecido popularmente em São Leopoldo, João Batista Reus nasceu em 1868, na Arquidiocese de Bamberga, Baviera, Alemanha. Desde menino, revelou-se devoto da Mãe de Deus e do Menino Jesus. Ingressou na Companhia de Jesus em 16 de outubro de 1894, na cidade de Blijenbeek, na Holanda. Ordenado sacerdote, foi mandado para o Brasil e por muitos anos foi professor de teologia e orientador espiritual no Colégio de Cristo Rei, em São

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Leopoldo. Era reconhecido por sua piedade e devoção, falecendo no dia 21 de julho de 1947. Seu túmulo, junto ao Santuário do Sagrado Coração de Jesus, é um permanente centro de devoção. O processo de beatificação começou em 1958, mas ficou parado durante décadas. Nos anos 90, os bispos gaúchos enviaram carta ao Papa João Paulo II, pedindo a beatificação do Padre Reus em processo que ainda tramita no Vaticano.

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guiram. Isso mostra o quanto Padre Reus intercede por nós”, disse. Trazendo à tona recordações do passado, Diva lembra da época em que frequentava o santuário e de quando recebeu o convite do Padre daquela época para trabalhar no local. “Eu sempre vinha às missas do santuário, de 1998 a 2004. Teve um dia que cheguei pra ser atendida em confissão ao Padre e ele, naquele momento, me convidou pra trabalhar aqui. Aceitei na hora. Não pensei que trabalho seria ou quanto ganharia por mês, pois vi que era um sinal de Deus, porque eu sempre sonhei em trabalhar numa comunidade, mas não tinha ideia de como seria. E sempre digo a Deus assim: enquanto eu tiver saúde e precisarem de mim, eu estarei disponível, dizendo sim ao Senhor”. Católica e devota de Padre Reus, Diva comenta umas das promessas


GRATIDÃO O Santuário Sagrado Coração de Jesus é um dos principais pontos turísticos de São Leopoldo, e foi concretizado graças à crescente afluência de romeiros ao túmulo de Padre Reus e à contribuição de mais 100 mil devotos chamados de “Legionários da Gratidão”, originando uma outra forma de se referir ao santuário: Monumento da Gratidão. Construído entre os anos de 1958 e 1968, nas imediações do cemitério particular dos Jesuítas, o santuário atrai 600 mil devotos anualmente. A promessa mais frequente é a de caminhar até seu túmulo, como fizeram os jogadores do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense em 1983 e 1995, na conquista da Libertadores da América, assim como o presidente do Sport Club Internacional, Fernando Carvalho, para comemorar a vitória de seu time na Copa do Mundo de Clubes da FIFA.

que já fez. “Eu queria muito comprar um apartamento. Eu rezava muito para isso e um dia eu tive uma revelação que dizia: ‘você já alcançou a sua graça’. E eu pensava como assim já alcançou se ainda não havia comprado o apartamento. E em seguida consegui realizar meu sonho. Então eu sei que foi a intercessão dele junto a Deus”. Por meio dos milagres que lhe são conferidos, ao falecer, em 21 de julho de 1947, já contava com fama de santidade. O processo de beatificação de Pe. Reus está em tramitação desde 1958. Para Diva, ele é um grande intercessor junto a Deus. “A gente sabe que ele vai ser canonizado porque Jesus já fazia essa promessa a ele em vida. Estamos no aguardo do tempo de Deus para que isso aconteça. Se faz necessário a comprovação de mais um milagre instantâneo e permanente, seja uma cura, que realmente faça ele se tornar santo”, afirma. “A fé é o que nos move. Ela nos deixa numa paz interior que não tem fim. Eu, pelo menos, vivo em paz. Confio em Deus, entrego-me todos os dias em seus braços, e sempre quando chego ao santuário faço uma oração, colocando-me ao seu dispor para o que Ele quer de mim nesse dia. Isso é o que me move. Procuro dar tudo de mim, da melhor maneira”, revela Diva, emocionada. Ao falar sobre a incredulidade nos dias atuais,

Diva opina que as pessoas não veem necessidade de frequentar um espaço religioso. “Jesus mesmo já disse que onde dois ou mais estiverem reunidos, Ele estará no meio deles. Então, em comunidade, unidos, é que a gente se fortalece. Eu diria para essas pessoas que se voltem mais ao Senhor. Isso me entristece, de ver que Deus está ficando de lado”, justifica. Em julho, mês de nascimento e falecimento de Padre Reus, ocorre a romaria, que reúne milhares de pessoas que vão até o santuário agradecer aos milagres alcançados. “As pessoas vêm a pé até o santuário agradecer a ele pelas graças recebidas, e pelas que estão pedindo também. Elas passam por aqui, rezam, visitam o túmulo dele, deixam flores. Quem deu início as romarias foram os fiéis, que possuem muita fé nele”, finaliza Diva.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER Como toda reportagem jornalística, o processo de construção requer um olhar detalhado, ouvidos preparados e sentimento aberto para novas histórias. E escrever sempre nos faz ir além daquilo que observamos. Na escolha da pauta, algumas dificuldades vieram no caminho, como a desconfiança das pessoas ao entrevistá-las, pois existe essa dificuldade no processo de apuração das informações, e às vezes há receio de ser entrevistado por uma pessoa que não se conhece. Mas, firme e forte, tive sucesso na construção da reportagem. Como repórter pude perceber a total diferença quando se está totalmente imerso na apuração das informações. A narrativa fica real e mais próxima daquilo que se quer contar ao leitor. Quando estive no Santuário Sagrado Coração de Jesus. Conversei com algumas pessoas que se abriram e revelaram-se para a entrevista, como foi com a Diva Gazzola que, tímida, mas ao mesmo tempo confiante, contou um pouco da sua história com o santuário, da sua fé e da convicção que tem em Padre Reus. No final de tudo, é gratificante ver que fazer jornalismo vai muito além de apenas escrever, é contribuir sempre para um mundo melhor. PRIMEIRA IMPRESSÃO

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ESTAÇÃO SÃO LEOPOLDO

Caminhos e histórias que levam ao museu PESQUISADORA ALICE BEMVENUTI TRANSFORMOU O MUSEU DO TREM DE SÃO LEOPOLDO DURANTE GESTÃO DE QUATRO ANOS

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POR LORENZO PANASSOLO. FOTOS DE MATEUS FRIEDRICH

ubindo devagar as escadas e olhando para o que estava acontecendo à volta, a pesquisadora Alice Bemvenuti entra no Museu do Trem de São Leopoldo pela primeira vez em 2018, no dia 5 de maio. No caminho, cumprimentou diversas pessoas que a conheciam, porque entre 2009 e 2011, trabalhou nesse espaço ferroviário. Ela conta que foi levada pela primeira vez em um museu por sua mãe, e frequentava esses espaços por curiosidade, para desvendar e encontrar o que os locais reservavam para ela. Uma verdadeira investigadora, aventureira, que em todos os lugares que entrava não tinha medo de descobrir o inimaginável. Entretanto, quando Alice assumiu o Museu do Trem de São Leopoldo em 2009 como gestora, o sentimento foi diferente. Conversando com pequenas pausas entre a fala, ela comenta que, quando chegou ao espaço naquele ano, deparou-se com um cenário triste, adormecido, igual seu olhar relatando o episódio. Na ocasião, percebeu que havia encontrado desafios e oportunidades que iriam transformar sua vida para sempre.

O COMEÇO PELA ARTE

Nascida em Porto Alegre, mas criada em São Leopoldo, Alice decidiu que queria trabalhar com pessoas, mas não sabia qual caminho seguir. Riscando no ar em um caderninho imaginário como fez no passado, ela relata que apenas o curso de Licenciatura Plena em Educação Artística havia sobrado da sua lista de opções. Quando ingressou na Universidade Feevale, em 1989, entre algumas conversas e sussurros, Alice disse que escutou algo marcante já na chegada. “Eu ouvi no corredor da faculdade que a arte seria excluída da escola. Então eu tinha entrado em um curso que não teria mercado de trabalho, porque ele estava em extinção”, afirma. Com os olhos arregalados e mexendo as mãos sem parar, ela conta que começou a entender o mundo que a aguardava: uma educação que não incentivava o ensino da arte, e muito menos, a Arte Brasileira. Com a consciência do cenário na qual estava inserida e da riqueza dos museus, ela sabia que o conhecimento e a informação estavam guardados nos lugares que protegiam qualquer amostra de cultura em uma cidade. Porém, devido à

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política do Brasil, as escolas não ofereciam suporte para os estudantes visitarem qualquer lugar fora do território escolar. A necessidade em mostrar que o ensino da arte era importante aumentava constantemente. Depois de um tempo, a pesquisadora realizou uma Especialização em Alfabetização e Ação Supervisora na Unisinos, que lhe concedeu uma compreensão dos perfis dos seus alunos. Dessa forma, ela conseguiu unir o que sempre desejou: ensinar a importância da educação da arte com idas aos museus durante o ensino fundamental.

MUSEUS TÊM CHEIROS DIFERENTES

Por onde Alice andava, tinha um museu esperando sua entrada. Não importavam as formas e estilos, muitos menos o que eles guardavam. A compreensão da importância da preservação e documentação dos objetos aumentava cada vez mais durante as viagens para diferentes cantos do Brasil. Mesmo assim, ela já percebia que havia contrastes entre o acúmulo da cultura material e a grandiosidade do patrimônio imaterial tão esquecido pelos grandes museus. Emocionada, a pesquisadora conta a experiência de olhar obras pessoalmente. “Quando eu vi Tarsila do Amaral e Anita Malfatti pela primeira vez em

São Paulo, dentro do Ibirapuera, eu chorava”, lembra. Devido à trajetória profissional e pessoal, percorrendo e estudando instituições museológicas, a pesquisadora conheceu pessoas que caminhavam pelos mesmos trilhos da arte, do patrimônio e da educação. Em 2008, ela recebeu um convite para ingressar na Secretaria de Educação com professores de Arte no município de São Leopoldo. Em outro momento, por meio de um telefonema surgiu uma oportunidade para trabalhar com o jornalista Vitor Ortiz. O trabalho consistia na elaboração de uma proposta de Educação Patrimonial para um edital do Programa Monumenta, na cidade de Porto Alegre. Abrindo um sorriso e mostrando os dentes brancos, Alice relata que o projeto era um jogo que permitiu dar vozes aos personagens anônimos do Centro Histórico de Porto Alegre, contando a vida de cada um deles. O material educativo que tinha a preocupação de unir o lúdico à descoberta da cidade, ganhou uma premiação importante dentro do Programa Monumenta, com chancela da UNESCO. Em 2009, ela recebeu uma ligação de Vitor, dizendo que estava assumindo a Secretaria de Cultura em São Leopoldo. Na conversa, o jornalista a convidou para ser Diretora de Patrimônio e assumir o Museu do Trem devido à expePRIMEIRA IMPRESSÃO

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riência profissional. Mostrando entusiasmo ao lembrar do acontecimento, ela comenta que aceitou a proposta, mesmo percebendo o grande desafio que seria efetuar uma gestão museológica de um tema que ela ainda não havia experimentado: o ferroviário.

MUSEU DO TREM DE SÃO LEOPOLDO

Inaugurado em 26 de novembro de 1976, o Museu do Trem de São Leopoldo foi criado a partir de uma parceria entre a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – RFFSA, do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo e da Prefeitura Municipal de São Leopoldo. Alice relata que assumiu o Museu do Trem de São Leopoldo como gestora dentro do Governo Vanazzi em 2009. Diante do abandono patrimonial, ela concentrou-se em realizar um levantamento de dados sobre as pessoas que haviam trabalhado no local. Era importante entender a história dos objetos e dos documentos, mas prioritariamente, descobrir como eles chegaram até ali, quais períodos e quais eram os critérios de escolha para a montagem da exposição. Alice destaca o Programa Ação Educativa, que foi a coluna estruturante de sua gestão. A intenção era receber visitantes e escolas, utilizando métodos e ferramentas


Diversos objetos e arquivos referentes à ferrovia seguem expostos para o público em geral

que estimulam a memória e principalmente a valorização do patrimônio cultural da cidade. Dentro do programa existiam diversos projetos, como, por exemplo, as Rodas de Memória, que abriam espaços para as pessoas contarem relatos relacionados ao mundo ferroviário. Com olhares que brilhavam durante sua fala, Alice conta que o projeto tinha inspiração com a sua infância. “Eu pensava a Roda de Memória a partir da mesa de refeições da casa do meu avô. Era todo mundo sentado em volta de uma mesa e falando ao mesmo tempo. Ali, eu escutava a história da família e da cidade. Então, a Roda de Memória não devia produzir uma palestra, e sim promover o encontro de pessoas que podiam contar sua história”, declara. Os anos se passaram e o sucesso da equipe do Museu do Trem de São Leopoldo era evidente. Olhando para o lado e provavelmente imaginando o passado, Alice conta que em diversas oportunidades a cidade de São Leopoldo abraçou o trabalho realizado pelo grupo, se fazendo presente nos eventos planejados por eles. Foi nesses momentos e em outros momentos que, as pessoas que acompanharam a pesquisadora sabiam da importância de terem escolhido Alice para ser gestora do Museu do Trem. “Eu sabia que ela tinha já um acúmulo

na área de patrimônio cultural, que era uma pessoa da cultura, uma artista e que, além de tudo, tinha uma relação e um conhecimento da população e da cidade de São Leopoldo. Ela poderia, como foi o caso, ir até além da lógica de proteção do patrimônio cultural”, declarou Vitor. Assim como em outras gestões, a de Alice chegou ao fim em 2012. Demonstrando alegria por concluir um trabalho que revolucionou um dos espaços ferroviários mais importantes do Brasil, a pesquisadora também relata um desconforto ao ver que o serviço realizado pela sua equipe não foi levado em consideração pela gestão posterior, não dando continuidade às conquistas de 4 anos de atividades prestadas para a comunidade. Atualmente, ela está dá seguimento ao levantamento dos museus ferroviários do Brasil iniciado em sua pesquisa de Mestrado em Museologia defendida na Universidade de São Paulo - USP em 2016. A pesquisa tem como tema o período no qual atuou no Museu de Trem de São Leopoldo. O trabalho junto a memória ferroviária continua, agora num espectro maior. Para a pesquisadora, os espaços que guardam memórias, que revelam a história das pessoas e dos lugares, são guiados por caminhos, ou por inúmeros trilhos ferroviários.

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Proposto o tema desta edição da revista, eu já sabia que o lugar de escolha para produção da matéria seria o Museu do Trem de São Leopoldo. Porém, não fazia ideia do que abordar dentro desse espaço ferroviário. Durante minha pesquisa, percebi que o nome da Alice Bemvenuti aparecia em diversas publicações, despertando uma grande curiosidade em saber quem era essa pessoa e sua conexão com o museu. Após conseguir conversar com Alice e compreender o que ela havia realizado nesse lugar, percebi que tinha uma oportunidade de escrever sobre alguém incomum. Escrevo dessa forma pois provavelmente você, leitor desta revista, foi poucas vezes a um museu e não sabe a quantidade de informação e conhecimento que ele guarda. Já Alice, conhece inúmeros deles como a palma da mão, principalmente o Museu do Trem de São Leopoldo. Após produzir esta matéria e conhecer Alice, consegui entender o que um museu representa para sociedade. Dessa forma, vou contar um segredo: visitarei esses lugares com mais frequência, porque os museus são fontes de conhecimento, educação e preservação.


ESTAÇÃO RIO DOS SINOS

AMBULANTES ENCONTRAM SUSTENTO NA ECONOMIA INFORMAL

Desviando

POR CAMILA TEMPAS FOTOS DE BRUNA BERTOLDI

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ispostas sobre bancadas ou sobre o chão, as mercadorias são o cartão de visitas para quem chega na estação de trem Rio dos Sinos, em São Leopoldo. Roupas, lanches e artesanatos são vendidos diariamente ao som do trem chegando e partindo, por pessoas que buscam o sustento no mercado informal. Levantar às 3h para preparar os lanches que servirão pessoas apressadas rumo ao trabalho, não é tarefa fácil. É sinônimo de retorno. Tudo é guardado em caixas e sacolas. Cuidadosamente colocadas dentro do cesto do carrinho, engatado à bicicleta, as mercadorias percorrem o caminho de casa até a estação. E assim começa o dia de Loreni Padilha, 44 anos. Há dez meses, ela tira o sustento com os lanches que vende na Rio dos Sinos. O bom dia e o sorriso no rosto são descontos especiais que Lore, como gosta de ser chamada, oferece aos clientes. “Não troco isso aqui por nada”, conta. Ela abriu uma microempresa para ser ambulante e tem alvará da prefeitura para trabalhar na área. Mora sozinha, em uma casa a 10 minutos do local. Tem um filho de 12 anos, que ajuda a sustentar com parte do dinheiro que consegue como autônoma. Ela trocou a massoterapia e a radiologia, áreas em que tem formação, para trabalhar como ambulante das 5h às 13h, de segunda a sábado. Ela conta que no começo ia até a estação com uma garrafa térmica cheia de PRIMEIRA IMPRESSÃO

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da crise

Loreni trocou a massoterapia para trabalhar como ambulante na Estação Rio dos Sinos

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café e uma bandeja de pastéis. Hoje, tem uma bancada e duas prateleiras para armazenar produtos. Devido à crise econômica, a formação de Loreni ficou para segundo plano, mas ela ainda atende algumas clientes durante à tarde. O salão que ela tinha na cidade, teve que ser fechado. A crise econômica mundial chegou ao Brasil em 2014 e trouxe aumento do desemprego e desestabilidade. O ápice no país foi março de 2017, quando a taxa de desemprego chegou a 13,7%, o que representou cerca de 14 milhões de pessoas nessa situação. É nesse contexto que surgiram iniciativas e buscas por alternativas de emprego. E a economia informal se tornou uma saída viável, inclusive para Loreni. Sem empresa registrada, funcionários e carteira assinada, muitas pessoas encontraram uma solução nessa área. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Penad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em setembro de 2017, o mercado informal respondia à cerca de 70% das vagas de emprego no Brasil. Quem também buscou a venda informal, e tem a estação Rio dos Sinos como ponto comercial, é Sori Pamo. Em 2016, ele veio de Guiné Bissau, na África Ocidental, para o Brasil, na busca por oportunidades de emprego. Ele vende roupas, eletrônicos e acessórios todo o sábado na Rio dos Sinos e todo o domingo na estação vizinha, a Santo Afonso. De segunda à sexta, trabalha em uma marmoraria, fato que explica sua expressão de dor depois de abaixar para arrumar os produtos no chão. Abrindo a carteira, Sori mostra os papéis das transferências de dinheiro que faz para a esposa e os seis filhos que ficaram em Guiné. Olhando para longe, ele conta que envia R$1 mil todo o mês. O que lhe sobra são os R$200 que completam o salário da marmoraria e o que consegue durante os finais de semana, vendendo mercadorias. Ao contrário de Loreni, Sori não conseguiu alvará para trabalhar legalmente nas estações. Segundo ele, chegou a procurar o setor responsável na prefeitura mas por ser estrangeiro, não conseguiu. O ambulante deixou o país onde morava com vários problemas políticos e econômicos para morar em uma casa alugada no bairro Campina. Em um português falho, ele se queixa dos altos preços que tem que pagar. “Luz, água, aluguel e comida. É tudo muito caro. Assim não sobra muito para mim”, revela. A esperança e a alegria em trabalhar parece não abandonar quem busca uma oportunidade de vender na estação. Todos que estão ali vendendo alguma coisa esperam voltar para casa com algum dinheiro no bolso que lhes garanta o pão para o dia seguinte. Seja para pagar o aluguel desse mês ou alimentar outras bocas em casa. A opção pelo mercado informal, deu a Sori e a Loreni uma chance de garantir alguma renda mensal extra. Segundo o IBGE, entre os meses de janeiro e setembro de 2017, 135 milhões de pessoas também conseguiram emprego. E uma das características para o aumento desse número foi “o crescimento do setor previdenciário sem carteira assinada e autônomos”, como no caso do guinéese. Sentada na cadeira, Luz Marina Silva Diniz, 34 anos, faz um tapete de crochê. Ao lado, está a filha Luana, 16 anos, atenta à cada movimento da mãe. As duas trocam palavras. Uma fazendo companhia à outra. A cuidadora de idosos está desempregada desde janeiro, quando a senhora que recebia seus cuidados faleceu. Marina já fazia crochê para ter um passatempo. De-

Loreni diz que não troca o mercado informal por outra atividade. Abaixo, Marina aposta no tricô em sua primeira experiência na Estação. Sori, à direita, busca na informalidade uma renda extra para ajudar a família

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pois que perdeu o emprego pensou que isso poderia ser uma fonte rentável. Ela começou a postar fotos dos seus trabalhos em seu perfil no Facebook. Entre curtidas, comentários e encomendas, surgiu a ideia de expor os tapetes, jogos de banheiro, panos de prato e chinelos, na estação afim de aumentar mais suas vendas. O vai e vem da agulha enrolando a linha parece refletir o fluxo de pessoas que passam por ali. Algumas param para admirar a habilidade que Marina tem com a linha e a agulha. Outros apenas lançam um olhar sobre os produtos dispostos em cima de uma toalha no chão e voltam novamente sua atenção na marcha cega pelo seu destino.

LENTA ASCENSÃO ECONÔMICA

A recuperação que o mercado de trabalho teve no último ano continua. Uma das profissões mais comuns da economia informal é a de ambulante. Segundo a economista Lucia Garcia, do Departamento Intersindical de Estatísticas de Estudos Socioeconômicos (Dieese), o mercado informal vai muito além do que pensamos ser informal. Toda a pessoa que gera a própria função, não é subordinada a nenhuma empresa ou não é assalariada, pode ser considerada parte dessa área de estudos da economia. Pessoas que vendem produtos, que vão desde acessórios até lanches, são fáceis de serem encontradas em qualquer cidade ou estação rodoviária, em esquinas e em frente a outros comércios. Como fonte principal ou extra de dinheiro, o ser ambulante/autônomo garante o sustento de vários brasileiros A Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre, que saiu em fevereiro deste ano, mostra que o desemprego total caiu de 12,1% em janeiro, para 11,7%, em fevereiro. Para o Dieese, “esse resultado deveu-se exclusivamente à elevação do contingente de ocupados (criação de 8 mil postos de trabalho, ou 0,5%)”. A ambulante Loreni, faz parte de 10,6% da população autônoma no Vale do Rio dos Sinos e é prova de que existe, sim, formas de superar o desemprego na crise. Isso mostra que mesmo com todos os problemas que tiveram de ser enfrentados, ela e vários outros ambulantes, mesmo sendo a ponta do iceberg da economia informal, já representam valores positivos para o mercado de trabalho no Brasil.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER Durante todo o processo de produção da reportagem fui desafiada a sair da minha zona de conforto e acredito que isso tenha enriquecido minha experiência no Jornalismo. Moro a 41 quilômetros de São Leopoldo, não conheço quase nada da cidade e me guiei por GPS até a estação Rio dos Sinos em dois sábados para conseguir entrevistas. Toda a questão de deslocamento e tempo foi difícil. Mas conversar com as pessoas e encontrar histórias tão diferentes, em contextos bastante distintos do que estamos acostumados, e depois transformar isso em algo que possa fazer a diferença para alguém vale muito a pena. Me senti muito grata depois que cheguei em casa com os relatos no caderninho, pronta para escrever. Essa experiência fez com que eu sentisse um pouco daquilo que Eliane Brum diz em seu livro “O olho da rua”. “Aprendi que o repórter não é, se torna. E se torna ao ousar atravessar o primeiro a larga e sempre arriscada rua de si mesmo”. Acredito que depois desse trabalho eu tenha chegado um pouco mais perto de me tornar. PRIMEIRA IMPRESSÃO

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ESTAÇÃO SANTO AFONSO

A vida que transborda das ocupações CASAS EM TERRITÓRIOS IRREGULARES FAZEM PARTE DA REALIDADE CULTURAL DE NOVO HAMBURGO TEXTO E FOTOS CAROLINA ZENI

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a janela de casa, a vida passa pelos olhos castanhos, agora marcados pelas linhas de expressão trazidas, então, pelos 48 anos. Ela vê o sol nascer, a criança brincar, a água da chuva escorrer, o cachorro perambular. Com exceção dos devaneios, que deixam os olhos marejados e a voz embargada. Não é nada!, justifica ela, que retorna ao trabalho manual de preparadeira de calçados. Na sacada de casa, com uma mesa improvisada, passa cola delicadamente no couro do que, em breve, será transformado em sapato. Aquele nada mais representa do que um “bico” para conseguir tirar uns trocos e ter o que dar de comer para o filho de oito anos no fim da semana. De volta ao interior da casa, localizada no bairro Santo Afonso, em Novo Hamburgo, próximo à estação do trem que leva o nome do bairro, ela vê casas de madeira serem erguidas. Marceneiros cortam tábuas e estruturas começam a se sustentar. Exatamente como foi com o seu lar: em área verde e irregular, de acordo com o próprio município. Na maioria das vezes, essas residências são erguidas de forma precária, deixando famílias expostas às situações de risco e vulnerabilidade. Essa é a realidade de Cláudia* e de 1,8 mil famílias hamburguenses que vivem irregularmente na cidade. Um levantamento da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) aponta ao menos 30 áreas ocupadas, sendo que 30% estão concentradas somente na Santo Afonso. Mais de 60% estão localizadas no bairro São José e o restante está distribuída nos bairros Roselândia, Primavera, Lomba Grande,

Diehl, Canudos e Liberdade. Cláudia vive no bairro há pouco mais de seis meses. Antes estava em Santa Catarina e, de lá, combinou com o cunhado a compra de um terreno “dentro de suas possibilidades”, conforme relata. Pagou em torno de R$ 7 mil e até desconfiou do valor expressivamente baixo. No entanto, justificou que não tinha para onde ir, pois morava de aluguel e não tinha mais dinheiro. A mulher conta que se sentiu enganada, pois foi dito que o terreno era da prefeitura. Antes de ir para o estado catarinense, morou um tempo na cidade, no bairro Canudos, e ganhou uma casa do governo federal, que vendeu para um de seus filhos. “O pouco do dinheiro que consegui juntei para erguer a casa”, sublinha. Sentada no sofá, fita a televisão ligada em canal qualquer e, logo, passa os olhos por cada canto da moradia, como se um filme se passasse em sua cabeça. E, de fato, as lembranças vinham como um balde de água fria. “A vida é tão injusta com a gente”, dispara. A frase é acompanhada por relatos que acusam uma sucessão de erros vividos desde pequena.

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INFÂNCIA DE DIFICULDADES

A mãe não teve estudo. Logo, Cláudia também não foi alfabetizada. Pouco sabe ler. Nada sabe escrever. Sua companhia, ao contrário de um lápis envolto nos seus dedinhos e um caderno em mãos, foi sempre uma enxada. A trilha sonora nunca foi a tabuada ou regras de ortografia, mas o canto dos pássaros que lhe serviam como companhia na roça. Cláudia precisou ajudar a criar os nove irmãos. “Uma semana eu estudava e na outra tinha que trabalhar pra trazer comida pra casa”, relata. Isso fez com que abandonasse a escola gradativamente. Natural de Três Passos, veio com a família para Campo Bom aos 12 anos. A família sempre viveu em área irregular. Mal sabia ela que os erros seriam, anos depois, reproduzidos. Aos 17 anos casou-se - o único e atual ex-marido - e

se mudou para Novo Hamburgo. A relação com a mãe só piorava. “Como ela tinha muitos filhos, acabava maltratando a gente. Não culpo ela, mas eu tinha que fazer por mim desde nova”, afirma. Por falta de informação, acabou por se descuidar na compra do terreno em que vive hoje em dia, que conta com uma casinha simples com dois cômodos e pouco conforto. “Não chovendo pra dentro de casa, tá bom”, acredita ela. A preparadeira perde o sono ao pensar que pode ter seu canto construído, levado a qualquer momento. “Não durmo várias noites. Se eu pudesse fazer diferente, eu não compraria. Tive um sentimento de que, finalmente, tinha comprado minha própria casa. Depois fiquei sabendo que estava tudo errado”, lamenta a mulher. Os olhos estão marejados. A voz, embargada.

ORGULHOSA PELOS FILHOS, DESAMPARADA PELAS ESCOLHAS

Refém da leviandade, confessa que tem poucas perspectivas de vida. Porém, se orgulha da educação que deu para os quatro filhos - além do pequeno, ela tem mais três adultos. “Na minha cabeça eu pensava: não quero dar pros meus filhos a vida que eu tive”, conta. Márcia procurou dar o melhor de si, com o

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pouco que tinha. “Muito carinho, atenção, preocupação. Tudo o que eu não tive. Todos estão empregados, têm casa própria ou pagam aluguel”, sintetiza, orgulhosa. Dizem, por aí, que ser mãe é ter o coração fora do corpo. É o que descreve a postura de Cláudia. O erro, para ela, foi que, de repente, sua capacidade de amar a si próprio foi colocada de lado. Sua vida, seu coração, sua luta. Tudo é por seus filhos, especialmente o pequeno. “Vivo por ele. Se não fosse por ele eu já tinha feito alguma besteira”, diz, arrependida por todas as decisões errôneas tomadas ao longo dos anos. A preparadeira se diz deprimida, pois lutou uma vida inteira, teve pouca orientação dos pais, trabalhou desde criança e fica refém de uma nuvem de pensamentos ruins. “Minha maior preocupação é que me tirem daqui. Peço pra Deus me dar forças, por-


que com todas as confusões, meu amor próprio se foi. E muito do que fiz com a minha vida é responsabilidade minha”, desabafa.

CONSEQUÊNCIA DIRETA DO PROCESSO MIGRATÓRIO

A situação de Cláudia acusa uma realidade cultural na cidade. O sociólogo e doutor em Filosofia Henrique Keske explica que, com a eclosão populacional que se deu em função da industrialização, houve um surto do êxodo rural, fazendo com que famílias se deslocassem das ocupações nos campos para o meio urbano em busca de emprego e novas condições de vida. Novo Hamburgo não contava com planejamento e nem condições de abrigar o primeiro fluxo migratório, por volta dos anos de 1970. “Ele (trabalhador) precisou se deslocar sem alternativas de acolhimento do poder público e a ocupação foi uma consequência direta desse processo”, salienta. Deste modo, era preciso de mão de obra para poder trocar a indústria, mas, ao mesmo tempo, o município não tinha como oferecer condições para essas pessoas se instalarem aqui. Uma das consequências seria a ocupação de áreas impróprias. De acordo com Keske, o segundo ciclo, pelos anos 90, transformou a capital nacional do calçado e o fluxo migratório permaneceu. “Quando ocorreu a crise a indústria coureiro calçadista, o meio industrial se especializou. Outras indústrias se instalaram e novamente um novo

fluxo migratório surgiu e não foi suficientemente atendido, acusando uma necessidade de mudança”, conta. “Quem errou, então, foi o poder público, que não deu condições de acolhimento dessa leva migratória. Em consequência disso, as áreas disponíveis foram tomadas.”

PROBLEMÁTICAS SOCIAIS ENRAIZADAS

Negligentes ou não, famílias sabem que muitas áreas irregulares podem apresentar risco, principalmente no leito do arroio, porque “não é de ninguém.” Com isso, a titular da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), Roberta Gomes de Oliveira, elenca as duas maiores problemáticas já enraizadas que vêm com as ocupações: segurança e saúde - porque vive sem infraestrutura, não têm saneamento básico, crianças vivem em esgoto a céu aberto, a água que tomam não é potável. Nestas ocupações, de acordo com a secretária, as casas são rapidamente erguidas. “Literalmente as pessoas (famílias) chegam em uma determinada área verde, colocam uma cerca, uma barraca e ali se instalam.”

este tipo de situação, a prefeitura pondera diversos pilares para realizar o trabalho. Dentre eles, a ação de prevenção, que ocorre no contato com a comunidade. O processo é bastante pedagógico. “Acreditamos que, ao longo do tempo, essas ações devam desenvolver um vínculo sobre o local em que habitam essas famílias”, salienta a diretora de habitação da Seduh, Márcia Alcântara. Nos bairros, por exemplo, as ações envolvem a colocação de placas nos locais impróprios para moradia e conversa com as famílias sobre especificidades locais. O propósito do órgão público, portanto, é que essas 30 áreas já ocupadas não se transformem em números mais expressivos. * A pedido da entrevistada, o nome foi trocado para preservar sua identidade.

ABORDANDO A PREVENÇÃO DE MORADIA IRREGULAR

O caso de Cláudia* é um dos mais recorrentes em Novo Hamburgo. Assim como ela, diversas famílias que se inserem em áreas irregulares só se dão conta do imbróglio no qual se meteram depois que a casa já foi construída. Para evitar PRIMEIRA IMPRESSÃO

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER São praticamente 2 mil famílias vivendo sem qualquer condição básica nessas áreas irregulares. Sem água potável, ao relento da insalubridade, casas em situações precárias, por vezes beirando cair. Ninguém me contou isso. Pude constatar a dura realidade em visita que fiz ao bairro Santo Afonso nos últimos meses. Ao contar a história de Cláudia*, sabia que estava relatando realidades de inúmeras famílias que vivem desta maneira há muito tempo. É uma questão cultural que vai além da vitimização ou da malandragem. Senti junto com Cláudia a sensação de poder ser retirada de casa a qualquer momento. Vesti, figuradamente, a máscara de “está tudo bem”, enquanto seu amor próprio já havia se esvaído há muito tempo. Vivenciei, em pensamento, o sentimento de ser enganada. Na nossa profissão, entendi que não vou conseguir mudar o universo. Mas, talvez, eu consiga mudar a vida de alguém. Dar voz a essa pessoa, como fiz com Cláudia. Contar sua história, sua realidade, suas angústias, seus arrependimentos mais sombrios. Importar-se com as histórias que contamos faz toda a diferença. Não necessariamente para o leitor, mas para a vida de pessoas como ela e pelos ideais que eu tanto acredito. Piegas? Um pouco. Mas o risco deste ofício, às vezes, vale a pena.


ESTAÇÃO INDUSTRIAL

Por meio de check-ins na Estação Industrial, Marília conquistou um público cativo, que acompanha diariamente seus posts bem-humorados

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A viagem encerra, o check-in não

ESTAÇÕES CONECTADAS COM A REDE REGISTRAM HISTÓRIAS DA VIDA DOS MILHARES DE USUÁRIOS QUE UTILIZAM O TREM DIARIAMENTE

POR TAMIRES DE SOUZA FOTOS DE FRANCIELE ARNOLD

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armacêutica, ex- candidata a vereadora, mãe e comediante. Aos 55 anos, ela carrega consigo amizades virtuais que conquistou nos check-ins da internet. Por conta do seu bom humor e da sua simpatia, tornou-se conhecida na redondeza tendo como elo o trem. Marília Dutra nasceu em Taquara e se mudou para Novo Hamburgo dois anos depois. Vinda de uma família pobre, teve uma infância simples. Sua casa era cheia e, logo cedo, precisou trabalhar para ajudar no sustento dos nove irmãos. Aos 19, saiu de casa em busca de um futuro próprio. Passou no vestibular para Matemática, trocou para Recursos Humanos, mas os custos não cabiam no bolso. Também iniciou o curso de Magistério, que não concluiu por problemas de saúde.

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A falta de incentivo que teve na adolescência não lhe impediu de continuar correndo em busca dos sonhos. Trabalhou como atendente de farmácia, RH e, em 2005, se tornou concursada retornando para a farmácia da Fundação Hospitalar de Novo Hamburgo. Ao longo dos anos, já tinha conseguido consolidar uma família e uma profissão. Assim como o trem, Marília teve idas e vindas. Um aneurisma e um AVC quase tiraram sua vida. Mas a esperança e o sorriso no rosto se mantiveram presentes. Contrariando os diagnósticos médicos, sobreviveu livre de qualquer sequela.

“EM MOMENTO ALGUM PENSEI QUE IA MORRER”

Na intenção de acompanhar a infância da filha, Bruna, por anos manteve a rotina de trabalho à noite para se manter presente em cada passo. Cheia de orgulho, conta que tenta dar à ela tudo aquilo que não teve. Para a jovem, que pretende cursar Produção Audiovisual, somente elogios e apoio em cada escolha. Com fala mansa, porém alegre e desinibida, Marília admite que nem sempre foi assim. No início da adolescência, sua personalidade era outra. Hoje, a despreocupação com o que os outros irão pensar sobre si é uma de suas características mais visíveis. O modo como se veste e se porta transmitem o jeito como se vê: uma jovem. Usuária ativa das redes sociais e da Trensurb, esbanja afeto com seus posts diários no Facebook. A Estação Industrial possui coleção de check-ins recheados de “bom dia” e selfies. Suas mensagens, sempre animadas, acabam conquistando a atenção e o carinho do público, que interage com ela a todo momento. A Estação, que está entre as mais recentes do trem, faz parte da vida de Marília nos mais diversos momentos. Até mesmo em pedidos inusitados como “alguém me dá um emprego?”. E é de

piada em piada, que os dias vão passando. Para ela, ajudar alguém, mesmo que seja na conquista de um sorriso, é o que lhe importa, pois nunca é possível saber o que se passa com cada um. Atualmente, as pessoas não questionam, de fato, o que acontece com o próximo, apenas cumprem “convenções”, como afirma a psicóloga Rosaura Baggio. “Se eu passar por ti na rua e perguntar se está tudo bem, você vai dizer que sim. Então eu passo e não vou realmente saber a sua condição”. Na correria do cotidiano, os diálogos vão se encurtando tanto presencialmente, quanto virtualmente. PRIMEIRA IMPRESSÃO

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“AS PESSOAS ME COBRAM AS PIADAS”

O mundo das redes sociais apareceu para Marília após muito incentivo de sua filha. A aversão à elas inicialmente fazia com que seus posts fossem raros. Em pouco tempo, adquiriu uma boa quantidade de pessoas que a acompanham e a apoiam ou discordam de suas ideias. Tal fato, ocasionou uma candidatura para vereadora. No entanto, a política nunca esteve nos seus planos, já que considera sua “fama” presente apenas no virtual e não na população geral. Porém, sua influência no Facebook faz com que muitas pessoas a reconheçam na rua ou

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atesta aquilo que Marília busca através de seus compartilhamentos: dar um ombro amigo.

ESTENDER A MÃO

Não apenas Marília, mas outras pessoas acessam a Estação Industrial diariamente. Personalidades e histórias diferentes. Ali, criam-se laços através de ajudas em momentos de necessidade. Como acontece com os funcionários da estação. Duas jovens e dois celulares sem bateria. Para elas, o momento era complicado. Pedir o telefone emprestado causa um pouco de desconforto, porém, o Uber era a única forma de voltar para casa. Aí entram os funcionários. Um simples auxílio fez com que a amizade surgisse e se mantivesse entre as jovens e uma funcionária do trem. Como um rapaz que esqueceu a mochila no trem e desesperado pediu socorro. Aflito, chegou na central de atendimento dizendo que a vida dele estava dentro daquela mochila. A “vida” do menino, na verdade, se tratava do seu TCC. No final, tudo foi recuperado. E é em viagens que novas histórias vão se formando, envoltas num determinado local. A Estação Industrial não serve apenas como acesso a um meio de transporte, mas sim como contadora de histórias de cada usuário que por ali passa. Seja para Marília, para os funcionários ou qualquer outro. até mesmo a procurem virtualmente para pedir conselhos. Trabalhar na farmácia é o que a faz feliz. Acompanhar a rotina médica embora, por vezes, seja dolorosa. Lidar com o público e tentar entender a fundo os problemas de cada paciente, ultrapassando as barreiras do profissionalismo, buscando realmente ajudar como amiga. A afeição com esse contato mantém em Marília um desejo de ser professora ou psicóloga, para ter a oportunidade de tentar mudar o mundo como pode. “Meus problemas são só meus. Ninguém tem nada a ver com isso”. Baseada nessa frase, controla sua vida. O que acontece

em sua casa nunca é exposto nas redes. Embora tenha muitos posts diários, conserva seu lado pessoal, passando adiante somente aquilo que vá transmitir felicidade. E é essa a sensação que se emana. Uma pessoa simples, vaidosa e jovem. Sua idade são somente números que não lhe representam. As redes sociais, para muitas pessoas, servem como escapes da vida real. Na tentativa de acabar com a solidão que, muitas vezes, acompanha alguns usuários. “No mundo cheio de compromissos que vivemos, o Face vem nessa lacuna de passar uma ideia de que as pessoas nos ouvem”. A opinião de Rosaura PRIMEIRA IMPRESSÃO

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Costumo passar boa parte do tempo livre nas redes sociais. Estamos inseridos nesse mundo e é nele que temos fácil acesso a pessoas e histórias novas. Interagir com o público e conhecer, de certa forma, a vida deles, foram questões que me fizeram escolher o Jornalismo e que refletiram no encontro com a Marília. Ela também quer ajudar os outros da forma que está ao seu alcance. Produzir essa reportagem foi gratificante, pois ela mostra que tem muita gente legal nesse meio. Mas também deixa claro que, do outro lado da tela, existem pessoas normais. Que se sentem felizes e tristes e que colecionam bons e maus momentos. Afinal, a realidade vai muito além do que é exposto em rede, mesmo que, muitas vezes, tenhamos a impressão de que suas vidas são perfeitas.


ESTAÇÃO FENAC

O senhor das moedas INTERESSE PESSOAL LEVA UM COMERCIANTE DE 64 ANOS A ABASTECER A ESTAÇÃO FENAC COM MOEDAS QUE FACILITAM O TROCO NO LOCAL POR NICOLE ROTH. FOTOS DE BRUNA BERTOLDI

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os poucos, o conjunto de moedas é separado: as menores com as menores, coloridas com coloridas. Classificadas, as peças redondas são depositadas em pacotes que, por sua vez, são carregados por Carlos Siciliano* até a Estação Fenac, em Novo Hamburgo. O comerciante de 64 anos faz um recolhimento sistemático desses itens na cidade, onde mora. Siciliano é, como ele mesmo diz, “um curioso” por moedas. Semanalmente, ele faz suas rotas pelo município, recolhendo os itens. Muitos deles são entregues aos funcionários da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre, a Trensurb. O senhor faz uma espécie de escambo: se sabe que um estabelecimento necessita de moedas de R$ 0,25 ou R$ 0,10, entrega um determinado valor dessas espécies menores no local e recebe em troca os mesmos valores, em moedas maiores, como as de R$ 1,00 ou R$ 0,50. Há dois anos, ele realiza o serviço com o objetivo de ajudar aqueles que trabalham para a Trensurb. O esforço vem se intensificando - antes, o “garimpeiro” tinha pouco tempo para se dedicar à atividade. “O serviço é dispendioso. Ele exige tempo, quando você lida com

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4 mil, 5 mil moedas”, considera. O trabalho iniciou quando ele percebeu a necessidade dos funcionários da Trensurb, após resolver trocar suas moedas na Estação Santo Afonso. Quando foi fazer uma nova troca, foi informado de que sempre precisavam das moedas. Por uma questão de proximidade e praticidade, passou a fazer esse serviço na Estação Fenac. “O único fato de bondade é que eu entrego as moedas para a Trensurb separadas por espécie. Sempre digo para eles, não é totalmente uma bondade, é uma mão que eu procuro dar, deixando as moedas contadas. E eles consomem, quer dizer, eles me ajudam”, considera Siciliano, que faz essas barganhas diariamente. Para realizar a benfeitoria, ele tem um itinerário que segue durante a semana, com os locais que vai visitar para fazer o recolhimen-

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to. Em suas palavras, “gira Novo Hamburgo”, passando por cerca de 20 pontos diferentes em todos os bairros, menos o Roselândia, por ficar fora de sua rota. De fala tranquila e pausada, o comerciante conta que consegue reconhecer peças falsas. “Você pode identificar pelo tamanho, pela textura, pela estampa”, explica. Siciliano não costuma reter as moedas. “Normalmente todo o recolhimento de hoje volta para o mercado amanhã”, diz. As exceções ficam por conta de itens mais raros ou as moedas falsas que ele identifica. Ele tem planos para esses exemplares: “Estou fazendo um trabalho um pouco mais intensivo porque pretendo, dentro de um ano ou mais, talvez expor ou fazer alguma coisa com essas moedas. Mas eu preciso historiar elas primeiro, acompanhar o que acontecia na época...é um planejamento.” No caso da Trensurb, ele abastece primeiramente a Estação Fenac, e depois a Novo Hamburgo, de acordo com a urgência dos funcionários da empresa. O garimpeiro, que é usuário do trem, traz as moedas para as estações. “Eu assumi um pouco a necessidade deles. Eu a passei para mim, porque eles me servem e eu sirvo eles.”

AUXÍLIO NA ESTAÇÃO FENAC

Quase um oposto a Siciliano, no que se refere à velocidade da fala, Sabrina Alves Vasconcellos é a controladora do processo de estação – uma espécie de supervisora –, para a Fenac, que recebe as visitas do comerciante curioso por moe-das. Há 11 anos trabalhando na Trensurb, Sabrina é responsável pelo chamado Trecho 10 da linha, o que na prática a torna a supervisora das Estações Fenac e Novo Hamburgo, as duas que são abastecidas pelo comerciante hamburguense. Para Sabrina, a Fenac é uma estação mais calma - salvo em períodos de feira, que ocorrem no Centro de Eventos e Negócios que empresta seu nome à estação -, mas ainda assim é local de histórias curiosas. Uma delas é a do próprio Siciliano, de quem Sabrina fala com carinho. “Ele viu nossa dificuldade com troco... ele junta moedas, troca, busca e traz pra nós, com os pacotinhos de valores certinhos. A gente pergunta ao Siciliano o que ele quer e ele diz que faz

isso ‘porque tem que ser feito, porque não me custa, porque vocês estão precisando’”, comenta Sabrina.

O CUSTO E O FUTURO DAS MOEDAS NO BRASIL

Levando em consideração que a própria Trensurb busca incentivar os usuários a utilizarem moedas, o trabalho do senhor das moedas fica ainda mais relevante. A empresa encoraja especialmente o uso dos itens de valores de R$ 0,05 e PRIMEIRA IMPRESSÃO

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R$0,10, buscando facilitar o troco. Para Alfredo Meneghetti Neto, diretor-técnico da FEE (Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul), o hábito de carregar e utilizar esse tipo de dinheiro deve perdurar entre os brasileiros. “Em uma pesquisa realizada pelo Banco Central, os participantes citaram que os itens são fáceis de armazenar e facilitam o troco na hora de pagamentos”, comenta. Mas a produção de moedas no

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Brasil não é lá muito barata. Conforme o Banco Central, o custo de produção de uma moeda de R$ 1,00 é R$ 0,25. Como aponta o diretor-técnico da FEE, isso equivale a 30% do valor de face do item. A Casa é o órgão responsável pela produção no Brasil, e tem seu programa anual de fabricação, exige que uma determinada quantidade de moedas seja produzida naquele período. Como explica o diretor-técnico, por vezes a Casa tem dificuldades para cumprir essas metas - mas essa tarefa vem sendo facilitada. “O Banco Central foi autorizado a comprar sem licitação papel moeda e moeda metálica fabricados fora do país.” A tecnologia para essa produção, que é mais avançada em outros países do que no Brasil, acaba tornando a compra de papel moeda e moedas metálicas no exterior mais barata do que se o dinheiro fosse efetivamente produzido em solo nacional. “A informação existe que o preço médio de produção de cédulas no Brasil

é quase 41% maior do que o que é pago para uma empresa sueca produzir notas”, pontua Neto. O diretor-técnico afirma que “na pesquisa, 66% dos respondentes disseram que levam moedas de até um real. Então, grande parte dos brasileiros considera que é útil, bom e fácil carregar moedas diariamente.” Quanto aos estabelecimentos comerciais que arredondam valores de produtos e desconsideram alguns centavos de diferença, o diretor-técnico é categórico diz que: é preciso combater esse costume. “O cidadão que se deixa levar pelo vendedor cai na armadilha e recebe menos do que deveria receber. Acho que deveria cobrar os centavos também”, reitera. Essa prática é vista por ele como benéfica para o comerciante e prejudicial ao consumidor. Ou seja, assim como fazem Siciliano e os funcionários da Trensurb, deve-se dar mais valor às moedas. * A pedido do entrevistado, o nome foi trocado para preservar sua identidade.

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER Começar essa reportagem foi um pouco como dar um tiro no escuro. Minha ideia inicial não tinha nada a ver com moedas e sua produção no Brasil, mas com um usuário ainda não identificado que utilizasse tanto a Estação Fenac quanto a Rodoviária de Novo Hamburgo para seus trajetos diários. Foi conversando com Sabrina, que recebeu a mim e a Bruna de forma muito calorosa, que descobri a história de Siciliano. Assim que ela contou sobre a atividade peculiar do senhor de 64 anos, não tive dúvidas de que ele seria o “personagem” da minha reportagem. Restou entrar em contato com ele, que estava um pouco receoso para falar do serviço, dado que faz o transporte quase diário de valores consideráveis em moedas – motivo pelo qual, também, trocamos seu nome na reportagem. Para trazer uma visão profissional sobre o assunto, fiz contato com a FEE, cujo diretor-técnico se interessou pelo assunto e gentil e prontamente me atendeu, tirando minhas dúvidas.

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ESTAÇÃO NOVO HAMBURGO

Casal número 100 PRIMEIRA IMPRESSÃO

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chuva caía no telhado enquanto Josefina Henz Martini, a Josi, como prefere ser chamada, se arrumava para o casamento com Sérgio Luiz Martini. Nada de véu e grinalda. Apenas um traje social: saia e blusa. O noivo vestia paletó preto. As paredes da Paróquia São Luiz Gonzaga, em Novo Hamburgo, cobertas pelas cenas do caminho percorrido por Jesus até o Calvário, tornaram-se reflexão naquele 4 de outubro de 1980. O casal carrega consigo o título de centésimo casamento realizado ali. Com riso alto, Josi relembra a data do casamento: “Hoje o tempo até tá bonito. Diferente do dia em que casamos. Nossa, lembro como se fosse ontem. Não tinha ninguém na igreja. Só eu e ele, o padre, nossos pais e padrinhos. Os convidados não conseguiram chegar porque a rua tava alagada de tanta chuva, foi um mico”, explica. A cidade de Feliz trouxe a felicidade a Sérgio e Josefina. Eles se conhecerem em um baile da mesma localidade, em 1979, um ano antes do casamento. “A partir daí, foi tudo muito rápido. Tive que fazer a crisma, pois não podia casar sem ser crismada. E engravidei bem cedo, por isso tivemos que casar. Casei grávida de quatro meses”, relata. Com as bochechas coradas, transpassando a vergonha, Josi conta que tinha apenas 15 anos quando casou. A gravidez também foi um dos motivos por ela não se casar de véu e grinalda. Com os olhos azuis cheios de emoção, ela conta sobre o nascimento do primeiro filho, Anderson. “A partir do dia 18 de março de 1981 a minha vida nunca mais foi a mesma. Comecei a viver intensamente por ele, um ser pequeno que me dava o prazer de ser mãe”, relata. Sérgio morava no bairro Primavera, de Novo Hamburgo, perto do local onde se casaram. “Depois do casamento, ela veio morar ali, comigo”, ressalta. Sete meses depois de casados, a rua Campo Bom, do bairro Canudos, tornou-se o endereço oficial do casal que iniciava a partir de então uma nova etapa na vida. Uma vida resumida em “fazer o bem, sem olhar a quem”, define Josi.

SÉRGIO LUIZ MARTINI E JOSEFINA HENZ MARTINI FORAM PROTAGONISTAS DO CENTÉSIMO CASAMENTO REALIZADO NA CATEDRAL SÃO LUIZ GONZAGA DE NOVO HAMBURGO POR LIANNA KELLY KUNST. FOTOS DE JESSICA SANTOS

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LUTA PELA VIDA DO FILHO MOTIVOU REALIZAÇÃO DO PROJETO

Com três anos, o filho Anderson, foi diagnosticado com febre aftosa, uma doença causada em animais, mas que pode ser transmitida para humanos através do leite não pasteurizado, conforme ocorrido. Por conta da descoberta tardia, o menino quase veio a falecer. Foi então que, após ser desenganado pelos médicos, iniciou-se uma reviravolta na vida da família. O casal acredita que recebeu a graça da cura do filho pela Igreja Ministério Internacional da Benção, de Novo Hamburgo, foi quando decidiram se converter para a religião evangélica. “Hoje, com 37 anos, Anderson é formado em Matemática e é pastor dessa nossa igreja”, completa o pai. Segundo o filho, a vida da família nunca foi de luxo, mas também nunca lhes faltou nada. “A referência que tenho do meu pai é que sempre trabalhou e batalhou muito para sustentar a casa.” Anderson vê os pais como exemplo de pessoas que estão sempre prontas a ajudar a servir o próximo. A mãe ensinou o filho que o segredo da vida é ser companheiro e amoroso, por isso hoje, sendo pai e esposo, o professor é reflexo daquilo que viveu e aprendeu na vida com os pais. “Ela sempre me ensinou que devo amar e cuidar da minha esposa e filha. E isso tenho levado para a vida”, conta. Depois de tanto tempo é possível notar que a missão de fazer o bem começou muito cedo e que mais uma vez o número cem esteve presente em sua vida. Alguns anos depois de receber a cura do filho, Josi iniciou um processo de cuidados com a mãe, Amélia Laura, que teve um derrame e ficou paralítica durante cem dias. Foi então que Amélia passou a receber os cuidados específicos da filha Josi. Além de cuidar da “mãezinha”, como ela diz, decidiu também aproximá-la da igreja, onde a mesma recebeu a cura e voltou a caminhar. “Ela foi curada na igreja e Deus acrescentou 29 anos de vida para ela. Uma benção!”, acredita Josi. Em 2006, o casal começou a cuidar de uma das

irmãs de Josefina, que sofria de depressão pós-parto. Foi aí que ela percebeu que tinha vocação e o quanto se sentia realizada por fazer o bem. “É uma missão que eu acho que já trouxe de berço, né, e me sinto feliz executando esse projeto”, afirma. Com a intenção de ter um lugar para descansar, caçar e pescar, alugaram um sítio em Lomba Grande, interior de Novo Hamburgo. Para cuidar e manter o local, Josefina passou a morar lá e Sérgio ficou em Canudos, por conta do trabalho. A mulher levou consigo a irmã, que continua

aos seus cuidados até hoje. O projeto da Casa do Socorro iniciou ao receber uma ligação do pastor da igreja falando sobre um morador de rua que havia encontrado. Imediatamente, Josi decidiu que acolheria o homem para receber seus cuidados. Hoje, dentro desse projeto, com auxílio do Ministério Internacional da Benção, ela realiza esse trabalho com 11 homens, dentre eles, moradores de rua, alcoólatras e drogados. Todos foram abandonados pelas famílias, são pessoas que não tinham nada para comer e um lar para morar. Esses homens foram aproximados

A CATEDRAL Em seis meses desde a reinauguração, ocorreram na Catedral cem casamentos. Elevada em março de 1980, após ser criada a Diocese de Novo Hamburgo, recebeu o título de Catedral Basílica São Luiz Gonzaga por determinação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O vigário paroquial, Monsenhor Américo Cemin, explica que no passado, com o crescimento da cidade de Novo Hamburgo, houve a necessidade de atender a evangelização da região de maneira mais intensa. “O diferencial é que a matriz da Paróquia São Luiz Gonzaga também é a Catedral da Diocese de Novo Hamburgo, Igreja Particular que tem sob sua jurisdição as quarenta e nove paróquias da Diocese, sendo assim a Catedral é a igreja mãe das demais igrejas adscritas à

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Diocese de Novo Hamburgo”, explica. A evolução econômica de Novo Hamburgo trouxe rapidamente à cidade a chegada da Trensurb, Porto Alegre a Novo Hamburgo. E, mesmo passando em frente ao edifício da Catedral São Luiz, não trouxe transtornos ou procedimentos contrários às celebrações litúrgicas nela realizadas. Monsenhor Américo acredita que o trensurb favoreceu aos que de longe desejam visitar a Catedral e participar das suas liturgias. “Aliás, tem até favorecido a participação e as visitas a esse lugar sagrado. São expressivas e belas as obras de arte fixadas em seu interior, até mesmo a construção da própria Catedral São Luiz é reconhecidamente uma obra de arte”, enfatiza. Assim não deixa de ser notório o próprio turismo religioso da Catedral.


da igreja e, a partir disso, iniciaram um processo de mudança de vida. Eles moram juntos, cada um com seu quarto, a sala e a cozinha são compartilhadas. Em troca do lar, cada um ajuda a desenvolver um trabalho no sítio: “Um cuida da horta, outro ajuda a limpar a casa, outro ainda cuida do jardim e assim por diante”, explica ela. Três desses 11 homens têm benefícios, que foram encaminhados pelo projeto pela nora, Paula, estudante de Direito. Os outros oito não têm renda ou valor para colaborar com o trabalho realizado na Casa do Socorro. Recebem tudo gratuitamente. A igreja os mantém. “Tudo o que eles precisam a gente dá. Eles recebem casa, comida, roupa lavada, atendimento médico, ortodôntico, medicamentos, tudo”, acrescenta. E enfatiza: “No momento em que eles vêm pra cá, se tornam parte da minha família”. Toda ajuda recebida é por meio de doação. Josefina não ganha remuneração em troca do serviço. É um trabalho voluntário que ela faz com muito gosto e dedicação. Com expressão alegre e sorriso largo, ela me corrige e afirma: “Claro que recebo, recebo sim. Tudo é benção. Deus me recompensa por tudo isso.” “Lembro como se fosse ontem, bati lá todo sujo e faminto e eles me acolheram”, conta Everaldo, um

dos internos da Casa do Socorro. Hoje, quatro anos depois da drástica mudança, ele se sente grato por ter recebido a oportunidade de recomeçar a vida longe do crime. Agora tem uma cama para dormir e comida para saciar a fome. Além de apoio, há amigos e uma nova família. Ele é o braço direito de Josi. Ajuda a levar os internos para lá e para cá, além de cuidar dos que mais precisam de ajuda quando ela não está. “Ele entrou aqui precisando do meu auxílio. Hoje quem me auxilia é ele”, diz Josi. O filho Anderson sente-se orgulhoso pelo trabalho realizado pela mãe no projeto. Destaca que muitos não têm renda e são recebidos por ela de portas e braços abertos, como se fossem seus próprios filhos. “Às vezes com dificuldade financeira, mas mesmo assim ela não desanima”, acrescenta. Dizem que a bondade é o único investimento que nunca falha. E que o mundo se afunda com a maldade e se eleva com a bondade. A força caracteriza o trabalho de Josi, reflexo de um coração educado e inteligente, que todo ser humano gostaria de ter. Além dos bons pensamentos se destacam as boas ações que ela realiza sem esperar nada em troca, mostrando que a verdadeira superioridade está no valor de ser bom. “Faço porque eu amo fazer isso”, enfatiza Josefina. PRIMEIRA IMPRESSÃO

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Sérgio e Josefina relembram o 4 de outubro de 1980, quando se casaram

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IMPRESSÕES DE REPÓRTER O desespero bate à porta quando o assunto é sair da zona de conforto para encarar novos desafios. O primeiro pensamento, então, é fugir, desistir, escapar. Mas nem sempre o caminho mais fácil é o certo. Fui desafiada a sair do Interior e encarar a cidade grande em busca de uma nova história. Informações erradas, corridas contra o tempo, emoções e desespero à flor da pele. Os resultados vieram! Além de uma boa reportagem, superei meus medos e tive a oportunidade de andar de trem pela primeira vez (risos). É por isso que eu amo o jornalismo. Não é apenas contar histórias, é vivenciar as histórias contadas e receber novas oportunidades em cada experiência que exige um esforço a mais. Conheci pessoas, lugares, fui desafiada e me desafiei. Ouvi, vi e relatei uma história de amor. Amor de mãe, amor de filho, amor ao próximo. A cada desafio, nos tornamos mais sábios e corajosos. Gratidão por mais essa experiência!


Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Endereço: avenida Unisinos, 950. São Leopoldo, RS Cep: 93022-750. Telefone: (51) 3591.1122 Internet: www.unisinos.br. ADMINISTRAÇÃO REITOR: Marcelo Fernandes de Aquino VICE-REITOR: Pedro Gilberto Gomes PRÓ-REITOR ACADÊMICO E DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS: Alsones Balestrin PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro DIRETOR DA UNIDADE DE GRADUAÇÃO: Gustavo Borba GERENTE DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO: Paula Campagnolo COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO: Edelberto Behs

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Atividades Acadêmicas: Redação Experimental em Revista / Narrativas Jornalísticas e Planejamento Editorial Ariane Laureano, Camila Tempas, Carolina Zeni, Dankiele Tibolla, Graziele Iaronka da Silva, Iara Baldissera, Igor Mallmann, Jacqueline Santos, Jéssica Martins, Lianna Kelly Kunst, Lidiane Menezes, Lorenzo Panassolo, Matheus Miranda de Freitas, Nicole Roth, Paola Cunha, Stephany Foscarini, Tainah Gil, Tamires de Souza, Thiago Gomes Borba, Vanessa Souza, Victória Lima e Vitor dos Santos Brandão MONITORA: Amanda Victória Büneker

Fotografia

Atividades Acadêmicas: Projeto Experimental em Fotografia Bruna Bertoldi, Franciele Arnold, Jessica Santos, Kelvin Hoffmann, Lucas Schardong, Mateus Friedrich, Patricia Nunes e Vanessa Fontoura FOTO DE CAPA: Lucas Schardong

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Editoração

PROJETO GRÁFICO E SUPERVISÃO TÉCNICA: Marcelo Garcia DIAGRAMAÇÃO: Marcelo Garcia e Nathalia Haubert

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ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA: Vanessa Cardoso SUPERVISÃO TÉCNICA: Robert Thieme ATENDIMENTO: Isabella Woycickoski PÁGINA 2 (Mescla 1 ano) DIREÇÃO DE ARTE: Jorge Tavares ARTE-FINALIZAÇÃO: Leonardo Francisco REDAÇÃO: Ina Pommer PÁGINA 95 (Tecnosociais) DIREÇÃO DE ARTE E ARTE-FINALIZAÇÃO: Pietro Luchi REDAÇÃO: Ina Pommer

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