Primeira Impressão 29

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carta ao leitor

Pontos de interrogação

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Endereço: Avenida Unisinos, 950. São Leopoldo, RS. Cep: 93022-000. Telefone: (51) 3591.1122. Internet: www.unisinos.br. ADMINISTRAÇÃO REITOR: Marcelo Fernandes de Aquino VICE-REITOR: José Ivo Follmann PRÓ-REITOR ACADÊMICO: Pedro Gilberto Gomes PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO: Célio Pedro Wolfarth DIRETORA DA UNIDADE DE GRADUAÇÃO: Paula Caleffi Ciências da Comunicação COORDENADOR

DO CURSO DE JORNALISMO:

Edelberto Behs

Entre em Contato: TELEFONE: (51) 3590.8466 E-MAIL: primeiraimpressao@icaro.unisinos.br REDAÇÃO FOTO DE JOEL REICHERT

que colocar na revista para atender às necessidades do leitor? Quais pautas mais se aproximam dessa missão? Que título é mais apropriado? Que ângulo fotográfico escolher? Preocupações sempre existem, em toda e qualquer instância produtiva, da vida pessoal e da profissional. Interrogações fazem parte do dia-a-dia e as respostas às mesmas norteiam decisões banais ou complexas, transitórias ou definitivas. A preocupação em levar ao leitor o que melhor sabemos fazer. A preocupação em optar pelos caminhos mais adequados a cada encruzilhada da vida. A preocupação em mensurar e controlar o nível de preocupação, de modo que não se torne paranóia. E seriam infinitas as preocupações carregadas pelo ser humano ao longo de sua existência; preocupações solitárias ou compartilhadas, comprovadamente legítimas ou posteriormente reveladas desnecessárias. Preocupação é o tema desta edição. Toda a equipe esteve permanentemente preocupada em pensar, investigar e produzir reportagens que dessem amplitude ao tratamento do tema. O resultado desse trabalho rende mais perguntas que respostas, e o objetivo é justamente este: provocar a dúvida no leitor, interpelá-lo na sua individualidade e mostrar que, afinal, o ato de preocupar-se pode ser usado em benefício da prosperidade, como antídoto para a inércia e como ingrediente para, em tempo, mudar o rumo da vida. Boa leitura!

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Miro Bacin Thaís Furtado Editores

Professores Editores Miro Bacin (mbacin@unisinos.br) Thaís Furtado (thaisf@unisinos.br) Reportagem e Edição Alunos Alexandre Viégas, Caren Suzana Fermino, Cler Oliveira, Cristiane Marçal, Cynara Baum, Daniela Fátima Neves dos Santos, Daniela Lopes Pereira, Danielle Dalbosco Silveira, Dayane de Oliveira, Deise Andrade, Deise Ribeiro Teixeira, Delmar Costa, Émerson Vasconcelos, Fabiana Miranda Alicir, Fábio Almeida, Fábio Machado Araujo, Fabrícia da Costa Pedreira, Fabrícia Hess, Felipe Moura de Oliveira, Felipe Zavarize de Menezes, Fernanda Oliveira Medeiros, Fernando Presser Potrick, Giovanni Rocha, Gisele Balbinot Zortéa, Gisele Ramos, Guilherme Ferreira, Helio Fernando Castro, João Ricardo Boardman Macedo, Joel Reichert, Jonas Amar, Júlia Capovilla, Juliana Campos Chaves, Leandro Utzig, Luciane Isaias, Marcela Zini, Marcelo Gonçalves Aires, Mateus Zimmermann, Mônica Patrícia Ferreira, Osvaldo Mendes, Pauline Costa, Priscila da Silva Doroche, Rafael Tourinho Raymundo, Renato Dias Maciel, Rodrigo Dias, Rodrigo Leandro Machado da Silva, Rodrigo Prux de Oliveira, Sabrina Gabriela Scharlau, Viviane Maria Zanella Bello Fialho e Yanti Sousa Ritta. MONITORA: Marília Macedo. Fotografia Alunos Alessandro Oliveri, Ângelo Daudt, Bruno Alencastro, Daniela Villar, Emerson Machado, Giovanni Rocha, Joel Reichert, Marcelo Gomes, Marco Antonio Filho, Priscila Zigunovas, Rodrigo Machado e Tito Efron. PRODUÇÃO GRÁFICA Agência Experimental de Comunicação (AgexCOM) COORDENADORA: Thaís Furtado DIAGRAMAÇÃO: Estagiário da Área de Jornalismo Pedro Barbosa, sob orientação do jornalista Marcelo Garcia (projeto gráfico). IMPRESSÃO: Portão Publicidade: Os anúncios publicados nesta edição foram criados pelos alunos Caroline Audibert, Denise Alessandra, Patrícia Postingher e Rodrigo Joaquim da Silva, da disciplina de Redação Publicitária II, dos professores Daniela Horta e Ângelo Cruz, e finalizados pela publicitário Robert Thieme, da AgexCOM.

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[preocupações]


índice

[55]

preocupações em demasia

[59]

violência

[63]

gênero

[66]

saúde pública

[70]

drogas

[22] trânsito

[74]

lixo

[26] morte

[79]

mercado de trabalho

[32] dinheiro

[82]

aquecimento global

[36] alimento

[85]

golpes

[40] comportamento

[88]

imagem

[44] precocidade

[92]

água

[48] tempo

[96]

cotidiano

[06] humanidades [10]

profissão X vida pessoal

[14] família [18]

gravidez na adolescência

[52] elas

[101]

impressões de repórter JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 5


humanidades

Preocupe-se

hoje 6 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JUNHO/2008


Numa época cada vez mais voltada para as preocupações com o futuro da humanidade, o que fazer com o nosso aqui e agora? Texto: JÚLIA CAPOVILLA e PRISCILA DOROCHE. Fotos: MESTIÇAGEM/ÂNGELO DAUDT

música, assim como a regra, é clara. A letra diz: “... é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque, se você parar para pensar, na verdade não há” (Legião Urbana). Verdade e amanhã, ambas relativas. Por que cada vez mais as pessoas se esquecem que para colher frutos no futuro é preciso jogar a semente hoje? Jeferson Fróes despertou certo dia disposto a não esperar para ser feliz. Se felicidade é mesmo um estado de espírito, ele aprendeu que não é preciso, porém, desencarnar para encontrá-la. Guri nascido em Santo Ângelo, sempre teve o sonho de correr mundo. Aos 21 anos, Jéferson foi passar 15 dias de férias na casa do primo da mesma idade em Curituba, no Paraná. Era julho de 2007, quando caminhavam até a parada de ônibus mais próxima, no Centro da cidade,

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depois de saírem de um bar por volta das 10 horas da noite. Um carro com dois homens quase os atropelou enquanto atravessavam a rua. Jeferson levantou um dos braços e reclamou. Ao ouvir o xingamento, o motorista deu a ré, parou o carro, desceu e com o punho cerrado acertou o rosto de Jeferson. O carona desferiu o mesmo golpe em seu primo paranaense. No chão, o gaúcho ainda levou um chute no tórax. Tudo escureceu. O soco fez Jeferson cair e, na queda, sua cabeça se chocou contra a pedra da calçada, fazendo-o desmaiar. Levantou zonzo e pediu ao primo para irem embora. Cansados e machucados, os parentes, mais uma vez unidos por sangue, caíram na cama ao chegar em casa e só despertaram na manhã seguinte. JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 7


humanidades Como acordou com muita dor de cabeça, no dia seguinte Jeferson foi ao hospital fazer exames. Após uma bateria de raios x, nada foi constatado. Aliviado, ele e o primo chegaram em casa e contaram o ocorrido à tia. Quando soube, ela passou um sermão nos meninos. Por que não a avisaram logo do incidente? Jeferson, que voltava para o Rio Grande do Sul de ônibus naquela noite, foi proibido pela tia de embarcar. Durante a madrugada, ele teve três convulsões e só lembra da angústia que sentiu quando a enfermeira do hospital lhe perguntou o seu nome. Surpreso, chorou por não saber mais quem era. Depois de ficar mais cinco dias no hospital, já na companhia dos pais, recuperou a memória. Mas um coágulo sangüíneo na cabeça lhe valeu, ainda, um ano de tratamento. Em março de 2008, a seqüela minguou. Sim, é possível tirar lições positivas de acontecimentos negativos. Aqui e agora, Jeferson sorri mais, dá mais valor às pequenas coisas do diaa-dia e, sempre que pode, agarra a mochila e vai viajar. O sonho, cada vez que ele encara a estrada, se torna real. A sua colcha de retalhos está sendo tecida com diferentes destinos, sempre novos e inesperados. “Claro que eu ainda planejo o futuro. Acho que não há quem não planeje. Mas não estou preso a ele. É ilusão se privar de algo em detrimento do amanhã, porque ele nunca vai ser como imaginamos. Como podemos ter tanta certeza de algo que concretamente não existe?”, questiona.

O médico e o fio Está lá escrito nas linhas e nas entrelinhas. Na verdade, quando a vida está por um fio, não há espaço para subjetividade ou meias-palavras. A dor é nua e crua. A vida, no frigir dos ovos, é pulsação. “Custei a aceitar a constatação de que muitos de meus pacientes encontravam novos significados para a existência ao senti-la esvairse, a ponto de adquirirem mais sabedoria e viverem mais felizes que antes, mas essa descoberta transformou minha vida pessoal: será que com esforço não consigo aprender a pensar e a agir como eles enquanto tenho saúde?”, questiona Drauzio Varella em seu livro Por um Fio, lançado 2004. Após trabalhar 20 anos na área de Oncologia de um hospital em São Paulo, o médico, escritor e apresentador ainda se questiona se é possível aprender a viver plenamente o pre-

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sente sem passar por situações traumáticas. Um dos segredos, com certeza, é amar o que se faz. Segundo o Varella, nada como levantar todos os dias com vontade de fazer algo que considere prazeroso e útil. “A alegria de curar alguém de uma enfermidade potencialmente fatal é incomparável. Em nosso imaginário, salvar a vida do próximo à custa de uma intervenção pessoal tem o significado de um ato heróico, de uma ação altruísta que nos reforça a auto-estima e a vaidade. A felicidade ao ouvir alguém dizer que se curou em nossas mãos é tanto mais completa quanto maior a gravidade do caso, mais competência tivermos demonstrado em sua condução e maior o envolvimento emocional com aquele doente”, explica o médico.

Navegar é preciso Márcia Schüler sempre foi independente. Sabia que o mundo fora de Montenegro, sua cidade natal, a esperava de braços abertos. Aos 20 anos arrumou as malas e foi para a Europa com o irmão e mais um casal de amigos. Foi a primeira aventura e a mais inesquecível dos 11 países pelos quais já passou. Foram quatro meses longe de casa; dois deles sozinha estudando alemão na pequena cidade de Grafing bei München, próxima à Munique. “Lá aprendi o peso da liberdade. Só você pode decidir o que fazer, as possibilidades de escolha são infinitas. Acontece que as conseqüências também são e isso, sozinha num país estranho, gera muito medo e insegurança”, lembra Márcia. Analista de sistemas há 30 anos, ela conta que a lógica da profissão é inversamente proporcional à da vida. Márcia segue a máxima do turista: viver o “aqui e agora” todos os dias. “São inúmeras as variáveis que exercem influência na vida das pessoas. Somente duas ou três são domindadas. Algumas, nem sequer são percebidas a sua existência. Por isso, eu nunca fui de me planejar. O que vejo são pessoas que engessam suas vidas e, em detrimento de uma coisa acabam por excluir um universo de possibilidades”, conclui Márcia. Dona de um bar em Porto Alegre há mais ou menos um ano, ela descobriu uma nova faceta: “Aos 51 anos me dei a chance de preparar os doces que hoje vendo no bar e descobriu que gosto e tenho talento para cozinhar. Esse é grande barato da vida!”


Carpe Diem Carpe Diem é uma expressão em Latim do poeta romano Horácio (65 – 8 AC) que quer dizer colha o dia ou aproveite o momento. Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. Porém, engana-se quem pensa que essas duas palavras sirvam para o prazer imediato e egoísta. A vida não pode ser economizada para amanhã desde que evitemos gastar o tempo com coisas inúteis ou inconseqüentes. A filósofa Ana Carolina Ancon aponta que filosofia do Carpe Diem vem sendo ultimamente entendida de forma equivocada. “A máxima da cultura, em nossos dias, é: curta a vida intensamente e viva o momento. Essa frase, ao invés de se referir ao prazer, denota algo bem mais alarmante, como a falta de perspectiva de um futuro consistente. O filósofo brasileiro Mário Sérgio Cortella, fala sobre isso no livro Não nascemos prontos! – provocações filosóficas (Petrópolis, RJ: Vozes, 2006) que “a regra passa a ser a exaltação descontextualizada do carpe diem. Deixa de ser um aproveita o dia, como sinal de equilíbrio e virtude moderadora, e passa a ser um curta tudo o que puder, no menor tempo possível, pois só há um horizonte: a vida é breve e sem sentido e nada mais nos resta a não ser o momento.” O homem contemporâneo habituou-se ao efêmero. Para Ana Carolina, tudo é fugaz e instantâneo, e não faz sentido planejar nada para depois, porque além de rápido, convivemos numa atmosfera apocalíptica e paranóica onde existem ameaças iminentes por toda a parte. Estar vivo parece ser puramente uma questão de sorte ou azar. Um jogo sem regras, nem sentido.”, explica a filósofa.

Nuvem passageira Sim. A impermanência das coisas existe. Tudo muda o tempo todo no mundo. Porém, mesmo perene, o prazer está em ter consciência da realização.Mesmo que breve e passageira, a preocupação está em ser feliz e responsável ao realizar as tarefas diárias, mesmo as mais simples. A ansiedade de aproveitar o momento de nada adianta se não pudermos contemplá-lo. Viva o agora de forma positiva e equilibrada. Porque a liberdade de escolha do aqui e do agora só é válida se pudermos olhar para trás e reconhecer um bom feito. JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 9


profissão x vida pessoal

Quando vamos nos ver?

Essa é uma pergunta comum entre os casais da atualidade. A resposta pode variar de acordo com a agenda dos dois

Texto: GUILHERME FERREIRA, MÔNICA PATRÍCIA e RODRIGO DIAS. Fotos: MARCELO GOMES

ma das preocupações dos seres humanos ainda é a união entre duas pessoas que se amam. O problema para se alcançar esse objetivo é que, além de encontrar a tão esperada "alma gêmea", é preciso muito jogo de cintura, paciência e compreensão para vencer as adversidades da vida a dois e a incompatibilidade de agendas. Após as diversas conquistas da mulher, as coisas mudaram um pouco. O homem não é mais quem sustenta a casa sozinho. Elas cada vez mais ocupam este espaço. Hoje, normalmente, o casal tem formação superior e trabalho. E é aí que está o problema: como conciliar a vida pessoal com a profissional? Como conviver com os filhos se ambos têm de trabalhar? Inúmeras são as pessoas que se casam todos os anos, em uma cerimônia que serve para selar o amor eterno. Na saúde e na doença, na alegria e na tristeza e até que a morte os separe são as juras mais comuns, mas tem uma outra que não é dita na Igreja: "mesmo que os turnos de trabalho sejam inversos e estejamos cansados ao final do dia". É longa, mas necessária. Marcelo Matusiak sabe muito bem disso. Aos 28 anos, já começa a se preparar para o casório. A noiva é Juliana Pereira Cardoso, de 22 anos.

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No caso deles, as preocupações vão além de como será a festa e o vestido da noiva. Ele trabalha na Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, apresentando o programa Brasil na Madrugada. Entra na empresa às 22h para sair de lá depois das 3h. E o casamento? Têm certas coisas que só o amor compreende, como a organização de uma agenda. "Vai ficar cômico quando casarmos e morarmos juntos", diz o jornalista. A explicação é plausível. "Fizemos as contas e concluímos que ficaremos apenas três horas dividindo os lençóis. Eu chego em casa às 3h30min e ela sai às 6h30min para trabalhar". Mas nem tudo está perdido, é o que Marcelo acredita. "Desde que fui para a madrugada ganhei um pouco mais de folga no fim-de-semana. Então, procuramos aproveitar muito o sábado e o domingo." Essa diferença de turnos - Juliana trabalha em uma empresa de roupas femininas em turno integral - já causou alguns fatos inusitados. "Acabamos namorando e conversando muito dentro do carro, onde já tomamos decisões importantes e, por isso, já temos até um carinho especial por ele", diz Marcelo. Mas, segundo o casal, o financeiro fala mais alto. "Esse brinquedinho de casar e morar junto custa caro", dizem ambos. "Nos ajudamos bas-


Manuela só vê os pais Cassiane e Fábio juntos aos domingos

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profissão x vida pessoal

O carro se tornou um lugar para tomada de decisões de Marcelo e Juliana

tante em nossas carreiras, estamos sempre pensando nisso. Como estudamos na mesma faculdade, também nos dedicamos muito aos estudos." Além de jornalista, Marcelo faz Administração e Juliana faz Ciências Contábeis na Fapa. E se tiverem filhos, como é que vai ser? "É... na hora de ter filhos acho que a rotina terá de ser diferente", enfatiza Marcelo. "Isso me serve até de estímulo para batalhar agora e depois ter um horário mais tranqüilo para poder viver intensamente a vida com um filho. É algo que exige muita responsabilidade e dedicação", explica, ressaltando que quem morre de vontade de ter um rebento é ele, porque "a Ju é mais contida", possivelmente por acreditar que, antes de ter herdeiros, é necessário ter o que dar à eles.

Turnos inversos O que ainda é uma preocupação futura para Marcelo e Juliana, já é uma realidade

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para Fabio Souza Porto, de 30 anos, e Cassiane Martins Garcia, 21 anos, casados e com uma filha de 2 anos e nove meses, a Manuela. Ele trabalha como segurança em uma das empresas do III Pólo Petroquímico, das 20h até às 8h e ela é funcionária pública na cidade de Triunfo. Antes mesmo de Fábio chegar em casa todas as manhãs, Cassi e Manu já saíram, porque ao entrar na escola onde trabalha, a mãe deixa a filha na creche às 6h30min. Segundo Fábio, a rotina do casal é trabalhar, cuidar da "filhota" e estudar. Isso mesmo, além do trabalho, da casa e da filha, os dois ainda precisam dar atenção à faculdade. Cassiane é estudante de Direito na Unisinos e Fábio, devido ao trabalho noturno, optou pela graduação em Matemática, na Ulbra, onde estuda nas sextas à noite e sábados durante o dia. Isso faz o tempo que têm juntos ser ainda menor. Mas o casal tem conseguido driblar a fal-


ta de tempo, principalmente para dar atenção à Manuela. Como trabalha à noite, o pai é quem busca a menina na creche e aproveita para brincar com ela até a hora de sair para o trabalho. Também dá tempo de desfrutar um pouco da companhia da mulher antes de ela ir para faculdade e a babá chegar. Cassi tem uma noite de folga durante a semana, que às vezes coincide com as folgas do marido. Sempre que isso acontece os dois aproveitam para brincar com a filha, fazer as vontades dela, dar muito carinho e namorar. "A convivência às vezes é difícil, por isso o respeito é a alma de um bom relacionamento. Não se pode perder a magia no casamento. É preciso conquistar sempre, com uma palavra, uma rosa, um convite para jantar", aconselha Fábio. O jovem casal tem muitos planos para o futuro. Ele quer lecionar em uma boa escola, quem sabe ser aprovado em um concurso público, assim como a esposa. Tendo essa estabilidade profissional e horários parecidos, os dois pensam em ter o segundo filho para serem ainda mais felizes.

Solteiro procura Quem pensa que uma pessoa solteira tem menos preocupações com o tema está redondamente enganado. A agenda lotada, as horas extras de trabalho e o grande número de atividade também criam um problema para os "sozinhos". No entanto, a preocupação não é conciliar tudo isso, mas sim ter uma vida pessoal e um relacionamento. De segunda à sexta-feira, o arquiteto Rafael Gallarreta Fernandes, de 26 anos, tem uma rotina puxada. Acompanhamento de obras, saída com clientes para escolher materiais, administração do escritório e corrida por novos clientes. Geralmente, Rafael permanece trabalhando no escritório depois das 18h e também aos sábados. "O dia fica curto para tanta coisa, e, quando chega o fim de semana, muitas vezes falta vontade e disposição para sair, encontrar os amigos, fazer novas amizades, conhecer pessoas interessantes e possíveis amores", comenta. Rafael brinca dizendo que a "solteirice" o persegue, porque é à noite que se tem maior oportunidade de conhecer alguém. Não sair significa dificilmente iniciar um novo relacionamento.

"Seria muito mais fácil encontrar alguém que entendesse o meu ritmo de trabalho, e que também tivesse uma rotina como a minha. É muito mais fácil entender alguém que está cansado, estressado, quando se passa por situações parecidas. Todo mundo quer se relacionar, a curto, médio ou longo prazo, basta encontrar a pessoa certa e que esteja disposta e encarar junto", desabafa o arquiteto. O psicanalista e especialista em terapia de casais Abraham Turkenicz, autor do livro A Aventura do Casal, acredita que muitas das crises entre os pares acontecem devido a esta distância, física e mental, causada pelas rotinas estafantes dos cônjuges. "Vivemos de forma enlouquecida. Estamos sempre correndo atrás do relógio para cumprir nossas obrigações como profissionais e esquecemos da nossa parceira ou parceiro." Para o psicanalista, este ritmo acelerado não é mais uma exclusividade de médicos, jornalistas ou empresários. Outras atividades, antes consideras "normais", estão literalmente sugando a saúde do casal. "O mercado de trabalho se apresenta de forma voraz e não permite erros. Os medos de perder o emprego, a necessidade de atingir metas e as exigências dos chefes causam um desgaste em qualquer segmento profissional." Turkenicz destaca que atualmente não é preciso estar trabalhando para sofrer com a falta de tempo. "Muitos estudantes, ainda adolescentes, estão penando com as rotinas exaustivas de aulas, classes de inglês, escolinha de futebol e academia. Os pais, inconscientemente, preparam seus filhos para este turbilhão que será a vida adulta. Isto pode ser construtivo para o jovem, mas não será também a perpetuação do estresse?" Outro ponto destacado pelo especialista é a necessidades de se ter a individualidade preservada e exercida. "Para que o casal esteja em harmonia, é preciso que os dois estejam equilibrados." Esse cotidiano deixa qualquer casal em pane. Mas a vida segue. Dificuldades todos os casais enfrentam ou enfrentarão. Compreender as exigências do cotidiano é uma arte, assim como a vida a dois. É um exercício diário e depende do bom senso e da maturidade de cada um. Parece que a tolerância é um bom caminho para estes desencontros. Tempo sempre se arruma. Para tudo. JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 13


família

Ninho vazio É cada vez mais comum casais brasileiros de classe média optarem por viver sem filhos. Especialistas apontam a preocupação com a estabilidade financeira e o individualismo dos cônjuges como prováveis causas Texto: LEANDRO UTZIG e PAULINE COSTA. Fotos: EMERSON MACHADO

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“Meu filho vai ter nome de santo, quero o nome mais bonito...” frase do cantor e compositor Renato Russo consagrada em uma das mais famosas músicas da Legião Urbana, Pais e Filhos, revela uma das primeiras discussões de um casal à espera de um bebê. Mas escolher o nome de uma criança não é mais uma tarefa obrigatória entre casais felizes, estáveis, e decididos. Há os que optam por não ter filhos. O ciclo natural das sociedades ocidentais sempre foi casar e ter filhos, mas hoje, pelas dificuldades enfrentadas financeiramente e por falta de tempo, muitos casais optam por não ter crianças. Essa é uma decisão cada vez mais comum entre os casais brasileiros. Uma das conseqüências dessa mudança de comportamento para o Brasil e para outras

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nações que vivem o mesmo processo é que, aos poucos, o país está se tornando mais velho. Segundo o IBGE, em pesquisa realizada no ano de 2004, o envelhecimento da população brasileira está se acentuando: em 2000, o grupo de 0 a 14 anos representava 30% da população brasileira, enquanto os maiores de 65 anos eram apenas 5%; em 2050, os dois grupos se igualarão em 18%. A queda combinada das taxas de fecundidade e mortalidade vem ocasionando uma mudança na estrutura etária, com a diminuição relativa da população mais jovem e o aumento proporcional dos idosos. Em 1980, a população brasileira dividia-se, igualmente, entre os que tinham acima ou abaixo de 20,2 anos. Em 2050, essa JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 15


família idade mediana será de exatos 40 anos. Pela Revisão 2004 da Projeção de População do IBGE, em 2062, o número de brasileiros vai parar de aumentar. Em 34 anos, a população brasileira praticamente dobrou em relação aos 90 milhões de habitantes da década de 1970 e, somente entre 2000 e 2004, aumentou em 10 milhões de pessoas. Em 2050, seremos 259,8 milhões de brasileiros e nossa expectativa de vida, ao nascer, será de 81,3 anos, a mesma dos japoneses, hoje, o que pode se tornar um problema no futuro. O desenvolvimento dos métodos anticoncepcionais é um dos fatores que ajuda a explicar o motivo pelo qual casais têm optado por não ter filhos. Métodos acessíveis fazem com que seja inibida facilmente a possibilidade de ter filhos. A taxa de fecundidade levantada no Censo 2000 indica quantos filhos, em média, tem a mulher brasileira. Dos 5,8 filhos por mulher em 1970, hoje, as mulheres brasileiras têm, em média, 2,3 filhos. Como este número é uma média, existem mulheres com menos de dois filhos e também com muito mais do que três filhos. Os brasileiros estão adiando a gravidez e até mesmo desistindo de ter filhos. De acordo com a psicóloga Paulina Pölking, de Montenegro, os métodos contraceptivos, a era da informação e o planejamento de uma vida estável fazem com que os planos de ter filhos sejam, em um primeiro momento, deixados para depois. “Quando resolvem ter filhos, as mulheres muitas vezes já estão em um período em que é mais difícil engravidar, após os 30 anos. Com as dificuldades, muitas acabam desistindo”, avalia a psicóloga. Paulina lembra ainda que ao contrário de gerações anteriores em que a mulher era criada para servir ao marido, hoje elas buscam a qualificação profissional, a estabilização na carreira e representam a maior parte da renda familiar. “Não vejo isso como uma preocupação. A maioria das pessoas ainda tem o sonho de ter filhos e isso não vai mudar tão rapidamente”, conclui. O filho único está presente em cerca de 4 milhões de casais de classe média com renda per capita acima de R$ 1,2 mil. De acordo com os dados do Censo 2000 e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), oito em cada dez dessas famílias têm apenas um filho. Ter um filho numa família de classe média, do berçário até o diploma universitário, custa em

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torno de R$ 320 mil. Já na classe média alta, o custo passa dos R$ 600 mil e na classe dos ricos o custo é de, aproximadamente, R$ 1 milhão. Se o casal tiver dois filhos, esse custo dobra. Entre a classe média no Brasil, a média nacional é de 1,1 filho por casal. Sendo que no Rio Grande do Sul a marca chega a 0,8 filho por casal. O Censo 2000 também mostrou que o filho único predomina entre as mães com mais de onze anos de estudo. É o caso do corretor de imóveis Leonardo Lagranha, 28 anos, e da secretária Ana Carla Quintana, 21 anos. Morando juntos há 3 anos, eles decidiram que era hora de terem um bebê. “No início era o Leonardo que queria, eu pensava que era muito jovem. Mas depois concordei e não me arrependo”, conta a orgulhosa mãe do pequeno Carlos Eduardo, de 9 meses. Quanto às dificuldades financeiras e à responsabilidade de gerar uma criança, o casal revela que estas questões são compensadas pela alegria compartilhada com o filho. “Deixamos de fazer certas coisas, abrimos mão de comprar coisas para a gente, para dar o melhor para ele”, revelam os pais, que não descartam ter mais filhos. Poder oferecer aos filhos educação, saúde e demais condições básicas para viver bem são preocupações comuns, fazendo com que a classe média pensem duas vezes antes nas necessidades que a criança terá. Criar um filho numa família de classe média, do berçário até o término de faculdade, custa em torno de 320 mil reais. Na classe média alta, o custo passa dos 600 mil reais. Beira 1 milhão de reais se o herdeiro for da classe dos ricos. Se o casal tiver dois filhos, esse custo simplesmente dobra. A dedicação, a disponibilidade de tempo para dar carinho e conforto a um filho são indispensáveis. Não há como tomar uma atitude séria como essa sem antes pensar em todo esse contexto. O desinteresse pela maternidade ou paternidade vem crescendo em função do individualismo presente na sociedade. A carreira profissional toma bastante tempo, a intensa busca pela independência e, depois, pela estabilidade financeira, que tem acontecido cada vez mais tarde para o nosso povo. A qualificação é exigida e a busca por uma melhor colocação no mercado de trabalho é complexa. Há pouca remuneração e valorização do trabalho, difi-


“Queremos apenas preservar nossa individualidade, fazer o que queremos na hora que bem entendermos. Ter filhos é uma grande responsabilidade”. Viviana Cruz e Renato Carrion

cultando as chances de se ter tempo e condições para dar vida a um filho. A mulher passa a pensar mais antes de tomar decisões, estando envolvida com o mercado de trabalho e podendo simplesmente optar por não ser mãe usando os métodos anticoncepcionais. Ela passa a ter poder não somente na sociedade, mas também sobre seu corpo, tendo a consciência de que de qualquer forma a criança será carregada em seu útero, com ou sem apoio de um parceiro. Com base em pesquisas realizadas pelo IBGE, ao compararmos os resultados dos Censos Demográficos de 1991 e 2000, verificamos que o número de solteiros diminuiu; houve crescimento da proporção de desquitados, separados judicialmente e divorciados; e a proporção de casados e de viúvos se manteve. Assim, em 2000 o país tinha: 57,9 milhões de solteiros, 33,8 milhões de pessoas vivendo em união, 5,6 milhões de viúvos, 2,4 milhões de pessoas separadas, 1,4 milhões de divorciados, 1,8 milhões de desquitados. A RP Viviana Cruz, 35 anos, de Montenegro, avalia que nem todas as mulheres têm de ser mãe, e esse parece ser o seu caso. Casada há 15 anos com o gerente de produção Renato Carrion, 10 anos mais velho, ela diz que ser

mãe nunca foi um sonho e que gosta de crianças, afinal ajudou a criar seu irmão que é 10 anos mais novo que ela. Ali, sela diz ter suprido seu sentimento de criar alguém, mas ter um filho não faz parte de seus planos. O casal sempre teve um relacionamento tranqüilo e o marido também nunca fez questão de ter crianças. Mas Viviana conta que ainda ouve manifestações preconceituosas de parentes e amigos que insistem em saber por que um casal com estabilidade financeira e uma relação duradoura não tem filhos. As pessoas cobram, perguntam, às vezes insistem. O casal diz querer apenas preservar sua individualidade, fazer o que querem a hora que bem entenderem pois ter filhos é uma grande responsabilidade e não estão prontos para serem exemplo para ninguém. Independentemente da decisão tomada pelo casal, o importante, segundo a psicóloga Paulina, é ter um diálogo aberto e deixar os planos de cada um bem claros. “Antes de decidir casar ou morar junto, esta questão deve ser colocada em discussão. E é claro que as idéias também mudam com o passar dos anos”, diz Paulina, lembrando que ser feliz é uma possibilidade real para qualquer ser humano, tendo filhos ou não.

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gravidez na adolescência

Epidemia

nacional O número de adolescentes grávidas no Brasil está aumentando a cada dia



gravidez na adolescência Texto: FERNANDO POTRICK e JOÃO RICARDO BOARDMAN. Foto: DANIELA VILLAR

ovens gestantes de famílias ricas ou que enfrentam sérias dificuldades financeiras passam por situações que independem da classe social. Carolina* tem 15 anos e está grávida desde janeiro. Quando desconfiou que esperava um filho resolveu contar para o namorado, na época com 27 anos. A reação foi a pior possível. “Nós nem sabíamos direito se eu estava grávida mesmo. A primeira reação dele foi pedir para eu tirar”, lembra. O aborto pedido pelo companheiro chegou a ser analisado, mas Carolina decidiu por manter a gestação. Ela lembra que o pior momento foi a revelação para a família. Filha de pais separados, ela morava com o pai quando resolveu fazer o anúncio. “Na hora ele não aceitou, brigou comigo. Com a minha mãe eu já não conversava muito, depois que ela soube da gravidez, aí sim que não tivemos mais contato”, lamenta a jovem gestante. A psicóloga e especialista em terapia familiar Lóide Machado diz que esta situação delicada é normal em famílias que não têm uma estrutura bem definida. “Normalmente, as famílias de baixa renda induzem a filha a morar com o pai da criança. Com certeza, nesses casos os casamentos resultam em fracasso. Tem um aumento de

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responsabilidades como pagar água, luz e cuidar do filho”, constata Lóide. Hoje, Carolina vive na casa do namorado, que resolveu assumir a criança. Mesmo acreditando que será feliz com o bebê, as esperanças em um futuro ao lado do pai de seu filho nem passam pela sua cabeça. “Por enquanto é bom, pois ele me apóia em tudo, mas acho que não tem como ficarmos juntos, a gente briga muito, muito mesmo”, afirma. O médico ginecologista e coordenador do Departamento de Auxílio à Mulher, da Secretaria Municipal de Saúde de São Leopoldo (Semsad), Leandro Neto, diz que o apoio de psicólogos é fundamental para as jovens gestantes, principalmente as que sofrem pelas dificuldades sociais. “Grande parte dos pais e mães de meninas carentes rejeita a filha grávida. Como a revelação sobre a gravidez é tardia e a garota ainda sofre pela falta de apoio familiar, o suporte psicológico se torna essencial no período da gestação”, ressalta. “O pior é que 10% das adolescentes não voltam para o seio familiar, já que são botadas para fora de casa”, completa. Segundo o ginecologista, muitas vezes a adolescente de baixo poder aquisitivo procura uma


gravidez. “Ela acredita que, com uma criança no colo, o pai do bebê vai assumir a paternidade e proporcionar uma vida melhor para todos, pois a gestante não agüenta mais a vida que leva”, comenta. Conforme o médico ginecologista, elas engravidam porque querem sair de casa. A parte socioeconômica tem maior relevância. Situação diferente das grávidas que não passam por necessidades, que, segundo ele, engravidam quase sempre por acidente. “Elas não querem sair de casa e perder privilégios, como o de estudar em um bom colégio. Querem se sentir seguras, sem passar por dificuldades”, compara Neto. É o caso de Grace Kelly Machado, 20 anos. Ela engravidou do namorado, por descuido, aos 15 anos de idade. Grace e o namorado estudavam, e o anúncio inesperado da gravidez não desestabilizou o casal. “Estávamos juntos havia três anos quando engravidei e mantivemos o relacionamento por mais três”, conta. Leandro Neto relata que o impacto das meninas na hora de comunicar à família é o mesmo, a diferença está na aceitação: “Nestes casos, logo a família mais abastada assume a gravidez e dá o acompanhamento necessário”. Diferentemente de Carolina, Grace contou com o apoio integral de todos os familiares, inclusive da família do namorado que, lembra, já pensava em ser pai. “Já tínhamos conversado sobre ter um filho. Até era uma coisa que ele queria, mesmo assim fiquei preocupada com o que iria pensar. Mas ficou feliz quando contei”, afirma. Enquanto cursava o segundo ano do Ensino Médio, Grace seguiu a gravidez com a ajuda da escola. “Quando eu não podia ir à aula, eles mandavam o que tinha pra mim. Fui até um dia antes de ter o bebê”. A principal preocupação de Grace era com o futuro da criança. “Por ser muito nova, achei que não conseguiria criar bem meu filho. Hoje vejo que tenho condições e ainda conto com ajuda da minha mãe e do meu ex, que sempre nos visita nos finais de semana”, garante. A psicóloga Lóide explica que a mãe adolescente de uma classe mais alta consegue lidar melhor com a situação graças ao apoio dos familiares. “Nas famílias de classes média e alta, nós vemos que os avós dão o suporte para a filha não parar de estudar e continuar com os seus sonhos e com o projeto de vida”, finaliza. Em abril de 2008 a Semsad registrou 370 gestantes entre 12 e 18 anos de idade, em São Leopoldo. Todas estavam realizando com regu-

laridade o acompanhamento médico através de exames pré-natal. Leandro Neto diz que as mulheres desta faixa etária atrasam o acompanhamento de especialistas. “Nesta idade as meninas começam mais tarde o pré-natal, pois escondem a gravidez da família”, salienta Neto. No município, a Prefeitura realiza reuniões semanais entre adolescentes mães para discutir problemas em comum, sempre com orientação de psicólogos. Além disso, a Semsad realiza palestras em escolas e distribui métodos contraceptivos em instituições de Saúde e Educação.

Medos diferentes A possibilidade de o recém-nascido ter uma má formação, devido a fragilidade da jovem mãe, é pergunta freqüente de pais e avós das adolescentes. “Nas classes sociais mais baixas, a possibilidade do aborto é admitida claramente pelas mães. Enquanto nas classes sociais mais altas, a preocupação maior é na estrutura necessária para se manter crianças portadoras de doenças como a Síndrome de Down”, afirma Neto. Lóide analisa que a gravidez na adolescência, conforme a teoria psicanalítica, é o caminho que leva à feminilidade, passando pela maternidade. Para ela, com o anseio de se sentir mulher, as garotas acabam engravidando. “O filho funciona como o objeto de completura da carência e dos objetos íntimos de realização como mulher. Ela se sente realizada”, declara. A psicóloga diz que, quando é feito o contato com as meninas mais pobres, elas sempre estão mais felizes com a gravidez. “As mais ricas priorizam o lado intelectual e a realização profissional, deixando o casamento e a gravidez em segundo plano. Lóide ressalta que o mais importante nesta hora tão delicada é o suporte psicológico e emocional da família. Grace e Carolina são apenas exemplos de como se dá o enfrentamento contra a gravidez precoce. Mesmo com preocupações idênticas em relação ao bebê e ao companheiro, a realidade acaba fazendo as adolescentes mães trilharem caminhos diferentes. Além da informação constante e do suporte de psicólogos, o apoio familiar fruto de um lar estruturado influencia para o bem da gestação. O futuro da criança é o que permeia todas essas preocupações. *O nome foi trocado.

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trânsito

Maior


O trânsito está entre as principais preocupações dos moradores das grandes cidades, como Porto Alegre. Um problema que se agrava com o aumento do número de carros

tranqueira Texto: FABIANA MIRANDA ALICIR e LUCIANE ISAIAS. Fotos: ALESSANDRO OLIVERI

ongestionamentos, gases poluentes no ar, acidentes, transporte público com tarifas altas, consumo de energias não-renováveis. Esses aspectos compõem o quadro da malha viária de qualquer grande cidade do país, e apontam a existência de uma crise de mobilidade urbana que engloba questões de infra-estrutura, de políticas públicas, de projetos exeqüíveis, de sustentabilidade, de educação e de comportamento. Entre os elementos constitutivos de uma cidade, os sistemas de trânsito e transporte representam aspectos estratégicos para a qualidade de vida da população. Segundo o Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran), em um universo de 1 milhão e 600 mil habitantes, Porto Alegre conta hoje com 597 mil veículos de passeio, 1,5 mil ônibus e 3,9 mil táxis. Conforme pesquisa realizada pelo Ibope, apresentada em março deste ano, o trânsito ocupa o 5º lugar na lista de preocupações dos porto-alegrenses (17%). No entanto, há uma resistência cultural na sociedade, que se recusa a abandonar o automóvel e o considera requisito para a inclusão social e status. Para Fabiano Alves, motorista de táxi em um ponto no Centro da Capital, o conceito do carro está invertido. “As pessoas não têm casa própria, mas necessitam adquirir um carro”, critica o taxista. A combinação excessiva de carros, motos, mais transporte público deixa inviabilizadas - em termos de mobilidade e fluxo - as quatro maiores avenidas da cidade e a Terceira Perimetral. Os orçamentos municipais financiam a infra-estrutura viária, no entanto, a ampliação desse sistema não só absorve a maior parte dos recursos disponíveis, como não resolve todos os problemas causados pelo tráfego incessante de veículos.

C

Qual é a solução?


trânsito

Pedalar Faixas de circulação exclusivas para bicicletas podem ajudar a aliviar o tráfego ao substituir os veículos motorizados

Nesse cenário a bicicleta ganha cada vez mais adeptos e, aos poucos, pode conquistar seu espaço nas vias públicas. Sugerida como opção ao tráfego, na década de 70, a Capital gaúcha ainda não conta com uma ciclovia. Nas cidades brasileiras a estrutura para o ciclista é irrisória. Dados da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP) dão uma idéia da escala: o país inteiro tem 600 quilômetros de ciclovias em uso, e Curitiba é a cidade com mais quilômetros exclusivos para a magrela, 122. Apesar de Porto Alegre ter tradição em planejamento urbano - constituindo-se na primeira capital do país a propor um plano diretor, está atrasada quanto à implantação do seu Plano Cicloviário, que circula há doze anos somente no papel. Os relatórios finais do projeto de construção passaram por adequações e melhorias e foram concluídos no final de março. Encaminhado ao prefeito de Porto Alegre em 16 de maio, o Plano Diretor Cicloviário aguarda aprovação

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da Câmara de Vereadores e o início das obras. Ao custo de R$ 100 mil cada quilômetro, os recursos devem vir da contrapartida ambiental de empresas e de recursos externos ou doações como a que se espera que venha do Banco Mundial. Das doações, o diretor da Empresa Pública de Transportes e Circulação, Fernando Dutra Mitchel, afirma que serão usadas para a educação e a conscientização da população, sobretudo crianças e adolescentes. “Campanhas ocorrerão para que a bicicleta seja uma ferramenta das nossas futuras gerações, mais conscientes e comprometidas com a sociedade”, diz Mitchel. Para execução imediata serão apenas 18 quilômetros e não os 150 prioritários segundo o projeto. Desse total, oito quilômetros deveriam ser implantados primeiramente na zona contida entre o Gasômetro e a PUC. "Por uma questão estratégica, essa região dará boa visibilidade à ciclovia, além de servir a estudantes de várias


escolas do ensino médio e a duas universidades, UFRGS e PUCRS", avalia o presidente da Associação dos Ciclistas da Zona Sul, Paulo Alves. Os critérios que foram considerados nas projeções levaram em consideração a conectividade, a declividade, os índices de acidentes e a demanda de Porto Alegre, sendo que esse último apontou um elevado número de ciclistas nos extremos da cidade. "A concentração do uso de bicicletas está nos bairros Restinga e Porto Seco, devido ao elevado número de trabalhadores que as utilizam como meio de transporte", informou Alves.

Sapiranga sobre duas rodas Assim como os trabalhadores da Restinga e do Porto Seco, os “bicicleteiros” de Sapiranga, na região metropolitana, são exemplos na utilização desse modal como meio de transporte. A cidade possui nove quilômetros de ciclovia e 40% do tráfego é de bicicletas. O secretário de Transportes do município, Paulo Valdionei Conceição, justifica a utilização da bicicleta: “Faz parte da cultura alemã, o relevo é totalmente plano, e o transporte é barato”. Referência nacional, Sapiranga concentra o fluxo em duas rodas basicamente nos pólos industriais, onde os operários se deslocam para o trabalho. Foi uma solução para responder à questão econômica dos trabalhadores. No entanto, a falta de campanhas de educação trouxe congestionamentos de bicicletas, desordem junto ao tráfego de veículos motorizados e autuações para os “bicicleteiros”. Diante dessas conseqüências, a cidade desenvolveu um projeto pioneiro, no qual o infrator recebe como punição uma palestra de educação para o trânsito. Socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável, a bicicleta pode ser uma boa opção dentro das alternativas eficazes de transporte e circulação nas pequenas, médias e grandes cidades. Nesse sentido a construção de ciclovias, aliada a campanhas de educação e conscientização, poderia proporcionar também um tráfego mais seguro. Quem sabe assim evitaríamos as nove mortes e os 364 acidentes, que ocorreram no ano passado com pessoas que andavam de bicicleta, em Porto Alegre. JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 25


morte


Quando o fim se aproxima Para os doentes terminais, a morte é uma realidade que dá um novo sentido ao futuro Texto: GISELE ZORTÉA e MARCELA ZINI. Fotos: MARCO ANTÔNIO FILHO

“(...) a morte, o silêncio da morte são as únicas certezas que todos têm nesse futuro! Como é estranho que essa única certeza, essa única comunhão seja quase impotente em agir sobre os homens e que eles estejam tão longe de sentir essa fraternidade da morte."

Nietzsche, A Gaia Ciência.

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morte or que a morte nos preocupa se todos sabemos de sua existência? O que é tão importante na vida que nos faz temer tanto esse silêncio? “Morte é ausência definitiva”, afirma o médico Drauzio Varella, ao relatar as experiências vividas com pessoas que sofriam de doenças graves no livro Por um fio. Significa que nesse momento, que o homem não pode prever nem controlar, seu futuro passa a ser incerto e desconhecido. Por isso a frustração, o medo e a preocupação com a morte. Talvez somente quando o fim está perto se comece a pensar o que ele realmente é e o que a vida representa. Para as pessoas que se descobrem com uma doença incurável, ativa e que se propaga, os chamados doentes terminais, a visão da morte não é apenas uma hipótese, ela surge como uma preocupação concreta de dar um novo sentido ao futuro.

P

“Eu tenho medo de morrer. Tem muita gente que me diz que não tem, mas eu tenho. Gosto muito da vida, então vejo a morte como uma das piores coisas que podem acontecer. Quem tem câncer sempre pode ter uma recaída, eu levo esse medo comigo.” Pedro*, 62 anos, tem câncer de próstata

A conscientização de que o fim da vida levará apenas semanas ou meses para acontecer, traz muitas questões: Por que eu? Como a minha família ficará? O que eu quero fazer antes de partir? A reação de um indivíduo diante da morte é imprevisível, mas suas preocupações vão depender do modo como a pessoa e seus familiares encaram o momento: aceitando ou negando. Para os que negam a realidade da morte, a preocupação se dá em volta de dois sentimentos: sofrimento e solidão. Sofrimento, primeiramente por parte do doente, que busca refúgios para achar uma cura improvável. Ele acaba passando por procedimentos desnecessários e se revolta. “Existe uma negação da realidade da morte na sociedade atual. Antigamente a vida era tida como um dom divino. A saúde era dádiva e a morte era um retorno a Deus. Hoje a gente luta contra a morte. Devemos entender a morte como um processo natural. O que nós não podemos, como médicos, é deixar passar a oportunidade de

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salvar pessoas”, afirma o médico Moacir Assein Arús, que há 15 anos cuida de pacientes com câncer avançado, denominado tratamento paliativo, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. E os familiares também sofrem. Seja por não ter a cura da doença, mas, principalmente, por não poder acompanhar o ente querido, que, negando a sua situação, os afasta diante de uma aproximação. A rejeição da doença, dos familiares e da própria da morte causa a solidão. Para os pacientes que aceitam a morte, a situação é bem menos dolorosa. No momento em que o paciente toma consciência do fim da vida, suas preocupações passam a ser planejar o que fazer no tempo restante. A morte surge como um divisor de águas. Assim, se desfazem brigas familiares, se reencontram amores, passa-se a dar mais importância aos fatos do cotidiano, ao trivial, para, enfim, o momento final chegar em paz. Mesmo aceitando a doença, muitos pacientes não têm o apoio de sua família. Segundo o médico Arús, há três coisas que definem onde vai ser o tratamento de um paciente: “As condições, a vontade dele e a vontade dos familiares. O paciente pode querer voltar para casa, ter condições e encontrar dificuldades na família. Não é raro que as famílias queiram trazer os pacientes para o hospital, porque não têm condições de cuidar em casa, ou porque não querem. Muitas vezes encontramos situações de famílias desestruturadas, com conflitos entre seus membros. Nem sempre o filho gosta do pai ou da mãe, ou nem visitam, não querem saber do pai, nem da mãe”, lembra. Mas o que leva um médico a optar por este tipo de trabalho? “Minha satisfação é ver que depois de algum tempo da doença as pessoas têm alívio, embora saibam que vão morrer”, relata o médico. Desse sentimento de proporcionar qualidade de vida ao doente incurável surgiu o que atualmente se define como Medicina Paliativa. Segundo o site da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos, no Rio Grande do Sul apenas dois hospitais oferecem este tipo de assistência, que iniciou no Brasil na década de 1970: o Hospital de Clínicas de Porto Alegre e o Hospital Nossa Senhora da Conceição de Porto Alegre. Moacir Arús faz parte do Núcleo de Cuidados Paliativos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (NCP). Se hoje existe uma preocupação com os momentos finais da vida, antigamente também existia. A forma de ver a morte é que era dife-


rente. Na Idade Média, a morte era uma grande cerimônia pública, um ritual compartilhado por toda a família, por todos da casa. Os medievais acreditavam que sabiam de sua chegada, pressentiam. Assim, tinham tempo para preparar seu ritual coletivo, pois ninguém morria só. A morte era uma festa, momento máximo do convívio social. Todos deveriam acompanhar a passagem do moribundo para o além, inclusive as crianças. Lágrimas e choro, apenas por parte das mulheres: elas deveriam ficar perto do corpo e gritar, rasgar as vestes, arrancar os cabelos. Para o médico Arús, o conceito da morte muda conforme a evolução da sociedade. “Vejam os quadros antigos que tratam da morte, está lá o moribundo na cama e um padre, uma freira, um médico, os familiares, o gato, o cachorro, todos ao redor. Essa foi uma grande mudança. Hoje o risco é de a gente morrer sozinho, num hospital ou em casa, porque todo mundo tem que sair, volta tarde. Isso está preocupando a sociedade como um todo.” O NCP trabalha com pacientes incuráveis, ou, segundo a definição médica, fora de possibilidades terapêuticas. O tratamento paliativo tem como objetivo aliviar os sintomas decorrentes de doenças degenerativas, crônicas e refratárias, estimular as atividades do paciente e oferecer adequada atenção emocional e social, tanto ao doente quanto à família. No momento em que o paciente é internado no NCP, ele recebe o atendimento de uma equipe multi-profissional composta por enfermagem, psicologia, serviço social, recreação e higienização. A equipe médica e a de nutrição permanecem a mesma que estavam acompanhando o paciente antes de entrar no Núcleo. “Para os pacientes que recebem alta hospitalar, fazemos contatos telefônicos periódicos para manejarmos alguma nova situação. Hoje possuímos somente seis leitos”, explica a chefe de enfermagem do NCP desde a sua criação, em novembro de 2007, Rosmari Wittmann Vieira. Maria*, a primeira paciente do NCP, é uma mulher guerreira que luta contra um câncer. Se não fosse o cabelo ralo que mostra o fim da quimioterapia e a magreza do corpo perceptível ao toque de um abraço, ninguém perceberia estar diante de um doente. Na verdade, o pensamento positivo é o grande segredo dessa mulher de unhas vermelhas compridas e sorriso nos lábios para combater os maus pensamentos, dores e medos nos 10 anos do combate ao câncer. “A doença, assim como entra na tua vida, tem faciJUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 29


morte “Eu não tenho medo da morte, porque para mim morte é uma outra vida. Se a gente está bem com Deus, não tem o que temer. O meu medo é de ficar sozinha, do meu marido ir e eu ficar sozinha ou de eu ir e ele ficar sozinho.”

“Para mim não tem nada de ruim. Tem que ser positiva. Eu não tenho medo de nada, nada! Eu tenho fé em Deus, por que eu preciso ter medo?”

lidade de sair, é só querer. Se tu lutares pela tua vida, tens chance de viver. Agora, se não lutares, tu não consegues”, reflete, ao lado do marido, filhos e netos. Tudo começou com um caroço sensível ao toque na mama. A má orientação da médica do posto de saúde resultou no tardio diagnóstico de um câncer de mama. Maria fez todos os procedimentos que estão associados ao tratamento: quimioterapia, radioterapia e a retirada do nódulo. Hoje seu tratamento está baseado em analgésicos e morfina. “Quando estou com muita dor, tomo morfina de quatro em quatro horas. Daí durmo e, quando acordo, não sinto mais nada”, relata. Maria é a típica mulher que sustentou uma casa inteira, sozinha, em gerações sucessivas: cozinhou, lavou, passou, cuidou de quatro filhos, dos netos e só se deu conta de sua vulnerabilidade e de quão importante é a sua vida quando ficou doente. “Para mim, a coisa mais importante é eu voltar a ser a Maria de novo.” Em relação ao futuro, apesar de sua condição, ela tem grandes planos. Vender a moradia atual, comprar uma casa bem pequena onde só caiba ela e o marido - nada de filhos e netos - e namorar bastante. Para Maria, cuja doença não tem mais chance de regredir, a morte não é uma preocupação, porque ela está vivendo em paz consigo mesma. “A morte para mim é uma coisa inesperada. Quando eu morrer, acho que vou ser feliz, que Deus vai me receber como mereço, de braços abertos, porque não faço mal a ninguém, sempre procuro fazer o bem para o próximo. Gosto dos meus filhos, dos meus netos, apesar das brigas”, diz. Todos nascem e um dia morrem. Ninguém sabe, no entanto, o tempo de vida que terá. Por isso não devemos nos preocupar com a morte, mas sim com a maneira com que pretendemos levar a vida. Drauzio Varella, que dedicou os últimos 30 anos ao tratamento de doentes graves, relata em seu livro a constatação a que chegou. “Muitos dos meus pacientes encontravam novos significados para a existência ao senti-la esvair-se, a ponto de adquirirem mais sabedoria e viverem mais felizes que antes, mas essa descoberta transformou minha vida pessoal: será que com esforço não consigo aprender a pensar e a agir como eles enquanto tenho saúde?” Fica a reflexão.

Teresa*, 51 anos , tem câncer de mama

* Os nomes foram trocados.

Maria*, 57 anos, mulher de um paciente que tem câncer de garganta

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O aprendizado da morte “Transformar a dor em tortura, porém, é um ato voluntário (...) já aceitar a dor é entender que todo aprendizado requer humildade”.

Shinyashiki, psiquiatra e autor do livro Tudo ou Nada

Fabrícia da Costa Pedreira

egoístas a ponto de querer que o outro permaneça conosco mesmo com dor. Prefiro então sofrer

Expressões como acabar-se, extinguir-se, fene-

a perda do que vê-lo pagar desta forma por algu-

cer, desaguar, desembocar, perder o brilho ou a

mas atitudes desregradas que teve em sua vida.

intensidade, abrandar-se gradualmente, entre ou-

Para lidar melhor com esta sensação de término,

tras, dão significado à palavra morte. Durante os

aceitei que o calvário me faz feliz, além de me fazer

últimos meses, desde a internação de meu pai,

crescer, pois somente através dele assimilei o que é

Antônio Juraci Pedreira, venho entendendo o que

dedicação, cumplicidade e percebi que a vida torna-

significa concluir uma trajetória e até mesmo cum-

se intensa quando vivenciamos um calvário. Mesmo

prir uma missão. Mesmo que ele não tenha consu-

que a trajetória seja sofrida, há sempre a recompen-

mado o ato de morrer, sua força já não é a mesma.

sa, a do amor. Agora aproveito as horas em que

No início eu e minha mãe, através de revezamen-

estou ao lado do meu pai. Até porque muitas vezes

to, conseguíamos alimentá-lo com certa dificul-

me afastei de propósito, a fim de evitar conversas

dade. Pouco mais de quatro colheres de sopa já

desnecessárias. Aproveito também para agradecer

eram o suficiente para saciá-lo, assim como 20ml

a Deus pela oportunidade de cuidá-lo e pelo filho

de água ministrada por seringa, pois até o canudi-

que ganhei – eu que não penso por enquanto em ter

nho tornou-se um obstáculo.

uma criança, ganhei um rebento de 63 anos, frágil

Aos 64 anos, meu pai, ex-fumante e pescador,

e incapaz. Hoje coloco em prática um monólogo. Eu

encontra-se com dois Acidentes Vascular Cerebral

falo e ele não responde, mas sei que ali ainda há vida

(AVC); isquemia da occipital (afeta a visão e a fala);

e por isso não me canso. O chamo para um bate

trombose cardíaca (placa rara por seu tamanho

papo. Apesar de não haver reciprocidade, há afeto

médio, que abriga uma úlcera); alto nível de secre-

e muito respeito. Fica então a dúvida, não sei como

ção na região dos pulmões; além de focos de infec-

será daqui para frente, não há previsões para ama-

ção que geraram abscessos nos pés e joelho esquer-

nhã ou semana que vem, e a única certeza que ten-

do. Ele possui 70% de obstrução vascular na perna

ho é de que para morrer basta estar vivo. Mes-

esquerda e 90% na direita, sendo que nesta foi colocada uma ponte de safena para revascularização, o que ocasionou quadro de confusão mental que destaca a ausência de comunicação. Para dar um “oi”, faz uma força descomunal. Além de não movimentar-se, ele não reage mais, nem mesmo nas trocas de fralda. Alterna períodos em casa e no hospital. Percebi que minha vida resumiu-se a preocupações não costumeiras, como a quantidade de gotejo da sonda e a hidratação com um litro e meio de água por dia, suores noturnos e cuidados com seus lábios ressecados. Apesar da constante higiene, a formação de escaras (crosta de ferida resultante de gangrena) é preocupante. Na verdade, essas não são as minhas únicas inquietações. A idéia fixa que tenho é não deixá-lo sofrer. Aprendi que nessas horas não podemos ser

mo com tantos cuidados, o deixo nas mãos de Deus, pois foi ele quem deu a vida e somente ele poderá findá-la.


dinheiro


A preocupação com dinheiro é um fantasma que ronda os brasileiros, mas algumas pessoas encontram alternativas para alcançar a tranqüilidade financeira

Problema ou solução? Texto: GISELE RAMOS e CLER OLIVEIRA. Fotos: ÂNGELO DAUDT


dinheiro vida moderna tem gastos com os quais a classe média não sonhava há alguns anos: fatura do cartão de crédito, tv a cabo, internet banda larga, viagens ao exterior, roupas de grife, tratamentos de beleza inimagináveis, vigilância particular e por aí vai. O supérfluo se tornou necessidade, mas o salário do brasileiro não acompanhou a demanda. A preocupação com dinheiro para pagar as contas é uma companhia constante nos dias de hoje. O jeito é apelar para a criatividade, como fez o esteiense J. Noronha, 40 anos, que por estratégia de marketing não revela o primeiro nome. Noronha abandonou a carreira de professor de Física na rede estadual para se tornar blogueiro profissional e garante que a mudança fez muito bem, tanto para a conta bancária quanto para sua qualidade de vida. Em 2005, ele leu em uma revista semanal uma entrevista com Edney Souza - considerado um dos maiores probloggers brasileiros -, na qual o mesmo afirmava que vivia apenas com o dinheiro que ganhava com seu blog, e viu ali uma chance de incrementar a sua renda, de cerca de R$ 800 mensais na época. Autodidata, pesquisou na internet sobre programação, ferramentas de monetização e colocou no ar o blog "O Fim da Várzea" (www.ofimdavarzea.com), onde fala sobre internet e emite opiniões sobre tudo e todos, sempre com muito bom humor. A primeira versão do site foi hospedada no blogspot, popular ferramenta gratuita de publicação de blogs. No início de 2006, comprou o domínio e passou a pagar pela hospedagem. Em pouco tempo, o investimento deu retorno, e Noronha já ganhava muito mais com o blog do que com o magistério. Foi a deixa para abandonar a carreira de vez. "Eu dava aula em três escolas de Esteio, uma em cada ponta da cidade. Saía de uma e tinha que chegar a outra dez minutos antes. Pensei que seria naquele momento ou nunca mais", afirma. Dedicando-se em tempo integral, Noronha resolveu criar outros blogs: o "15 minutos" (www.15minutos.blog.br), sobre celebridades, com mais de 170 mil visitantes por mês; e o "Overnerd" (www.overnerd.info), com dicas de games e tecnologia, que possui também uma versão em inglês. Os programas de monetização utilizados pelo ex-professor são o Google Adsense (anúncios em forma de texto, onde o blogueiro ganha por clique), o Já Cotei (ferramenta de comparação de preços), o Submarino (onde o

A

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blogueiro ganha comissão por vendas realizadas através de banners exibidos em seu site) e a Interney Shop, parceria com o mesmo Edney Souza que o inspirou a se tornar blogueiro. Contato com outros blogueiros, bom texto e muita pesquisa são os segredos de Noronha para a grande visitação de seus blogs e o conseqüente retorno financeiro. "Para quem está entrando hoje, este meio se tornou mais complicado. Mas dá para viver bem com blog. Mi-nha meta agora é comprar uma casa com a renda dos blogs", planeja Noronha. Também em busca da tranqüilidade financeira, o jornalista Wilson Marchionatti, 22 anos, deu uma guinada na carreira e resolveu se dedicar a uma nova profissão. Após a formatura, Marchionatti abandonou o emprego em um grande jornal para se dedicar integralmente ao curso de Economia e assumir uma vaga como trainee em um banco. "Sei que no jornalismo temos que trabalhar muito para ganhar razoavelmente bem, enquanto no mercado financeiro a escalada é mais rápida, às vezes até trabalhando menos", justifica. Um ano após a troca, Wilson tem pelo menos um bom motivo para acreditar que a escolha foi acertada: o salário no banco é o dobro do valor que recebia mensalmente no jornal. Além disso, o jovem ainda multiplica o seu dinheiro aplicando na Bolsa de Valores. Equilibrado, Marchionatti nunca teve problemas com contas no vermelho, mas o desejo de constituir um patrimônio o fez se preocupar com o futuro. "Que dinheiro eu vou ter daqui a dez anos? Eu vou gastar tudo o que eu ganho? Te-nho que começar a me preocupar desde já", resolveu. Para se aventurar com as ações, preparou-se adequadamente: pesquisou na internet, leu jornais e outros materiais para entender como funciona o mercado. Àqueles que desejam aplicar na Bolsa, mas têm medo, Wilson afirma que, ao contrário do que muitos pensam, as operações financeiras não são arriscadas para quem sabe o que está fazendo. "Eu posso passar dias tentando ensinar uma pessoa a investir, mas ela só vai aprender quando se preocupar de fato com o seu dinheiro, assim como a gente se preocupa com o corpo. Quando nos preocupamos com o corpo, a gente faz academia e se alimenta bem. Passamos a agir melhor", ensina. O jovem, porém, não tem planos definidos para o patrimônio que


Noronha abandonou a carreira de professor para virar blogueiro

está construindo. Afirma gostar de se vestir bem e jantar em bons restaurantes, mas não comete extravagâncias com sua grana. "Posso dizer que minha única extravagância é guardar dinheiro", diz, "mas tomo o cuidado de não exagerar. Não posso supervalorizar o meu futuro e menosprezar o presente", finaliza. Para a psicóloga do Hospital Municipal de Novo Hamburgo Jussara Ramos, a preocupação com o dinheiro não é um fenômeno desta geração, muito embora, nos dias de hoje, leve mais pessoas aos consultórios médicos. "Isso se torna uma patologia quando começa a gerar infelicidade ou, em casos mais graves, uma depressão.” Jussara lembra que ter dinheiro, ao contrário do que muitos pensam, nem sempre é garantia de felicidade. "Para uma pessoa que não tem dinheiro, fazer um tratamento de saúde, por exemplo, é um problema sério. Porém, igualmente, ter muito dinheiro e não poder levar a sua família para um passeio de final de semana, por medo da violência ou assédio, pode ser algo igualmente problemático." O dinheiro se tornou uma dor de cabeça para Marcus,* que, aos 30 anos, poderia ser considerado um jovem bem sucedido. Formado em Jornalismo e pós-graduado em comunicação, anda de carro zero, usa roupas de grifes e freqüenta bons lugares. Uma vida de sonhos, da qual a tranqüilidade financeira não faz parte. Sua condição social é sustentada por dívidas em bancos, financiadoras e cartões de crédito que, juntos, somam R$ 32 mil. Doze horas do seu dia são dedicadas a dois empregos em veículos de comunicação, que lhe rendem R$ 3,5 mil mensais. Destes, 60%

são destinados para o pagamento dessas contas. "Nunca ganhei tanto dinheiro e nunca estive tão endividado", lamenta. Segundo Marcus, até 2004 suas contas eram facilmente administradas. Com um bom emprego, o jovem jornalista achou que era a hora de comprar seu primeiro automóvel. O que ele não contava era que, dez dias depois da aquisição, fosse demitido. "Mesmo desempregado, não mudei meu padrão de vida. Comprava as mesmas coisas e freqüentava os mesmo lugares", confessa. Para manter seus luxos, Marcus utilizava o saldo do cheque especial e quando este não foi mais suficiente, recorreu ao empréstimo bancário. Atualmente, seu arrependimento consumista reside na compra de um automóvel sofisticado. Entre seus planos para voltar a ter o controle da sua situação financeira estão a troca do veículo por outro mais simples e não contrair novas dívidas. "Já fiz essas planilhas recomendadas por economistas, mas nunca vi resultados, até porque não abro mão de muitas coisas", admite. Para evitar dores de cabeça com as contas acumuladas no final do mês, o importante é ter equilíbrio na hora de cuidar do dinheiro. Uma guinada na carreira profissional pode ser o caminho para aumentar a renda mensal, mas fazer um pé de meia é fundamental para não ser pego de surpresa pelos imprevistos. "Temos que fazer o dinheiro trabalhar para nós, e não nós trabalharmos para o dinheiro", ensina o jornalista Wilson Marchionatti. (*) O nome foi trocado.

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alimento

Arroz você come qual?

O alimento é, talvez, o melhor exemplo da padronização da produção e, de quebra, da ligação do homem com a terra

Texto: MATEUS ZIMMERMANN e RODRIGO MACHADO. Fotos: RODRIGO MACHADO

as muitas variedades de arroz que existem, você encontra apenas uma no mercado. O que muda é a marca e o fornecedor. Mas saiba que existem pessoas que produzem outros tipos. A preocupação de quem planta alimentos orgânicos é bem diferente da de quem consome. Nos dois casos existe um sentimento que vai além da simples preocupação em estar tratando bem do corpo: o compromisso moral com o planeta Terra. É um compromisso que não é assinado em nenhum documento, mas afirmado na forma de trabalho do homem do campo, mantendo uma

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relação respeitosa com o ambiente natural, não importando o método de cultivo todos falam muito e muitas vezes disso. Sente-se ao escutar uma vontade constante de proporcionar um alimento de boa qualidade sem explorar a riqueza do solo.

Nem tudo é o que parece Quando chegamos à sede da Volkmann Alimentos, na Fazenda Capão Alto das Criúvas, interior do município de Sentinela do Sul, entramos em uma típica propriedade rural. Uma casa grande onde vivem três gerações da família,



Arroz vermelho Das muitas variedades diferentes de arroz que conhecemos na construção desta reportagem, nenhuma nos chamou mais a atenção do que o Oryza Glabérrima, o arroz dos quilombolas. As primeiras sementes desembarcaram junto com os escravos no Maranhão por volta do ano 1619 - bem antes do arroz branco asiático - trazidas da África no cabelo das mulheres, garantiu a soberania alimentar dos que escapavam do trabalho forçado. O arroz vermelho é mais nutritivo que o tradicional arroz longo fino. Pode ser plantado tanto em sequeiro (uso de pouca água, normalmente só a da chuva) ou irrigado. Além de ter uma resistência maior a pragas, e mudanças no clima. Na história de nosso país já foi inclusive exportado - entre os anos de 1700 à 1770, pela Companhia Geral do Grão-Pará - mas teve seu cultivo proibido pela Coroa Portuguesa. O plantio e consumo ficaram por muito tempo restrito a algumas comunidades remanescente de quilombos principalmente no norte e nordeste. Atualmente a cultura volta a ganhar algum destaque comercial, principalmente entre círculos de consumidores ecológicos. Já é possível encontrar o alimento em feiras orgânicas e casas naturais.

uma enorme figueira na frente da casa, muitas plantas, vários cachorros preguiçosos no pátio e algumas máquinas agrícolas. Lá podemos conferir como trabalha o agrônomo e agricultor João Volkmann, que desde 1983 se dedica à produção de arroz com métodos baseados na agricultura Biodinâmica. O Arroz Biodinâmico Volkmann é o principal produto da fazenda. Um alimento produzido sem agrotóxicos, adubos químicos ou conservantes. Para cuidar da lavoura Volkmann preserva a paisagem de suas terras e usa os preparados biodinâmicos na lavoura. Esses são elaborados a partir de cristais e plantas medicinais constituindo uma fitoterapia para que as plantas cumpram melhor sua função sem agredir o solo. "A agricultura biodinâmica é baseada no respeito ao ciclo da Terra, em comunhão com a astrologia e a Astronomia. Tudo tem que estar relacionado, as plantas e animais nativos, a fases da Lua e os processos de cultivo. É um resgate da agricultura do período pré-industrial, quando o homem tinha que observar a natureza e cultivar em harmonia com o ambiente natural", destaca. Para o agrônomo, a industrialização da agricultura iniciou um período de uso e abuso de fertilizantes e agrotóxicos para garantir a produção. A utilização de veneno nas lavouras era considerada como uma ação que revolucionava a agricultura. Só que o veneno não mata apenas as pragas da lavoura, seu efeito constante acaba por matar também os elementos que dão mais vida ao solo, obrigando o agricultor a aplicar cada vez mais fertilizantes químicos. "A chamada 'revolução verde', só serviu para uma coisa: aumentar o lucro das indústrias de insumos agrícolas, pois a maioria dos agricultores ficou dependente destes produtos químicos", adverte. Volkmann atinge uma produtividade de quase 8 mil quilos por hectare, bem acima da média dos produtores que usam fertilizantes e sementes industrializadas. No último ano, a agroindústria de Volkmann colheu e processou mais de 700


toneladas de arroz nas variedades Grão Curto (cateto), Longo Fino (agulhinha) e Farroupilha (grão médio), com casca, integrais e polidos. A produção é destinada ao mercado interno sendo vendida em casas naturais, e por encomenda. Tivemos, também, a oportunidade de presenciar as preocupações e angustias de outro colono, Juliano Müller, que naquela mesma tarde buscava informações sobre o cultivo com nossa fonte. Juliano atualmente planta o arroz Híbrido Igra 417, variedade desenvolvida pelo Instituto Riograndense do Arroz (Irga), que tem uma produtividade aproximada de 6,5 mil quilos por hectare cultivado, utilizando herbicidas, fungicidas e adubo. Mas mesmo com as tecnologias agrícolas ao seu dispor, não está tranqüilo. Nota a crescente degradação de suas terras e a necessidade cada vez maior de usar os defensivos agrícolas. "O gasto com adubo e fertilizante varia muito de ano e situação, é difícil dizer assim certo o valor, mas chega a 60% do meu custo", conclui.

O guardião das sementes Juarez Pereira é pequeno agricultor e também produz alimentos de forma orgânica. Não possui nenhuma especialização técnica. Se criou na lavoura de arroz, começando a trabalhar com sete anos, para ajudar na produção da família. Seu conhecimento vem da experiência na lida com a terra. "Quando eu era pequeno todo o trabalho era manual ou animal, apenas a trilha era feita com máquina", recorda. Trilha é o processo de separação dos grãos com casca da palha, para a armazenagem. "Essa máquina era usada de forma regional por 11 famílias, que plantavam em área de aproximadamente de 35 hectares", lembra. A produção era focada na subsistência das famílias, o que sobrava era comercializado. A colheita coletiva era celebrada como uma festa. Todas as famílias levavam suas colheitas

até um mesmo local para utilizarem a trilhadeira. Homens, mulheres e crianças participavam alegremente do momento. "Vinham todas as famílias da região. Os homens realizavam a trilha enquanto as mulheres preparavam a comida. Normalmente tinha um gaiteiro junto, e quando terminava a trilha começava o baile. E isso era uma coisa instintiva, era o momento festivo, pois nós estávamos conectados com o trabalho na terra, na colheita e na produção. Quando o foco da produção não é o lucro econômico, mas sim um alimento com qualidade, ocorre essa conexão", ensina. Uma das lições que Juarez nos ensinou foi a diferença entre agricultor e produtor rural. "O agricultor é aquele sujeito que tem a cultura de sua atividade e produtor é quem se preocupa com a lucratividade da lavoura. Se arroz não der dinheiro, ele planta soja, se a soja não lucrar ele opta pelo eucalipto. Ele produz uma commodity, uma mercadoria", acrescenta. O que diferencia ainda mais o trabalho de Juarez é o fato de que ele produz oito tipos de arroz diferentes. Ele colhe os japônicos de grão curto, chamados catetos dos quais ele possui 11 variedades. Os grãos médios, tipo o arroz farroupilha, que foi um dos primeiros a serem cultivados no Rio Grande do Sul. E os agulhões logos e grossos. Têm o arroz vermelho (africano). O arbóreo que é especial para preparar risotos e carreteiros. Tem o botir, uma variedade japonesa de alto valor nutritivo que segundo Juarez é o alimento que mais se aproxima do leite materno. Também planta o arroz negro, esse bastante raro. Quase todas essas variedades não se encontram no mercado, e por isso existe toda uma preocupação em manter essas sementes. Juarez define isso com um compromisso seu para com a humanidade. "As sementes estão sendo muito disputadas pelas multinacionais, uma vez que a concentração de produtos faz parte do jogo co-mercial dessas empresas", lamenta. JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 39


comportamento

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Ter preocupações é normal e todos nós as temos – inclusive os que trabalham para diminuir as dos outros

Problema

nosso Texto: JULIANA CAMPOS CHAVES e RAFAEL TOURINHO RAYMUNDO Foto: PRISCILA ZIGUNOVAS

onvidamos você, leitor, a enumerar quais são suas preocupações neste exato momento. Que necessidades precisa suprir? Que problemas lhe tiram o sono? Certamente, não podemos imaginar o que se passa em sua cabeça. Contudo, uma coisa é garantida: seus problemas são os maiores do mundo. Pelo menos para você. Não há mal em se pensar assim. Todos nós passamos por dificuldades e é comum, cedo ou tarde, que acabemos nos voltando para nosso próprio umbigo. Até certo ponto, tal atitude aparentemente egoísta é saudável. Afinal, é preciso estar bem consigo mesmo para poder conviver bem com os demais. Pensemos no exemplo do paciente e do médico. A maior preocupação do enfermo é sobreviver à doença, e ele espera que o doutor o ajude. Enquanto isso, o doutor sofre de uma simples unha encravada, mas cuja dor o deixa extremamente irritado. A impaciência do

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médico perturba suas idéias e faz com que ele prescreva o remédio errado. Como conseqüência, o quadro do paciente se agrava. No final, ambos continuam, cada um, preocupados com os próprios males. O resumo da história é que todos têm problemas, querendo ou não, e é preciso saber medilos. Para o psicólogo Adriano Castro dos Reis, a terapia é fundamental neste aspecto. "Nem sempre as preocupações são tão grandes como a gente pensa que elas são", afirma. O psicólogo usa a metáfora da montanha: você só sabe que está numa montanha quando se afasta dela e percebe sua amplitude. Em outras palavras, deve-se ver os problemas de fora, sob outro ponto de vista. É claro, há quem pense estar bem-resolvido consigo mesmo. Para o psicólogo, gente assim tende a achar que pode resolver tudo e acaba levando o mundo nas costas. E ele ainda comenta: "O normal é não ser normal. Uma coisa abso-

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comportamento lutamente perfeita tem uma imperfeição absurda: não conhecer a imperfeição". O próprio Adriano é um exemplo de que todos têm dificuldades, até mesmo quem ajuda a resolver as dificuldades dos outros. Anos atrás, ele sofreu um acidente que o deixou paraplégico e o impediu de trabalhar. Passou por um período de reabilitação e, nesse meio tempo, afastouse completamente da psicologia. Somente depois de recuperar o movimento das pernas e a independência, ele sentiu a segurança necessária para lidar com os pensamentos dos pacientes. E não é tarefa fácil. Por mais que tente se distanciar dos relatos do paciente, um psicólogo possui convicções e experiências que, às vezes, podem interferir no processo. "Imagine um jornalista muçulmano entrevistando o Papa. No caso do psicólogo, é a mesma situação", compara Adriano. Justamente para se desapegar das vivências de terceiros, a maioria dos psicólogos tem, também, hora marcada na condição de paciente.

Minhas e tuas Deixar as próprias preocupações de lado também é um desafio na profissão de Manoel Francisco de Oliveira, sargento da Brigada Militar. Cada ocorrência exige um procedimento padrão, e os anos de trabalho o capacitaram a manter a serenidade em serviço. No entanto, o policial tem consciência dos riscos que corre. Uma vez, houve um acidente com carro em chamas e uma vítima presa às ferragens do veículo. O sargento fazia parte da equipe de resgate, que conseguiu retirar o homem, vivo, momentos antes do automóvel explodir. A situação de vida e morte, tanto da vítima como dos presentes no local, fez com que Manoel acordasse de sobressalto por semanas, lembrando dos gritos de "não me deixe morrer" do acidentado. Apesar dos sustos, o sargento Manoel afirma ser uma pessoa completamente tranqüila - algo importante, para alguém que lida com a proteção de tanta gente. Até mesmo quando está de folga, ele sente o dever de garantir segurança à comunidade: "Não é só em serviço que, quando vejo uma coisa errada, tomo uma providência", garante. A exemplo de Manoel, Flávio Correa de Lima também vive em função do bem-estar coletivo, mas de uma maneira diferente. Ele é padre. Uma

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de suas grandes preocupações, como cidadão, é lutar pela justiça e pela igualdade de oportunidades. Como sacerdote, ele transmite os mandamentos de Deus que, em sua essência, são princípios de convivência em comunidade. Agora, Padre Flávio lembra que a fé não traz soluções mágicas para os problemas e dificuldades do mundo: "A religião deve ajudar a pessoa a caminhar com as próprias pernas", acredita. Ou seja, os fiéis acabam encontrando, na Igreja, o que outros encontram no consultório do analista: uma luz, uma voz que os ensine a transformar preocupação em ação. O professor de História e, atualmente, vereador de Montenegro Ricardo Agádio Kraemer também tem como função social ensinar a comunidade a lutar pelos seus direitos e transformar as preocupações diárias em ações práticas. Como professor, promovia em sala de aula momentos reflexivos, nos quais transmitia o conhecimento com muita criatividade. "Cada aula era um desafio. Da mesma forma que eu fazia na escola, faço na cidade. Ensino a comunidade a resolver suas preocupações e a entender a política para participar de forma coletiva", explica. Se já não bastassem suas preocupações pessoais, a qualquer hora, de madrugada, sábado ou domingo, o telefone do vereador pode tocar. "Já me ligaram de madrugada para ajudar uma senhora que não conseguia atendimento médico. Eu resolvi o problema dela, mas, ela não seria a única a passar por essa situação. O imediato foi solucionado." As preocupações atuais são, assim, imediatas e, portanto, as soluções são emergenciais. De certa forma, o ser humano não está preocupado com o amanhã, ao menos é o que define o comerciante e graduado em filosofia, Gelson Weschenfelder. Ele acredita que as preocupações estão voltadas para o cotidiano individual. "Querse estudar para trabalhar e ganhar dinheiro para se ter uma vida melhor longe dos problemas sociais. Portanto, melhorar de vida está resumido em questões materiais e imaginárias. O sistema educacional, por exemplo, está voltado para o mercado de trabalho, não para nossa evolução intelectual", reflete. Gelson exemplifica com a frase que ouviu de um índio: "O ser humano só vai se preocupar com a falta da água quando houver a última gota no Oceano". Ora, resta perguntar como fazer para não deixar que as preocupações nos paralisem. Para nos-


sos entrevistados, a saída é transformar as aflições do cotidiano em objetivos, ou projetos. Pe. Flávio reitera: "atingir os objetivos é sempre uma caminhada aonde você vai lutando, crescendo. Tem que trabalhar dentro de si, com os outros, com a comunidade, com a sociedade". O psicólogo Adriano acredita que a palavra "problema" é muito forte; deve-se trocá-la por "projeto", algo a ser executado e finalizado. Para ele, a vida é um acordar e dormir com pequenos projetos, com pequenas metas que vão se cumprindo. Essas metas vão desde escovar os dentes pela manhã, até juntar dinheiro para via-

jar no fim do ano. Só não se pode fazer da vida uma busca desenfreada pela realização dos projetos: "Fazer de tudo por uma coisa é esquecer que muitas coisas podem ser feitas antes de se chegar lá". Ainda, não se pode esquecer que, apesar das preocupações serem individuais, vivemos em grupo. Um indivíduo depende do outro para formar uma sociedade harmônica e organizada. Além de saber lidar com as próprias preocupações, é importante conhecer as preocupações do outro e perceber que, em nossas diferenças, todos somos iguais. BRUNO ALENCASTRO

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precocidade

Pequenos

adultos Incentivadas pela mídia e às vezes pelos próprios pais, as crianças estão assumindo atitudes com as quais não estão preparadas Texto: DEISE RIBEIRO TEIXEIRA e SABRINA SCHARLAU. Foto: DANIELA VILLAR

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precocidade ira já essa roupa! Você tá parecendo uma anã!” Essa foi a reação do personagem Tito, interpretado pelo ator Matheus Naschtergale em Queridos Amigos, recentemente exibida pela Rede Globo. Na minissérie, Tito era um homem separado e levava um susto quando ia buscar sua filha de 10 anos para um final de semana em sua casa. Ele se deparou com a menina maquiada, usando salto alto e minissaia, brincos grandes e pulseiras. A menina se dizia fã da Madonna e não se abalou com a reclamação do pai, alegando estar na moda. A preocupação vivida por esse pai na ficção se encontra bastante presente na realidade atual. O professor de ensino fundamental Volnei Mendes Martins, de Canoas, define a precocidade infantil como aquilo que é prematuro ou antecipado. “É quando o indivíduo não está pre-

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parado para uma situação e toma atitudes baseadas em coisas que ele vê os outros fazerem”. Esse pode ser o caso de André*, 10 anos. Por incentivo do pai, o menino começou a aprender a dirigir com somente quatro anos de idade: “Quando fiz cinco, meu pai me ensinou os pedais, com seis, as marchas e com sete eu peguei sozinho o caminhão”, conta. O pai de André, de 46 anos, fala que tem um misto de preocupação e orgulho sobre o comportamento do filho: “A gente tem preocupação, mas eu incentivava, colocava o travesseiro nas costas dele pra ele alcançar, eu sentia que ele tinha vontade”. O pai acha que os meios de comunicação influenciam as crianças de hoje em dia. “Ele sabe muito mais coisas que eu na idade dele”, observa. O menino também estaciona o carro dentro da garagem, mas o pai garante estar sempre junto e sabe que a responSTOCK.XCHNG

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sabilidade é dele. Em relação ao futuro, o pai nem consegue imaginar como será o filho. “À meia noite acordo e vejo ele sentado no sofá olhando filme pornô sozinho. Ele é facerinho com as meninas. Toma o banho dele, põe o perfume dele, se arruma direitinho.” Na opinião do professor Volnei, os pais deveriam se preocupar mais com a influência da mídia na vida dos filhos: “As crianças estão se tornando adultos em miniatura a cada dia que passa. E o que a gente percebe é que os pais, longe de ficarem preocupados com essa situação grave, ficam deslumbrados, felizes, incentivam. Até porque os pais não têm esses valores tão firmados como antigamente para poder vislumbrar uma atitude acertada dos seus filhos”. Com 10 anos de experiência no ensino de crianças, Volnei faz duras críticas aos pais: “Uma das minhas reclamações diante dos pais é em relação à vestimenta. As crianças estão usando roupas de adultos e isso faz com que outras crianças acabem se interessando sexualmente. Há sempre uma tentativa de passar a mão, de abraçar, de beijar”. Ele lembra de uma situação na escola onde trabalha que uma menina de 13 anos fez uma fila pra dar selinhos em todos os meninos. Os professores tentam orientar os pais da melhor forma possível. “O que é praticamente inviável, pois eles defendem seus filhos, mesmo que eles estejam errados”, diz Volnei. Em relação à postura de pais como os do menino que já dirige caminhão, o professor demonstra toda sua preocupação: “Criança de quatro anos deve brincar de carrinho, jamais, em hipótese alguma, pegar numa direção”. Volnei salienta que a criança ainda não tem seu senso critico desenvolvido, portanto não pode decidir sempre o que quer. “A cada geração, percebemos os valores sendo totalmente deteriorados, já não se sabe mais o que é o certo, o que é errado”, afirma o professor. As leis que protegem as crianças estão expostas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É baseado nele que o conselheiro tutelar Carlos Marino da Silva, de Campo Bom, enfrenta os mais variados casos envolvendo menores: “Infelizmente tem se invertido muito cedo os papéis. As crianças de 10, 12 anos têm saído para balada e a grande preocupação é a conseqüência desse ato. Tanto psicologicamente quanto fisicamente, pois não estão prepara-

das para isso, estão ainda em formação”. O conselheiro lembra que existem as fases de infância, pré-adolescência e adolescência, e hoje os adolescentes já acham que são adultos e querem ter atitudes de adultos: fumar, beber, fazer sexo. “Nós estamos vivendo uma realidade muito preocupante, porque as crianças têm que ter ciência de que os pais é que mandam dentro da família. Só vamos ter uma sociedade organizada se o domínio tiver com o pai e a mãe”, diz. Ele acredita que antigamente as mães regravam as filhas com mais firmeza, existia um ritual, e que hoje as mães liberam as filhas para namorar já com 12 anos. “Os conselheiros tentam cobrar regras e ouvem: mas o meu pai deixou, a minha mãe deixou”. Silva diz que esta falta de limite leva, por exemplo, à gravidez na adolescência: “As meninas têm que assumir o papel de mãe enquanto não têm nem conseguido cumprir o papel de filhas”. O conselheiro tutelar tem um papel indispensável, porque trabalha no combate à falta de limite: “Nós orientamos as crianças para que vivam, se projetem para ser alguém na vida. Acreditamos que as pessoas têm que começar a ter projetos de vida bem cedo, se preparar, ter sonhos. Porque quem tem projeto de vida vai lutar por eles”, ensina. Segundo o psicólogo Paulo Ricardo Bobsin, de Campo Bom, é normal que as crianças sempre queiram agir como os adultos, porque é a partir da identificação que elas têm com seus progenitores que irão desenvolver a maturidade psíquica. “Acontece que, modernamente falando, na sociedade de consumo, a criança é estimulada de fora para dentro. Outra coisa importante a considerarmos é que o comportamento exteriorizado nem sempre corresponde com a maturidade psicológica interna”, conclui. A mídia tem cada vez mais conquistado as crianças. De acordo com o Ibope, as crianças brasileiras são as que mais tempo ficam em frente à televisão. Em 2005 foram, em média 4h51min19seg por dia, por crianças de quatro a onze anos. O problema é que elas são um alvo vulnerável, pois ainda não têm a noção concreta do certo e errado. Cabe aos pais darem essa orientação e impor limites. Se fizerem isso, certamente não serão pegos de surpresa com atitudes não apropriadas por parte dos filhos.

(*) O nome foi trocado.

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tempo


Não vou

conseguir Mas, afinal, o que está acontecendo com os dias que parecem não ter mais 24 horas? Texto: DANIELA LOPES e VIVIANE ZANELLA. Foto: TITO EFRON


tempo dia não rende mais como antes. A lista de atividades a serem feitas parece nunca chegar ao fim. Mas será que realmente tem-se falta de tempo? Para o administrador Marco Antônio Peruzatto, consultor de empresas que ministra cursos sobre o gerenciamento do tempo, essa é uma grande falácia. “Não acredito em falta de tempo, ele é constante. O que acontece é que as pessoas precisam se planejar para estabelecer prioridades”, defende. Peruzatto está ciente de que existe um excesso de atividades, uma sobrecarga tanto profissional, como pessoal, mas pleiteia que o ser humano deve adequar as demandas ao tempo disponível e não o contrário, como geralmente acontece. Anaiara Almeida já não pensa assim. Além de ser casada e cuidar de duas filhas, ela trabalha no Departamento Sociocultural da AABB Porto Alegre, é sócia-fundadora da empresa Evidence Cerimonial e Eventos e cursa Administração na Ulbra. Para dar conta de tantas atividades, vale-se da agenda, que transgride o recomendado, pois além de acordar cedíssimo para dar conta das atividades, ela entra madrugada adentro estudando ou fazendo tarefas domésticas que ficaram para trás. Anaiara só descansa aos domingos, relaxando com a família. Deise Dornelles, gerente de comunicação da Vonpar, mesmo sem ter freqüentado as aulas de Peruzatto, aprendeu com a vida que o tempo é uma questão de prioridade. “A gente tem que eleger o que é importante e dar foco”, afirma a publicitária, de 38 anos, que coordena 32 pessoas nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Vários são os papéis assumidos por Deise no dia-a-dia. É responsável pela comunicação do portfólio da CocaCola, Femsa e Vonpar institucional, administra a casa, é casada e tem um enteado de 7 anos, dentre tantas outras atribuições. Com tantas exigências, ela deveria ser uma profissional com a agenda lotadíssima, sempre com a sensação que deve correr para dar conta, mas não é o que acontece. A receita passa primeiramente pelo autoconhecimento, pois somente sabendo o que se quer será possível priorizar o que realmente é importante e faz a diferença na vida. No trabalho, além das atividades de rotina, é necessário um tempo para ver o que é estratégico. “Fugir da rotina, olhar para o futuro, para o mercado, analisar informações.” É um horário sagrado. “Desvie o seu telefone, não atenda visitas e deixe claro para seus colegas que não deve ser interrompido.”Uma iniciativa dessas só é possível com uma priorização no seu tempo.

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Tanto na vida profissional como na pessoal, ter uma equipe de trabalho que saiba o que é importante, quais as metas, que assuma responsabilidades e dê o suporte necessário exigido é fundamental. “O meu foco como gestora é desenvolver a equipe”, entrega Deise, que aposta que a soma das partes irá formar o todo. No entanto, para aprender a gerenciar o tempo não basta seguir os exemplos de pessoas bem sucedidas. Segundo o consultor Marco Peruzatto, tudo começa com um trabalho comportamental, com a mudança de hábitos e comportamentos, controle de preocupações e ansiedades e, acima de tudo, planejando adequadamente a rotina e as atividades pessoais e profissionais. “Com um correto gerenciamento do tempo, você será um profissional mais competitivo, com qualidade de vida e mais feliz!”, apregoa. Para a coach Deisi Nara Bierende, profissional que tem como objetivo auxiliar seus clientes a pro-


PRISCILA ZIGUNOVAS

duzirem mais realizações e resultados em suas vidas pessoais e profissionais, já não basta buscar atualização. As novidades estão tão rápidas que é impossível acompanhar o processo de evolução. “Quando eu já tenho todas as respostas, mudaram as perguntas”, brinca Deise, que vale-se de um ditado para retratar a realidade. A psicóloga e doutora em administração Vera Moreira, que atua em gestão de carreiras, defende que existe um desequilíbrio entre o tempo dedicado ao trabalho e a vida pessoal. “Para muitas pessoas, o trabalho exige maior atenção. Não exatamente por vontade, mas por necessidade, principalmente nos primeiros anos, que exigem um investimento maior, senão não conseguimos nosso espaço”, explica. O trabalho precisa fazer parte da vida, ser um momento de prazer. Segundo Vera, não adianta querer separar uma coisa da outra. Se o trabalho é um fardo, uma coisa ruim, e ainda toma a maior parte

do tempo, então vira um inferno. A parte boa da história é que, gostando do que se faz e com o passar dos anos, se chega numa equação perfeita entre o tempo dedicado ao trabalho e a vida pessoal. Marcos Botton é pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, professor universitário, casado, pai de uma menina e está cursando atualmente pós-doutorado nos Estados Unidos. Botton é um daqueles profissionais de sucesso que atingiu o sonhado equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. Aprender a administrar o tempo trouxe vários benefícios para Botton. “Você consegue gerenciar a sua ansiedade, respeita as pessoas ao evitar que os outros fiquem dependendo de você ou esperando por você, fica satisfeito por cumprir suas atividades dentro dos prazos e ainda consegue ter momentos de folga prazerosos sem se sentir culpado por não estar trabalhando”, conclui. Mas, afinal, qual a receita de Botton? “No meu dia-a-dia, substituí a palavra tempo por vida. Toda vez que penso que não tenho tempo significa que não estou vivendo como deveria e que preciso verificar minhas prioridades. Se estou sobrecarregado, procuro uma maneira de negociar ou abandonar determinada atividade para ter tempo de fazer aquilo que considero prioritário e que está de acordo com o que acredito”, finaliza. Ao invés de desejar que as suas 24 horas diárias aumentem, aprenda a planejar as suas prioridades e ser fiel aos seus objetivos. E, acima de tudo, lembre-se que tempo é vida e, se você não tem tempo, não está vivendo.

Para ganhar tempo Aproveite o domingo à noite para planejar e a primeira hora da manhã para reavaliações diárias. Adotar uma agenda com endereço e número de telefones permanente, incluindo datas de aniversários e espaço para o planejamento anual, mensal, semanal e diário. Ao fazer o planejamento anual, defina onde quer chegar para direcionar e priorizar suas atividades. Aprenda a dizer não para o que estiver fora do seu foco. Respeite o seu tempo e o das pessoas com as quais você convive. Deixe de ter orgulho de dizer que você e uma pessoa muito ocupada e que não tem tempo para nada. Lembre-se que é uma questão de priorizar e manter o foco. Fonte: entrevistados

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mulheres

Super

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Na correria diária, a mulher de hoje vive em constante busca da superação Texto: CYNARA BAUM e DEISE ANDRADE. Foto: EMERSON MACHADO

o longo dos anos, as mulheres obtiveram inúmeras conquistas, como o direito de trabalhar fora de casa, de votar, praticar esportes, se divorciar, concorrer a cargos políticos, tomar pílula anticoncepcional, usar calças compridas, ingressar em curso superior, ocupar cargos executivos e receber salários relativamente iguais ao dos homens, entre outras. As conquistas e direitos adquiridos transformaram um grande número de mulheres nas chamadas super-mulheres, que tentam realizar diversas tarefas ao mesmo tempo. A mulher do século XXI requer versatilidade. Frente a este contexto, resta a pergunta: o que fazer para levar uma vida livre de culpas em um mundo com tantas pressões? O ideal é se conscientizar de que a perfeição é raramente atingida e que a mulher, assim como os homens, possui limites que devem ser respeitados. A psicóloga Maria Amélia Carlan, 48 anos, que atua na área de recursos humanos, fala sobre os

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anseios, angústias e medos das mulheres, principalmente quando buscam ingressar no mercado profissional. Conforme Maria Amélia, as mulheres estão sempre tentando conquistar seu lugar ao sol, almejando a perfeição em todos os papéis. Aponta também que, infelizmente, as diferenças salariais entre homens e mulheres ainda persistem, apesar de muitas vezes elas serem mais qualificadas. Outra grande preocupação que aflige a mulher deste século são os relacionamentos. É comum ouvir que tem muita mulher no mundo e pouco homem, e, para ajudar, eles não querem nada com nada. Para a estudante de psicologia Alyne Barreto, 25 anos, essa é uma preocupação pertinente. Ela confessa ter medo de ficar sozinha e atribui isso ao fato de os relacionamentos estarem cada vez mais superficiais. Segundo a psicóloga Maria Amélia, antigamente os relacionamentos eram baseados na repressão e hoje tudo é permitido, tornando as relações realmente mais superficiais.


elas Com isso, algumas mulheres preferem optar por estar sozinhas, tornaram-se mais seletivas. Elas buscam um parceiro que corresponda aos seus valores e nem sempre encontram. Para Alyne, administrar o tempo também não é uma tarefa fácil. Conciliar o trabalho e os estudos exige muita dedicação e muitas vezes causa uma certa tensão. Por isso, tenta sempre reservar um momento para o lazer, para estar com a família e os amigos e assim relaxar. O fato de envelhecer não assusta a estudante. Ela acredita que a experiência adquirida, a maturidade e a sabedoria são qualidades que compensam. Ela não deixa de cuidar da aparência, mas sem que isso se torne uma obsessão. Procura ter uma alimentação saudável e praticar atividades físicas, mas sem exageros. Acredita que o mais importante é manter o bem estar físico e mental. Quando pensa no futuro, o foco principal de Alyne é a carreira profissional, mas sem deixar de lado a vida pessoal. Ela traça algumas metas e se dedica para alcançá-las, mas admite possíveis modificações e adaptações no decorrer do percurso. A jornalista Stella Maris Valenzuela, 50 anos, é o que se pode chamar de uma mulher moderna. Ela literalmente faz ginástica para encontrar tempo para os amigos e a família. “Essas relações são fundamentais na vida dos seres humanos, e os amigos e a família entendem as ausências devido aos compromissos de trabalho”, diz ela. O fato de estar solteira não é uma preocupação para ela. O importante é estar centrada e valorizar as coisas boas da vida. A incessante busca das mulheres pelo padrão de beleza também não faz parte do seu cotidiano. Porém, ela não deixa de cuidar da sua saúde, do corpo, do espírito e dos sentimentos. Mas, para isso, não fica escrava de academias, da moda e da imposição da mídia. “Vejo beleza em mulheres de 50, de 60 e de 70 anos, não necessariamente loiras e magras. É muito importante que a sociedade reflita sobre este tema e também tenha uma visão crítica sobre a cobertura midiática, que descarta quem não está rigorosamente dentro das convenções impostas”, diz. Stella não teme pelas marcas do tempo no rosto e nem pelos limites no corpo decorrentes da idade, mas por enfermidades que retiram a autonomia dos seres humanos. Os planos da jornalista para o futuro em sua maioria envolvem viagens para os mais distintos pontos do mundo e em companhia dos amigos e da família. Já viajou para diversos lugares e pretende realizar outras tantas aventuras, talvez só ou em

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companhia de amigos e de algum amor. Stella e Alyne atualmente estão solteiras, e cada uma tem expectativas diferentes para o presente e o futuro. A estudante pensa em casar e ter filhos, mas antes pretende se estabilizar profissionalmente, para poder proporcionar uma vida confortável a sua família. Stella afirma que gosta tanto de ter momentos só, quanto de compartilhar seu tempo com amigos e familiares. Morar sozinha tem suas vantagens e desvantagens, da mesma forma que uma vida a dois. O importante é estar centrada e valorizar as coisas boas da vida. Na casa de Stella tem muitos atrativos, como tv a cabo, cds, internet, telefone, livros, “suas pantufas e uma camiseta velha”. Mais importante do que ser uma super-mulher livre de falhas, é saber encarar suas obrigações com tranqüilidade e poder cuidar de maneira equilibrada dos diversos setores da vida. Quando questionada sobre o que é ser uma mulher do século XXI, Alyne declara que a mulher moderna é aquela que assume seus sentimentos, seus ideais sem depender da aprovação dos outros. “É companheira, forte, meiga, aceita desafios, reconhece seus erros e defeitos e luta por seus objetivos. A mulher moderna se ama e se valoriza, encanta e incomoda.” Para Stella, que é uma pessoa preocupada com questões sérias que envolvem mulheres do mundo todo, ser moderna é lutar intransigentemente pelos direitos humanos das próprias mulheres, pelo fim da violência doméstica, por direitos iguais e por bons salários. “É lutar pela sua existência: estudar, buscar constantes aperfeiçoamentos, batalhar para trabalhar naquilo que gosta e também contribuir para que as mulheres, como as muçulmanas, que vivem em regimes fundamentalistas, conquistem o direito de não serem mutiladas sexualmente, de não dever obediência aos seus maridos e de não sofrer espancamentos de pais, dos maridos, dos irmãos e da mãe”. Na opinião dela, este deve ser um compromisso solidário das mulheres ocidentais modernas com as que sofrem todo tipo de violação e desrespeito aos seus direitos humanos. “As mulheres modernas também devem ter a tarefa de passar para seus filhos e para as futuras gerações as noções básicas de solidariedade e de intolerância com o machismo e com as discriminações.” Se ao longo dos anos as mulheres tiveram tantas conquistas, agora é necessário que adquiram o direito de fazer tudo o que desejam sem culpa. O direito de serem felizes.


preocupações em demasia

Na medida certa Os problemas invadem a vida de qualquer um sem pedir licença, mas preocupar-se demais pode trazer distúrbios psicológicos Texto e Foto: JOEL REICHERT


preocupações em demasia onforme sábia letra de uma certa canção, “deixo a vida me levar, vida leva eu”. Muitos seres humanos acreditam que qualidade de vida é ter saúde e poucas preocupações. Entretanto quem já balançou os dedos cantando esse contagiante refrão sabe que na verdadeira canção da vida deixar se levar não é tão fácil assim. As preocupações existem e, em proporções diferentes, invadem a vida de qualquer um sem pedir licença nem desculpa. Eu, por exemplo, neste exato momento, estou preocupado se você lerá esta reportagem até o fim ou se vai virar a página neste segundo. Que bom que não virou! Até aqui minha preocupação está sendo diminuída e posso garantir que, se você chegar até o fim da reportagem, se é que conseguirei conduzir você até lá, as suas preocupações não deixarão de existir, prepotentemente digo que talvez se focalizem melhor. Se você não está gostando até aqui, não se preocupe, pois saiba que a maioria das preocupações que temos diariamente são consideradas irrelevantes e permitimos que elas tenham proporções distorcidas, causando falta de apuro para resolver ou refletir adequadamente sobre as que realmente nos interessam. Mas bah - perdão pelo bairrismo, pois não pude achar expressão deveras exclamativa do que esta - quais preocupações são as verdadeiras?

C

Comecemos do início: Até me lembro, e já faz um tempinho. Quando eu era um piazito, só queria saber de fazer arte. Minha preocupação número um era brincar e fazer amigos, ah e, claro, pedir a Vanessa em namoro. Morria de vontade de pegar na mão dela. Sim, claro, pegar na mão, porque naquela época era o máximo que se fazia, e já era uma tremenda ousadia. Acho que eu olhava pouca novela, pois se fosse hoje nem iria ter essa parte de pegar na mão, pulava umas cinco partes. Vamos ao que interessa, ah espera, tinha outra coisa que me preocupava também. Minha mãe sempre dizia, “volta antes da janta guri”. Claro, toda mãe que gesticula balançando o indicador no ar algumas vezes sabe que seu filho não ousaria desobedecer, e elas sempre dizem que comer é importante para crescer grande e forte. O que acho mais engraçado pensando nisto hoje é que ela não tinha a mínima idéia de onde eu estava, mas eu voltava mesmo. O dedinho no ar era infalível. Hoje o dedo deu lugar à tecnologia, disque e encontre seu filho no celular, quer dizer, se eles tiverem tempo na agenda para atender o telefone. Além dessas importantes preocupações citadas acima, que certamente são do grupo das importantes - principalmente a Vanessa - outra coisa que me preocupava era ser adulto. Até me lembro de pegar as gravatas do meu pai e, na frente do espelho, ensaiar um nó cego que eu


achava lindo. Eu via refletido no espelho o cara mais rico e feliz. Sim, quando pequena, invariavelmente toda criança cresce espelhando-se em modelos de vida adultos. Porém é difícil elas perceberem que este mesmo modelo, além de uma imagem, é um mundo cheio de atribuições e responsabilidades. Quando na fase adulta, aquele modelo de vida se esvai, revelando que nada é exatamente como parece. Viver, ser um adulto e cumprir com o conceito de vencer na vida traz muitas preocupações, reflexões, dúvidas e incertezas. Claro, isto tudo eu não via no espelho, afinal era apenas um reflexo. O fato é que, ao ter consciência, o indivíduo sabe que o zelo é imprescindível, e a vida passa a ser regrada não pelo modelo que se tinha quando criança, aquele do nó cego, mas pelo que exige ter sucesso e ser feliz. Com esta ambição, normalmente chegamos à fase adulta, isto logo depois de passarmos por duas grandes preocupações na adolescência – aceitar e ser aceito. Para mim, essas se incorporam ao leque das irrelevantes, e, se nesse período não houvesse espelho, seria melhor, porque já não eram mais gravatas no reflexo, mas sim espinhas. Da imagem para a realidade. Aquela vontade enorme que tínhamos quando criança finalmente chega e não vemos a hora de cair no mundo, porém, ser rico e feliz, como lá naquela época do espelho, é muito mais do que um simples reflexo. Trabalhar, estudar, viver, ganhar dinhei-

ro, ter saúde, ter sucesso, agüentar o chefe, tocar a empresa, expectativas, esperanças, medo, aflição, incerteza, arrependimento, são apenas palavras em um papel, mas na vida são os desafios do dia-a-dia que nos fazem ser quem somos e chegar até onde chegamos.

Anderson, Fernando e Giovane Anderson Braun, tem 30 anos, cursa engenharia e tem dois empregos. “Chega um momento em que não dá para ser apenas mais um profissional, é preciso criar diferenciais além de abrir o leque de contatos. Preocupo-me muito em ampliar minhas chances de ter um bom emprego e poder ter o padrão de vida que almejo.” Anderson também acredita que, em função dessa preocupação, muitas outras surgem, pois acaba passando muito tempo fora de casa, sendo que ainda atua como presidente voluntário em uma empresa júnior do projeto de extensão da Centro Universitário Feevale. “Minha vida pessoal passou a ser muito limitada, tenho pouco tempo para minha namorada e assuntos pessoais. Administrar o ócio é muito importante”, salienta. Há quem diga que vive sem preocupações, mas Anderson fala que em seu caso as preocupações são proporcionais ao grau de comprometimento. “Comprometimento e preocupação andam juntos, e sempre que me comprometer

Giovane é portador de Transtorno Obsessivo Compulsivo e se acalma cuidando de sua coleção de discos de vinil


preocupações em demasia com algo vou preocupar-me para resolver o assunto.” Para algumas pessoas, as preocupações são tantas que elas acabam precisando de atendimento especializado. Chega a hora de fazer terapia. A psiquiatra Caroline Peter Scherer observa que o dia-a-dia da psiquiatria, de uma forma geral, é tratar pacientes que têm na raiz de seus problemas o excesso de preocupações. “A origem dos transtornos normalmente são preocupações em demasia ou mal resolvidas. Hoje o excesso de tecnologia, a quantidade de informações, a quantidade de cobranças e a velocidade das coisas acabam por criar um ambiente de competição muito grande e esses normalmente são os grandes vilões para as pessoas que acabam adoecendo.” Pois bem, além das frustrações de muitas vezes o sonho não corresponder ao modelo, muitos distúrbios psicológicos surgem e também recebem nomes ao longo do percurso atual. De transtorno obsessivo compulsivo (TOC) a transtorno bipolar, de cauteloso a criterioso, de neurótico a psicótico, nenhum de nós está livre das preocupações. Fernando*, diagnosticado recentemente como portador da doença bipolar, passou por um período de contrastes de temperamento muito forte. O stress do dia-a-dia, teoricamente normal até então, tomou contornos que desencadearam dificuldades de se relacionar com as pessoas tanto no campo profissional quanto no pessoal. “Eu não podia nem ouvir alguém falar de coisas comuns, já saía logo rotulando de imbecil. Meu humor estava muito instável e minha obsessão pela perfeição passou a ser um problema. Não havia mais coisas pela metade, tudo tinha que ser muito intenso e muito apaixonante. Jamais poderia admitir fazer algo aquém do que já havia feito. Eu simplesmente não admitia não ser o melhor.” Caroline alerta que é necessário estar atento ao corpo e a mente, e o mais importante, além de perceber, é aceitar a existência de alguma anomalia. Nestes casos, buscar ajuda profissional o quanto antes pode ser a diferença entre tratar uma doença ou resolver uma angústia. “Atualmente a psiquiatria não atende apenas pessoas que desenvolveram algum problema, muitos dos pacientes fazem tratamentos preventivos.“ No caso de Fernando, a intervenção psiquiátrica aconteceu no ápice de um transtorno. “Pre-

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cisei dar uma freada para que as coisas se ajeitassem e iniciei um tratamento em busca de uma paz e um equilíbrio que me fizessem voltar a ter a vida o mais próximo do normal.” Após uma internação, Fernando diz que está satisfeito com os tratamentos. Giovane Augusto, portador de TOC, diz que a força de vontade é muito importante para ajudar nestes tipos de doença. “O que mais quero é ser feliz e ver os outros felizes. Tenho muita força de vontade para lutar contra esta doença e ajudar os que têm algum problema como o meu.” O passatempo predileto de Giovane é curtir e cuidar da coleção que tem de LP´s (discos de vinil) O problema de Giovane apareceu no início de sua juventude e depois de internações e tratamentos, aprendeu como é importante valorizar a saúde e a família. Giovane lembra que, no início, passava boa parte do tempo ansioso e preocupado com as coisas e as pessoas, mas que agora com o tratamento certo está passando por uma fase mais estável. “Eu comecei a ficar muito rebelde, quebrava coisas, ouvia som no último volume, passei a ver imagens de lugares que estive, coisas que fiz, pensamentos catastróficos, ficava muito nervoso quando recebia visitas e tive que parar de estudar. Tudo o que tenho hoje é a música e, claro, a minha família.”

Não tranque as gavetas Assim vou chegando ao fim, tendo você como companhia até aqui. Quero lembrar que, não, as preocupações não deixam de existir, apenas mudam ao longo do curso da vida. Talvez uma boa dica, conforme a psiquiatra Caroline salienta, seja resolver nossas emoções na hora e não deixá-las acumular. Trancar sentimentos ou problemas não resolvidos em gavetas pode acarretar sintomas difíceis de serem tratados, pois, quando essas gavetas abrem, tudo volta com mais força ainda. Assim como no meu caso, no do Anderson, no do Fernando, no do Giovane e no seu também, tudo é muito contemporâneo. Talvez não dê para levarmos a vida conforme Zeca Pagodinho canta, mas há outra sábia canção que diz assim: “don´t worry, be happy! Uuuu, uuuuu, uuhhhuuu”, não se aborreça, seja feliz e se alguma coisa não tiver solução, solucionado está. * O nome foi trocado.


Janela do medo Até que ponto a mídia influencia nosso comportamento e nossos conceitos com notícias sobre violência? Texto: ALEXANDRE VIEGAS, OSVALDO MENDES e RODRIGO PRUX. Fotos: MARCELO GOMES


violência á alguns anos, a aposentada Norma Linhares da Silva, 58 anos, deixou de vender roupas na sua vizinhança. Norma mora no bairro São José, em Esteio, e decidiu abrir mão da renda extra por temer a violência. Durante o dia, se divide entre as tarefas da casa e o trato de três cães com uma preocupação: “Enquanto meus filhos e netos estão na rua trabalhando não fico sossegada”, conta. Norma já foi assaltada uma vez, há 22 anos. Um dos seus principais temores é ser vítima de bala perdida, apesar de sua cidade não ter constantes registros desse tipo de delito. Para ela, qualquer um pode ser atingido pela violência e somente se sente segura orando a Deus. A história de Eduardo Biv, 45 anos, como a de Norma, também tem relação com o Divino. Proprietário de uma academia de musculação em Porto Alegre, ele sobreviveu a um tiro durante um assalto. Tudo ocorreu muito rápido. Enquanto Eduardo retirava mercadorias de seu carro, junto com sua noiva e sua filha, dois assaltantes o abordaram e pediram o automóvel. Sem reagir, ele entregou as chaves. Mesmo assim, foi alvejado à queima-roupa no tórax. Norma e Eduardo se sentem ameaçados pela violência urbana. De acordo com pesquisa sobre vitimização realizada pelo Governo Federal, Universidade de São Paulo e o Instituto Latinoamericano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, em 2002, tendo ou não sido vítimas de crimes nos últimos anos, os habitantes dos centros metropolitanos brasileiros sentem-se bastante inseguros e vulneráveis ao crescimento da violência nas últimas décadas. Apenas em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Vitória, 66% dos entrevistados julgavam-se prováveis vítimas de algum roubo até o ano seguinte, 57% afirmavam-se terem mudado de comportamento por razões de segurança e 33% sentiam-se inseguros na própria vizinhança. O que leva a sociedade a ter medo? Seria o comportamento humano, como disse o psicanalista Carl Jung, que está perdendo a alma ou a supervalorização de determinados atos violentos que transforma simulacros em verdades? Por que cada vez mais a sociedade se esconde atrás

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de grades, muros altos, seguranças particulares e cercas elétricas? As questões, segundo o sociólogo norteamericano Barry Glassner, têm duas explicações. A primeira está relacionada às tensões prémilenares, provocadoras de ansiedade em massa e raciocínio doentio a cada início ou final de milênio. Glassner diz que, provavelmente, essas tensões ajudem a compreender o pavor coletivo. A outra explicação de Glassner responsabiliza a mídia jornalística. Para o sociólogo, a justificativa de que sentimos tantos medos, muitos deles infundados, é porque a mídia nos bombardeia com histórias sensacionalistas idealizadas para aumentar os seus índices de audiência. Apesar de classificar a imprensa como uma das principais instituições que criam e sustentam o pânico, Glassner diz que os meios de comunicação possuem uma grande capacidade para promover uma mudança positiva neste cenário. A influência da mídia na sensação de insegurança tem sido tema de pesquisas que buscam identificar a essência do medo na sociedade moderna. Nos Estados Unidos, estudos encontraram uma relação entre a cobertura jornalística e o medo. A professora Esther Madriz, da Faculdade Emory, na Virgínia, entrevistou em 1997 mulheres nova-iorquinas sobre o temor do crime e constatou que os meios noticiosos eram tanto a fonte dos seus medos, como a razão pela qual elas acreditavam que esses medos eram válidos. No Brasil, o criminólogo Túlio Kahn comparou o percentual de notícias criminosas produzidas pelos jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil com a incidência de crimes registrados em São Paulo nos anos de 1997 e 1998. Durante esse período, as publicações sobre furto na Folha e no JB somaram, juntos, 13,4%, enquanto o delito preencheu 45,6% dos crimes assinalados pelos órgãos de segurança. A mesma diferença aconteceu com as notícias sobre roubo (111% contra 23,7% das informações da polícia de SP), homicídio (165% contra 1,7%) e seqüestro (25,8% contra 0,0001%). “Quando cresce a sensação de vulnerabilidade, é porque, supostamente, cresceu a violência. Mas, na verdade, não aumentou a violência. Aumentou a sensação que se tem”, diz o sociólogo Carlos Gadea, que chama a atenção para a preocupação das pessoas com a insegu-


rança urbana não relacionada exatamente com violência. Para Gadea, violência não é sinônimo de criminalidade. É algo coletivo, uma cultura construída diariamente com a participação dos meios de comunicação. Os números de 2008 do Mapa da violência nos municípios brasileiros, do Governo Federal, revelam uma queda anual, entre 2003 e 2006, de 2,9%. De acordo com o levantamento, esse fato pode ser diretamente atribuído às políticas de desarmamento. Os dados mostram uma realidade violenta ligada a desentendimentos familiares e brigas comuns, ao invés de mortes promovidas por grupos criminosos. Para o jornalista e pesquisador da Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos, Ronaldo Henn, a mídia tem uma parcela de influência na sensação da insegurança presente na sociedade. “Isso acontece, mas de forma parcial. Essas relações entre mídia e sociedade são complexas. Há, inegavelmente, um tipo de insegurança existente nas ruas que provoca temor”, diz o professor, salientando, entretanto, que essas situações de violência são potencializadas quando ganham visibilidade. Henn acredita que, em alguns casos, há uma superexposição do fato violento, como a exploração contínua de notícias sobre crimes envolvendo jovens. “Esse hiperdimensionamento causa a impressão de um aumento da criminalidade juvenil e gera um ambiente de terror, onde a situação parece fugir do controle”, diz. A idéia de uma situação “fora de controle”, sugerida por Henn, colocada através de notícias que tratam da violência, acaba pautando as discussões na sociedade e pode, muitas vezes, alterar a rotina de cada um. Casos divulgados com destaque acentuado e de forma descontextualizada geram a noção de um perigo iminente, quando, na verdade, a relação do fato com determinado local, onde a notícia é veiculada, tem pouca ou nenhuma proximidade. Em 1º de dezembro de 2005, o jornal Zero Hora exibiu uma foto de capa ocupando meia página com a chamada “Terrorismo no Rio”. Nas páginas internas, a matéria apresentava informações sobre as ações de traficantes na capital carioca, sob os títulos “A face do terror do tráfico” e a “A guerra do Rio”. Outro fato apresentado por ZH, em 25 de novembro daquele ano, trouxe a manchete “Assalto a ministro do STF expõe clima de insegurança no país”. A maté-

ria, publicada dois dias após o acontecimento, relata o delito contra o ministro gaúcho do Supremo Tribunal Federal (STF), Eros Roberto Grau, e sua esposa, em Brasília. Segundo o professor de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Wladymir Ungaretti, notícias como essas estabelecem uma subjetividade de insegurança e produzem uma violência simbólica, no momento em que se transfere crime de outros lugares para o estado gaúcho.

Monstros e preconceito No final de março deste ano, a prisão de um adolescente de 16 anos, acusado de executar 13 pessoas, causou furor no meio jornalístico. Foco de reportagens especiais, como a série do jornal VS, de São Leopoldo, “Terror no Vale do Sinos”, a prisão do adolescente, denominado serial killer, ocupou espaços em jornais, tevês, rádios e internet durante um mês, além de exceder as páginas policiais e chegar aos cadernos de cultura. Na avaliação do sociólogo e professor da Unisinos Sólon Viola, o tipo de abordagem dedicado aos casos, como desse adolescente, apresenta apenas o que chama mais atenção da audiência e destaca aquilo que aparentemente seria um anormal. “A mídia não divulga somente o fato, ela traz um juízo de valor sobre o fato, muitas vezes sem olhar o todo. E para fazer isso ela precisa acusar e, às vezes, de forma inconseqüente”. O sociólogo explica que a atitude dos jornais cria uma anormalidade, a ponto disso passar a ser mais interessante que a normalidade. “Os meio de comunicação têm um lado que lida com a violência advinda dos setores excluídos da sociedade, como uma violência de bandidos e criminosos. Nesse momento, se estabelece o preconceito”, ensina. Marcos Rolim, jornalista e consultor em segurança pública e direitos humanos, conta determinados fenômenos violentos aparecem de forma hiperdimensionada na mídia, enquanto outros são sub-dimensionadas ou mesmo não refletidos pelos noticiários. “Assim, por exemplo, um homicídio como o que vitimou Isabella, uma criança de classe média em São Paulo, recebe uma atenção absolutamente desproporcional, enquanto a morte de centenas de crianças pobres - muitas vitimadas pela violência dos pais - não oferecem motivo para uma só matéria”, aponta Rolim, ex-deputado estadual e federal pelo PT. JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 61


violência Por outro ângulo Durante a Conferência Mundial de Recife, em 1998, a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) orientou como deve ser o papel da mídia na cobertura de fatos envolvendo crianças, assinalando que não se deve considerar nem fazer reportagens como eventos. O correto, para a instituição, é discutir constantemente o processo que, provavelmente, leva ou levou à ocorrência desses eventos. O discurso da FIJ, segundo Rolim, depois de dez anos, pode ser estendido e tornar-se referência para qualquer abordagem do tema “Violência”. “Apenas excepcionalmente a mídia brasileira trata com acerto temas que envolvem crime e violência”, explica. Para o ex-deputado, a regra é a superexploração das circunstâncias trágicas, a construção de um tom altamente emocional - com o qual se produz identidade com as vítimas e ódio aos suspeitos -, a reprodução acrítica das informações oficiais, a despreocupação em ouvir especialistas em segurança, criminólogos e pesquisadores, e a insistência em se retratar o crime ou a prática violenta como fatos desprovidos de história, completamente descontextualizados. Em seu livro A síndrome da rainha vermelha, Marcos Rolim, analisa, por outro lado, que a mídia tem, em várias oportunidades, assumido partes de uma agenda antiviolência. Ele ressalta que a luta pelos direitos humanos no Brasil não teria alcançado muitas de suas conquistas sem a presença corajosa de jornalistas que realizaram graves denúncias.

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Rolim considera que o ideal seria uma organização diferente, em que os veículos dividissem seu espaço policial para três tipos de notícias: crimes praticados, crimes punidos e experiências exitosas de prevenção ao crime e à violência. A posição da Federação Internacional de Jornalistas é reforçada pelo professor da UFRGS, Wladymir Ungaretti. Para o professor, o jornalismo deveria trazer elementos relevantes ao debate sobre qualquer notícia divulgada. "O jornalismo precisa subverter o conceito de noticiar superficialmente os fatos para não tratar a violência com um espetáculo", completa Ungaretti, citando o filósofo francês Pierre Bourdieu, criador do molde da “mentalidade-índice-de-audiência” para se referir a fatos explorados à exaustão apenas para dar audiência. Para o diretor de redação do jornal Correio do Povo, Telmo Flor, a questão da violência tem na mídia diversos enfoques, de acordo com as especificidades de cada veículo: “Há jornais que preferem a sensação das ocorrências policiais, outros dão preferência aos temas que envolvem a questão da violência e que procuram valorizar um noticiário que seja relevante ao interesse público e que, de alguma forma, possa contribuir para a sociedade encontrar soluções para o problema da violência”.

Lógica de mercado O pesquisador da Unisinos Ronaldo Henn também compartilha da necessidade de trabalhar com noticiários sobre violência de forma mais profunda, buscando o contexto da história. Porém, ele não acredita que isso seja possível, principalmente pela lógica de mercado existente. “A cobertura poderia ser flexibilizada. Mas, dificilmente isso será diferente, considerando que fatos com grande carga dramática são quase irresistíveis para o público consumidor”. De acordo com o jornalista e coordenador da Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RS), Juremir Machado, a mídia alcançou um patamar positivo e tenta atender a demanda de forma mais comedida do que em tempos atrás. Machado diz que os veículos falham somente quando pré-julgam suspeitos de crimes. Para ele, a idéia de uma mídia responsável por tudo é simplista. “No caso Isabella Nardoni, por exemplo, o erro não é dos jornalistas, mas dos órgãos de segurança que liberam informações sigilosas”, defende o professor.


gênero

Os opostos nem sempre se atraem Texto: DAYANE MASCITTI e YANTI SOUSA RITTA. Fotos: ÂNGELO DAUDT

izem que a mulher é o sexo frágil. Mas que mentira absurda! Eu que faço parte da rotina de uma delas sei que a força está com elas (...) Mulher! Mulher! Na escola em que você foi ensinada jamais tirei um 10. Sou forte, mas não chego aos seus pés (...)" Os trechos da canção Mulher, de Erasmo Carlos, retratam a força do universo feminino. Segundo a psiquiatra Vilma Cidade da Silva da Clínica Psiquiátrica e Psicoterapia, de Canoas, existe contradição no comportamento entre o homem e a mulher. A mulher é mais emotiva e detalhista. O homem é mais objetivo. Isso acontece porque existem diferenças funcionais do cérebro. O feminino tem atividade voltada para o lado direito do hemisfério cerebral que indica emoção. Já o masculino, o lado esquerdo remete ao raciocínio. Entre os dois hemisférios femininos existe maior comunicação. O cérebro do homem é mais assimétrico, há quem atribua a esta característica a maior aptidão pela lógica matemática. As mulheres, por outro lado, têm os hemisférios mais ligados, conseguem fazer várias tarefas ao mesmo tempo. Para Vilma Cidade essa diferenciação pode causar conflitos nos relacionamentos amorosos. Pensar diferente, às vezes, é não ser aceito. Por esse motivo muitos casais encontram problemas de convivência. A fim de afastar desentendi-

"D

É preciso saber controlar nossos impulsos para se ter estabilidade e harmonia nos relacionamentos

mentos devemos controlar nossos impulsos.

Mudanças ao longo do tempo As diferenças entre homem e mulher existem desde sempre. Na Antigüidade a mulher era encarregada de cuidar dos filhos e dos afazeres domésticos. O homem era responsável pela caça. Com o passar do tempo elas perceberam que poderiam plantar sementes caídas de frutos consumidos. A partir disso descobriram a agricultura. Em seguida passaram a contribuir com o sustento do lar. No Brasil, grande parte delas iniciaram o século XX analfabetas, sem direito ao voto, economicamente dependentes, submissas ao homem e julgadas inferiores. Cem anos foram suficientes para desmontar todos esses preconceitos, conquistar espaços na política, na economia e na produção cultural. A revolução feminina do século XX, no País e no mundo representa, sem dúvida, um salto de qualidade na história da humanidade. A mulher contemporânea cuida dos afazeres domésticos, paga suas despesas, educa seus filhos e ainda se dedica à carreira profissional. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2005 comprovam que 42% das mulheres têm formação superior. A estimativa ultrapassa 31% dos homens. JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 63


sexo oposto Conforme o historiador do Colégio Salesiano Dom Bosco de Porto Alegre Marcelo Demetrio Ferreira, as mulheres vêm adquirindo autonomia social. "As mulheres são ambiciosas, algo que não acontecia na antigüidade. Elas pensam em adquirir bens materiais. Ocupam cargos de chefia. Diferente do que acontecia na década de 50, quando eram proibidas de trabalhar no mesmo departamento do que os homens", complementa. A evolução feminina demonstra que, apesar de cada um ser diferente, ocupamos o mesmo espaço, respiramos o mesmo ar e, apesar de lidarmos com um mundo capitalista, o equilíbrio em saber driblar com essas diferenças de espaço é possível se soubermos olhar para cada um de nós com igualdade.

Sensibilidade masculina "Características comportamentais entre homem e mulher podem ser percebidas através de textos. Os homens produzem frases resumidas. As mulheres escrevem trechos mais detalhados. Homens e mulheres têm percepções diferentes. Têm formas diferentes de perceberem o mundo. Os homens são mais emocionais do que muitas mulheres", de acordo com o coordenador do curso de Filosofia do Centro Universitário La Salle (Unilasalle), Rudinei Müller. Para Müller, racionalidade é ser emotivo. A razão é movida por paixões e desejos. Portanto, a razão não é simplesmente uma lógica matemática. Muitas pessoas pensam que o sentimento mais importante está no coração e as idéias na razão. Na verdade precisamos raciocinar para despertar, em nossa mente, vontades. O nosso pensamento não é uma fórmula mecânica e sim um meio de assimilar sensações.

Seres descartáveis O filósofo acredita que as pessoas se sentem únicas em determinados momentos. Não são totalmente exclusivas porque são descartáveis na sociedade. Nas empresas as pessoas são demitidas. As relações amorosas se desfazem e se reorganizam com outras pessoas. Todos são, em princípio, descartáveis. Portanto, o ser humano não pode ser considerado único. Segundo Müller, os seres humanos, originariamente, não são naturais e sim culturais. Muitos traços que as pessoas possuem fisicamente são constituídos por elas. Cidadãos que passam horas fazendo exercícios físicos em academias projetam um corpo sarado. Geralmente as pessoas obesas têm uma vida sedentária, e aí por diante. "O meu corpo é resultado de mim e não da natureza. Os pensamentos são resultantes da vida que a pessoa tem e não de sua origem. Eu sou resultado de uma atividade cultural e não natural", ensina. Independente de sermos emotivos, sendo homem ou mulher é preciso saber lidar com a unicidade. Cada pessoa tem sua opinião, seu modo de ser e de agir perante os acontecimentos. Por isso, é importante saber ouvir e aprender a dialogar com o outro. Somente assim as diferenças poderão ser superadas. Os indivíduos não podem ter medo de expor suas idéias. Isso deveria ser uma das principais preo-

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cupações do universo masculino e feminino, gêneros responsáveis pela reprodução humana na terra.

Quem é mais sensível? Segundo o padre e professor de Comunicação Social da Unisinos Carlos Alberto Jahn as mulheres são mais sensíveis do que os homens. Esse comportamento se reflete no âmbito social. "Elas são observadoras e intuitivas. Eles são calculistas e impacientes. Portanto, as mulheres possuem mais vocação para trabalhar com questões relacionadas às ciências humanas do que os homens", analisa. Para Jahn as mulheres estão cada vez mais independentes, fugindo daquele paradigma de que as mulheres nasceram para servir seus maridos eternamente. "Caso uma mulher não esteja mais interessada em conviver com o seu companheiro, ela simplesmente se separa. Isso acontece porque ela não é mais obrigada a permanecer ao lado do marido, se ela não quiser. Ela conquistou o direito do divórcio", argumenta. Nos casamentos não deveriam mais serem prometidos até que a morte nos separe e sim até que a convivência nos agüente. A estudante de Filosofia do Unilasalle Naile Maria Gerahast Leites comenta que os homens são mais sensíveis do que as mulheres. As conquistas do universo feminino comprovam que elas deixaram de ser submissa ao homem. A mulher deixou de ser dependente do marido. Passou a exercer autonomia na sociedade, deixando de ser uma pessoa indefesa. Para o vice-gerente da loja Diadora de Porto Alegre, Alexsandro Manenti dos Santos, o sexo feminino é mais emotivo. "Os homens são mais racionais. Eles pensam antes de praticar seus atos. Elas pensam mais com o coração. Essa sensibilidade é característica do universo feminino", comenta. Segundo a estudante de Psicologia da Unisinos, Michelle de Oliveira, é comprovado cientificamente que a mulher é mais sensível do que o homem. Elas são sensíveis. Choram com facilidade, expressam com mais naturalidade seus sentimentos. São mais verdadeiras. Para o comerciante do Bazar Stylus, de Canoas, João Goulart ambos são sensíveis. A sensibilidade depende do humor de cada um. Existem mulheres mais autoritárias do que muitos homens. Muitas não aceitam a opinião masculina. São mais orgulhosas e bem-resolvidas em suas decisões. A professora de Educação Infantil, Fátima Helena Moura, da Escola Municipal Thiago Würth, de Canoas, avalia que as mulheres pensam mais antes de agir do que os homens. Eles, muitas vezes, agem por impulso. "Se o homem trair a sua companheira pode ser somente pela necessidade sexual. Se a mulher cometer esse ato é porque ela está apaixonada por outra pessoa. Ela pensa antes de trair. Não traem apenas pelo sexo, mas sim pelo sentimento", compara. Para a professora de Educação Física Rejane Maria Feyh, da Escola Municipal Arthur Pereira, o homem segue pelo raciocínio e não pela emoção. O estudante de Jornalismo do IPA Rodrigo Vieira da Silva acredita que os homens são mais sensíveis. As mulheres são mais seguras e determinadas do que muitos homens. JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 65


saúde pública

Crack O consumo massivo da droga e seu alto poder de degradação e dependência anunciam um colapso no já precário sistema de saúde público

Texto: CRISTIANE MARÇAL e FABRÍCIA HESS. Fotos: MARCO ANTÔNIO FILHO


ópio existe desde que a sociedade se entende como sociedade. A diferença está nas circunstâncias em que ele se apresenta. Um dos mais recentes e tristes fenômenos dessa esfera é o surto de dependentes de crack, que tem sido acompanhado com espanto pela população, comunidade acadêmica e Estado. Além do alto potencial de vício, o entorpecente agrega um fator determinante para o uso massivo - o baixo custo. Milhares de pessoas, entre elas crianças, e muitas de baixa renda, estão usufruindo da droga sem saber dos malefícios que este tipo de entorpecente causa física e psicologicamente. Números assustadores mostram que está ocorrendo um colapso na saúde pública pelo alto número de usuários e pela complexidade do tipo de tratamento que cada um necessita para largar o vício.

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saúde pública "Seria a droga ideal do traficante se não matasse a pessoa" Osmar Terra, secretário estadual de Saúde

O crack é o resultado da cristalização de uma pasta base de cocaína misturada com alguns produtos químicos. O consumo da droga pode ser feito somente através da queima da pedra, através do fumo. Quando queimada, essa pedra quebra - e é do barulho dessa quebra que vem o nome do entorpecente -, vira uma fumaça que vai até o pulmão e, rapidamente, em torno de três minutos, dá início a ação no cérebro. O efeito dura mais dois ou três minutos. Para o médico psiquiatra Leandro Luz, esse é o grande motivo pelo qual o crack é uma droga muito fácil de viciar, pois tem um pico de ação muito rápido. Ele cita como exemplo para ilustrar a sensação de um usuário de crack aqueles elevadores dos parques de diversões. Você sobe no brinquedo a uma altura de 15 ou 20 metros e, em menos de cinco segundos, ele desce e termina a brincadeira. Em seguida, você quer andar novamente. Essa droga provoca uma fissura muito grande em muito pouco tempo. "O crack seria a droga ideal do traficante se ele não matasse a pessoa", declarou o secretário estadual de Saúde Osmar Terra em entrevista ao programa Gaúcha Repórter (28/04/2008), da rádio Gaúcha. "Porque ele é barato, de alto poder de dependência (...), é oito vezes mais potente que a cocaína, e de curta duração". Luz também acredita nisso. De acordo com o psiquiatra, o crack é um entorpecente que tem o poder de viciar mais rápido do que as outras drogas. Ele provoca danos muito fortes e muito rápidos, física e psicologicamente. "Ao longo dos anos nós percebemos que há uma necessidade de uma estrutura maior para o usuário de crack", constata Félix Kessler, vicediretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Segundo Kessler, o usuário dessa droga apresenta diferenças se comparado aos consumidores de outros entorpecentes, como transtorno de personalidade e agressividade. "São pacientes que

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geralmente tem outras doenças psiquiátricas graves, como depressão, ansiedade, bipolaridades, surtos psicóticos. Tem uma dificuldade muito grande de aceitar regras sem, vamos dizer assim, sem transgredir". O baixo custo da droga e o alto poder de vício somado às dificuldades no tratamento colaboram para um quadro de muitas dificuldades e preocupações.

De problema grave à epidemia "Nós estamos reconhecendo o crack como um fato excepcional, uma epidemia", reconhece o secretário estadual de Saúde Osmar Terra, em entrevista concedida à Lasier Martins (21/03/2008). O problema surgiu de forma rápida e devastadora. "Antes tu tinha numa enfermaria sete pessoas, oito pessoas com alcoolismo dos dependentes químicos e dois que eram dependentes de cocaína, um era de crack", estima. "Agora não. De dez, nove são dependentes de crack". Um fator que colaborou para o agravamento da situação foi a diminuição de leitos do sistema público de saúde. Essa redução deve-se, em boa parte, ao movimento conhecido como Reforma Psiquiátrica, que foi iniciado na década de 90 e previa a desativação dos manicômios. A intenção era transferir o foco do tratamento da instituição hospitalar para uma Rede de Atenção Psicossocial, estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos. Basicamente, uma maneira de humanizar o tratamento de doenças mentais, onde a dependência química e o alcoolismo se encaixam. Só que essa movimentação resultou num menor número de leitos e coincidiu lamentavelmente com a explosão de uma droga muito mais potente e destruidora do que as que estavam em circulação quando iniciado o movimento de Reforma Psiquiátrica. Terra sinaliza a consciência do Estado sobre o problema e anuncia medidas. "Vai haver uma


renovação de convênio com os hospitais filantrópicos". A idéia é dar um incentivo aos hospitais e, em troca, a instituição atende o Estado em determinadas demandas. Uma delas, o aumento de leitos psiquiátricos. "Vai ser uma coisa rápida", ele afirma. "Não depende de construir hospital, não depende de construir leitos, enfermarias novas. É usar o que tem disponível nos hospitais e priorizar alas dos hospitais para atendimento de dependentes químicos e atendimento psiquiátrico", explica. A expectativa é de disponibilizar, até o final do ano, 500 leitos a mais só para urgências psiquiátricas em todo Estado. Atualmente, na capital gaúcha, existem somente duas vias de acesso ao atendimento de serviço público para dependentes de crack. Uma delas é o Hospital Psiquiátrico São Pedro, que atende dependentes de 88 cidades, via redes municipal-regionais com processo completo de desintoxicação. Esse é o único local da rede pública que mantém o internado até a desintoxicação total. Na emergência do hospital chegam, em média, 700 pacientes por mês e, para pessoas em crise, existem 130 leitos. A metade ocupada por dependentes de crack. A enfermaria de crianças, de 0 a 12 anos, possui dez leitos, a maioria com vítimas da droga. Para adolescentes - de 12 a 17 anos - também há dez leitos e o número de dependentes do crack varia de oito a nove. Já na rede pública municipal de saúde, os atendimentos de dependentes de drogas são centralizados no Postão da Vila Cruzeiro que, de lá, são encaminhados aos hospitais conveniados. O período de desintoxicação varia de 28 a 30 dias. Os dados foram retirados do jornal Correio do Povo. A reportagem manteve contato durante um mês com a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde do Estado, mas não obteve confirmação dos dados e nem resposta de qualquer pessoa responsável pelo órgão.

Alternativas O sistema público de saúde não é o único meio de atendimento aos dependentes com menor poder aquisitivo. A incapacidade de aten-

der a demanda gera iniciativas de entidades privadas, ONGs e até de outras esferas do Estado, numa tentativa de absorver parcialmente o problema. Um exemplo é o Centro de Reabilitação de Dependentes Químicos Marcelo Campos (Rua Felipe Uebel, 1200), em São Leopoldo. Apesar de ser uma entidade privada, nem todos os pacientes são particulares. Muitos vêm de intervenções judiciais e um convênio acertado diretamente com a prefeitura de Canoas. As intervenções judiciais são ordenadas pelo Ministério Público, que pede a internação do dependente e entrega ao Estado o custo do tratamento. Na Marcelo Campos, o tempo proposto de tratamento é de 9 meses, com valores que variam entre R$ 800 e R$ 1200 por mês. Márcio Carbonel, diretor da Clínica, explica que a variação depende do perfil do paciente e da gravidade das doenças relativas à droga. "Alguns têm problemas a mais, como esquizofrenia, bipolaridade mais avançada, outros têm problema de depressão. Depende do agravamento da doença e da situação do paciente". A instituição tem dez anos de atividade e Carbonel ressalta o aumento radical no número de dependentes de crack. A ponto de preencher quase todos os números da clínica. "Nós temos aqui, hoje, dois ou três alcoólatras. Os demais são todos dependentes de crack". E a cocaína? "Não têm", afirma. "Hoje é difícil achar um usuário de cocaína porque esse se recupera". O percentual de usuários aumenta com uma proporção inversa à recuperação do usuário. Luz salienta que cerca de 70% dos pacientes usuários de entorpecentes têm recaídas pós-tratamento. Segundo ele, dos pacientes usuários de crack quase 90% dos casos têm insucesso, às vezes até mais. Questionado sobre as possibilidades de sucesso no tratamento, Carbonel não se mostra otimista. "Posso te ser sincero? Eu não conheço ninguém". Silêncio. "E eu trabalho aqui há dez anos". E ainda faz uma previsão sobre uma nova droga, ainda mais potente que o crack - a merla. "É só a pasta da cocaína", explica. "Essa ta matando mesmo. Acredito que, no máximo em um ano, eu já tenha dependentes internados aqui".

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drogas

Preço

alto Nas classes alta e média, a disseminação das drogas é um fato preocupante

Texto: HÉLIO CASTRO e RENATO MACIEL. Fotos: MARCO ANTÔNIO FILHO

uita gente acredita que somente os pobres, no Brasil, usam drogas e são os principais responsáveis pelo tráfico. De acordo com dados divulgados recentemente pela Fundação Getúlio Vargas, 62% dos usuários são da classe A. Homens jovens, brancos, solteiros, freqüentadores de instituições de ensino privado e que utilizam cartão de crédito são os principais consumidores de drogas. Dentre as mais utilizadas, estão a cocaína e as

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anfetaminas. Essa questão é certamente uma das mais difíceis de ser enfrentada nos dias de hoje. Educadores, cientistas, psicólogos, religiosos, políticos, em todos os cantos do mundo, expõem suas idéias, propostas e análises acerca do problema. O mundo contemporâneo é marcado por uma disseminação nunca vista das drogas, e os jovens são o seu grande mercado e universo.



drogas A lógica na utilização de drogas ilícitas é a mesma observada entre tabagistas, que sabem sobre os riscos a que estão sujeitos pelo consumo das substâncias tóxicas presentes em um cigarro. Devido a ampla veiculação de campanhas antitabagistas pela mídia, praticamente todos os fumantes estão cientes dos males que poderão contrair com o consumo do tabaco, mas isto não impede que eles continuem com a prática e nem que outras pessoas ingressem neste caminho. As famílias com melhor poder aquisitivo são, teoricamente, as que têm maior acesso a informações necessárias sobre os malefícios que o uso de entorpecentes causa. São também as que podem ter mais conhecimento sobre o mal que as drogas causam na sociedade, como a disseminação da violência, por exemplo. Ser de uma família rica, no entanto, hoje não é sinônimo de consciência sobre esses problemas.

Nascer de novo Nove meses são necessários para que uma nova vida venha ao mundo, mesmo tempo que

Tiago*, de 30 anos, boa aparência, classe média, comunicativo, que teve tudo o que qualquer um sonha como o ideal de vida, tem lutado contra a dependência das drogas. Tiago tem tentado nascer de novo. Há pouco abriu os olhos. Depois de longos meses de desintoxicação em uma clínica, na zona rural de Novo Hamburgo, pôde enxergar o óbvio “ Mudo, ou morro.... e morro logo”. Desde muito novo sentiu que a liberdade de poder escolher fumar, beber, cheirar quando bem quisesse e na intensidade que seu coração mandasse, obrigatoriamente traria conseqüências tristes. Mas como resistir a um copo de uísque oferecido pela gatinha em uma festa noturna? Como negar o cigarro de maconha dos amigos de skate e o convite para começar a freqüentar os recantos vips do colégio onde estudava, onde as alternativas eram as mais variadas? Loló, scank (cigarro que é composto de uma mistura de maconha com farelos de cocaína), a “branquinha” (cocaína pura ou misturada), a “bala” ou ecstasy, nas festas noturnas, tudo era muito


fácil, bastando o desejo e o dinheiro. Segundo Tiago, o seu problema começou com o álcool e o cigarro, a cocaína foi a droga que mais usou e o crack a mais letal. “Comecei um final de semana sim outro não, depois todo o findi, quando vi estava usando sempre – pra ficar esperto, pra ficar acordado, pra trabalhar, pra transar. Se tinha dinheiro, cheirava, fumava, senão curtia a deprê. Gastava tudo o que tinha e não tinha. Usava um tipo, depois passava pra outro, e minha vida era buscar o brilho. Chegou em um momento que basicamente o que me dava prazer na vida era usar droga.” Uma bela casa de dois andares, carro do ano, estudo nas melhores escolas, dinheiro no bolso, muitos amigos, companhia das gatinhas, privilégios não valorizados. Saindo da adolescência, achou que estava sob controle, que a história de sua vida teria um desfecho feliz, que poderia estudar, trabalhar, até formar uma família razoavelmente equilibrada “cheirando de vez em quando, ou curtindo uma balada turbinado pelo ecstasy”. Foram várias experiências desastrosas. Uma faculdade não terminada, uma filha linda de um relacionamento rápido, poucos amigos, a desconfiança dos familiares, demissões, nome sujo em todas as praças, um caminhão de frustrações e algumas internações por overdose. Escolheu ser escravo de suas piores escolhas. Há mais de 14 anos tem uma história ligada ao consumo de drogas. Atualmente, necessita de remédios “faixa preta” para minimizar o desejo de usar a cocaína e o crack. Caminhar sozinho, apesar de sua idade, parece por enquanto um sonho distante. Se precisa ir há algum lugar, o pai leva e busca. Se precisa de algo, sua mãe vai e compra. Tornarse completamente dependente foi a única alternativa para fugir da tentação da compra, dos convites, das esquinas escuras, festas brilhantes, do “primeiro pega”. Segundo a psicóloga fiscal do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS), Lúcia Regina Cogo, dramas como o do jovem Tiago, estão se tornando comuns em nossa sociedade. Para a psicóloga, os jovens consomem drogas primeiro por curiosidade. Acabam se viciando quando lhes falta uma estrutura familiar e uma orientação adequada. Isso vale, sobretudo, para os jovens de classe

média e alta, assim como há um considerado número de pessoas que não levanta suspeitas, que também usa drogas, como políticos, médicos, advogados. É importante lembrar que muitas pessoas destroem suas vidas com drogas lícitas, principalmente o álcool. Além disso, essas substâncias são as que levam às ilegais. As drogas ilícitas que a classe média mais usa são maconha e cocaína inalada. O ecstasy, droga que invadiu as festas de música eletrônica do Rio e de São Paulo no final dos anos 90, vinda da Holanda e da Inglaterra, continua em alta entre os jovens da classe média e alta. Já o crack é usado atualmente por pessoas de qualquer classe social. Ou seja, hoje todas as drogas estão ao alcance das classes A e B. Um dos locais onde a classe alta consome drogas são as Raves. As festas têm o intuito de reunir, pacificamente, amantes da música eletrônica. Mas essa prática, nos últimos anos, vem se tornando alvo para o tráfico ilícito de entorpecentes. Um dos mais usados é o ecstasy, uma anfetamina sem cheiro, que estimula o sistema nervoso central. As cores variam. Pode ser cor de rosa, verde, azul, branco. O formato é geralmente arredondado, um pouco menor do que um comprimido comum. Alguns aparecem em forma de figuras, como no formato de coração. Um comprimido provoca aumento da temperatura do corpo. A pessoa começa a suar. A temperatura corporal pode chegar ao estado de febre, de até 40 graus. Por isso, o consumo de água é alto nessas festas. A droga não deixa ninguém ficar parado. Mas o efeito colateral é sempre o mesmo. Dá uma sensação de tristeza, resfriado e depressão no dia seguinte. Em Porto Alegre, as Raves são freqüentes e o controle do uso do ecstasy é praticamente inexistente. Se a idéia que se tinha era a de que somente os mais pobres consumiam drogas ilícitas no Brasil, hoje isso já está sendo desmascarado até no cinema. Tropa de Elite e Meu nome não é Jonhy são exemplos de histórias que revelam a relação dos jovens de famílias ricas com o tráfico. Aquilo que poderia parecer distante hoje é uma das maiores preocupações das classes média e alta no Brasil. Se ninguém abrir o olho, a situação só irá piorar. E a prevenção é o melhor caminho. (*) O nome foi trocado.

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lixo

Penso, logo reciclo! A produção descontrolada de resíduos sólidos e o tratamento inadequado por parte da população são alertas para o futuro. Especialistas da área e cidadãos que já cuidam do seu lixo garantem: é preciso se conscientizar

Texto: FELIPE ZAVARIZE e JONAS AMAR. Fotos: EMERSON MACHADO

reocupar-se pode ser o primeiro passo para a criação de normas que evitem ou até solucionem possíveis impactos na sociedade. Com o lixo não é diferente, e tamanha é a preocupação com o assunto que falar nele é inquietarse com resíduos radioativos, hospitalares, químicos e até espaciais. Os lixos foram debatidos e receberam, inclusive, legislações. Porém, sua produção ganha força em cada embalagem aberta todos os dias. Os resíduos têm muitas caras, e a humanidade é protagonista de uma situação que

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começa a engatinhar para uma melhora, mas que ainda é uma realidade preocupante. Porto Alegre recolhe, diariamente, somente de lixo domiciliar, 1.500 toneladas em média. A capital gaúcha se enquadra na estimativa brasileira, onde cada habitante produz um quilo de lixo por dia. Muitos países europeus, ao contrário, já chegaram ao número de meio quilo por pessoa. Mesmo com o funcionamento das coletas domiciliar, seletiva e de resíduos especiais em Porto Alegre, o coordenador da divisão de



lixo

Ana Lúcia mostra a sujeira do arroio nos fundos de sua casa

Supervisão Operacional do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), Adelino Lopes Neto, reconhece que a preocupação com o lixo ainda é insuficiente frente à alta demanda. "O volume de lixo tem aumentado a cada ano, o que equivale ao consumo de materiais também maiores. A modernidade gera mais resíduos e é necessário que haja uma reeducação para diminuir o consumo e não somente desaparecer com o lixo", completa. Há alguns anos, dois 'lixões' eram abastecidos por todos os resíduos produzidos na capital.

No entanto, eles não comportam mais o lixo de Porto Alegre. O que existe hoje são dois aterros de inertes, destinados apenas para o armazenamento de materiais como restos de construções e galhos de podas, por exemplo. "Os resíduos são encaminhados para o aterro sanitário de Minas do Leão, onde recebem a destinação adequada", esclarece Lopes Neto. Conforme o DMLU, todos os bairros da cidade são contemplados pelos programas de coleta domiciliar e coleta seletiva. Contudo, o coordenador destaca que, embora a totalidade das zonas sejam atendidas, não são todas as ruas e localidades que recebem o recolhimento dos resíduos selecionados. As 60 toneladas de materiais seletivos coletados diariamente são distribuídas entre as 14 unidades de triagem existentes na capital, onde são selecionados e vendidos, gerando renda para cerca de 700 pessoas.

Bons e maus exemplos Dentre as unidades de triagem, uma chama atenção pelo exemplo de amor ao próximo e ao meio ambiente. O Centro de Educação Ambiental (CEA) da Vila Pinto foi criado em 1996 e é o que mais recolhe materiais recicláveis na capital atualmente. Mais de 60 pessoas vivem do que para muitos é lixo. Um exemplo é Juarez Antônio dos Santos, que trabalha seis dias na semana e consegue sustentar com o lixo toda a sua família, que vive na Vila Pinto. Para a presidente da associação, Marli Medeiros, os resíduos são o presente e o futuro da sua comunidade. Através dos trabalhos das famílias e da iniciativa de Marli, a Vila Pinto mudou de realidade. No início, o objetivo do CEA era dar trabalho digno para as mulheres da localidade, que sofriam com maus tratos e violência dentro de casa. Do lixo veio a fonte de renda para que se criasse o Centro Cultural e, como reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, a conquista de prêmios nacionais e internacionais. O CEA ainda recebe escolas e visitantes de muitos lugares, até de outros estados. Assim, Marli passa a importância do tratamento adequado do lixo e mostra que ele pode sustentar famílias e reduzir os impactos ambientais. Outras ações estão sendo articuladas na Vila Pinto, como o mutirão de limpeza de cinco nascentes do rio Guaíba e a criação de um centro de


excelência em educação e cultura. "A educação é primordial e norteia tudo. Não só o meio ambiente, mas a saúde e a infra-estrutura ganham avanços quando se tem educação", avalia a presidente. Além de receber materiais provindos do serviço de coleta seletiva, o CEA ainda busca os resíduos em outros locais. Porém, a visão macroestrutural de Marli sobre o lixo é de que pouco se faz para mudar o comportamento da população. "O CEA mantém convênios com empresas e estabelecimentos alimentícios para receber o lixo seco, e eu vejo que a preocupação é muito pequena. Vivemos em uma sociedade do descarte", comenta. A cerca de dez metros do Centro de Educação Ambiental da Vila Pinto, o lixo figura entre as grandes preocupações de uma família. São pelo menos cinco casebres que abrigam 14 pessoas, dentre elas a auxiliar de cozinha Ana Lúcia da Silva Pereira, 47 anos. A moradora diz que o lixo é constante nos arredores das casas do bairro e que a limpeza acaba por conta da sua própria família. "Dá vergonha de ver tanto lixo no bairro. Se todos ajudassem não haveria tanta sujeira". Os familiares doam muitos dos resíduos recolhidos para o CEA, ou os juntam e deixam nos locais apropriados para a coleta domiciliar, mas os problemas com a má utilização do lixo não terminam por aí. Há 30 anos, todos convivem com um arroio aos fundos das suas cabanas. O descaso faz com que o local se torne, cada vez mais, um depósito de resíduos orgânicos e também fecais. No período das cheias, as águas do arroio acumulam lixo e tornam o ambiente propício para a proliferação de insetos e outros animais que colocam em risco a saúde dos moradores. "Ouvimos à noite os ratos brigando por comida dentro da nossa casa. Até nós mudarmos de endereço, é preciso entrar no arroio e limpar com as próprias mãos a sujeira dos outros", reclama Ana Lúcia.

Consciência ecológica Mesmo quem possui uma conscientização ambiental acredita pouco na disseminação desse pensamento na sociedade. O estudante de arquitetura e urbanismo Alessandro Quevedo, 27 anos, morador do Centro de Porto Alegre, se enquadra na pequena parcela que cuida do seu lixo. O uni-

versitário associa o recolhimento constante de resíduos da sua região ao fato do bairro possuir um circuito comercial muito intenso. Quevedo participa de forma ativa das compras para a residência e cuida pessoalmente da separação dos restos orgânicos e secos. Contudo, a inquietação em prol do meio ambiente pode começar ainda fora de casa, como nos supermercados, por exemplo. "A cada quatro idas às compras, três delas nós retornamos com as mercadorias em caixas de papelão e uma em sacolas. É uma escolha própria porque a sacola demora muito tempo para se decompor na natureza. Só que muitas vezes os supermercados não disponibilizam as caixas", defende o estudante. Assim, o material separado também traz à tona outra questão: a sobrevivência direta de muitas pessoas. Quevedo entende o quanto os resíduos figuram como o emprego de vários cidadãos. Além disso, a partir do momento em que o lixo sai da sua casa, o estudante prefere acreditar que os resíduos seguem um caminho

Você sabia? A estimativa de produção é de 1kg de lixo por habitante/dia e, desses, 0,7 kg são de lixo domiciliar. Os problemas crônicos de focos de lixo na capital gaúcha atingem os bairros Humaitá, Vila Cruzeiro, Restinga Velha, Vila Mato Sampaio, Vila Dique, Ilhas do Pavão e dos Marinheiros e Campo da Tuca. Hoje há, aproximadamente, 1600 lixeiras espalhadas na Capital. A estimativa é que esse número suba para 8.000 até o final do ano de 2008. Atuam em Porto Alegre aproximadamente 1.100 garis, sem contar os profissionais que realizam a coleta nos caminhões. Os custos com a coleta domiciliar, a coleta de resíduos públicos, o transporte até Minas do Leão e o destino final, somam, aproximadamente, R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais) todos os meses. A coleta seletiva em Porto Alegre conta com 20 caminhões, uma equipe de mais de 60 pessoas e, em média, é realizada uma vez por semana. A coleta domiciliar na capital possui 40 caminhões, uma equipe de mais de 150 pessoas e, em média, é realizada três vezes por semana. Em alguns bairros e locais a coleta é diária. O cidadão que jogar lixo no chão pode ser multado por um fiscal do DMLU. Existem 41 postos de coleta de óleo de cozinha, recolhidos pelo DMLU. Fonte: DMLU Porto Alegre.

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lixo

Juarez Antônio dos Santos tira do lixo o sustento de sua família

ecologicamente correto. "Se eu não pensasse assim, eu não passaria por todo o trabalho que esse processo dá. Gosto de acreditar que ele está sendo bem destinado." O coordenador do Departamento de Gestão Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), Darci Campani, acredita que o processo de conscientização deve ser constante para que o gerenciamento correto do lixo ganhe algum avanço. Campani cita que o grande mote do problema está ligado à 'tecnologia do descartável'. Após algum tempo, qualquer produto vira lixo e é substituído por outro moderno. "É o exemplo da durabilidade pequena. Assim, os vinis rapidamente mudaram para CD, depois para DVD e agora temos a pen drive e o MP3 e, daqui a pouco, virá outra tecnologia", ressalta. A mudança faz parte de um processo natural, mas o coordenador da UFRGS defende que as indústrias nacionais sigam o modelo de alguns países europeus, onde a produção é 100% reciclável. "Há uma pressão econômica muito forte a favor do descartável. Ele parece barato, mas

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terá que ser substituído por outro", frisa. Contudo, muitas mercadorias consumidas atualmente possuem forte tendência a se tornar resíduos. Isso por causa das embalagens em excesso, conforme os pensamentos de Campani. São exemplos o creme dental, que vem com duas embalagens, além de frutas e verduras de alguns supermercados, embalados com dois ou três materiais diferentes. Quanto aos serviços de coleta domiciliar e seletiva, lixeiras públicas e programas de reciclagem, Darci Campani acredita que há um bom trabalho na capital gaúcha. Para ele, a população já está assimilando as estruturas oferecidas, além de que, há novos estudos sobre o ciclo de vida dos produtos e níveis de toxicidade, o que trará bons resultados no futuro. "Sempre terá mais o que se fazer no que diz respeito a resíduos sólidos, mas Porto Alegre ainda é uma cidade limpa e com bom nível de consciência ambiental se compararmos a outras capitais", revela. Hoje, o bombardeio de informações na sociedade faz a preocupação com o lixo entrar em alerta, mas ainda se espera um bombardeio na educação social para amenizar essa preocupação.


mercado de trabalho

Não há vagas JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 79


mercado de trabalho Foi-se o tempo em que ter um diploma na mão era garantia de estabilidade profissional. Atualmente, é cada vez maior o número de jovens que conclui a faculdade, mas não consegue emprego

Texto: DANIELA SANTOS e FÁBIO ARAUJO. Foto: DANIELA VILLAR

eunir familiares, discursar para amigos, brindar com champagne e relembrar as conquistas durante o período da faculdade. A formatura em curso superior é um marco atingido por poucos no Brasil – menos de 13% segundo o IBGE – e geralmente é comemorada em grandes confraternizações. No entanto, o que seria o término de uma etapa na vida e garantia para o início de outra pode não se confirmar. Ter um diploma atualmente não significa a certeza de ingressar no mercado de trabalho. Alguns nunca atuaram na área, outros trabalharam, mas não conseguiram se firmar na profissão e tendem a migrar para outros setores que nada têm em comum com o que estudaram por anos. Essa angústia vem sendo passada há quase dois anos pelo jornalista Guilherme Lessa Bica Machado, de 23 anos. Dono de uma escrita apurada, - já escreveu um livro contando a história do clube Itapuí, além de participações em antologias - o novo profissional formou-se em Jornalismo na PUC-RS, no segundo semestre de 2006 e até o momento não conseguiu entrar no mercado de trabalho. "Eu lamento, mandei meu currículo para todos os jornais do Estado, apenas um de cartoons me deu resposta, afirmando que trabalhava apenas com quadrinhos", explicou. Morador de um sítio em Guaíba, na Região Metropolitana de Porto Alegre, sua última tentativa foi apostar as suas fichas no Projeto Caras Novas, organizado pela RBS TV, que visava buscar novos talentos, fossem eles recém formados

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e ou formandos. Um alento para as centenas de profissionais de comunicação que se formam semestralmente no Estado e não conseguem espaço na grande mídia. Guilherme pretendia participar das cinco etapas eliminatórias da seleção, no entanto, acabou eliminado na terceira etapa. A primeira era uma seleção em que os interessados enviavam o currículo via cadastro pela internet. Após ele realizou uma prova, também pela internet, respondendo questões de português e conhecimentos gerais. "Respondia as questões pensando em trabalhar, quero entrar logo para o mercado. Aprendi durante quatro anos na faculdade e não estou podendo mostrar meu potencial", lembrava. A terceira prova foi presencial. O jovem foi ao guarda-roupa, escolheu uma roupa adequada para a ocasião e partiu. Com um livro a tiracolo, com poemas de Pablo Neruda, aguardava a chegada, ansioso para começar a prova. "Agora vai afunilando, sei que tenho plenas condições de ir adiante", pensava. Desta vez, uma prova com 20 questões de conhecimentos gerais e uma redação. Otimista, voltou para sua cidade esperançoso. Porém, o resultado veio na mesma semana: Guilherme estava eliminado. Com a desclassificação, a volta do temor de não conseguir entrar no mercado de trabalho. Tentando não guardar nenhum trauma da desclassificação, Guilherme aposta na qualificação profissional e, no momento, realiza cursos de extensão e inglês avançado. "Temos que cor-


rer atrás da máquina, não adianta." Esse apoio recebeu do psicólogo José Fernando Previdelli. "É importante que a pessoa esteja bem consigo. Tenho pacientes que reclamam que não conseguem emprego, mas estão totalmente descontrolados, é preciso ter calma", afirma Previdelli, que conquistou espaço no mercado com apenas 24 anos, momento em que formou-se em psicologia pela Ulbra de Canoas. "Antes trabalhava em estágios, mas agora trabalho em dois hospitais e tenho meu próprio consultório", conta. Para Milena Comim, 25 anos, a situação foi um pouco diferente. Antes de concluir o bacharelado em Edudação Física pela Ulbra, ela procurou estagiar em vários segmentos dentro de sua área profissional. "Através do estágio colocamos toda teoria em prática e amadurecemos muito profissionalmente. Quando concluímos a faculdade, temos toda a experiência necessária para poder assumir responsabilidades maiores, não há nada registrado na carteira de trabalho, mas você já pode com confiança dizer que sabe sobre a prática e a realidade do seu ambiente de trabalho", diz. Após sua formatura, ela trabalhou três anos em academias como free lancer, até conseguir finalmente seu tão sonhado e batalhado emprego efetivo, como coordenadora de atividades esportivas da academia do Sesc, na cidade de Taquara. Para isto, participou de um longo processo seletivo que incluiu aulas de modalidades específicas de esportes. Após sua aprovação em cada etapa, restaram Milena e outras duas candidatas. Então, surgiu a vaga na cidade de Taquara. Ela optou por mudar de cidade. "Até conseguir emprego com carteira assinada, trabalhava em dois ou mais locais para conseguir uma renda mensal melhor. Assim mesmo, largava currículo em inúmeros lugares sempre", recorda.

Escolha precoce Segundo a diretora de Eventos Científicos da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio Grande do Sul (ABRHRS), Simone Kramer Silva, situações como essas não têm como causa apenas o mercado de trabalho saturado. Um dos fatores que contribui para esse descontentamento é a escolha muitas vezes precoce de jovens que optam por uma formação que, a princípio, vai determinar sua carreira profissional.

Alguns não têm a mínima idéia do que "vão ser quando crescer", mesmo estando no terceiro ano do ensino médio, às vésperas de prestar vestibular. Vão no embalo da escolha dos colegas e decidem seu futuro profissional por impulso. A escolha de uma profissão é uma decisão muito importante na vida do jovem, pois, a princípio, ela será o cerne de sua vida profissional. Por isso é fundamental na hora da escolha fazer um teste vocacional. Através dele, o candidato tem a oportunidade de avaliar suas aptidões para a função e ter um primeiro contato com a carreira escolhida. Outra dica fundamental é procurar profissionais da área que possam esclarecer dúvidas a respeito do curso, ramos de atuação e a situação do mercado de trabalho. Com base nessas informações, o candidato deve ponderar os prós e contras e finalmente tomar sua decisão. Medidas como essas evitam que alunos que já estejam cursando uma faculdade parem para refletir se esta foi sua melhor opção no meio do curso. A diretora de Eventos Científicos destaca também a falta de preparo de profissionais qualificados que são apresentados ao mercado pelas instituições de ensino. "Hoje nos processos seletivos também encontramos profissionais com pouco para entregar, tanto em conteúdo, de maneira geral, como no comportamento. Não têm educação básica, como pedir por favor, responder muito obrigado, nem visão crítica e auto crítica e têm mínimo conhecimento para oferecer. Podemos citar as provas de redação. Há erros primários de português pela falta de leitura, de conhecimento geral sobre os assuntos." Uma saída para quem ainda não encontrou seu espaço no mercado de trabalho, de acordo com Simone, é a diferenciação. Ser flexível, estar aberto às oportunidades que se apresentarem e aproveitar da melhor forma o aprendizado ao qual se tenha acesso no momento favorecem uma colocação. E ainda ressalta: "Não existe curso de especialização no mundo que transforme um contador em cirurgião, mas em muitos casos tenho visto que o que define o sucesso não é exatamente o nome da formação". Além das comemorações da conquista do diploma, é necessário uma grande reflexão das possibilidades para a inserção no mercado de trabalho. O ideal é que, na hora dos discursos e "tim-tim", já estejam presentes os colegas de profissão. JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 81


aquecimento global

Futuro incerto A temperatura média dos oceanos e da atmosfera da Terra vem aumentando. Os cientistas discordam sobre as causas. Alguns acreditam que elas sejam naturais. Outros garantem que os responsáveis são os homens

Texto: MARCELO AIRES. Foto: MARCELO GOMES

os últimos anos a abordagem sobre Aquecimento Global vem tomando conta dos noticiários e artigos científicos. Volta e meia o assunto retorna com força. Mas será que as pessoas realmente sabem do que se trata? Suas causas reais e, o principal, suas conseqüências no planeta? O Aquecimento Global é o aumento da temperatura média dos oceanos e da atmosfera da Ter-

N

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ra. A polêmica gira em torno de saber se ocorre devido a causas naturais ou antropogênicas, ou seja, provocadas pela humanidade. Hoje se sabe que ele está relacionado com um fenômeno natural no planeta denominado Efeito Estufa. No entanto, estudos científicos mostram que a humanidade e seu desenvolvimento funcionam como um acelerador desse processo.


No mundo científico, ocorre um grande debate, que leva a duas correntes. A maioria dos pesquisadores entende que as emissões de gases estufa na atmosfera que causam o aceleramento do Aquecimento Global estão ligadas aos seres humanos. Um grupo menor de cientistas, embora concorde que está ocorrendo de fato o fenômeno, afirma que as causas principais são de ordem natural ou astronômica, como o aumento da radiação solar por motivos não completamente conhecidos. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) diz que grande parte do aquecimento observado durante os últimos 50 anos se deve a um aumento do Efeito Estufa. Modelos climáticos produzidos pelo IPCC projetam que as temperaturas globais de superfície aumentarão no intervalo entre 1,1°C e 6,4 °C entre 1990 e 2100. Apesar da maioria dos estudos ter seu foco no período até o ano 2100, espera-se que o aquecimento continue por mais de um milênio. A reação dos cientistas que discordam do modelo antropogênico do Aquecimento Global é baseada no alto grau de incerteza dos estudos apresentados como se fossem verdades incontestáveis pela mídia e pelos movimentos ambientalistas. A comunidade científica toma muito cuidado em não pregar a idéia de que o Aquecimento Global não seja um problema, não passando de um evento completamente natural na Terra, como os outros inúmeros processos de alteração de temperatura que já ocorreram durante a história do planeta. O professor Jairo Luis Cândido, coordenador do Curso de Ciências Biológicas do Unilasalle explica de forma didática o Aquecimento Global. Ele acredita que o Efeito Estufa, fenômeno natural, provocado pela composição química de nossa atmosfera, retendo calor e garantindo a vida no planeta, esteja sendo intensificado pelo acúmulo de gases (gás carbônico, monóxido de carbono, metano e dióxido de enxofre). Essa acumulação pode estar associada ao consumo exagerado de combustíveis fósseis, desmatamentos de grandes florestas e outras atividades humanas presentes em nossa sociedade. Esse processo de intensificação do Efeito Estufa é denominado Aquecimento Global. Isso tem causado muita confusão nas pessoas em geral, pois na sua maioria acreditam que o Aquecimento Global seja natural, na verdade o Efeito Estufa que é natural. Em sua análise, o professor Jairo Luis Candido faz um prognóstico a respeito do futuro com o pro-

gressivo aumento das temperaturas. Existem várias tendências, desde leves alterações nas estações do ano e temperaturas médias anuais em diversas regiões até catástrofes ambientais sérias, como devastação de áreas de floresta, inundação de regiões costeiras, mudanças drásticas nas temperaturas médias anuais com conseqüências imprevisíveis na agricultura. Há previsões de 1 a 6 graus acima das médias anuais atuais. "O protocolo de Kyoto é um paliativo, mesmo assim importante no sentido de indicar um compromisso internacional de políticas ambientais", diz o professor. O documento não garante a reversão do processo de aquecimento, mas indica a possibilidade de entendimentos entre os países signatários nesse sentido. E, com a polêmica da não assinatura por parte dos Estados Unidos, Jairo Luis Cândido considera que não bastaria o país assinar o documento, pois muitos dos que assinaram continuam tendo uma atitude pouco conservacionista em vários sentidos. Por outro lado, a respeito do documentário Uma verdade inconveniente, de Al Gore, ante a polêmica estabelecida pela comunidade cientifica de o documentário trazer dados verdadeiros ou ser somente uma manobra política, Jairo Luis Cândido considera que, da mesma forma que o Protocolo de Kyoto, o documentário foi importante no sentido de levar a discussão desse assunto a vários locais no mundo, provocar a discussão, o debate. Apesar disso, percebe que há sim um interesse pessoal de Al Gore na divulgação do documentário. Com opiniões diferentes, a aluna Gabriela Pasuch, do curso de Ciências Biológicas, que atualmente faz seu trabalho de conclusão do curso sobre Aquecimento Global, explica o assunto do seu ponto de vista. Ela diz que ainda não existe uma comprovação científica de nenhuma dessas teorias. A aluna acredita na causa geológica como a principal, mas não desconsiderara a corrente antropogênica. A ação humana funcionaria como um acelerador e agravador do fenômeno. O planeta já passou por períodos de aquecimento e resfriamento em outras eras. A Terra sofreria com o Aquecimento Global independente da existência dos seres humanos. O que deve ser questionado, em sua opinião, é qual a nossa contribuição no desenvolvimento do processo. Não se pode mensurar o impacto da interferência humana no Aquecimento Global. Os dados disponíveis fornecem informações de outros períodos de aquecimentos antes do surgimento da JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 83


aquecimento global humanidade. Várias atividades humanas lançam na atmosfera gases que já fazem parte do Efeito Estufa. Contudo, a industrialização mudou para sempre a relação entre o homem e a natureza. O governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, conquistou a simpatia dos ecologistas apoiando medidas que limitam a emissão de gases na atmosfera. Ele tenta forçar o cumprimento do acordo do Protocolo de Kyoto mesmo contra a vontade do presidente George W. Bush. "Alternativas como essas podem ser consideradas válidas. Colocar o ambientalismo em discussão política pode ser uma forma de atingir uma maior conscientização. Mas não podemos ser tão otimistas a ponto de considerar essas mudanças como medidas eficazes para reverter à aceleração do aquecimento global", diz Gabriela. O futuro da humanidade é incerto, nem os cientistas chegaram a um consenso. Espécies podem ser extintas, pessoas e animais estarão expostos à falta de água, cidades ou até países podem vir a desaparecer e há uma grande chance de ocorrer o aumento da fome. O mundo enfrentará ameaças constan-

tes de enchentes, tempestades e erosão. Áreas que atualmente sofrem com a falta de chuvas se tornarão ainda mais secas. Mas nem tudo é apocalíptico. Pesquisas afirmam que, enquanto os pedaços de gelo que se soltaram da Antártida vão derretendo, deixam pelo caminho os nutrientes que permaneceram congelados durante milhares de anos. Isso atrai microorganismos fotossintetizantes e forma uma espécie de floresta marinha que serve de base para cadeia alimentar nesse continente. "Com isso, percebe-se a formação de um novo ecossistema, o que aumenta a produtividade biológica na região", conclui Gabriela Pasuch. Com tantas teorias e teses, se torna complicado para as pessoas entender o que se passa ao redor, na sua casa, que é o planeta Terra. Enquanto o mundo científico não chega a um consenso, a industrialização vem complicando cada vez mais a situação do planeta. Além de esclarecer o que é o Aquecimento Global, é preciso buscar meios para encarar esse possível mal, uma colisão entre políticos, cientistas e as pessoas consideradas comuns, mas são as que têm a força para reverter à situação.

A Hipótese de Gaia Das teorias mais apocalípticas, a Hipótese de Gaia

Pela Hipótese de Gaia, organismos que afetem o

vem ganhando adeptos. Considerada por muitos anos

ambiente de maneira negativa serão eliminados. Como

como uma teoria maluca pelo mundo científico, com

o Aquecimento Global é acelerado pelo homem, há

o Aquecimento Global, a hipótese tem ganhado credi-

chances de a humanidade ser extinta. Até o fim do

bilidade entre os cientistas.

século, cerca de 80% da população humana desa-

A Hipótese de Gaia sustenta ser a Terra uma enti-

pareceria. Os 20% restantes viveriam no Ártico e

dade viva. Foi apresentada em 1969 pelo investigador

em poucos oásis em outros continentes, onde as

britânico James E. Lovelock, afirmando que o planeta

temperaturas forem mais baixas. A maioria dos

é capaz de gerar, manter e regular suas próprias con-

seres humanos morreria de fome. Com a mudan-

dições de meio-ambiente. E que o equilíbrio natural foi

ça climática, seria impossível cultivar alimentos ou

rompido pela intensificação do Efeito Estufa.

criar animais de abate. Os humanos migrariam para

Lovelock afirmou que o mundo já ultrapassou o ponto de não retorno quanto às mudanças climá-

os oásis que sobrarem ou para as regiões mais frias e viveriam com escassez de comida e de água.

ticas, e a civilização como a conhecemos dificil-

Segundo a teoria, o planeta iria se recuperar das

mente irá sobreviver. Pela hipótese, os esforços

tragédias provocadas com o Aquecimento Global.

para conter o Aquecimento Global já não podem obter

Como o exemplo de 55 milhões de anos atrás, quan-

sucesso completo. A situação se tornará insuportável

do ocorreu um evento semelhante ao de agora. Os

antes mesmo da metade deste século. Modelos

seres vivos migraram para as regiões polares e fica-

matemáticos mostram que o clima está a ponto de

ram milhares de anos por lá. Quando a temperatura

fazer um salto para um novo estágio de aqueci-

global voltou a cair, retornaram. O sistema Gaia, por-

mento. Mudanças geológicas normalmente levam

tanto, não está ameaçado, apenas levará 200 mil anos

milhares de anos para acontecer, mas de acordo

para se recuperar. Embora o planeta sobreviva, os seres

com essa hipótese as transformações atuais estão

humanos seriam extintos, como uma resposta contra

ocorrendo em intervalos de poucos anos.

o efeito negativo que o homem provoca no ambiente.

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golpes

Rastros da trapaça A cada dia surgem novas formas de se aproveitar da ingenuidade alheia. Além das mais tradicionais, novas e elaboradas práticas abalam a confiança das pessoas Texto: DELMAR COSTA e EMERSON VASCONCELOS. Fotos: MARCELO GOMES

oje em dia é muito fácil cairmos em golpes ou armações de pessoas mal intencionadas. Por isso estamos constantemente preocupados com questões relativas à confiança e à desconfiança. No entanto, além de nos preocuparmos com a possibilidade de sermos transformados em vítimas, também preci-

H

samos estar em alerta para não virarmos cúmplices involuntários deste tipo de prática. No começo de 2008, a banda gaúcha Necessidade Humana foi abordada por um homem que se dizia produtor musical, prometendo lucro garantido e disposto a investir pesado na carreira dos músicos. Em um primeiro momento, a JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 85


golpes banda chegou a acreditar na proposta, mas à medida que o suposto produtor começou a falar em investimentos altos demais, chegando a trazer um baterista de um programa de televisão dominical para a gravação do CD da banda, a desconfiança foi instaurada. Bastou uma busca pelo nome do homem na internet que logo a máscara caiu. Por pouco a banda não tinha sido envolvida em um esquema de lavagem de dinheiro, já que a fortuna do empresário era proveniente de golpes que ele aplicou nos Estados Unidos, na Europa e em vários estados brasileiros. O maior desses golpes aconteceu em 2004, quando, se passando por especialista em obras de arte, o meliante roubou 400 mil reais em quadros de uma galeria paulista. Se o golpe que o falso empresário aplicava visava obras de arte e pessoas de alta renda, outros golpistas preferem lidar com a classe média, se aproveitando dos sonhos das pessoas, como o da casa própria, para ludibriá-las facilmente. Foi o caso da professora Maria Almeida, de Canoas, e seu ex-marido: "Compramos uma casa pré-fabricada em uma madeireira, e nos prometeram entregar assim que pagássemos uma grande par-

cela, quase o valor total. Fizemos isso e estranhamos muito a demora. Ligávamos e eles diziam que era apenas um atraso e se desculpavam. Até que decidimos ir atrás da madeireira e, ao chegar lá, ela estava fechada. Além da nossa casa, venderam muitas outras que não foram entregues. É um golpe muito fácil de cair: preço baixo, ótimo atendimento e garantia de entrega são as iscas do golpista”. Golpes como esse foram aplicados pelo proprietário da madeireira, conhecido como Jairo (e que atuou com diversos sobrenomes) em várias cidades do Rio Grande do Sul. O golpe era sempre o mesmo e, no final das contas, não sobrava rastro do golpista ou de sua suposta empresa. Dois anos depois do caso, Maria foi avisada por colegas de que um senhor estava vendendo terrenos na praia a ótimos preços na sala dos professores da escola onde trabalha. Toda a equipe diretiva, outras professoras e até algumas serventes compraram. Maria preferiu não arriscar. Algumas semanas depois, quando todas já tinham feito o primeiro pagamento do terreno, veio a surpresa. Os terrenos estavam localizados dentro da água. Nenhum era em terra firme.

Os mais aplicados Jogo do copinho (dedal)

Bilhete premiado

Por natureza já seria crime, afinal, jogo de azar

Este golpe é bastante antigo, mas ainda faz víti-

no Brasil é proibido. Como se não bastasse, esse

mas. Se aparecer alguém com um bilhete premia-

jogo consiste em adivinhar em qual dos copos

do querendo vender, tenha cuidado que você pode

embaralhados está uma bola que, normalmente,

estar sendo atraído por um golpista. Normalmente

não está em nenhum deles. A bola também pode

ele diz estar precisando de um dinheiro naquele

estar grudada de uma forma que o jogador não

momento e, apressado, deixa o bilhete como garan-

consiga ver. De qualquer forma, ele perde em quase

tia à vítima e diz que já volta com o dinheiro para

100% das tentativas. O melhor nesse caso é man-

resgatar o bilhete, só que nunca mais aparece,

ter-se distante, não importa se o dono da banca é

deixando a pessoa com um bilhete sem valor algum,

“sério” e paga o prêmio de fato, o que conta é que

o que verificará ao tentar retirar o “prêmio”.

isso é crime previsto em lei.

Cartão clonado

Empréstimo Jamais faça empréstimos por telefone. Se a pes-

O alvo são cartões de crédito e cartões

soa insistir em fechar o negócio pelo telefone,

eletrônicos de contas bancárias. Golpistas cos-

então, é praticamente certo que se trata de um

tumam colocar um chip nos caixas eletrônicos

golpe. Não faça pagamento antecipado! Os golpis-

ou nas portas dos bancos com auto-atendimen-

tas sempre exigem o pagamento de uma “taxa de

to. Esse chip copia os dados do cartão quando

adesão” para efetuar a transação, só que a pessoa

a pessoa passa na porta ou quando acessa um

perderá o adiantamento que fez e jamais verá a cor

caixa eletrônico, clonando-o.

do dinheiro que receberia com empréstimo.

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Maria então ouviu o nome do vendedor e teve certeza de que sua preocupação era justificada. O homem se chamava Jairo, e as características físicas descritas por suas colegas batiam perfeitamente com o golpista da madeireira. A assistente social Silvana Pacheco Lemos, que trabalha na Prefeitura Municipal de Gravataí, aponta alguns fatores que levam as pessoas a desconfiar de alguém. Ela afirma que assaltos, seqüestros e homicídios repercutem na sociedade, causando grande insegurança e desconfiança. Fatos como esses fazem com que as pessoas se sintam acuadas por qualquer manifestação de aproximação e que desconfiem até mesmo quando são abordadas para dar uma mísera informação. Em contraponto à opinião de Silvana, a psicóloga Anelise Schneider Schilling lembra que nem todas as pessoas estão realmente preocupadas com a possibilidade de uma abordagem maldosa. No caso dos golpistas, em especial, Anelise explica que eles não existiriam sem que houvesse pessoas com características e perfil de vítimas em potencial. “Não existem muitos estudos aprofundados sobre o que leva uma pessoa a se tornar um golpista. Não é possível culpar a família e a criação do indivíduo, pelo menos não atra-

vés de estudos científicos. O que se sabe é que a pessoa que aplica golpes, geralmente, é alguém inteligente e de má índole que se aproveita da existência e do caráter de pessoas ingênuas e distraídas, que normalmente buscam uma solução rápida para seus problemas. É correto dizer que é a vítima que faz o golpista”, conclui. Como a cada dia cresce o número de golpes e de vítimas de golpistas, a Polícia Civil alerta a população sobre os cuidados para não ser vítima de um golpe. Algumas dicas são não fornecer informações pessoais por telefone e sempre desconfiar de propostas alentadoras, como o “bilhete premiado”. Um dos principais golpes aplicados atualmente é o “telemarketing do crime”. Bandidos ligam das cadeias dizendo que seqüestraram algum parente de quem está do outro lado do telefone. Desesperadas, as vítimas acabam depositando valores ou comprando cartões de recarga para celulares dos presos. Nesses casos, a polícia aconselha a tomar mais cuidado com a divulgação de informações pessoais, a desligar o telefone e entrar em contato com o suposto seqüestrado. Caso o golpe já tenha sido aplicado, o melhor a se fazer é registrar a ocorrência numa delegacia policial. JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 87


imagem


Desde os sete anos, Cristine Foernges participa de concursos de beleza

Espelho, espelho meu


imagem Brasileiros são vice-campeões mundiais em número de cirurgias plásticas. A busca incessante pelo padrão de beleza é o principal responsável pelo título nada animador Texto: FELIPE MOURA DE OLIVEIRA e FERNANDA OLIVEIRA MEDEIROS. Fotos: ÂNGELO DAUDT

uem não se preocupa com a imagem? Dos mais vaidosos até os mais tímidos, é possível que a pergunta indiscreta não encontre respostas negativas, ainda que assumir essa preocupação seja difícil. Vive-se na "era da imagem". Conclusão simples, presente na sociedade contemporânea, mas absorvida pela rotina dinâmica da globalização. Só que às vezes a preocupação passa dos limites. Os números são assustadores. O Brasil só perde para os Estados Unidos em quantidade de cirurgias plásticas. A preocupação com a imagem não tem idade. Jovens de 18 anos estão fazendo lipoaspiração. Mulheres de 50, reparando rugas. Os dados mais recentes da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica do Brasil são de 2004 e registram 616.287 mil cirurgias no ano. Do total, 59% são dedicadas exclusivamente à questão estética. A imagem a ser alcançada é a do corpo ideal. A saúde aparece em segundo plano. E quem define o corpo ideal? Basta ligar a televisão para descobrir. Mulheres magras, quadris e seios fartos. Homens altos, corpo atlético. Esses "deuses" acenam nas capas de revista, nas passarelas da moda, no cinema, nos comerciais. O que pouca gente sabe é que nem mesmo os modelos utilizados pela mídia têm corpos tão ideais assim. São diversos os recursos tecnológicos aplicados para chegar ao padrão. Photoshop, maquiagem, cabeleireiro ou luz adequada. De qualquer forma, a pressão sobre a sociedade, desprovida desses recursos, é cada vez maior.

Q

Mudanças de paradigma Ao longo da história, o conceito de corpo ideal sofreu transformações. Até o início do Sécu-

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lo XX, a mulher era desejada quando tinha o corpo roliço, com alguma "gordurinha". Sobretudo a partir da década de 60, esse padrão se modificou bastante. O corpo passou a ser magro, atlético, formas definidas que passaram a constituir objeto de consumo, além da oferta de produtos e serviços em um mercado que cresce a cada dia. Revistas especializadas em regimes, academia, musculação, são vícios da modernidade que transformam beleza em sinônimo de obsessão pela magreza e pela juventude. Hoje, essa preocupação transcende o universo feminino. Também os homens procuram profissionais e clínicas de beleza para melhorar a auto-estima. O estudante de publicidade e propaganda Anderson Gaieski, 23 anos, resolveu fazer em 2007 uma cirurgia de redução do estômago. Após o procedimento, o paciente fica condicionado a comer menos e assim perder peso. A operação geralmente necessita acompanhamento psicológico e é indicada também por motivos de saúde, já que um dos objetivos é a diminuição da pressão arterial, colesterol, sedentarismo, entre outros fatores. Apesar da cirurgia ser indicada às pessoas principalmente para melhorar a qualidade de vida, o paciente afirma que as questões de estética foram um dos principais motivos que o levaram à redução do estômago. Anderson conta que, depois da cirurgia, muita coisa mudou: "A saúde melhorou, a auto-estima cresceu e sem dúvida a sociedade me absorveu. Consegui emprego muito mais facilmente. A sociedade aceita melhor as pessoas magras". O estudante lembra que até mesmo as tarefas mais elementares do dia-a-dia eram difíceis de fazer. Além disso, não tinha vontade de


comprar roupas e muito menos manter relações afetivas com outras pessoas. "A alimentação ficou melhor, como de quatro em quatro horas poucas quantidades, o suficiente para me manter. Hoje como para viver e antes eu vivia pra comer", afirma entusiasmado.

Cinderela do Calçado Agora imagine ter que se preocupar até com a imagem do pé. Pois essa foi uma das preocupações de Cristine Foernges, 20 anos, durante o período em que ostentou o título de Cinderela do Calçado. "Agora que terminou esse concurso, quero comer muito." Brincando com a experiência vivida, a hamburguense tenta ilustrar a pressão para manter o visual durante os compromissos representando o Vale do Sinos entre 2006 e maio de 2008. O envolvimento de Cristine com as questões relacionadas à preocupação com a imagem começou cedo. Aos sete anos de idade ela já participava do primeiro concurso de beleza. "Sempre fui vaidosa. Mas adoro um doce e sou viciada em chocolate", confessa. Entre um evento e outro, chegou até Minas Gerais representando a beleza gaúcha como Cinderela do Calçado. O cuidado com o corpo era constante. Se hoje é figura pública, requisitada para todos os eventos do setor coureiro-calçadista, Cristine conta que também já sofreu em função do padrão de beleza ditado pela "sociedade globalizada". A jovem participou de duas edições do concurso Garota Verão e sequer ficou entre as candidatas classificadas. "Nunca tive o perfil de modelo, extremamente magra, alta, corpo perfeito." Admitindo a importância da beleza, a Cinderela também crítica os excessos. "O importante é se preocupar com a saúde. A beleza é conseqüência", avalia. Pelos planos que traça, ela não parece querer deixar a imagem de lado tão cedo. Atualmente, faz entrevistas para uma emissora de tv à Cabo de Novo Hamburgo, participa de um programa de rádio e sonha em estudar jornalismo para ser apresentadora de auditório. O momento é de reflexão. Se existe consenso acerca da conclusão de que se preocupar em excesso com a imagem faz mal à saúde, por que não rever os padrões de beleza estabelecidos? Talvez o caminho seja rever também os valores sob os quais a sociedade "pós-moderna" se baseia. Fica o desafio.

Limites para a preocupação com a imagem Aceitar-se como ser diferente e único. Esse poderia ser o resumo para uma espécie de receita da psicóloga Eva Lúcia da Costa Oliveira àqueles que não atendem ao padrão de beleza ditado pela mídia. A profissional, que lida diariamente com as incertezas da sociedade contemporânea, tenta explicar os excessos da preocupação com a imagem. Primeira Impressão - Como a psicologia explicaria o fenômeno das cirurgias plásticas no Brasil? Eva Lúcia da Costa Oliveira - Vivemos um sistema capitalista que dita modismos e cria necessidades que potencializam o consumo. A preocupação desmesurada das pessoas com a imagem neste momento histórico e sociocultural que vivemos parece não fugir a esta regra. Para o adolescente, isso é ainda mais forte, pois esta é uma fase de transição em que os amigos têm importância fundamental na construção da identidade e no seu sentimento de inclusão social. Ser semelhante lhe dá mais segurança - isso vale para roupas, corpo, atitudes. As cirurgias plásticas possibilitam o enquadramento no padrão ideal. Primeira Impressão - Existe um limite que se possa estabelecer para a preocupação com a imagem? Eva Lúcia - Deveria ser o sentimento de bem estar consigo mesmo. O problema é que neste caso a referência não são mais os valores e significados da pessoa em relação a si mesma. Ela está para além de si, num construto socioeconômico, e a pessoa se embrenha numa busca inatingível, porque sempre surge mais uma técnica e mais uma parte de si que pode ser modificada e supostamente melhorada com estas novas tecnologias de embelezamento. Primeira Impressão - Como amenizar a pressão imposta pela mídia em torno do "corpo ideal"? Eva Lúcia - A pessoa deve aceitar-se mais como ela é. Isso implica maior autonomia emocional e advém de um maior auto-conhecimento e elevada auto-estima, um sentimento de potência pessoal pouco comum em relação aos padrões estabelecidos socialmente. Ou seja, implica em tornar-se referência para si mesmo, seus sentimentos, seus pensamentos, seus valores, suas atitudes. Não no sentido de individualismo, mas de singularidade , de permitir-se ser diferente. Ser você mesmo, afirmando-se como ser autônomo, reconhecendo e não abdicando dos seus valores, das suas necessidades.

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meio ambiente

Planeta A Terra é conhecida como o planeta azul. Mas essa realidade está mudando. O mau uso da água tem preocupado os ambientalistas e a própria população, que começa a adotar uma postura mais racional e consciente. Não há mais como reverter o quadro existente, só cuidar do que resta Texto: DANIELLE DALBOSCO e CAREN SUZANA FERMINO Fotos: ALESSANDRO OLIVERI

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água

des

ista do espaço, a água cobre 75% da superfície terrestre. No entanto, somente uma pequena parte está à disposição da vida na Terra. Um dos maiores problemas do planeta hoje é o uso irracional da água, o que já começa a causar grandes problemas de escassez nos centros desenvolvidos. Não há como esperar que um colapso aconteça. Os ambientalistas têm se mobilizado em torno de uma só questão: como convencer a população de que é preciso aprender a usar esse recurso de forma mais racional. A educação ambiental é o caminho mais indicado. Através dela, pode-se, desde cedo, inserir conceitos fundamentais de responsabilidade. Mas mesmo no século XXI, a conscientização quanto ao uso racional da água parece algo difícil de se assimilar. Em São Leopoldo, diversas campanhas são feitas anualmente. Segundo o diretor do Serviço Munici-

V

pal de Água e Esgotos (Semae), Luis Antônio Castro, são utilizadas mídias como jingles em emissoras de rádio, notas em jornais e revistas, publicidades em ônibus e nas paradas de coletivos, tudo para informar o maior número de pessoas possível. Só que nem sempre se obtém o resultado necessário. O ponto positivo das campanhas é que as denúncias têm aumentado de forma gradativa, mas como a água é um bem natural, as pessoas têm por hábito tratá-la como algo abundante. As tarifas relativamente baixas de manutenção e serviços relacionados ao abastecimento de água são confundidas com o direito ao livre uso dela, gerando um excesso de liberdade e o uso irracional. A maior dificuldade é que a preocupação com o uso da água acontece de forma diferente para cada pessoa, por isso fica difícil controlar ou educar toda a população da mesma for-

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meio ambiente ma. Para a psicóloga Júlia Rolfield, que trabalha com crianças há mais de 15 anos, é muito importante que essa conscientização seja feita de forma linear e constante, desde o nascimento do ser humano. Isso impedirá que ele se torne influenciável pelo seu meio, o que muitas vezes acontece, principalmente na adolescência. "As crianças, quando bem educadas tendem a adotar esse comportamento para a vida toda, mas se sentem inibidas a fazerem as coisas de forma correta quando vêem todos a sua volta não cumprindo coisas básicas, como fechar a torneira na hora de escovar os dentes", diz Júlia. "Muitas vezes o cidadão não tem consciência do mal que esta causando ao lavar o carro ou a grama com mangueira, deixar a água correndo da torneira e outras formas de uso da água aparentemente sutil, quando na verdade são agressivas ao meio ambiente", salienta o diretor do Semae. Segundo Castro, a resistência relativa à utilização correta da água vem da cultura que possuímos. A preocupação evidente com o bem que mais fará falta daqui para frente é recente e está sendo incorporada aos poucos no dia a dia da população.

"Tudo o que é novo causa estranhamento", diz a psicóloga Júlia. Ela explica que para nos mantermos conscientes e alertas para o uso racional dos bens não renováveis é preciso que não só campanhas sejam feitas, mas que se encontrem meios de tornar a população fiscalizadora. Para ela, a melhor forma de fazer isso é educar as crianças da forma correta. Elas têm uma grande capacidade de discernir o certo do errado, por isso se tornam peças importantes para as campanhas e para a modificação da cultura das famílias. "As crianças chegam em casa da escola loucas para colocar em prática o que aprenderam. Saem logo separando o lixo e fechando as torneiras." Elisa Ribeiro dos Santos, 24 anos, estudante e estagiária de Nutrição, conta que no local onde trabalha eventualmente a calçada é lavada com mangueira, e que apesar de existirem todas as campanhas e estudos, os proprietários não se preocupam. "Eles dizem que a água volta para o solo. O que as pessoas não entendem é que estão desperdiçando água potável e que um dia pode faltar", ressalta Elisa.

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O Brasil é um país rico em recursos naturais, o que torna a conscientização do uso racional da água ainda mais complicada. Castro diz que para modificar a cultura de "deixar para depois", devemos agregar os conceitos atuais de cuidados com a água a nossa rotina. É preciso reeducar as pessoas e fazê-las compreender que a água é, sim, um recurso escasso. Nos últimos 15 anos a oferta de água limpa disponível em São Leopoldo diminuiu 40%. Para a psicóloga Júlia Rolfield, são números como esses que deveriam ser divulgados exaustivamente. "A população precisa ser informada diretamente, sem rodeios. Campanhas dizendo "feche a torneira" ou "apague a luz" são importantes, mas não resolvem o problema". A forma correta de fazer as pessoas compreenderem a falta que a água fará nas suas vidas é fazê-las enxergar o quanto será difícil viver sem ela, segundo a psicóloga. "É preciso que você enxergue no quê aquilo afeta a sua vida para que efetivamente pense em modificar a sua forma de agir. É por isso que, muitas vezes, o governo recorre aos impostos, a fim de que as pessoas sintam no bolso e parem de desperdiçar tanto." O uso da água deverá aumentar em várias áreas nos próximos anos, como na agricultura, por exemplo, onde são necessárias mil toneladas de água para produzir uma tonelada de grãos, segundo o Instituto de Reforma Agrária (Incra). Em 20 anos, isso pode gerar uma crise grave na disponibilidade de água. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), aumentará também a desigualdade social, já que os países ricos ficarão com a maior parte dos recursos hídricos. O controle da água será o maior poder que uma nação poderá ter em mãos. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), menos da metade da população mundial tem acesso à água potável. Ainda assim, o desperdício, principalmente nos países mais desenvolvidos, é evidente. Em cidades como Nova York, por exemplo, há um consumo exagerado de água doce tratada e potável. Uma só pessoa chega a gastar dois mil litros por dia, enquanto nos países do Continente Africano, a média diária de consumo é de dezenove litros. Medidas urgentes precisam ser tomadas, tanto dentro da casa de cada um, quanto pelo serviço público. Durante esta reportagem, 67 pessoas entre 20 e 30 anos foram questionadas se usam racionalmente a água potável. Cerca de


76% respondeu que sim e mais de 80 % disse que fecha a torneira enquanto escova os dentes ou lava a louça, e apontou essa ação como a principal forma de ajudar na economia do recurso natural. Ainda quatro pessoas relataram que reutilizam a água da máquina de lavar roupas na descarga dos banheiros, como Marina Vilhena, de 24 anos, estudante de Direito. Ela diz que esse sistema foi instalado na sua casa no ano passado e baixou em 40 % a conta de água da residência. "Encontrei uma forma de economizar em ambos os sentidos", enfatiza.

A Bacia do Rio dos Sinos A bacia hidrográfica do Rio dos Sinos drena uma área de 3.820 km2, representando 4,5% da bacia hidrográfica do Guaíba. A população abastecida é de aproximadamente de 1,3 milhão de pessoas, distribuídas em 32 municípios. Devido o grande número de habitantes das cidades, a quantidade de esgoto produzido é cada vez maior, o que tem contribuído para a poluição dos poucos reservatórios disponíveis. Dragagens e depósitos de areia também são problemas sérios, que fazem as margens sofrerem um processo de erosão, provocando e destruindo a mata ciliar, que fica ao redor do Rio. Há também um aumento considerável dos produtos químicos e metais pesados lançados na água através de efluentes industriais. Este foi o motivo da grande mortandade de peixes que ocorreu no ano passado no Rio dos Sinos. Mais de 86 toneladas de peixe morreram por causa dos resíduos químicos lançados sem tratamento na água.


cotidiano

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Rédea solta Um dia na vida de um carroceiro para compreender que a solução está além do discurso comum Texto: FÁBIO ALMEIDA e GIOVANNI ROCHA. Fotos: GIOVANNI ROCHA

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cotidiano eófilo escova o pêlo do cavalo, coloca os arreios e prepara a carroça quando a voz preocupada da sua esposa o interrompe. “Teófilo, acho que o Hulk morreu!” O homem de barba e cabelos compridos, conhecido pelos amigos como “Bin Lade”, devido à semelhança física com o terrorista Osama Bin Laden, enruga a testa, abaixa a aba do boné surrado, que o protege do sol forte de uma tarde quente de março, e pergunta à mulher o motivo da morte. Num diagnóstico rápido e duvidoso, com a voz engasgada, ela responde que o problema foi o coração. Hulk era o cachorro da raça policial da família, tinha perto de 13 anos, calcula o dono, Teófilo Rodrigues Motta, 37 anos. Ele avisa um dos filhos que enterrará Hulk depois que voltar para casa, no início da noite. Mas até lá, ainda há muito trabalho. Teófilo é carroceiro e se prepara para mais uma viagem entre a Ilha Grande dos Marinheiros, um aglomerado de casebres na Zona Norte de Porto Alegre, e o Centro da capital. Na saída da ilha, entre os becos estreitos e embarrados, se percebe que a maioria das famílias que mora no local vive da reciclagem do lixo . Há muitas carroças nos pátios, na rua e nas varandas de alguns galpões. Entre um aceno de boa tarde e outro cumprimento, Teófilo conta a sua história, os problemas na Ilha e da vida como carroceiro, um trabalho que, segundo ele, sempre foi discriminado, pela sociedade movida a petróleo. Residindo há oito anos na Ilha e percebendo os problemas dos outros carroceiros do local, ele criou a Ascarpoa, a Associação dos Carroceiros de Porto Alegre. A velha suspensão e os buracos da vila fazem a carroça balançar. O banco, feito de uma tábua serrada pelo vizinho, momentos antes da saída, pode parecer um pouco desconfortável para quem é acostumado com os bancos forrados dos carros e ônibus. Porém, parece não incomodar o carroceiro, habituados com o trote do cavalo e a andar em pé na carroça. O desconforto desaparece quando o vento bate no rosto, lembrando a primeira vez que se anda de bicicleta. Enquanto segue em direção ao Centro da cidade, onde também fará o recolhimento do material reciclável, Teófilo comenta sobre o lugar em que vive. “Na verdade isso é uma grande invasão. Aqui não temos, muitas vezes, como comprovar endereço. Mas eu consegui fazer crediário em uma loja, as Casas Bahia. Então, quando algum vizinho precisa de algo eu vou lá e compro em meu nome. Nunca deu problema. Todo mundo paga direitinho. Nem me preocupo”, comenta.

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A carroça pára por instantes às margens da BR-290. Teófilo olha atento, calcula o arranque do cavalo e entra rápido na rodovia que dá acesso ao Centro de Porto Alegre. Um boné azul serve como sinaleira para indicar a manobra aos motoristas. “Essa é a rotina. Todo o dia é assim”, comenta, depois de um caminhão passar ao lado da carroça buzinando.

Tira essa m... daí, maloqueiro! Em Porto Alegre circulam cerca de oito mil carroças, três mil delas vêm de cidades vizinhas, mas que buscam trabalho na Capital. Essa frota é a mais numerosa em uma região metropolitana no País. Não há registro de situação parecida em outro local no Brasil. O número é maior do que toda a frota de ônibus, táxis e lotação do município, de pouco mais de seis mil veículos. Não é difícil perceber que o encontro dos carroceiros com os motoristas, no trânsito tumultuado da cidade, geralmente não é harmonioso. Para o Teófilo, a dor de cabeça é constate. As discussões são freqüentes, com ofensas de ambos os lados. “Esses ônibus nos apertam! Eles gritam, ‘tira essa m... daí! Maloqueiro!’ Eu não dou bola. Isso aqui é o meu instrumento de trabalho”, retruca indignado. O carroceiro continua e diz que ninguém respeita ninguém. “Por mais que a gente evite atrapalhar, sempre acaba sendo discriminado. Às vezes ouvimos mais do que se deve. Não precisava xingar tanto”. O próprio trânsito foi o responsável por colocálo na atual atividade. O carroceiro já foi motorista de ônibus e realizava viagens pelo Brasil. Há dez anos a rotina mudou. Enquanto fazia um dos seus trajetos diários, sofreu um grave acidente. Com a tragédia, passou a sofrer com problemas no sistema nervoso ficando impossibilitado de dirigir. Ele encontrou na carroça o meio para unir suas duas paixões, a estrada e o cavalo. Mas o perigo do trânsito ainda preocupa Teófilo. Os even-

tuais ataques epiléticos, com desmaios e outras reações involuntárias, quase o mataram. “Estava sozinho, guiando a carroça, quando sofri uma convulsão. Por pouco não fui esmagado por um ônibus”, mostra Teófilo, ao fazer gestos com as mãos tentando explicar como foi acidente.

O cavalo Negrinho é o meu sócio O cavalo faz parte na vida de Teófilo há muito tempo. O atual carroceiro e ex-motorista de ônibus também já foi jóquei. “Disputei provas de cancha reta no interior e até participei de provas no Rio de Janeiro”, lembra. Ao contrário dos cavalos velozes que costumava montar, o cavalgar hoje é mais lento. Negrinho, cavalo de pelagem negra, é o atual companheiro do carroceiro. “Olha o brilho do pêlo do Negrinho. Tem que estar sempre limpo e bem cuidado, afinal ele é meu sócio”, brinca o carroceiro orgulhoso, ao admirar a luz do pôr-do-sol ao passar pela ponte do Guaíba. O cavalo é uma preocupação constante, tanto

"Por mais que o carroceiro evite atrapalhar, sempre acaba sendo discriminado no trânsito. Às vezes ouvimos mais do que se deve... Não precisava xingar tanto" Teófilo Motta

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cotidiano para os carroceiros, motoristas e defensores dos animais. Muitos perdem seus animais por falta de conhecimento e estrutura para manté-los. Problemas com vacinas e não alimentação correta e, por vezes, o excesso de peso nas carroças são as principais causas de retenção dos animais pela fiscalização da Empresa Pública de Transporte e Circulação, a EPTC, que controla o trânsito em Porto Alegre. Teófilo olha decepcionado para uma carroça que vem em sua direção lotada de sacos e com o carroceiro batendo no animal. “Olha lá, aquilo não se faz”, lamenta o carroceiro.

O lixo que vale mais Já nas ruas do Centro de Porto Alegre, o espaço na carroça começa a ficar escasso, devido ao material recolhido durante o trajeto. Do papel usado ao plástico do brinquedo quebrado, tudo que a cidade elimina é aproveitado por Teófilo. A Prefeitura da Capital dos gaúchos estima que das 200 toneladas de lixo geradas diariamente pela população de Porto Alegre, somente um terço é recolhido pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana, o DMLU. Teófilo sabe que não pode carregar muito durante o trajeto. Assim como muitos de seus colegas, ele também tem lugar determinado para recolher o lixo que o interessa. É necessário administrar o espaço para o lixo nobre que ele recolherá em uma loja. “Nós queremos papel branco, garrafa pet e latas de alumínio, é o material que vale mais”, diz. A renda de um carroceiro é variada, alguns

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recebem R$ 400 e outros ganham até R$ 1 mil com a venda do lixo para empresas de reciclagem. Um trabalho que envolve toda a família. São necessárias várias pessoas para separar nos galpões de reciclagem o lixo recolhido nas ruas. O contato da esposa e dos filhos com esse trabalho pesado preocupa o carroceiro.

O futuro dos filhos “Eles começam trabalhando na carroça agora e acabam não estudando. Daí, claro, vão continuar na carroça a vida toda, porque não vão ter experiência em nada. Só em cuidar de cavalo. Isso não é futuro para ninguém. A carroça está para acabar.” Teófilo chega em uma loja, é o primeiro local dos vários que reservam lixo diariamente para ele. Ao fazer força, guardando as pilhas de papelão na carroça, ele fala das dificuldades em ser carroceiro e até mesmo do fim da profissão. “Eu luto para que os carroceiros sejam reconhecidos como trabalhadores, mas ao mesmo tempo não quero ver meus filhos tocando cavalo no trânsito. Penso em algo melhor para eles”, desabafa. O fim dos veículos de tração animal está sendo discutido desde 2005 na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. O Programa de Redução Gradativa do Número de Veículos de Tração Animal prevê, a partir da aprovação da lei, que as carroças sejam extintas em oito anos. Mas os carroceiros rebatem e questionam o futuro de toda a categoria. “E se realmente tiver um fim, o que vão fazer todos esses carroceiros, roubar? Não sei do dia de amanhã, mas temos que ir tocando hoje”, diz.


impressĂľes de repĂłrter


impressões de repórter Preocupe-se hoje Júlia Capovilla e Priscila Doroche

O objetivo não era dar lições de vida ou coisa parecida. Porque a vida não tem regras, não tem fórmula pronta. Não vem com bula. Então, o que aprendemos com as histórias que nossas fontes nos contaram foi somente perceber que existe, sim, sempre a possibilidade de ser feliz com o que se tem. Tudo depende das escolhas que se faz, mas também de tantos outros fatores que independem de nós. É essa, justamente, toda a delícia do jornalismo: ouvir muitas histórias e contar outras tantas. Histórias que se constroem e se misturam com as nossas na hora da entrevista. Uma colcha de retalhos feita de momentos compartilhados aqui e agora. (Pág. 6)

Quando vamos nos ver? Guilherme Ferreira, Mônica Patrícia e Rodrigo Dias

Mergulhar na vida e no universo dos entrevistados foi interessante, porque os relatos e desabafos deles nos fizeram refletir sobre a nossa própria rotina de trabalho e vida. As mesmas dificuldades de conciliar os horários profissionais e pessoais do Fábio e da Cassiane, do Marcelo e da Juliana, já foram enfrentadas por algum de nós em certo momento da vida acadêmica. A preocupação do Rafael em relação à falta de tempo para a vida pessoal também é uma constante para nós. Afinal, muitos que estão na universidade, além das questões acadêmicas, têm família para sustentar. Convenhamos: isso é muito mais difícil do que aquelas provas e aqueles trabalhos acumulados – o TCC é um deles – que nos tomam um tempo que poderia ser utilizado para outras coisas, como um namoro ou uma saída com os amigos. O que nossos entrevistados nos mostraram é que, apesar de todas as dificuldades que enfrentamos e enfrentaremos, temos de nos organizar para que não percamos uma das mais valiosas virtudes da vida:

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a felicidade. (Pág. 10)

Ninho vazio Leandro Utzig e Pauline Costa

os melhores tradutores, sem dúvida, são os jornalistas. (Pág. 18)

Maior tranqueira Fabiana Miranda Alicir e Luciane Isaias

Discutir o tema de ter ou não ter filhos pareceu logo de início uma boa oportunidade de entender porque cada vez mais casais jovens, com estabilidade financeira e saúde, decidem viver a dois para sempre. O contato com os casais ouvidos permitiu comparar idéias, convicções e reflexões distintas, sob pontos de vista divergentes. Ouvir uma especialista em comportamento fez entender as explicações sócio-econômicas, culturais e comportamentais presentes em determinados grupos sociais. Conversar com os casais nos fez sentir que, apesar das diferenças, todos querem a mesma coisa: ser felizes, do seu jeito, ao seu modo. (Pág. 14)

Epidemia nacional Fernando Potrick e João Ricardo Boardman

O desafio de produzir uma matéria sobre gravidez na adolescência foi o de fugir das mesmices que envolvem as jovens grávidas, verificadas diariamente em matérias jornalísticas veiculadas na grande imprensa. Se levarmos em conta, normalmente, o viés de abordagem dessas publicações, as preocupações se reduzem à jovialidade dos papais e das mamães. Na verdade, os problemas vão muito além. Este fato inesperado, no início da trajetória de um adolescente, marca uma vida inteira. O medo de uns, muitas vezes, significa a salvação de outros. E somente estando na pele dessas pessoas, ou por meio de pesquisas e reportagens bem apuradas, com a precisão do jornalismo de fôlego, como é o caso da Primeira Impressão, é que nós apreciaremos a riqueza de informações com uma leveza textual. Ao se deparar com a realidade, nua e crua, percebemos que as histórias do cotidiano estão recém começando nas nossas vidas de formandos em Jornalismo. A vida real é dura e séria, e

Escrever uma matéria sobre o trânsito de Porto Alegre não teria sentido se não fosse apresentada aos leitores alguma proposta que pudesse livrá-los dos constantes e crescentes engarrafamentos. Esse foi o desafio proposto na elaboração da pauta que deu origem a este trabalho. A partir das sugestões dos demais colegas, decidimos falar da bicicleta como alternativa para o tráfego nas grandes cidades. Estabelecemos, então, um paralelo, não necessariamente comparativo, entre Porto Alegre e a cidade de Sapiranga, onde o tráfego da “magrela” é referência nacional. A composição textual se deu mediante pesquisa, relato de fontes e observações das repórteres. No contato com as fontes, confirmamos a (possível) implantação do Plano Diretor Cicloviário na capital gaúcha, ainda este ano. Nesse sentido a matéria não só trabalhou de forma interpretativa, como também falou sobre o factual. Na experiência com a cidade de Sapiranga, pode-se observar que, se por um lado as bicicletas são utilizadas por grande parte da população, por outro, não houve uma integração consciente e respeitosa junto ao tráfego de veículos motorizados. (Pág. 22)

Quando o fim se aproxima Gisele Zortéa, Marcela Zini e Fabrícia da Costa Pedreira

Falar da morte por si só já é difícil, seja pelo temor que as pessoas têm do assunto, ou pela própria inexatidão que temos do que realmente acontece nesse momento. Agora, falar da morte quando as pessoas sofrem de uma doença terminal e definir as preocupações que ocupam a sua vida a partir de então é um


desafio profissional de um verdadeiro contador de histórias! E foi com esse entusiasmo que definimos e assumimos a pauta. Muitos nos desencorajaram quanto as dificuldades de retratar a realidade do fim da vida de um ser que sabe que ela está se indo. Nós mesmas em muitos momentos nos preocupamos com os entraves de hospitais, médicos, familiares, para chegar ao paciente, ou mesmo se estávamos preparadas para nos encontrar com essa realidade. Enfim, cumprimos o nosso dever. Aqui você encontra o resumo das impressões que tivemos, mas a história, a verdadeira história da vida, essa você só vai entender depois de assistir de perto uma pessoa que sofre de um mal terminal. Um verdadeiro exemplo de vida! “A esperança é a ultima que morre. Se eu pudesse trocar de lugar com ela. Se eu pudesse chegar até lá em cima e falar com aquele barbudinho para dar um jeito. Nem que fosse para ver a mãe gritar comigo (risos), eu faria!”, nos disse a filha da paciente do Núcleo de Cuidados Paliativos entrevistada. (Pág. 26)

Problema ou solução? Cler Oliveira e Gisele Ramos

Preocupações. A primeira coisa que nos veio à cabeça foi o dinheiro, uma preocupação constante de grande parte da população. Como somos blogueiras, em poucos minutos de conversa, já tínhamos uma de nossas fontes: J. Noronha, conhecido problogger que abandonou o quadro-negro em busca de maiores ganhos financeiros. Em duas semanas, estávamos no cenário da entrevista: um barzinho no centro de Esteio, cidade onde mora nosso personagem. Mais que uma entrevista, foi um descontraído encontro de amigos. Foi natural lembrar também do Wilson Marchionatti, que, depois de formado em Jornalismo, abraçou o curso de Economia e trocou o emprego em um jornal pela vida de trainee em um banco. Depois dele, precisávamos de uma pessoa que, embora

ganhasse um bom salário, não soubesse lidar com ele. Encontramos o jornalista Marcus*, que contraiu mais de R$ 30 mil em dívidas. Para explicar todo o pandemônio, a psicóloga Jussara Ramos se dispôs a nos dar entrevista por telefone depois da meia-noite, seu único horário disponível. E nós, morrendo de sono, concordamos, afinal, vida de repórter não é nada fácil. O resultado vocês podem conferir nas páginas da revista: um texto leve, apesar do assunto pesado. (*) O nome foi trocado. (Pág.32)

Arroz: você come qual? Mateus Zimmermann e Rodrigo Machado

Para realizar essa reportagem tivemos todo um planejamento detalhado de fontes a serem consultadas, pessoas para entrevistar, listas de informações a organizar. Mas como no fazer jornalístico as coisas nunca, ou quase nunca, saem como planejado, nosso texto saiu bem diferente da primeira pauta. Esquecemos que nossa função não é ter uma matéria pronta na cabeça quando saímos, mas sim estar com a cabeça aberta para captar as coisas mais interessantes da pauta. Uma das dificuldades que tivemos para fazer a reportagem foi desembolsar R$ 36 de pedágio. Pior que são dois, um logo à frente do outro. A outra foi achar as fazendas. Tínhamos as referências de localização, mas quando saímos do asfalto e pegamos a estrada de chão, todas pareciam ser iguais. Não teríamos chegado aos locais sem conseguir informações com pessoas da região. Para nossa sorte, no interior todos se conhecem. (Pág. 36)

Problema nosso Juliana Campos Chaves e Rafael Tourinho Raymundo

Escrever a matéria para a Primeira Impressão foi complicado. A escolha da pauta foi difícil, já que, de início, não gos-

tamos muito do tema geral da revista. Além disso, algumas fontes não renderam material suficiente e houve falta de tempo para agendar novas entrevistas. Para completar, a escolha por um assunto tão abstrato como o nosso rendeu transtornos aos fotógrafos, que não imaginavam como produzir uma imagem complementar ao nosso texto. Passados os percalços, e com todos os prazos possíveis já estourados, conseguimos, finalmente, finalizar nossa reportagem. A opção foi por uma matéria reflexiva, que fizesse o leitor se questionar e refletir sobre as preocupações de cada um. O foco foi encontrado aos poucos, conforme cada entrevista ia sendo feita. Durante o processo, foram fundamentais as dicas do professor Miro Bacin e de colegas que contribuíram com novos olhares para nosso texto. Muito obrigado a todos. (Pág.40)

Pequenos adultos Deise Ribeiro Teixeira e Sabrina Scharlau

A idéia de falar sobre precocidade surgiu da Deise, que sabia de um menino que dirigia caminhão. Depois de conversarmos, achamos que iria render. E como rendeu. Nas entrevistas que fizemos, primeiro com a criança e os pais, nossa reação foi de choque, como se tivéssemos em outra realidade, tanto pelas atitudes impróprias para uma criança de dez anos, quanto pelo fato da liberdade concedida a ela pelos pais. Quando fomos falar com um educador, mostramos a entrevista feita com o menino, para que pudesse expressar melhor sua opinião sobre o assunto. E nos deparamos com uma reação ainda mais agressiva que a nossa. Podemos dizer que ele ficou revoltado. Para ele, os pais são negligentes em dar toda essa liberdade para uma criança que ainda não tem capacidade de saber o que é bom ou ruim. Claro que ele deve estar adorando no momento poder assistir filme pornô com o consentimento e incentivo dos pais. Mas como será que ficar á a formação JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 103


impressões de repórter desse menino, como ele vai ficar daqui alguns anos se continuar assim? Só o tempo dirá. (Pág.44)

Não vou conseguir Daniela Lopes e Viviane Zanella

Ao definir o tema preocupações, optamos por uma das maiores dificuldade da atualidade: conseguir fazer tudo o que precisamos em míseras 24 horas diárias. Muitas eram as possibilidades de abordagem, mas escolhemos apresentar realidades e soluções para melhorar o desempenho e a qualidade de vida dos leitores da Primeira Impressão. Imprevistos como uma apendicite de uma das repórteres, entrevistados que demoraram em atender, desistência de fontes após a entrevista ou até mesmo dificuldades na obtenção da autorização fizeram parte da realidade que precisamos gerenciar. Optamos por manter o foco e nos concentrar nas fontes que sabem planejar o atendimento à imprensa. Vivenciamos na prática o ensinamento teórico da matéria: "saber administrar o tempo é a chave do sucesso." Afinal, por mais que tudo parecesse dar errado, priorizamos o que era importante e mantivemos o foco, garantindo assim a entrega da matéria no prazo de fechamento. (Pág.48)

Super-mulheres

endereços antes de nos dirigirmos até as outras duas fontes. As entrevistas foram excelentes, e acabamos nos identificando muito com as entrevistadas, que em algumas respostas pareciam nós mesmas respondendo, completamente sintonizadas com a pauta. (Pág.52)

Na medida certa Joel Reichert

Ter a oportunidade de sair a campo, investigando e coletando depoimentos, fotos, fatos e informações é o que todo bom jornalista faz. O que achei interessante é que, ao me deparar com os assuntos em pauta, defrontei-me com informações que eram novas para mim e, de um certo modo, senti-me bem por ter a oportunidade de aprender e poder levar ao leitor a condição de informar-se também. Os maiores desafios que encontrei foram de achar um fio condutor para a reportagem e fazer um link entre os assuntos e as fotos capturadas, que, aliás, ficaram muito interessantes. É gratificante poder perceber o grau de comprometimento que tem uma imagem com o assunto do qual foi gerada e também permear os vários ângulos do ponto de vista de quem a produziu. (Pág.55)

Janela do medo Alexandre Viegas, Osvaldo Mendes e Rodrigo Prux

Cynara Baum e Deise Andrade

A pauta sobre a super-mulher do século XXI quase que se tornou a superatrapalhação. Combinamos de nos encontrar com a primeira fonte em um café na rua Padre Chagas, em Porto Alegre. A dupla de repórteres encontrou-se no centro de Porto Alegre e pegou um ônibus até o local. Porém, esquecemos de um pequeno detalhe, ambas não sabíamos onde descer. O ônibus percorreu várias ruas, até que chegaram ao fim da linha e fomos convidadas a descer. Fora o pequeno contratempo, a entrevista foi ótima. Depois do ocorrido na primeira entrevista, nos certificamos dos

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Começamos a fazer uma reflexão sobre a pauta do trabalho e decidimos abordar a relação existente entre a mídia e a violência na sociedade. Para a realização da reportagem, trouxemos a visão de diversos especialistas, o depoimento de pessoas que sofreram algum tipo de violência e também contamos com a experiência de jornalistas que atuam nos meios de comunicação. A indisponibilidade de algumas fontes foi a principal dificuldade que tivemos no decorrer da produção da matéria. Escrever esta reportagem foi produtivo e enriquecedor, principalmente ao que se refere ao processo de entrevistas,

pois saímos a campo atrás das fontes. Como diz um velho ditado, “colocamos a mão na massa”. Tivemos a oportunidade de fazer um recorte sobre a mídia e a violência e sua relação, a partir do nosso olhar enquanto futuros jornalistas. Esperamos que a matéria possa proporcionar uma reflexão aos leitores sobre a temática. (Pág. 59)

Os opostos nem sempre se atraem Dayane Mascitti e Yanti Sousa Ritta

A realização da pauta sobre diferenças passou por diversas etapas. No primeiro momento não imaginamos focar esse tema entre homem e mulher. O nosso pensamento era abordar o que leva as pessoas a buscarem ser diferentes na sociedade. O assunto surgiu ao entrevistarmos o historiador do colégio salesiano Dom Bosco, de Porto Alegre, Marcelo Demetrio, que falou das contrariedades existentes desde a antigüidade entre o homem e a mulher. Após entrevistamos a psiquiatra Vilma Cidade da Silva, da Clínica Psiquiátrica e Psicoterápica, de Canoas, que nos explicou que existem diferenças funcionais do cérebro masculino e feminino. A partir daí foram horas de conversa e expectativa para conseguir entrevistar outras pessoas de diferentes classes sociais, com a intenção de analisar o conteúdo que tínhamos coletado até o momento. Ao vivenciar histórias sobre o assunto, percebemos que cada ser é único. É incrível como cada ser tem uma visão. Cada entrevista nos acrescentou sabedoria. Lidar com pessoas diferentes é a chave para enriquecer conhecimentos. (Pág.63)

Crack Cristiane Marçal e Fabrícia Hess

Quando a Cristiane ouviu de uma médica o relato assustador do aumento em proporção geométrica do número de dependentes de crack, das limitações


médicas em atender as fortes seqüelas da droga e da incapacidade do sistema público de saúde em absorver tudo isso, o potencial jornalístico desse desabafo estava latente. Quando o tema do semestre da Primeira Impressão foi definido, a ligação foi imediata. Nada mais necessário do que incluir numa lista de preocupações o iminente colapso no sistema de saúde público causado por dependentes de uma droga que os médicos ainda lutam para lidar. Começamos as pesquisas e contatos. Entre todos os personagens dessa triste realidade, a maior dificuldade da apuração não esteve no contato com dependentes, médicos e demais pessoas que atendem, pelo Estado ou não, pacientes com pouca perspectiva de vida e recuperação. As barreiras foram encontradas justamente no personagem essencial dessa matéria: o Estado. Apesar de um mês e meio de contato, não conseguimos resposta da Secretaria de Saúde do Estado. Nem entrevistas, nem comunicados, sequer confirmação de dados. Até para ouvir a recusa dos pedidos tínhamos que ligar insistentemente! Inicialmente, creditamos isso a provável deficiência para atender toda demanda da imprensa e por se tratar de um veículo, produzido por estudantes. Nós, que estamos de fora, não temos certeza onde está exatamente a incompetência da instituição. Mas ela está lá! E esperamos que ela não se estenda aos departamentos que devem executar o processo de estanque dessa epidemia. (Pág.66)

Preço alto Hélio Castro e Renato Maciel

Tivemos na cadeira de Projeto Experimental em Revista uma grande oportunidade antes de entrarmos, de fato, no mercado profissional. O projeto nos possibilitou qualificarmos nossos conhecimentos na produção da reportagem. Aprendemos a trabalhar em grupo, nesse caso em dupla, e conseguimos ser

parceiros, respeitando as críticas feitas de um para outro e pela professora, que sempre foram encaradas como construtivas. Formamos uma equipe de integrantes compreensivos com as necessidades e limitações de cada um. Tivemos uma ótima dinâmica de trabalho com direcionamento textual com o auxílio da professora Thaís Furtado. Constantemente, fomos aplicando novos rumos ao nosso texto, novas fontes e metodologias, até chegar à reportagem final. A busca pela melhor imagem junto com o fotógrafo, a melhor pergunta para o entrevistado dentro do tema e o trabalho em equipe garantiram o sucesso final. Não fomos individualistas em nenhum momento. Vivemos realmente um clima de redação de uma revista. (Pág.70)

Penso, logo reciclo! Felipe Zavarize e Jonas Amar

É muito fácil imaginar que as preocupações com o meio ambiente e com a saúde do planeta Terra estão centradas no desmatamento, na emissão de gases tóxicos, no desperdício da água potável e na poluição de lagos, rios e lençóis d’água. Da mesma forma, torna-se cômodo empurrar a obrigação às forças capazes de mudanças e disfarçar que elas são débitos de todos nós. Porém, a economia, a política e os órgãos de proteção são pouco atingidos pelos discursos da mídia. Cabe, assim, atuar para uma consciência com base na educação. Trabalhar com o tema lixo mostrou que ele é, com grande crescimento, uma das atuais preocupações da sociedade. É imensa a capacidade que os resíduos têm de atingir a todos. Hoje, o lixo se consagra como objeto de pesquisa para professores e especialistas; é campo de sobrevivência, para muitos sem outras opções; e um incentivo, para aqueles que se dispõe a separá-lo e reciclá-lo. Mas também pode ser um risco geral, caso não haja preocupação suficiente. Estar diante dele é entender seus lados e seus riscos. (Pág.74)

Não há vagas Daniela Santos e Fábio Araújo

Inicialmente, tivemos um pouco de dificuldade de encontrarmos as nossas fontes. Após entrar em contato com elas, o trabalho foi facilitando. Talvez o texto não tenha ficado de acordo com o que imaginávamos devido às correrias do diaa-dia, tendo que conciliar trabalho, faculdade e outros afazeres. Mesmo assim, temos a convicção que a disciplina nos ajudou a aproximar, na prática, o que víamos na teoria, em outras cadeiras. Conseguimos realizar entrevistas de campo e, pela primeira vez, redigir uma reportagem mais densa e trabalhada. Como estamos chegando ao final do curso, é importante ter esse espaço para, aos poucos, começar a mostrar o nosso trabalho. A vontade é de realizar todo o processo novamente, desde a coleta de dados, até o produto final, já diagramado. Corrigindo as falhas, melhorando o texto e nos aproximando cada vez mais do que estudamos por quase quatro anos para ser: bons jornalistas. (Pág.79)

Futuro incerto Marcelo Aires

Tinha pensado, no início, na pauta sobre moradia. Mas, à medida que fui buscando fontes e lendo mais sobre a pauta, fui me desinteressando pelo assunto. Então, tive a idéia de falar sobre o aquecimento global, ouvindo a conversa de dois biólogos sobre a dificuldade das pessoas consideradas leigas em entender o processo. De um lado, a mídia e os movimentos ambientalistas distorciam o assunto. De outro, cientistas mostravam inverdades ou informações incorretas sobre o aquecimento global. Entrar em contato com as fontes foi fácil. Mas na primeira entrevista com o professor notei que eu estava um pouco despreparado sobre o assunto. Resolvi ler mais e marquei uma segunda entrevista, na qual pude entender melhor o que ele explicava, mesmo sendo muito didática JUNHO/2008 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | 105


impressões de repórter a análise dele sobre aquecimento global. A entrevista com a aluna, que tem como temática do seu trabalho de conclusão o aquecimento global, foi bem mais tranqüila, me senti seguro na hora das perguntas. Depois de ler matérias e entrevistas pela internet criei uma base para as entrevistas. O desenvolvimento dessa reportagem permitiu que eu tivesse certeza de que não estar bem informado sobre a pauta é um erro fatal para quem quer se tornar um repórter. Mas consegui superar essa dificuldade antes do término da matéria. Espero ter feito um trabalho bem feito e colaborado não só para o meu aprendizado, como também para que as pessoas entendam sobre um assunto polêmico. (Pág.82)

Rastros da trapaça Delmar Costa e Emerson Vasconcelos

Durante o tempo em que produzimos nossa reportagem, sempre tivemos o cuidado de não fugir do fio condutor da história: os golpes. No entanto encontramos uma grande dificuldade para convencer as pessoas que foram vítimas de falsários a falarem sobre suas experiências publicamente. Apenas uma pessoa se prontificou a falar, e o nosso foco acabou sendo ajustado em outra direção. O caso que abriu a matéria foi o da banda Necessidade Humana, que conseguiu escapar de ser utilizada como mecanismo de lavagem de dinheiro por um golpista internacional. Ele não fugiu da idéia inicial da matéria, mas nos surpreendeu, pois esperávamos que o principal relato da matéria fosse de alguma vítima. O bom disso foi que conseguimos fugir do clichê de apresentar o bandido como o lado mais inteligente da história. Neste caso, ele não conseguiu se dar bem. (Pág. 85)

Espelho, espelho meu Felipe Moura de Oliveira e Fernanda Oliveira Medeiros

Quando o tema foi definido, não tivemos dúvidas. Afinal, vivemos a era

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da imagem. Não há ser humano que não se preocupe com ela. Para além de evidenciar o senso comum, procuramos trabalhar os limites para a tal preocupação. Planejamos bem a matéria. Os imprevistos, no entanto, como de costume no jornalismo, aconteceram. Fomos encontrar uma das personagens ao ouvir um programa de rádio. Ela falava como Cinderela do Calçado. O título obrigava a se preocupar até com a imagem do pé... Isso mesmo, o pezinho! O contraste veio com um jovem estudante de 23 anos que teve de fazer cirurgia de redução de estômago. Não para se tornar mais belo, apenas para ser aceito pela sociedade. E a surpresa veio na fala dos dois personagens. Ambos, cada um à sua forma, criticam a preocupação excessiva com a imagem. Paradoxalmente, não podem deixar de preocuparse com ela. Da psicóloga, veio a receita: aceitar-se como ser único e diferente. Fica o desafio... (Pág.88)

Planeta (des)água Danielle Dalbosco e Caren Suzana Fermino

Realizar a matéria sobre água foi tranqüilo e muito relevante para a nossa vida. A matéria foi inteiramente baseada em dados do Pró-sinos, Martim Pescador, Serviço Municipal de Água e Esgoto de São Leopoldo (Semae) e Secretaria do Meio Ambiente, além das entrevistas realizadas. Nos baseamos mais no Rio dos Sinos, por toda a grande quantidade de informações que existem. Nas semanas de finalização da matéria, uma surpresa: uma cheia no Rio dos Sinos, resultando em cerca de 560 pessoas desabrigadas e 4.580 desalojadas, no total dos municípios banhados pelo Rio. Infelizmente, não conseguimos descrever sobre a enchente, pois ia acabar desviando um pouco do assunto, mas vale a pena ressaltar que, durante a semana da cheia, flagramos três pessoas lavando as calçadas com mangueira, e uma destas, no bairro Cristo Rei, em São

Leopoldo, deixou a mangueira aberta e foi varrer a rua. Além de termos trabalhado em uma reportagem sobre conscientização do uso racional da água, também nos sentimos felizes por estarmos cada vez mais alertas para este bem natural. (Pág. 92)

Rédea solta Fábio Almeida e Giovanni Rocha

Congestionamento, buzinas, xingamentos... Lá na frente uma carroça puxada em trote lento, lotada de sacos pretos, deixando o trânsito quase parado. Quem está certo? O carroceiro que se dirige para casa com o lixo que recolheu para reciclar, mas que enche sua carroça de sacos e tranca o fluxo? Ou o motorista que está em seu carro, que também trabalhou, está cansado e quer ir para a sua residência, mas enfrenta um tráfego interminável? Enfim, dependendo do ponto de vista, a resposta é imediata. Já conhecendo o lado de quem está dentro do carro, escolhemos ser quem no contexto parece estar no lado mais fraco. Fomos até a Ilha dos Marinheiros, local onde moram muitos carroceiros, na região norte de Porto Alegre, em um dos dias mais quentes do mês de março. Nessa ocasião, percebemos que as pessoas que lá vivem enfrentam dificuldades em todas as épocas do ano, seja pelo frio, chuva a sol. Ao subir na carroça, sentimos um ar diferente. Atravessamos pontes, ficando ao lado de caminhões e ônibus, que quase nos arrastavam como vácuo. Outros carroceiros que vinham na direção contrária pareciam não entender o que faziam dois caras anotando e fotografando a viagem. Falando em fotografia, a própria dupla realizou o ensaio fotográfico para a matéria, com realização de imagens em lugares emblemáticos da capital gaúcha, como a ponte móvel do Guaíba. Poucos se aventuram a atravessar o local a pé e fotografar um dos melhores panoramas da cidade. (Pág.96)




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