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| dezembro de 2019 |

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ELEMENTOS DA QUÍMICA E DA VIDA


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EDITORIAL

JORNALISMO, LITERATURA, QUÍMICA

T

abela periódica, elementos químicos, números atômicos, configuração eletrônica, recorrência de propriedades*. Ainda que expostas na língua natal, essas expressões costumam causar estranheza porque, à exceção das duas primeiras, abordadas na formação educacional de nível intermediário, as demais costumam passar em branco para quem não se dedica acadêmica e profissionalmente à Química. Em geral, sabemos que a tabela periódica relaciona os elementos químicos, parte dos quais “conhecemos” por seus nomes, muitos bastante exóticos, alguns absorvidos pelas soluções que sua invenção tornou possível e outros, ainda, de existência praticamente ignorada por quem não é do ramo. Ao Jornalismo, como o que se apresenta nesta publicação experimental, cabe revelar, ato

para o qual o trabalho coletivo a envolver repórteres, fotógrafos, pauteiros, editores, chefes de reportagem e de redação busca respostas. O jornalista é o revelador geral da e para a sociedade, a cujo exercício está tacitamente legitimado, com a correspondente responsabilidade de representá-la na obtenção de informações de interesse público. Assim, o que fazem a Química, pela tabela periódica, e o Jornalismo, com a coleção de reportagens especiais, reunidos nesta edição? Respondemos: uma inspira o outro. “Tabela periódica” foi o tema decidido pelos alunos das disciplinas de Jornalismo Literário e Projeto Experimental em Fotografia, no início do semestre. O que os motivou foi o fato de a Organização das Nações Unidas ter declarado 2019 o “ano internacional da tabela periódica”, em iniciativa para acentuar “a sua consciência global e a educação em ciências bási-

cas” – baseada no fato de que há 150 anos o cientista russo Dmitri Mendeleev (1834-1907) criou a primeira tentativa de organização dos elementos químicos em um formato semelhante ao atual. A tabela e os elementos estão aqui presentes, portanto, como motivação à busca de assuntos de interesse público, tratados jornalisticamente. Em outras palavras: como estímulo à criatividade de quem deve ter nesse elemento (ops!) um companheiro de viagem profissional. Nesta experiência, ao desafio do tema instigante se une a necessidade de praticar o Jornalismo em sua aproximação com a Literatura, ciências que estão na razão de ser da disciplina de Jornalismo Literário. Boa leitura! Nikão Duarte

Professor editor de texto

Flávio Dutra

Professor editor de fotografia

(*) A propósito de “números atômicos”, “configuração eletrônica” e “recorrência de propriedades”, acima referidos, e do “ponto de fusão do tungstênio”, abordado na reportagem que abre esta edição, reiteramos ser atribuição do Jornalismo “traduzi-los”. Mas nossa profissão também pode valer-se, e com legitimidade, de certo suspense, ao qual recorremos aqui, para indicar a página 78, em que essas respostas estão presentes. SAIMON BIANCHINI

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ÍNDICE 06

TUNGSTÊNIO

Qual o ponto de fusão do tungstênio?

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NITROGÊNIO

Maternidade por escolha

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CÁLCIO

Um ato de amor e carinho

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BORO

Da necessidade à decoração, a argila promove arte e une famílias

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POTÁSSIO

Sinônimo de vida

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ENXOFRE

Das armas às plantas

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CARBONO

A disputa por terras para subsistir e cultivar direitos

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SILÍCIO

A beleza da tecnologia

38

MAGNÉSIO

A serviço do fisiculturismo

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42

22

Ti

Titânio 47,867

Aos olhos de quem vê


MAINARA TORCHETO

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HIDROGÊNIO

Ayahuasca é renascer e resistir

50

NÍQUEL

O verdadeiro valor do dinheiro

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ESCÂNDIO

Sobre duas rodas

58

ALUMÍNIO

Elemento de cooperação

62

FERRO

Vida sobre trilhos

66

FERRO

Conheça o Tuco

70

BROMO

A fotografia analógica e suas particularidades

74

RÁDIO

Nas ondas da solidariedade

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ÍNDIO

(Di)fusões de índio

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QUAL O PONTO DE FUS Um conto não ficcional sobre alguém que de Química pouco entendia TEXTO DE LAURA HAHNER NIENOW

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ão tem jeito. Em todos aniversários e em outros eventos familiares, sua lembrança sempre vem à tona. Embora tivesse pouca escolaridade, era metido e a tabuada sabia de cor. Nascido em Riozinho, criou os quatro filhos em Esteio, junto à esposa Eva. E é a partir do seu encontro com ela que começa a história de Armindo. Eva era doce, carinhosa, delicada, tímida e boa na cozinha. Rosaura, a filha caçula do casal, sempre conta aos filhos a memória que tem do abraço, do cafuné e dos brigadeiros miúdos e redondinhos, que Eva fazia de um jeito único. De cabelos crespos, ela os pintou até seus 70 e muitos anos. Quando deixou a tinta de lado, se via uma nuvenzinha em dia de sol pousada no topo de sua cabeça. Armindo era o oposto da esposa. Era bruto, conversador, nunca fora visto pilotando o fogão (somente a churrasqueira), mas, aos filhos e à esposa, amor e dedicação nunca faltaram. Era carinhoso de um jeito alemão. Baixo e de barriga protuberante, costumava usar sandálias de couro, bermuda presa por um cinto e camisa desabotoada de manga curta. Nos últimos anos em que Armindo esteve com a família, a saúde estava muito debilitada, mas as lembranças que deixou são da época de ouro, por assim dizer. Sério e, ao mesmo tempo, debochado, desde o dia 30 de janeiro de 2004, Armindo virou uma lenda familiar.

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Tungstênio 183,84


LAURA HAHNER NIENOW

SÃO DO TUNGSTÊNIO?

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Sob a matrícula 26590, Armindo começou a trabalhar no Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), como “limpador de calçada” e depois assumiu o cargo de soldador até 1977. Nos dois anos seguintes, foi instrutor na Planatlântica, como painelista do Senai. Os filhos afirmam que Armindo tinha muito orgulho da profissão que exercia. Não tinha estudo, mas era metido e tudo queria saber. Incentivava filhos e netos a aproveitarem a oportunidade que ele nunca teve e perguntava sobre datas de fatos históricos em horas inapropriadas, como a do almoço, quando todos estavam de boca cheia. Entre 4x7, 8x8, data da Independência e Tiradentes, Armindo perguntou: “Qual é o ponto de fusão do tungstênio?”. Ele repetia essa pergunta insistentemente, como se fosse um químico para quem a resposta era óbvia. O número também nunca fora pesquisado. É uma pergunta para a qual a resposta nunca importou.

um único filho, Marcelo. Sobre ele vamos falar mais adiante. João Batista, o terceiro, normalmente é último a chegar nas reuniões familiares, mas, quando chega, todo mundo nota. De tom de voz grave e volume alto, Batista é ouvido quando ainda nem ultrapassou o portão. Seu único filho, Ivan, também tem as cordas vocais afiadas, porém o tom é mais agudo. Enquanto Batista soa como um trombone, Ivan é mais ou menos como um trompete. Dizem que puxou à mãe. Os dois, colorados de carteirinha, são responsáveis pela sonoridade do evento. Rosaura, a quarta e última, é uma misturinha dos pais. Nem ríspida e nem tão meiga, cozinha Sucessão e seus sucessores uma comida deliciosa, mas, por Terezinha, a primeira filha do casal, é a Eva escrita. mais que tente, os brigadeiros não De tom de voz baixo e calmo, é preciso estar atenta ficam simétricos. A caçula teve dois para ouvir o que ela fala. Artista plástica nata, “Te” filhos, Igor e Laura. O primeiro criou os três filhos: Pablo, Stéfanye e Gustav, que re- tem os trejeitos do avô materno. O cebeu o nome do bisavô, pai de Armindo, que saiu da jeito de parar com uma perna mais Alemanha à bordo de um navio. Bernadete, a frente do que a outra, a segunda filha, com a pele dourada e sem a maneira como põe as Bernadete, Armindo, muitas sutilezas, é a que mais lembra o João Batista, Eva, mãos no bolsos e até pai. “Mas não herdei os olhos azuis!”, diz Rosaura e Terezinha no o jeito estranho de asela. É verdade. Todos os quatro filhos têm segundo aniversário soar o nariz. Laura não olhos castanhos como Eva. Bernadete teve de Igor, em 1990 tem uma característica

própria da família materna. Ela é todinha a família do pai, pelo menos é o que Rosaura afirma. Por morarem a poucos metros da casa dos avós, os irmãos estavam sempre por lá para tomar um café da tarde. Aliás, os cafés da tarde eram regra na casa do casal. Cada vez que alguém chegava para visitá-los, Eva levantava de sua poltrona e ia preparar um cafezão. No aumentativo mesmo. Café com leite, rosca e cacetinho esfarelento com chimia de uva nunca faltavam. Os itens eram distribuídos pela mesa azul coberta por uma toalha de renda branca. Armindo sempre sentava em um banco, na cabeceira. Se alguém passasse um dia na casa deles, era possível passar o dia inteiro comendo.

Senso de humor parodiado Marcelo era uma criança de tom de pele clara como pó de arroz e cabelos loiros e cacheados como miojo. Foi o neto que mais conviveu com nosso personagem principal. Filho de funcionária pública e de pai advogado, Marcelo ARQUIVO PESSOAL

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LAURA HAHNER NIENOW

passava os dias e as noites na casa dos avós. Ele, Pablo e Stéfanye herdaram o senso de humor do avô. Normalmente, são eles que começam a imitá-lo quando têm oportunidade. E, acreditem, qualquer oportunidade é válida. Eles são os responsáveis por fazerem bisnetos e agregados da família conhecerem a voz de Armindo. É uma pena que não há como transmiti-la em caracteres. É uma voz singular. Armindo também tinha a mania muito feia de apelidar as pessoas. Vizinhos, genros, todos eram vítimas de seus deboches. Dentro de casa, ele se referia às pessoas pelos apelidos que às davam e Eva, coitada, quando precisava conversar com algum vizinho, não lembrava de sua alcunha, somente aquela nada lisonjeira que Armindo inventara.

Nem tão devoto, nem tão praieiro Na juventude, Armindo fora fumante e aos 65 anos descobriu ser diabético, do tipo B. Seus remédios ficavam em uma prateleira em cima do micro-ondas – do lado direito ficavam os dele, junto com o adoçante, e do lado esquerdo ficavam os de Eva, junto com o açucareiro. Desde o casamento, marido e esposa moravam na mesma casa, na rua Santo Antônio. Embora Antônio fosse o santo homenageado pelo logradouro, era a imagem de Maria que passava pelo bairro, de casa em casa. Ela vinha dentro de uma capelinha branca, com uma gavetinha embaixo onde as famílias lhe davam recompensas em dinheiro por sua proteção. Nos dias em que a santa pernoitava no número 203, ficava sobre o balcão da sala de jantar, junto com alguns porta-retratos. Por falar em retratos, a casa tinha um espaço próprio para eles. Na primeira formação familiar, o cômodo fora o quarto das três filhas, depois tornouse a sala da televisão e das fotografias. Na parede amarela foram pendurados quadros com uma foto de cada neto. A impressão era de que Armindo e Eva expusessem aquelas telas como um engenheiro expõe seus certificados emoldurados na parede do escritó-

rio, tamanho era o orgulho. Os filhos ainda eram pequenos quando a casa de madeira era rosa-algodão-doce com as aberturas claras. Era elevada do chão e as crianças podiam se esconder e brincar debaixo dela, embora suas roupas ficassem embarradas. Assim era quando Armindo tocava o sino para chamar a gurizada. Na lateral, havia uma parreira, que fazia uma sombra gostosa no verão e uma sujeira danada no pátio. Rosaura lembra do pai colhendo os cachos, enquanto ela e os irmãos os colocavam em bacias. Armindo gostava da terra. Na casa ele plantou, cenoura, couve, tomate, laranja, temperos diversos e, claro, seu xodó, a bananeira. Outro hobby de Armindo era “veranear” em Cidreira. Nos anos 1970, Eva e ele compraram um terreno na cidade, onde construí-

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ram na década seguinte. A casa de madeira era creme com as aberturas e colunas marrons. Todos os verões a família inteira passava algumas semanas no litoral. A casa só tinha dois quartos. Um era exclusivamente de Armindo e Eva. O outro era mobiliado por uma cama de casal, um beliche e um guarda-roupas. A sala era tomada pelos colchões no chão dos netos que saíam à noite, voltavam de madrugada e que só acordavam na hora do programa Patrola, mesmo que Armindo, sempre sem cerimônia, já tivesse escancarado todas as janelas, e que as mães já estivessem gritando aos mais novos para não deixarem de passar protetor solar. Rosaura sempre imita o jeitinho que Armindo entrava no mar. Com os braços erguidos adentrava até que a água batesse na altura do umbigo. Sutilmente, ainda com os braços para cima, se abaixava para molhar as costas. Dava meia volta e saía. O banho de mar do dia estava feito.

A fábula que não fora inventada No início dos anos 2000, a casa de Cidreira foi vendida. Armindo deixou de fazer deboches em 2004, aos 79 anos, e, quatro anos depois, Eva deixou de fazer cafuné nos filhos. Embora a saudade seja grande e alguém sempre provoque a utopia “imagina como seria se eles ainda estivessem aqui”, é como se eles ainda estivessem. Não apenas por serem lembrados cotidianamente, mas por todos os novos integrantes da família sempre falarem, junto à uma risada, “eu queria ter conhecido teu avô”.

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“Essa foi a reportagem mais difícil que já escrevi. Embora soubesse a história de cor, é delicado escrever sobre algo tão íntimo e que traz tantos sentimentos diferentes. Vô Mindo faleceu quando eu tinha 9 anos. Lembro do dia. Meu irmão e eu fomos de bicicleta à casa que sempre íamos para tomar café. Me deparei com minha mãe, ao telefone, noticiando o falecimento aos interessados. Nos fundos da casa, encontrei Eva, a vovó Velha, escolhendo os últimos sapatos que meu avô usaria. Ela estava chorando. Não consigo lembrar da cena sem também encher os olhos. Agradeço aos meus primos, dindas e dindos por não deixarem meu avô ser esquecido, mencionando ele em todos os nossos encontros. Agradeço ao meu pai, Jorge, por vez ou outra me falar “parece o pai dela”, referindo-se à minha mãe. Por fim, agradeço aos meus avós, não só pelos inúmeros cafés, mas pelos sonhos abdicados e pelo amor que dedicaram à minha mãe, que hoje ela destina à mim.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 9


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Nitrogênio 14,007

Procedimentos como o congelamento de óvulos possibilitam que as mulheres definam o melhor momento para engravidar TEXTO E FOTOS DE RENATA SIMM

MATERNIDADE A POR ESCOLHA

driana tornou-se mãe da Nina aos 40 anos. Em meados de 2017, ela e Bruna, sua esposa 11 anos mais nova, foram atrás do serviço de congelamento de óvulos e reprodução assistida para aumentar a família e conceber um filho. As duas passaram pelos mesmos procedimentos durante toda a preparação: ambas realizaram as injeções que estimulam a produção dos folículos nos ovários, coleta de óvulos e a inseminação in vitro. De Adriana foram coletados 22 óvulos, sendo que todos foram fertilizados, resultando em sete embriões congelados. Já Bruna teve 16 óvulos removidos e seis embriões congelados. No mesmo ano, Adriana realizou a primeira tentativa de gestação, chegou a engravidar, mas a gravidez acabou não desenvolvendo. Em março de 2018, tentou pela segunda vez, mas esta não foi confirmada. Já na terceira tentativa, em julho de 2018, o procedimento foi bem-sucedido e resultou na chegada da Nina, que nasceu em março de 2019. Nas tentativas realizadas, elas optaram pela implantação de um óvulo fecundado de cada, para que a genética da mãe não fosse uma questão entre elas. Ou seja, um embrião proveniente da Adriana e um da Bruna foram utilizados em cada vez que o procedimento foi feito, para que elas não soubessem qual a origem da hereditariedade da filha por parte de mãe. Elas também optaram pelo congelamento de embriões, pois foram orientadas sobre a instabilidade dos óvulos congelados e ainda porque utilizaram o mesmo doador de sêmen. “Ser mãe foi uma das melhores experiências na minha vida. Era um sonho e eu sou muito feliz as-

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ARQUIVO PESSOAL

Nina nasceu da terceira tentativa de gestação realizada por Adriana (direita) e Bruna

sim!”, confessa Adriana. “Depois que a gente é mãe, muita coisa muda. A gente passa a se preocupar com coisas que não se preocupava antes, coisas que tu costumavas supervalorizar perdem completamente o valor. A vida muda para melhor, no meu ponto de vista”.

Congelamento de óvulos É uma opção para quem deseja postergar a maternidade para depois dos 35 anos. Esse é um procedimento relativamente simples, de baixo risco, que possibilita escolher o melhor momento para engravidar. A ginecologista Cíntia Corrêa salienta que, independentemente do motivo que leve a mulher a optar pelo método, o recomendado é que a coleta seja realizada até aos 38 anos, no máximo. “Após os 40 anos ainda é possível fazê-lo, mas a paciente deve estar ciente que a qualidade dos óvulos pode ser baixa, necessitando um número maior de coletas para aumentar as chances de sucesso ao descongelamento, fertilização e gravidez”, aponta. Qualquer mulher que deseje 12 PRIMEIRA IMPRESSÃO

postergar a maternidade pode realizar o procedimento, mas geralmente é recomendado para as que precisem preservar a fertilidade, em casos de necessidade de cirurgia para retirada de ovário, rádio ou quimioterapia para tratamento de câncer, que pode causar menopausa precoce, por exemplo. De acordo com a médica Cíntia Corrêa, as chances de gravidez ficam em torno de 50 a 60% por tentativa, dependendo da idade de congelamento dos óvulos. Estas células podem ficar congeladas por tempo indeterminado, sem causar danos. Quando decidido procedimento, deve-se “realizar uma boa revisão clínica e ginecológica, uma avaliação da reserva ovariana, para ter uma previsão da quantidade de óvulos que poderão ser obtidos, tratar alguma infecção que se apresente e rastrear doenças infecciosas”, lista Cíntia.

Reprodução assistida Contempla várias técnicas, em que a pessoa se utiliza de apoio médico para a gravidez. Entre elas, a fertilização in vitro (FIV) e a inse-

minação artificial são as mais utilizadas. Além dessas, existem outros procedimentos, como injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI), diagnóstico préimplantacional (exame genético realizado no embrião), ovodoação e embrioadoção, útero de substituição, PESA (Perdutaneous Epididymal Sperm Aspiration), TESA (Testicular Sperm Aspiration), inseminação intra-uterina, criopreservação de óvulos, esperma e embriões. A fertilização in vitro é o processo onde a junção dos óvulos e espermatozoides ocorre no laboratório e os embriões obtidos são colocados diretamente no útero por um cateter especial. Assim como o procedimento natural de concepção, na FIV podem ocorrer problemas na implantação e desenvolvimento do embrião, causando um aborto ou a não fixação da célula embrionária no útero. Neste caso, o fator idade também é importante: até os 40 anos, as mulheres têm entre 40 e 50% de chances de sucesso na primeira tentativa. A taxa diminui para 20% após essa idade, e segue reduzindo a partir de então. Fatores como a qualidade do embrião, a receptividade endometrial e a interação entre o embrião e o endométrio são os mais comuns para a necessidade de novas realizações da FIV. A transferência dos embriões provenientes da FIV é feita de três a cinco dias após o procedimento. Geralmente, não é necessária anestesia e compara-se o desconforto ao do exame preventivo de colo de útero, o famoso Papanicolau. Inseminação artificial, também conhecida como inseminação intra-uterina (IIU), é um procedimento de baixa complexidade e indolor, que consiste em introduzir na cavidade uterina o esperma previamente preparado para este processo. É indicada em situações como a


constatação do muco cervical inadequado, problemas de qualidade do sêmen e alterações na anatomia do colo do útero. As taxas de sucesso desta técnica são de 20 a 25% por tentativa. As etapas do procedimento de IIU são indução de ovulação, coleta e preparo de sêmen e colocação dos espermatozoides selecionados no útero.

Instinto materno Ainda que as mulheres venham ganhando lutas importantes que dizem respeito ao gênero, a gravidez permanece sendo um tema muito ligado à fertilidade feminina. Por ser diretamente afetada com o fator idade, a fertilidade sempre foi pautada pela necessidade de um controle do relógio biológico e de uma saúde impecável. Mas essa realidade mudou. Hoje em dia, já é possível que mulheres se tornem mães com maior flexibilidade de idade, disfunções de reprodução e também orientação sexual. No caso da Adriana e da Bruna, várias barreiras foram superadas. Além de ser um casal, elas possuem uma diferença de idade de 11 anos e Adriana se tornou mãe em uma idade avançada. São várias quebras de paradigmas para realizar o sonho da maternidade. A sociedade vem rompendo, mesmo que a passos lentos, com a cobrança feminina em ser mãe e o pensamento sobre o instinto materno, que por muito tempo foi visto como uma condição intrínseca da mulher. Para a psicóloga especialista em terapia de casal e família Michele Müller, hoje em dia, as mulheres já conseguem quebrar com o padrão de casar e ter filhos. “Vejo as mulheres buscando outras coisas: viajar, se realizar como profissional, estudar, se especializar. Já é possível termos outras possibilidades de realização pessoal. A gente vem, que bom, cada vez mais, tendo outros tipos de realização que não é a mulher tendo um filho”, comemora. Michele ainda salienta que é importante a sociedade dar espaço para a individualidade das pessoas, seus desejos e sonhos. “Cada sujeito tem suas questões, suas singularidades. As mulheres têm buscado outras coisas para se satisfazer como ser, que, muitas vezes, fogem desses padrões muito alicerçados numa sociedade patriarcal, como o casamento e filhos”, analisa. Ela finaliza destacando que o importante é ser empático com a mulher e não cobrar que ela aja de acordo com padrões estabelecidos, mas possibilitar que cada uma entenda onde está seu desejo em diferentes momentos da vida.

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IMPRESSÕES DA REPÓRTER

“Escrever essa matéria foi importante para mim como repórter e mulher. Como repórter, foi um desafio, pois explicar para o leitor um assunto técnico como o congelamento de óvulos não foi uma tarefa fácil. Ainda, encontrar a Adriana e a Bruna como personagens da história foi significativo, pois as barreiras que elas superaram para dar vida ao sonho da família com a Nina é inspirador, e acredito que ilustre de uma maneira clara o papel fundamental do jornalismo no esclarecimento de questões muitas vezes veladas na nossa sociedade. O último desafio como repórter foi produzir um material mais conectado à linguagem literária. Sair da zona de conforto dos textos objetivos é trabalhoso, mas engrandecedor. Já como mulher, esta reportagem serviu como um bom exemplo sobre direitos que conquistamos, – com muitas lutas, claro – ao longo dos anos. Termos a possibilidade de decidir quando, como e em que situação vamos nos tornar mães, ou também perceber que não precisamos mais pautar nossas vidas a maternidade, é um avanço na condição da mulher como um ser independente e capaz.”

COMO FUNCIONA O CONGELAMENTO DE ÓVULOS O procedimento inicia no terceiro dia do ciclo menstrual, com a administração diária subcutânea de medicações que irão estimular o desenvolvimento de múltiplos folículos nos ovários. Essa etapa dura, em geral, de nove a 11 dias e é monitorizada através de ecografias transvaginais seriadas. Quando a maioria dos folículos ovarianos atinge o tamanho que sugere maturidade, é realizada a segunda etapa, que é a aspiração folicular para coleta dos óvulos. Ela é feita por punção, via vaginal, com acompanhamento ecográfico sob anestesia geral leve e tem duração de 30 minutos, aproximadamente. Após a coleta, os

óvulos maduros obtidos são vitrificados (procedimento de escolha utilizado para o congelamento), armazenados em nitrogênio líquido em uma temperatura de 196ºC negativos e mantidos por tempo indeterminado, até que a paciente resolva utilizá-los. Nesse momento, os óvulos serão desvitrificados e fertilizados in vitro no laboratório e os embriões, transferidos para o útero. O óvulo é uma célula que possui grande quantidade de água em seu interior. Por isso, mostrou-se mais difícil de congelar, diferentemente do esperma e dos embriões. Em 1986 nasceu o primeiro bebê proveniente do congelamento de óvulo.

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Roseli mantém relação afetiva por meio da amamentação exclusiva desde o nascimento da filha Melissa

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Ca Cálcio

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UM ATO DE AMOR E CARINHO Saudável para o corpo e a mente, leite materno deve ser exclusivo até os seis meses TEXTO DE MATHEUS KLASSMANN FOTOS DE CRISTINA BIEGER

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arboidratos, gorduras e proteínas. Cálcio, ferro, cloro, fósforo, zinco, potássio, sódio e magnésio. Esses elementos compõem o alimento mais completo que existe e que supre todas as necessidades de uma pessoa até os seus seis primeiros meses: o leite materno. Além de trazer uma série de benefícios, como a prevenção de doenças, seja para o bebê ou para a mãe, a amamentação é a oportunidade

de a criança aprender logo cedo a se comunicar com afeto e confiança. Moradora de Tupandi há pouco mais de um ano, Roseli Gass, de 24 anos, ainda amamenta a filha Melissa, que tem um ano de vida. E o olhar atento da pequena entrega o apreço sentido pelo momento. A mãe, sorridente pelo ato, destaca que o apoio da equipe médica, da família e do noivo, foi fundamental para conseguir dar continuidade a algo pensado durante o período da gestação. “Tivemos algumas dificuldades nos primeiros três dias de vida, mas foi só até ela aprender e conseguir a pega correta”, recorda, enquanto a pequena Melissa mama e fica de olho na câmera fotográfica. Rose, como é conhecida, revela que durante a gravidez procurou se informar sobre o assunto em consultas com a obstetra e por meio de páginas da internet.

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“Sei que a amamentação é essencial até os dois anos de idade para que o bebê tenha mais imunidade contra doenças contagiosas e alergias, além de melhorar a digestão e diminuir as cólicas do bebê”, explica, entre um carinho e outro nos cabelos recebido da filha. Auxiliar de escritório numa indústria do ramo moveleiro, Rose teve nos dois meses após a licença maternidade o direito de sair uma hora por dia para amamentar a filha. “Sabia que além de beneficiar a saúde da Melissa, estaria contribuindo comigo mesma. Amamentar ajuda na perda de peso após o parto e colabora para a diminuição de chances de desenvolver câncer de mama. Mas a melhor parte é o aumento do vínculo mãe e filho, o bem-estar e o sentimento de realização que se tem enquanto amamenta”, cita a mãe, com um sorriso que demonstra seu orgulho pelo ato. Para a mãe de primeira viagem, apesar de demandar paciência, tempo, cuidados com a alimentação e o não consumo de bebidas alcoólicas, a experiência de proporcionar o aleitamento exclusivo é maravilhosa. “Eu jamais abriria mão”, destaca. Rose, entretanto, reitera que ainda há muitas pessoas mal informadas sobre o assunto na sociedade. “Tem gente que não entende que até os seis meses deve ser o alimento exclusivo do bebê e todos os benefícios que o leite traz. Tem muitos comentários desnecessários que ouvimos, além de às vezes nos deixar chateadas, já que é um momento delicado na vida da mulher. Por isso, eu pediria mais empatia às pessoas”, ressalta. Ao lado do noivo Maiquel e de Melissa, Rose afirma que amamentar é um ato de amor e que isso deve ser respeitado, independentemente do local em que uma pessoa estiver. “É um sentimento que levarei para a vida toda e algo que me deixa orgulhosa como mãe, pois sei que estou oferecendo o melhor para minha filha”, completa, com os olhos embargados por lágrimas.

Alegria e cuidados em dose dupla Cristine e Maycol não estavam nem esperando, mas no primeiro dia de 2014, as gêmeas Flávia e Helena Slongo nasceram prematuramente. Prestes a completar seis anos, ambas esbanjam saúde e a disposição natural das crianças, seja para estudar ou brincar. E nada é por acaso. Tanto Flávia, como Helena, foram amamentadas até o primeiro ano de vida – até os seis meses de forma exclusiva, e após, com alimentação complementar. Nutricionista, a mãe Cristine, de 40 anos, lembra que teve muito apoio do esposo Maycol e toda a família para amamentar o máximo de tempo possível. “Como eu tenho formação na área e o pai delas é enfermeiro, já tínhamos conhecimento da importância disso. Ainda participamos de um grupo de gestantes promovido pela Secretaria de Saúde e soubemos mais por meio de consultas do pré-natal”, revela. Enquanto Flávia e Helena, idênticas e vestidas com o mesmo look correm pela casa e se divertem, a mãe, num tom nostálgico conta que nos primeiros dias elas não sugavam a mama com tanta intensidade, uma vez que nasceram prematuras, e não mamavam por muito tempo. “Isso fez com que as minhas mamas ficassem muito cheias e tive que esvaziá-las, para que assim as bebês pudessem fazer a pega correta”, recorda. Ciente dos benefícios que a amamentação traz, 16 PRIMEIRA IMPRESSÃO

Cristine ressalta que desde Cristine viveu A gravidez em dose duo momento que soube da o desafio de pla também gerou várias gravidez teve anseio para amamentar e dúvidas e medos para a que isso, de fato, fosse pos- cuidar da saúde tupandiense. “Eu pensava, das gêmeas sível de se realizar. “Tenho Flávia e Helena e se acontecer comigo, os certeza que fez toda a dimuitos relatos de mães que ferença para a imunidade delas, ouvi, que por algum motivo não pois até hoje nunca adoeceram puderam amamentar o seu filho? a ponto de tomar antibiótico”, Mas meu esposo me acalmava, e reitera. “As mães também ficam como bom enfermeiro me responmais protegidas para uma nova dia que não existe leite fraco e que gravidez, além da rápida perda de eu iria conseguir. Ficar tranquipeso. Mas o maior benefício que o la e ter o apoio dele com certeza aleitamento materno proporciona é me ajudou muito”, relata. o momento mãe e filho. É um moEntre as mudanças que Crismento único”, complementa. tine adotou durante a gravidez,


“É uma experiência única, maravilhosa, de uma troca de amor que fica pra sempre na nossa mente”, completa, enquanto olha para a filha mais nova.

A importância do aleitamento exclusivo

destaque para os cuidados Assim como des de sucção, demora na com a alimentação, a fim na primeira descida do leite, ingurgitade garantir a boa nutri- gravidez, Sílvia mento mamário, mamilos dificuldades ção das meninas. “Tive teve machucados, candidíase, na amamentação uma gestação tranquila. exclusiva com a mastite, abcesso mamário, Elas nasceram de parto pequena Clarice entre outros. “Mas para normal com mais de dois todas essas dificuldades quilos cada”, lembra. O pós-parto existe o manejo adequado e elas potambém traz lembranças para a dem ser superadas”, destaca. nutricionista. “Para ter uma boa Moradora de Tupandi, Silvia produção de leite, além da alimen- Carolina Chassot Schmidt, de 31 tação tomava muita água (em torno anos, sofreu com a baixa produção de três litros por dia) e tentava ter de leite após o nascimento de Cecímais horas de sono”, reforça. lia, primeira filha da família e que Na época, como proprietária de hoje está com pouco mais de dois uma empresa, a loira de olhos cla- anos. Na época, ela amamentou a ros teve a possibilidade de diminuir primogênita somente até os seus a carga horário para passar mais dois meses – ou seja, não conseguiu horas em casa com as crianças. atingir a recomendação da OMS e “Foi um período maravilhoso. Se do Ministério da Saúde. “Eu não pudesse resumir em uma palavra, produzia muito leite e acabei condiria emoção. Emoção ao confirmar vivendo com o medo de a criança a gravidez e depois maior ainda – não se adaptar ou sentir dor em que era gemelar. Emoção quando algum momento”, recorda. elas nasceram e depois quando dei O cheiro, o choro e os olhos clade mamar a primeira vez”, comple- ros dão o indício de que há um bebê ta, com as meninas no colo. em casa. Sono, fome ou dor? Só a mãe para identificar. Clarice, segunda herdeira da família Schmidt, Nem sempre há nasceu em agosto e virou o centro leite sobrando das atenções da família. E pelo meA Organização Mundial da Saú- nos até o momento, tudo bem com de (OMS) e o Ministério da Saúde mãe e filha. “Pretendo amamentar o recomendam o aleitamento mater- máximo possível, enquanto eu tiver no exclusivo até os seis meses de leite. Me esforço o máximo para idade e complementar até os dois isso, pois sei dos benefícios para anos. Entretanto, de acordo com nós duas, como troca de carinho a nutricionista materno infantil e a prevenção do câncer”, aponLetícia Boesing, apesar de todos ta. Ainda em êxtase pela chegada os benefícios, essa prática pode ter da pequena de olhos claros, Sílvia alguns obstáculos, como dificulda- demonstra emoção ao amamentar.

Conforme explica Letícia, aleitamento materno exclusivo é quando a criança só mama no peito, sem comer ou tomar alguma coisa, seja chá ou água. “Isso porque o leite materno é o alimento mais completo que existe, e supre todas as necessidades do bebê até os seis meses”, explica. O aleitamento complementar, por sua vez, é o termo usado quando uma criança mama no peito, além de ingerir outros alimentos, sejam eles líquidos ou pastosos. Pós-graduada na área, Letícia explica que existem diversos estudos que provam que o leite materno protege contra diarreia, devido aos seus diversos componentes que ajudam no sistema de defesa do organismo, além de proteger todo o aparelho digestivo contra outras infecções. “Estes mesmos componentes do leite materno atuam como fator protetor contra doenças respiratórias. A amamentação exclusiva também diminui o risco de desenvolvimento de qualquer tipo de alergias, tais como respiratória, digestiva ou dermatite”, complementa. Alguns pesquisadores defendem, inclusive, o leite materno como alimento “padrão ouro” para o desenvolvimento do cérebro. “Nutrientes como fosfolipídeos, fatores de crescimento, hormônios, nucleotídeos e ácidos nucleicos, minerais, colesterol e oligossacarídeos agem complementando a ação um do outro, favorecendo o crescimento cerebral”, revela a nutricionista. Além de inúmeros privilégios para o bebê, o aleitamento traz benefícios para a mãe também, como, por exemplo, os espaçamentos entre os partos, protegendo-a contra o câncer de mama e de ovário. A amamentação poder ter ainda, um efeito protetor sobre a saúde psicológica materna, porque atenua as respostas ao estresse. “Além disso, é uma forma muito especial de comunicação entre a mãe e o bebê”, completa Letícia.

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“Olhar para a tabela periódica e não enxergar uma pauta interessante por meio de um só elemento químico me deixou atônito. Assim, pensei numa abordagem maior e que envolvesse um assunto que possibilitasse a prática do jornalismo literário. Por isso, a opção pelo leite materno – considerado como um dos mais ricos e completos alimentos da vida humana. A ideia de falar sobre aleitamento materno partiu ainda de um olhar negativo que eu notava por parte de algumas pessoas que viam mães amamentarem em espaços públicos. O que pouca gente sabe, contudo, é que essa prática tem uma grande importância para a saúde da criança e da mãe. Olhar torto para quem amamenta em público ou criticar quem sai do serviço para dar de mamar. Falar mal de quem falta ao trabalho para cuidar do filho ou até colocar algum outro produto para complementar a alimentação da criança, mesmo que numa brincadeira são práticas vistas de outra forma por mim: agora mais maduro em relação ao tema.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 17


Da necessidade à decoração, a argila promove arte e une famílias TEXTO DE BRUNA BERTOLDI FOTOS DE THAÍS LAUCK

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ma arte pré-histórica que foi aprimorada. Nas regiões europeias, tinha a função de decorar. No Brasil, servia como utensílios domésticos para os indígenas e foram aperfeiçoadas com os padres jesuítas, que trouxeram a técnica do torno. O propósito inicial era saciar as necessidades domésticas, com pratos, bacias, panelas, copos, jarras, mas também era usada como objetos de cultos religiosos. Aos poucos, os trabalhos totalmente manuais deram espaço para máquinas que, hoje, fazem parte de todo o processo. À margem da Rodovia RS 240, que também leva o nome de Avenida Parobé, na cidade de São Leopoldo, número 977, está localizada a Cerâmica Santa Catarina. Uma loja muito simples, à primeira vista. O piso bruto, feito somente por concreto, pode se tornar algo marcante para quem não conhece o ambiente. As caixas de madeiras, produzidas pelos proprietários, cheias de vasos, explicam porque as prateleiras encontramse em partes vazias, num sábado pela manhã. Talvez, o que mais marque o local são os artigos encontrados. Diferentemente da maioria dos comércios similares, não são vistos vasos em que caibam flores e plantas. Bacias – chamadas de alguidares –, jarras, quartinhas – espécie de jarra utilizada para purificação de ambientes – e abafadores indicam que a produção é focada em artigos para religiões afro-umbandistas. Difícil de encontrar, tanto que é a única cerâmica na região que trabalha com esse nicho de mercado, exportando para todo o Estado, além de para Santa Catarina e para o Paraná. Localizado há mais de 30 anos no mesmo local, o empreendimento teve início com o casal Ivo e Iara Bittencourt. A escolha pelos artigos religiosos veio pela busca constante por parte dos clientes. “Foram cerca de dez anos trabalhando somente com vasos para plantas, depois foi mesclado entre vasos e artigos para religião. Devido à procura, nos últimos 15 anos passamos a trabalhar somente com peças para religião”, conta o filho do casal, Gabriel Martins Bittencourt. Para duas crianças que cresceram correndo entre peças de cerâmica e usando da criatividade

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Boro 10,81

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MÃOS QUE


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para produzir novos artigos, assumir o empreendimento dos pais é mais do que um ofício, é uma paixão. Hoje, os irmãos Gabriel, de 31 anos, e Aline Martins Bittencourt, de 26, administram a empresa. A aposentadoria dos pais veio como uma nova oportunidade. Ambos tentaram fugir do destino, trabalhando por um tempo em outros lugares, mas como diz o velho ditado “o bom filho à casa torna”. Gabriel não pensa duas vezes antes de mostrar como é todo o processo de produção das peças. Um corredor estreito leva para o local, em que o pó da cerâmica e resquícios da argila deixam a aparência de chão batido. O espaço fica em aclive, o que forma dois andares. Além das máquinas, no local há prateleiras com os vasos a serem queimados e os que esperam pela pintura. Responsável pela produção, Gabriel apresenta todas as etapas, desde o modo de tratar o barro até ele se tornar o artigo a ser vendido. A matéria-prima vem de Nova Santa Rita e chega em caminhões caçambas. A argila tem uma forma arenosa e para se tornar maleável é necessário molhar e acrescentar o Silicato Alcalino. A partir disso é possível criar grandes blocos que serão colocados em uma máquina que contém cilindros – esses são responsáveis por retirar as pedras e transformá-la em grandes cubos compactados. Com a argila nessa forma, é possível dividir ela por peso para criar os artigos, que são feitos tanto em torno como em máquinas de prensa – usada para aumentar a produção. Gabriel pega a pequena bola de argila e coloca sobre a roda metálica giratória do torno, em cena que remete ao filme Ghost: do outro lado da vida. Ao lado, um rádio relógio que informa e deixa o dia mais leve com as músicas que transmite. Todo o processo de modelação do vaso aparenta ser leve e delicado, mas não é. Centralizar a bola no torno para transformá-la em vaso exige força. A sensação da argila nas mãos se equipara a de uma massa de modelar com areia bem fina e molhada. Com a peça pronta, é necessário deixar secar de dez a 20 dias – conforme às condições climáticas – para poder queimar no forno à lenha. Hoje, poucos jovens sabem tornear vasos. A dificuldade tanto de tornear como por ser um trabalho que exige força, faz com que alguns jovens se afastem desse ramo. Esse é um dos fatores que leva, também à busca de 20 PRIMEIRA IMPRESSÃO

peças industrializadas, além de au- de argila é necessário produzir os vasos em mentar a produção. Gabriel explica fôrmas que vêm de Santa Catarina. que a grande maioria dos profissioMais à frente há outra porta que leva à produção. nais aprende com outra pessoa. “Meu Espaço amplo e plano, logo na porta é possível observar pai trabalhava em uma cerâmica e cada parte de todo o processo de produção. Os fornos ficava à noite fazendo serão, na fun- estão repletos de vasos, guardando para a queima na ção de queimar o forno, para poder segunda-feira. Um deles já com a porta fechada o ouaprender a tornear”, revela. tro, ainda aberto, mostra que vasos são empilhados de A escolha de Ivo ter o próprio uma forma minuciosa. Um trabalho engenhoso para negócio veio do anseio de não ser em- que nenhum estrague e todos recebam a mesma quanpregado. “Criamos a ilusão que o em- tidade de calor em quase dois metros de altura. preendedor faz o seu próprio horário, As prateleiras simples estão repletas de artefatos, que tem mais liberdade, mas não. desde vasos e pratos recém feitos – que têm uma aparência Somos os primeiros a chegar e os úl- escura e molhada –, até os já queimados. O piso feito com timos a sair”, ressalta Gabriel. Por op- lajes grês, comum em calçadas, também tem cor de avermeção, hoje os irmãos trabalham de se- lhada do barro. Uma singularidade marca os locais: grangunda ao meio dia de sábado. de parte da iluminação provém de lâmpadas localizadas Em torno de cinco quilômetros em pontos, o que traz um aspecto escuro aos locais. à frente, ainda à margem da RSA quase cinquentenária Cerâmica Alles iniciou com o 240, já na cidade de Portão, está casal Olibio Anselmo Alles, já falecido, e Remalda Alles, a Cerâmica Alles. Logo, é possível hoje com 84 anos, em 1972. Dois agricultores vindos de ver grandes pilhas de vasos, alguns Bom Princípio, que ao chegar na cidade de Portão se com mais de um metro de altura. encantaram com a produção dos vizinhos e decidiram se Um pouco mais adiante, há uma aventurar em uma nova área, criando o próprio negócio. segunda porta que dá acesso à loja. No início era tudo muito simples. Trabalhavam o casal, Estátuas e esculturas coloos cinco filhos – os menores ficavam por perto ridas invadem os olhos. É para poder aprender – e um torneiro. Gabriel aprendeu possível observar algumas A paixão pela cerâmica foi passada para os a tornear com o peças de outros materiais filhos, que após a morte do pai continuaram topai. Hoje, ele e a ou produzidas com uma irmã administram cando o negócio o junto com a mãe. O que já era qualidade diferente de a empresa, que esperado, pois se criaram em meio a vasos para é voltada para plantar e de decoração. “Sempre fomos muito argila – a líquida. Para a artigos religiosos unidos. Trabalhamos sempre junto com o pai e produção com esse tipo


A variedade de tamanhos, modelos e cores dos artigos é algo marcante da Cerâmica Alles, desde o primeiro momento

a mãe”, conta com alegria a filha Gladis Lenir Alles Alves, que atualmente está à frente da empresa. Mesmo com as mudanças, a união entre a família se manteve. Embora os irmãos de Gladis tenham seguido novos caminhos, o espírito empreendedor continuou, mas em outros ramos que se cruzam e podem dar suporte aos outros irmãos. Um irmão produz e comercializa terra para plantar e o outro produz vasos e artigos em cimento.

Empreendimento familiar Tanto a Cerâmica Alles quanto a Cerâmica Santa Catarina têm suas raízes no empreendedorismo familiar. Além disso, as empresas tiveram seguimento através dos filhos e passaram a agregar empregados. Hoje a Santa Catarina tem dez funcionários, além dos dois irmãos, que se dividem entre o setor de produção, que fica aos cuidados de Gabriel, e o de pinturas e vendas, de responsabilidade de Aline. Já na Cerâmica Alles há oito empregados, mais Gladis, o marido, o filho e a nora. Gladis fica com a área das pinturas e vendas. O marido é

responsável pelo setor de produção. O filho, com a entrega de encomendas e as vendas, e a nora, com o setor administrativo. Por semana, a empresa fabrica em torno de 2.500 peças, quantidade que pode variar conforme o tamanho de cada uma. Devido à especificidade dos produtos ofertados, na Cerâmica Santa Catarina as vendas se concentram entre 80% e 90% para os lojistas e de 10% a 20% ao consumidor final. “A maioria dos clientes varejistas se sente constrangida em pedir pelo produto que procuram logo ao chegar na loja”, revela Aline. O que pode ser gerado devido prejulgamento que há com religiões de matriz afro.

A cerâmica e a tabela periódica A argila, matéria-prima da cerâmica, é repleta de elementos químicos. Entre eles, podem ser citados Alumínio, Ferro, Magnésio, Manganês, Silício, Sódio e Potássio. Para poder transformar a argila em vasos e artigos em cerâmica é necessário misturar Silicato Alcalino (Na2SiO3), que contém Sódio, Silício e Oxigênio. Há diferenças de cores e consis-

tências de argilas. Das variações de coloração há verde, preta, vermelha, branca, amarela. Há consistências líquidas, pastosas e em pó. Além de ser utilizada para a fabricação de vasos, ela também pode ser aplicadas na produção de telhas, tijolos, pisos. A empregabilidade nos produtos cosméticos vem aumentando, com uso tanto em máscaras como na limpeza e hidratação da pele.

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IMPRESSÕES DA REPÓRTER

“A escolha do tema ‘Tabela Periódica’ foi um desafio lançado. Embora, visualmente pudéssemos ter uma proposta diferente, as pautas tinham que ir além do óbvio. A primeira dificuldade surgiu em pensar a pauta, mesmo que tudo em nossa vida esteja ligada à Química, ver essa relação não é algo comum para nós. Observando onde era encontrado cada elemento químico decidi pela cerâmica, mas no primeiro momento não vi que a pauta falava mais de mim mesma do que eu imaginava. A cerâmica fez parte da minha vida. Lembro, ainda hoje, eu brincando com a argila enquanto meu pais trabalhavam. Sabia o quanto era complexo todo o processo e que provavelmente outras pessoas não escolheriam o tema, como destacado pela fotógrafa Thaís – que muito me ajudou nesse processo de deixar tudo mais claro para o leitor. Outras dificuldades surgiram na produção do texto literário, ele vai além do informativo e é pouco trabalhado durante o curso. Busquei usar as ferramentas que eu tinha: expressar a minha experiência sensorial durante a produção.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 21


SINÔNIMO DE O elemento químico que é essencial nas plantações e compõe as células do corpo humano está presente em abundância na horta de Neri TEXTO DE FREDERICO DIAS FOTOS DE KEVIN SGANZERLA

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uito simpático, bancário aposentado por invalidez, ele já não dirige mais, mas tem uma grande horta, que cuida diariamente com muito zelo. Sozinho, cultiva oito variedades de legumes. Todos muito bonitos e bem organizados, numa horta cheia de vida. Ele é Neri Francisco da Silva e dedica seu tempo ao cultivo de verduras e legumes há dez anos, na região urbana de Campo Bom, no Rio Grande do Sul. Tem “80 anos e alguns meses” de idade, como ele mesmo diz. Alface crespa, mudas de beterraba, salsa, rúcula, cebolinha, repolho, couve e pepino. Esses são os alimentos cultivados em sua horta. Possui clientes fixos, que lhe pagam um valor abaixo do valor de mercado, não sendo capaz de custear a mão de obra do plantio. Um de seus clientes mais jovens, o menino chamado Victor o visitou enquanto contava sobre sua rotina, para comprar verduras. Além dos clientes fixos, Neri consome os alimentos com sua família. O foco dele nas plantas é visível. Dedica toda sua concentração à manutenção dos legumes. É possível notar como conhece bem a sua horta. Logo que Victor chegou, pediu a Neri salada de alface. Bem-humorado e com tom de ironia, responde ao menino que “salada de alface” ele não tinha. Que a salada se faz em casa. Logo foi em busca daquilo que Victor pediu. “O que dá prazer não é difícil!”, afirma Neri. Ele destaca o consumo de água como uma grande dificuldade. Usa adubos compostos e de maneira alguma aplica substâncias agrotóxicas nas verduras. Algo que torna sua pequena plantação muito superior na questão de fazer bem ao corpo humano. Hoje,

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VIDA

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Potรกssio 39,098

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sabe-se dos grandes males provocados pelas diversas substâncias químicas aplicadas nas lavouras. Tem um casal de filhos. A filha é professora. Seu filho trabalha em uma empresa de calçados. A rotina do Neri consiste em acordar por volta das cinco ou seis horas da manhã e comer uma fatia de mamão com banana. Depois vai direto para horta. Tem dias em que pega seu carrinho de mão e sai para vender nas quadras próximas. O cuidado que tem com suas plantas é nitidamente refletido na qualidade do produto final, que ele faz questão de mostrar. A ideia de começar a horta partiu da vontade de ocupar um de seus terrenos, que no momento não estava sendo utilizado. Momentos de chuva intensa ou calor são indesejáveis para qualquer agricultor. Quando chove, ele organiza os sombrites que instalou acima das verduras. 24 PRIMEIRA IMPRESSÃO

Reza para Deus em períodos mais difíceis. De voz calma, na medida em que vai explicando sua rotina, toma a iniciativa de contar sua história de vida pessoal. Uma das surpresas, foi dizer que estudava para se tornar um padre, mas desistiu de seguir nessa linha em função das condições financeiras de seu pai, que era muito pobre e tinha 11 filhos, mais uma filha de criação que era sua sobrinha e teve seu pai assassinado. A família de Neri teve sua origem em Morro Pelado, onde seu pai possuía 15 hectares de terra. Mudou-se para Campo Bom aos 15 anos de idade. O colégio em que estudava para seguir a carreira de padre era localizado em Gravataí. Ele passava o ano inteiro lá e só retornava para casa nos finais de ano. Conta que foi difícil acostumar-se imediatamente, tamanha era a dificuldade financeira de sua família. Alimentavam-se à pão de

milho, angu, feijão com uma colher de arroz e carne – esta, apenas uma vez por semana. Neri precisou saldar uma dívida para com os padres de seu colégio, o deixou e iniciou uma carreira na prefeitura da cidade, para então conseguir realizar a quitação. Enquanto fala, sempre transparecendo sinceridade e simpatia, também realiza suas atividades normais da horta, como molhar algumas verduras e cortar os ramos daquilo que já havia colhido. Conta que uma de suas freguesas habituais e mais antigas passou um longo período sem visitá-lo, e que por um momento preocupou-se com a situação. Porém, felizmente ela acabou retornando há pouco tempo. Isso mostra o apreço que possui com seus clientes. Suas plantas demoram cerca de dois meses para obter o crescimento completo e estar prontas para colheita. Neri afirma que a lua influencia no cultivo, principalmente, na rapidez do desenvolvimento das plantas. Por último, ele dá dicas para o público mais jovem que quiser iniciar uma horta em sua casa, reproduzindo sua frase de vida: “Com o andar da carreta, as abóboras se ajeitam!”. Na medida em que as pessoas iniciam o trabalho de cultivo, é importante colher informações para dar a continuidade no processo, explicou. No seu caso, já veio da colônia, de uma família que dominava


essa prática. Ele também ressalta que errar faz parte do processo de aprendizado e o mais importante é seguir tentando. O macronutriente Potássio está presente nos legumes e nos adubos orgânicos utilizados para o cultivo. Influencia nas plantas, sendo ele o responsável pela manutenção do nível adequado de pH das células e seus tecidos, promovendo também a absorção de água, ativando sistemas enzimáticos, colaborando com a fotossíntese e incrementando a absorção de Nitrogênio, além de efetuar a síntese proteica. Além de ser extremamente importante nas plantas, ele exerce papel fundamental no corpo humano. É um mineral importantíssimo para o funcionamento das células, tecidos e órgãos. É capaz de conduzir eletricidade através do corpo, portanto, é eletrólito. Essencial para o sistema cardiovascular, ele contribui para

manutenção dos níveis saudáveis de pressão arterial. Auxilia na contração do músculo esquelético, se faz necessário nas funções musculares, inclusive na própria digestão. Os legumes são consumidos diariamente por várias pessoas de todo o mundo, principalmente fazendo parte da dieta diária dos vegetarianos e veganos. No entanto, a cada dez brasileiros, somente quatro consomem frutas e hortaliças diariamente, segundo uma pesquisa realizada em 2017, pelo instituto Datafolha. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que sejam consumidas, pelo menos, cinco porções desses alimentos diariamente. Sem eles, é provável que muitos pratos nem existissem nos cardápios dos restaurantes. Sem a horta, é provável que Neri não fosse tão feliz, já que não estaria ocupando o seu tempo e mantendo sua mente em atividade. Para ele, é o que mais lhe proporciona prazer e vida.

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“No primeiro momento em que conheci Neri, fiquei espantado com sua sabedoria em relação ao plantio de hortaliças. Mas não só isso! Tamanho era o seu carisma, enquanto começava a falar sobre sua vida. Muito receptivo e com bom humor, ficou muito contente em apresentar cada item de sua plantação. Transparece sua história de vida com o próprio olhar. Mostra convicção a cada frase que fala. Presenciei um terreno muito bem organizado. Cada elemento tinha seu devido espaço. Ao longo de uma pergunta e outra, contou o quanto foram difíceis seus períodos de infância e adolescência. O que mais me chamou a atenção foi o fato de ele ter estudado para ser padre. Talvez tivesse hoje um destino completamente diferente. Depois seguiu carreira como bancário em um banco que hoje já não existe mais. Seu desejo e energia para falar colaboraram para fluidez da reportagem. A cada momento era uma surpresa nova e me despertava mais curiosidade à respeito de sua vida.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 25


A vida de trabalho de Gringo, o jardineiro do Aimoré

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Enxofre 32,06

DAS ARMAS ÀS PLANTAS

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TEXTO DE FERNANDO CAMPOS FOTOS DE RENATA SARAIVA

ozinho, Gringo cuida de todo o gramado do Estádio Monumental do Cristo Rei, pertencente ao Aimoré, de São Leopoldo. Seja o campo de jogo, o barranco ou o entorno, ele é o único responsável pela jardinagem do clube. Em uma época em que os principais times do Brasil utilizam sistemas programados, tipos de grama específicos para cada clima e máquinas de última geração, inclusive ferramentas que simulam a luz solar, Gringo representa não apenas como os clubes funcionavam antigamente, mas também os recursos curtos do futebol do Interior. Não há tecnologia ou objetos programados, apenas o conhecimento dele. Plantas necessitam de diversos elementos para crescerem de maneira saudável, entre eles o Enxofre (S), considerado um dos seis elementos químicos fundamentais para a vida na terra, grupo chamado de CHONPS, sigla para Carbono, Hidrogênio, Oxigênio, Nitrogênio, Fósforo e Enxofre. Para adquirir esses compostos, a planta precisa de luz solar, água e nutrientes do solo. Portanto, o papel de Gringo é gerar isso para que a grama fique fofa e macia. Para tamanha função, Ademar Saurin, seu nome real, opta pela organização. Primeiro, apara a grama com um pequeno trator movido a gasolina. Depois, 26 PRIMEIRA IMPRESSÃO


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tapa os buracos com areia. Logo após, espalha um composto com mais areia, adubo e insumo de grama, para enriquecer a terra com nutrientes e promover seu crescimento. Além disso, caso não haja chuva durante a semana, ele molha o gramado. Por fim, pinta as linhas do campo e, finalmente, o local está apto para a prática esportiva. Trajando bermuda, alpargata, camisa esportiva e um chapéu de palha, Gringo pede um pouco mais de tempo, antes da entrevista: “logo começa o treino e o professor não gosta de barulho, deixa eu terminar de aparar a área e já falo contigo”. Ao dizer “professor”, ele se refere ao treinador do Aimoré, PC de Oliveira, exigente com a qualidade do campo e creditando ao local um elemento fundamental no desenvolvimento de seu trabalho. “Equipes com maior poder de passe precisam de um bom gramado para que a bola role melhor. Se o campo está bom, a

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bola fica mais rápida e isso ajuda a envolver o adversário e dificultar a marcação”, diz PC. Ou seja, se a diretoria, jogadores e comissão técnica são cobrados por torcedores e jornalistas para mostrarem resultados, Gringo é cobrado pelo Departamento de Futebol para que o gramado esteja em perfeitas condições. Cuidar de uma área tão extensa sozinho, encarar responsabilidades no clube e ainda não receber uma grande quantia por isso, pode parecer tarefa difícil. No entanto, esse não é o pensamento de Gringo. “Para mim, isso aqui é para ocupar o tempo”, afirma. Isso porque, segundo suas palavras, está na melhor fase da vida, visto que os tempos árduos ficaram no passado. Atualmente, Gringo não é mais um trabalhador humilde e explorado, como ocorre com milhões de pessoas no país. Ademar pertence a outra parcela da sociedade. Com 65 anos, ele é um entre vários aposentados que, com mais

tempo e menos obrigações, procura uma nova ocupação. Por isso, não é à toa que ele se refere ao árduo trabalho no Aimoré como passatempo. No clube de futebol, ele encontrou um novo propósito. Segundo Ademar, o dinheiro não é tão necessário. “Eu trato isso aqui como bico, sou aposentado e tô aqui porque gosto de trabalhar”, comenta. Para justificar sua fala, Ademar pontua que, junto da esposa, faz trabalho voluntário na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, no Centro de São Leopoldo, sem remuneração. Na igreja, o casal coordena um brechó solidário e ajuda na arrecadação de roupas e alimentos. A opção de Ademar representa uma tendência entre pessoas acima dos 65 anos no Brasil. De acordo com números da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, publicados na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), o número de pessoas com 65 anos ou mais em vagas com carteira assinada aumentou 43% em quatro anos, indo de 484 mil em 2013 para 649,4 mil em 2017. Sendo o ponto de partida para o apego ao trabalho, a jornada de Ademar como trabalhador começou cedo e em casa. Aos 12 anos, já trabalhava na lavoura da família em Guaporé, município localizado na Serra Gaúcha. Com mais oito irmãos, seis meninos e duas meninas, todos ali trabalhavam para manter a casa e a colheita. “Ali sim eu tive que trabalhar e me puxar. Passava o dia no campo, de-


baixo do sol. Aqui no Aimoré é refresco para mim”, confessa. Na lavoura da família, Ademar plantou diversos produtos, como fumo, soja e milho. Atuou também na criação de animais, como porcos, vacas e galinhas. Sem conhecimento técnico sobre as funções, ele aprendeu na prática, ouvindo as orientações do pai. O conhecimento que adquiriu nos campos da Serra serve como base para o trabalho atual como jardineiro. “Ah, claro que o trabalho na lavoura ajuda hoje em dia. Aprendi a lidar com a terra e a entender o processo. Isso é a genética da gente, né”, conta Gringo. Porém, por mais que, atualmente, lide com a terra, um serviço silencioso e delicado, a maior parte da vida de Ademar como trabalhador foi construindo ferramentas letais. Por mais de 30 anos, Gringo trabalhou na Amadeo Rossi, tradicional fábrica de armas em São Leopoldo. Assim como diversas pessoas do Interior do Brasil que buscam na Capital a chance de uma nova vida, ele conta que, ainda na adolescência, desejava sair de Guaporé para ter um emprego melhor. Seu irmão mais velho seguiu esse caminho, por exemplo, e o ajudou a fazer o mesmo. “Eu queria ir para a cidade e construir uma vida. Até que, em 1975, meu

irmão falou sobre uma oportunidade no Amadeo e conseguiu me encaixar. Fiz entrevista em um dia e no outro já estava trabalhando”, compartilha. Na fábrica, Gringo começou como montador de rifles de dois canos. Recebia as peças prontas e as encaixava até formarem um revólver. Segundo ele, a arma que mais montou foi a semiautomática Puma, de doze tiros. De montador, Ademar foi promovido para preparador. Depois, encarregado e encerrou no Amadeo como supervisor de setor. Orgulhoso, ele conta que viajou até para o Exterior a trabalho e coordenava o desempenho de diversos funcionários. Seu fim no mercado das armas veio em 2008, quando grande parte da Amadeo Rossi foi vendida para a Taurus. Gringo conta que trabalhou pouco tempo na empresa nova, uma vez que não se adaptou ao local. Assim como o mercado trata o trabalhador mais experiente, descartando o conhecimento em prol do novo, Ademar não se encaixou aos métodos Taurus. “Não entendi muito bem o sistema e pedi para sair”, conta. O método antigo que Gringo usa nos cuidados com o gramado do Estádio Cristo Rei não indica apenas a limitação do clube, mas o seu próprio apego com métodos do passado. Apego, esse, que ele também sente com a rotina de trabalhador. “Eu não me sinto bem ficando em casa tanto tempo. Eu preciso tá fazendo alguma coisa”, conta o jardineiro. Além disso, Ademar não vê diferença em trabalhar com ferramentas letais, como armas, e elementos delicados, como as plantas. Para ele, tudo é trabalho. “A dedicação e o cuidado são os mesmos”, diz. Depois da Taurus, Ademar trabalhou cinco anos nos Correios, recolhendo pacotes em empresas. Já perto da aposentadoria, ele não cita esse período com entusiasmo, visto que o objetivo era completar o tempo até se aposentar e desenvolver o que

gosta com o tempo livre. Há quatro anos, Gringo cuida do gramado do Aimoré. Com um leve bronzeado por conta do sol, ele comenta que não se imagina fora dali e, mesmo torcendo pelo Internacional, hoje se vê muito mais aimoresista do que colorado. Uma prova disso ocorreu no dia 22 de setembro, domingo, quando Aimoré e Internacional se enfrentaram pela Copa Seu Verardi, terminando 4 a 1 para o time de São Leopoldo. No fim da partida, vestido de azul e com sorriso no rosto, Gringo mostrava a satisfação com o resultado, estando no Estádio Cristo Rei, dessa vez, como torcedor. O gosto de Gringo pelo trabalho fica visível ao falar sobre os próximos dias da semana. “Amanhã mesmo eu venho aí. Vou aproveitar que não tem treino para tapar os buracos da grama. Depois, só no fim da semana, vou em outras casas nos outros dias. O bom é que agora meus horários são flexíveis”, conta. O mundo do futebol virou sua nova rotina, um ambiente mais leve que o das armas e menos desgastante que o da lavoura. Para ele, o que importa é trabalhar. Como Ademar confessa: “acho que, se um dia eu for obrigado a ficar em casa, adoeço”.

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IMPRESSÕES DO REPÓRTER

“Como torcedor de futebol, me acostumei a acompanhar pela mídia o trabalho e vida de jogadores, treinadores e até dirigentes de clubes. O papel de protagonista fica para os atletas, que exibem em campo suas jogadas e o resultado do treinamento. Porém, nos bastidores, diversos profissionais exercem trabalhos fundamentais para os clubes e passam despercebidos. Minha intenção, nesta reportagem, foi evidenciar um destes personagens. Portanto, nada mais propício do que trazer a história de alguém que trabalha no clube de São Leopoldo, o Aimoré, vizinho de bairro da Unisinos. Para minha surpresa, a história de Ademar tem poucas passagens sobre futebol. Aprendi com ele o impacto que uma vida de trabalho exerce em alguém. Felizmente, o futebol ficou em segundo plano e pude ressaltar a vida de alguém que não atrai os holofotes de torcida e mídia. Algumas histórias interessantes ficam em segundo plano em meio a outras, acredito que um dos papéis do jornalismo seja justamente observar uma pauta que ninguém mais vê e Ademar me proporcionou isso.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 29


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Carbono 12,011 Assentados lutam para preservar suas moradias, ameaçadas pela construção da maior mina a céu aberto do País

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A DISPUTA POR TERRAS PARA SUBSISTIR E CULTIVAR DIREITOS


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TEXTO E FOTOS DE THANISE MELO

o quilômetro 21 da BR 290, divisa entre Charqueadas e Eldorado do Sul está localizado o Assentamento Apolônio de Carvalho. Há 12 anos, cerca de 230 moradores, distribuídos em 72 lotes, subsistem num território que ocupa um total de quase mil hectares. É nessa mesma área, no cruzamento de estradas de chão de terra, que a Copelmi Mineração quer instalar a maior mina de céu aberto no Brasil. A 15 quilômetros de Porto Alegre, a construção do Polo Carboquímico tem levantado debates quanto aos impactos sociais e ambientais. Incluindo também, a desapropriação de mais de 100 famílias do condomínio Guaíba City, próximo ao local. Se o projeto for aprovado, a partir de 2023, cerca de 166 milhões de toneladas de carvão devem ser extraídas da região. Para especialistas, o maior empreendimento de mineração do país vai ocupar uma área inviável e incompatível. Segundo Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica de Biociências da UFRGS, existem muitos impactos prováveis à população. “O

carvão possui enxofre e pode liberar gás sulfúrico, gases de nitrogênio, poeiras finas e particulados. Metais pesados e tóxicos, como mercúrio, cádmio e chumbo, que trazem problemas ao sistema respiratório, sistema nervoso, problemas cardíacos, entre outros.” A mina corresponde a enormes riscos à captação de água, à qualidade do ar e deve atingir populações não só ao entorno, mas em Porto Alegre e Região Metropolitana. Sobre a exposição do material particulado, Paulo diz que a inalação de poeira emitida pela mineração e queima de carvão por longos períodos gera muitas patologias, incluindo a bronquite, asma, câncer, fibrose, enfisema e pneumoconiose, desencadeando um processo inflamatório crônico.

Um ambiente favorável Com o objetivo de alavancar a economia gaúcha e reduzir a dependência externa de insumos para a agropecuária e a indústria. No dia 24 de outubro de 2017, com 51 votos favoráveis e apenas um contrário, do parlamentar Marcel Van Hattem (PP), a

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Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS), garantiu o terreno para a vinda da maior mina a céu aberto do Brasil. Em 2018, o então governador José Ivo Sartori (MDB), regulamentou por meio de um decreto a criação da Política Estadual do Carvão Mineral e a instituição do Polo Carboquímico do Estado, sem consulta popular. A justificativa foi o retorno do ICMS (Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços), com a produção de Gás Natural Sintético (GNS). O projeto de lei também discorre sobre incentivos para a construção civil. As cinzas do carvão devem ser aproveitadas para a fabricação de tijolos, blocos de concreto e pavimentação de estradas. Inspirado na China e nos Estados Unidos, a expectativa está na conquista de investimentos estimados em US$ 4,4 bilhões de dólares, equivalente a R$ 17,6 bilhões de reais. O Rio Grande do Sul é o maior detentor de carvão do país, chegando a ter 89% das reservas desse material em seu solo. Como resultado, o governo anuncia R$ 218 milhões em impostos por mês e a Copelmi a criação de 5,6 mil empregos. Desde 1883, a Copelmi Mineração atua no desenvolvimento dos setores energia e de mineração do Brasil. Atualmente a empresa é responsável por mais de 80% do carvão mineral de uso industrial no país, mantendo a concessão de mais de 3 bilhões de toneladas de extração dessa matéria-prima. A reportagem tentou entrar em contato com a instituição, porém, não teve retorno.

Do campo para a cidade O solo compacto do Assentamento sem vegetação ou matéria orgânica, revestido com capim, esperou não só a chegada de Adeles e Vitor. Mas também o caimento das árvores, a adubagem do chão e o nascimento de outras plantas para hoje desfrutar de flores, frutos e verduras. Do interior de Palmeira das Missões e pertencente a uma família de muitos agricultores, Adeles de Oliveira Bordin, de 36 anos, migrou do Interior para a Capital em busca de educação. Hoje a assentada no Apolônio de Carvalho, há três anos, acredita que encon32 PRIMEIRA IMPRESSÃO

trou o seu “pedaço do paraíso” e ao lado do companheiro Vitor Fernandes de Alencastro, de 26 anos, desenvolve trabalhos sustentáveis de permacultura e agrofloresta. As práticas têm como objetivo o planejamento e a criação de ambientes, plantio e recuperação de florestas, seguindo com respeito às características da natureza. Essa reconstrução realizada no terreno assentado de três hectares é resultado das políticas públicas de redistribuição de terras organizada pelo INCRA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Essa instituição criada pelo Governo Federal em 1970, faz parte das inúmeras transformações que o Brasil viveu por conta do êxodo rural. Período no qual o país viveu uma lotação dos centros urbanos e as áreas rurais cada vez menos habitadas. Foi também pela disputa de território, que na década de 1980 surgiu o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Um coletivo que via na luta por moradia a chance de trabalho para quem vem do campo. Por meio desse grupo, Dirceu Menegat Bordin, de 67 anos, pai de Adeles, encontrou novos caminhos para a vida. Ele é um dos assentados que está no Apolônio de Carvalho desde a ocupação do local, no tempo em que a principal moradia ainda era o barraco de lona. Sempre atenta à história do país e da família, Adeles encontra na palavra sorte, uma forma de descrever o passado e o futuro. “Meu pai resgatou nossa família da cidade. É um resgate cultural, de uma cultura interrompida pelo agronegócio e que agora precisa voltar!”. Atualmente, dos 497 municípios gaúchos, apenas 16 possuem assentamentos que geram produtos orgânicos. A união dessas propriedades com outras espalhadas pelo país forma a maior produção de arroz orgânico da América Latina, segundo o Instituto Rio Grandense de Arroz (IRGA). O custo de produção é equivalente à metade do cultivo feito com agroquímicos. Adeles e Vitor buscam no respeito à natureza a forma de viver e desenvolver seu trabalho no campo

Impactos rurais e urbanos O barulho feito pelos pneus de carros é o aviso de quem se aproxima pelas trilhas de terras. Os sons feitos por porcos, pássaros, cachorros e galinhas são um esboço da calmaria do assentamento. Uma vizinhança separada por plantações e arbustos, mas unida pela apreensão da resposta positiva ou negativa sobre o processo de licenciamento da Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental). Uma ação fundamental para a decisão da instalação da Mina Guaíba no local. São apenas 535 metros que distanciam o Parque Estadual Delta do Jacuí da intenção de construir a área industrial e apenas 1,5 Km do próprio rio. Suas águas são como um imenso filtro natural, elas são também responsáveis por manter os bons níveis de produtividade de pesca. Histórico e cultural, o Delta do Jacuí oferece serviços ambientais, como a regulação térmica, manutenção da qualidade do ar e da água para abastecimento da vida de humanos e animais. Na região onde está o inserido o Apolônio de Carvalho os ventos são fortes, um motivo que traz preocupação quanto às cinzas que vão ser liberadas pela mina. “Na simulação, usaram um ano específico, o de 98, por exemplo. Em vez de pegar uma série histórica, disseram que a corrente de ar predominante não vai pra Porto Alegre”,


conta Vitor. E Adeles complementa: “Não vai ter cinzas porque cada caminhão particulado vai ter um aspersor molhando a poeira para não se espalhar. Imagina, quantos litros de água por minuto?”. Segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas), por ano, mais de sete milhões de pessoas acabam perdendo a vida devido à poluição atmosférica. Parte dessa contaminação é proveniente do carvão, por meio de partículas finas, gases de nitrogênio e ozônio. Minas carboníferas causam distúrbios ao ecossistema. Ainda, Paulo Brack afirma que “a mineração feita a céu aberto gera maior degradação ambiental, pois também exige a retirada da vegetação do lugar. Seus efluentes são de natureza ácida e inviabilizam a vida dos rios, decorrentes do contato do enxofre com a água.” Como exemplo, Paulo cita Santa Catarina, onde as consequências do minério já podem ser vistas. “Alguns dos rios são considerados mortos em grande parte pela poluição do carvão, há centenas de minas abandonadas. Situação que, somada aos esgotos domésticos e à agricultura,

aumenta ainda mais os níveis de toxicidade e impacta seriamente os ecossistemas aquáticos”.

Naturalizando valores É na pequena casa de paredes grossas, com garrafas de vidros e troncos de eucalipto atravessados, que a família composta por três pessoas reside. Formada em Processos Gerenciais e hoje permacultora e agricultora, se Adeles tivesse seguido na cidade iria gerenciar negócios, mas preferiu gerenciar a natureza. Um lar erguido com materiais de baixo impacto ambiental e financeiro, por meio de técnicas construtivas, chamadas de bioconstrução. Estratégias conhecidas por Vitor enquanto cursava Engenharia Civil na UFRGS. Nesse espaço familiar e aconchegante, com a companheira de quatro patas no colo, ela reflete sobre o assentamento e os últimos movimentos políticos. “Eles dizem que a gente pode plantar hoje e depois vamos ser indenizados. Existe indenização para pé de laranja? Abacate? Daqui a nove anos é o que eles prometem, até lá es-

ses abacates vão dar muita fruta! Querem indenizar uma floresta de comida, mas quanto custa um sonho?” No início de 2019, as notícias sobre o rompimento da barragem em Brumadinho, chocaram os moradores do Apolônio de Carvalho, mas não tanto quanto a intenção de colocar uma mineradora no lugar das suas moradias. Existem muitas comparações com o que ocorreu em Minas Gerais, mas também ficam muitas dúvidas quanto ao que o futuro reserva para o Rio Grande do Sul.

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“Estar no Apolônio de Carvalho foi a chance de ver de perto como muitos brasileiros e brasileiras têm conquistado seu pedaço de terra em um Brasil tão dividido. Os assentados aspiram os efeitos da Mina Guaíba desde que as primeiras notícias sobre a instalação chegaram. É importante falar de um problema que também é nosso e não só dos moradores que vivem entre Charqueadas e Eldorado do Sul. Trazer parte da perspectiva do assentamento para a revista na voz de uma mulher é uma honra. Quando me indicaram Adeles como fonte da entrevista, me senti contemplada, pois sempre foi através da luta feminina que encontrei os grandes significados para a vida. Ela é uma mulher que transparece força, inteligência e têm esperança em dias melhores. Sua fala nos contagia! Quem trabalha com produções que envolvem toxicidade não deveria bater meta, muito menos cogitar a instalação de uma empresa próxima a uma área de preservação. Que a reportagem sirva como uma nova percepção sobre as políticas ambientais que o Brasil tem seguido e que possamos repensar nossa maneira de tratar a natureza e cada ser vivo que faz parte dela.”

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Sara Antunes, formada como maquiadora desde 2015, é a primeira especialista do aplicativo Ella

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U A BELEZA DA TECNOLOGIA Aplicativo surgido em Gravataí reflete o crescimento do incentivo na região TEXTO DE CAREN RODRIGUES FOTOS DE DANIELA GARCIA

m tanto ofegante, depois de caminhar às pressas em direção ao imponente e elegante prédio de vidro, a jovem passa pelas portas automáticas já sustentando um sorriso. Sua pele morena parece estar adornada, quando é admirada com os cabelos curtos, encaracolados e roxos. Seu rosto parece ser um mural de exposição do seu própria trabalho, a maquiagem feminina bem usada e combinando com a cor das madeixas, meio escondidas sob o chapéu. Logo depois de se desculpar pelo atraso, ela se senta confortável na poltrona disponível no hall de entrada e encara sua frente com ares de nervosismo e entusiasmo. Parecia empolgada, como um admirador contando sobre algo que o encanta e inspira. Sara Antunes se formou como maquiadora em 2015, quando ainda trabalhava como vendedora numa rede de lojas de moda feminina, em Porto Alegre. Naturalmente começou a criar planos e arquitetar o futuro junto com seu noivo. Isso até seu pai ficar doente e o chão ser tirado de seus pés. Quando notou, havia se mudado para Gravataí onde ele passaria por tratamento e sua vida tomou um novo rumo, com novos planos. Passou a sofrer com depressão, ficar um ano sem trabalho e ajudando sua família acabou sendo algo complicado para se lidar, no fim. Buscou ajuda então com uma psicóloga, alguém que trabalhava com a área profissional e ela a indicou para ir num lugar onde aconteceria uma seletiva, um evento para uma nova plataforma da beleza. Quem sabe lá ela poderia voltar a acreditar em si mesma, ainda mais como uma profissional. Ao chegar no espaço do shopping da cidade vizinha, logo reparou que ali encontrou algo que a ajudaria a se reerguer. Em outra sala, uma mulher loira e de expressão jovial admira o espaço onde seria o novo local de concentração do seu trabalho e de seus sócios. Ainda tinha caixas em alguns cantos e certas coisas pareciam montadas apenas em parte, mas perto da grande janela a mesa estava pronta com seu notebook em cima e tudo que precisava para aquele dia de trabalho. Helena Crizel estava feliz com o quanto seu sonho parecia ter crescido desde que a ideia de criar um aplicativo voltado para a área da beleza e o público feminino surgiu em pouco menos de um ano atrás. Desde então, havia cerca de 2 meses que seu trabaPRIMEIRA IMPRESSÃO 35


lho e de seus sócios estava Selma Fraga pping e se tornou a primeira especialista cadaspronto, mas tudo mostrava desenvolveu trada. Além de uma parceira em tudo que envolque a agenda só ia encher. carreira da área de ve o Ella. “Com o apoio deles, eu tenho crescido O aplicativo de beleza TI e é fundadora da cada vez mais, tanto pelo aplicativo como fora”, Ella é um delivery onde a AGTI, em Gravataí Sara conta. Sim, Helena percebe o que a jovem se cliente recebe a especialista tornou e quem é para ela e a plataforma. Segundo relatório divulgado pela Associação Brasileira solicitada que estiver mais perto do local que se encontra. Hoje a platafor- da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos ma já conta com 1.000 especialistas (ABIHPEC), o Brasil é o 4º maior consumidor de procadastradas e mais que esse valor em dutos de beleza no mundo. Em 2019 houve crescimento downloads feitos por possíveis clien- neste mercado de 1,5% entre os meses de janeiro e julho, tes. Nem parece que foi em novembro sendo um dos poucos que se mantém sem grandes quede 2018 o seu pré-lançamento e nem das ou reduções no fechamento de cada ano. Segundo que há tão pouco tempo que conhecia Helena, esses foram dados observados e considerados a Sara. Ela foi no evento feito no sho- ao começar o projeto de seu aplicativo que justamente 36 PRIMEIRA IMPRESSÃO

se introduz nesse mercado. Havia clientes e também havia profissionais fora do núcleo de salões. Segundo levantamento feito pela Sebrae com as informações do Portal MEI, em 2016 foram registrados 628.110 Microempreendedores Individuais (MEIs) como cabeleireiros, manicures e pedicures, esteticista e afins da área. Foi então que o avanço de possibilidades que a tecnologia cria uniu essas duas necessidades e foi possível a criação de uma plataforma como o Ella. Cristina Maciel diz que nunca se imaginou trabalhando na área da beleza. Mas mesmo com seu diploma em Educação Física, quando se viu com dois filhos pequenos, divorciada e sem ter a carteira assinada por anos, a perspectiva não era nada boa. “Eu e meu ex-marido, na época marido, decidimos que eu não trabalharia para cuidar das crianças, mas foi meu maior erro. Quando veio a separação fiquei sem perspectivas de futuro. Com a carteira sem assinar por muitos anos é ruim retornar ao mercado de trabalho, além do preconceito por ter filhos”, ela conta. Percebeu no mercado da beleza o refúgio e buscou uma profissionalização no curso mais rápido que conseguiu, e logo foi indicada a um salão, onde começou a trabalhar. Porém, sua filha sofria com constantes crises de asma e o emprego fixo também se tornou dificultoso. A decisão de trabalhar a domicílio se fez necessária e conveniente. “A área da beleza é uma das áreas que dão oportunidade de recomeçar para muitas mulheres que precisam buscar a independência financeira”. Foi então que começou a usar de redes sociais para divulgar seu trabalho como manicure, massoterapeuta e depiladora, trabalhando e ajustando seus horários conforme a necessidade das suas crianças. Em maio deste ano conheceu o Ella e, ao entender sua proposta, passou pela entrevista de triagem e se tornou uma das especialistas cadastradas. “É mais um canal de obtenção de clientes de forma segura para mim”, conta. Selma Fraga também faz parte da plataforma, cuidando do seu lado social, onde prepara eventos como o dia da beleza feito no Asilo Padre Cacique em Porto Alegre. Mas, enquanto conta sua história numa sala pequena e com grandes janelas, que permitiam uma grande quantidade de luz natural, parecia diferente da criança disléxica e com dificuldades


de aprendizado que relatou. Depois foi conhecida como Aldeia dos Anjos de trabalhar em um supermercado e, até então, não tinha algo de signionde lidava com computadores e ficativo no setor. Baseada e depentodos os dados que precisavam ser dente da indústria metalmecânica, computados, descobriu que permane- graças às grandes empresas que abricer na área não seria tão fácil quanto ga, o município pouco tinha olhado imaginava. Se formou Tecnóloga em para algo que não fosse isso. Processamento de Dados, pela UniO nome Vale do Silício, dado a sinos, depois de 7 anos, num curso uma das maiores concentrações de que demorava 2 anos e meio. empresas de tecnologia da informaHoje é a presidente de uma as- ção do mundo, é em homenagem sociação que possui 120 afiliados e ao elemento de número atômico trabalha para incentivar e capacitar 14 da tabela periódica. O Silício é a as empresas da área de TI, princi- base na confecção de chips e diverpalmente na cidade de Gravataí. Em sos materiais eletrônicos essenciais 2017 ela convidou seu antigo chefe e à tecnologia, além de ser o segundo fundador das Escolas e Faculdades elemento mais abundante na Terra, QI, Henrique Gerstner, e começou compondo 27,7% dela e ficando atrás a Associação das Empresas e Profis- apenas do Oxigênio. Ele não é enconsionais de Tecnologia da Informação trado isoladamente na natureza, mas do Vale do Gravataí ou simplesmente está em rochas, areias e mais alguns AGTI. Nesses dois anos, o grupo criou componentes dela. Ele foi descoberto um prêmio para as startups da região, em 1823 pelo químico sueco Jöns além de trabalhar com Jacob Berzelius. O vale consultoria e acompaque leva seu nome é a nhamento de seus as- A beleza é uma das áreas junção de 16 cidades da sociados, incentivando que dão oportunidade de Califórnia, nos Estados recomeçar para muitas o crescimento da área mulheres que buscam Unidos, e abriga sede de tecnológica, principal- independência financeira, empresas como Google, mente na cidade que já diz Cristina Maciel Apple, Facebook e ou-

tras potências da área de Tecnologia da Informação. Segundo pesquisa do IDC Brasil, a previsão de crescimento do mercado de TI em 2019 é de 10,5%. Seja na Califórnia ou numa cidade na região metropolitana de Porto Alegre, a abundância do elemento começa a refletir no crescimento de sua utilidade. Utilidade essa que fará com que seja lembrado e ligado ao nosso dia a dia.

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“Quase toda minha matéria foi concentrada na cidade onde moro: Gravataí. Foi estranho perceber que você não conhece bem o município que passou quase toda vida, pelo simples motivo que você não deu uma oportunidade de descobri-lo. Gravataí, mesmo localizada na região metropolitana, parecia bem pacata pra mim, mas vi que ela está mais avançada que eu imaginava. O fato da cidade ser considerada uma fomentadora da tecnologia me surpreendeu, mas me fez ter mais prazer em escrever esse texto. Cada fonte foi um aprendizado e deu ainda mais gás para buscar saber mais e mais sobre esse momento da minha cidade. Esse um trabalho por vezes foi cansativo e parecia que não ia dar em nada, mas quando percebi que estava saindo uma coisa legal dali, fiquei muito contente. Como jornalista e contadora de histórias, foi bom ter essas que “quiseram contribuir e serem relatadas. Com tantas coisas colaborando para esse bom andamento, a experiência nesta matéria vai ficar guardada na minha vida profissional.”

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A SERVIÇO DO FI

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Magnésio 24,305 38 PRIMEIRA IMPRESSÃO


ISICULTURISMO Elemento químico é um importante componente dentro da rotina e dieta dos atletas de musculação TEXTO DE LUCAS LANZONI FOTOS DE FELIPE MAZURANA

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inda que pouca gente saiba, o magnésio está presente na atividade esportiva. Quem busca a hipertrofia muscular dentro do fisiculturismo precisa estar ciente de que a dieta, juntamente com a dedicação, é o ponto mais importante para conseguir desenvolver os músculos. É nesse ponto que entra esse elemento químico. Para entender melhor o que é magnésio e como ele funciona, a professora dos cursos de Engenharia Química e de Alimentos e pesquisadora do Instituto Tecnológico de Semicondutores, Iara Janaina Fernandes explica de uma maneira geral e direta o que é o elemento magnésio e qual a sua função. “É um metal prateado e brilhante, o seu ponto de fusão é 649 graus e o seu peso atômico ou a massa atômica é 24,3 gramas. Ele tem densidade de aproximadamente 1,7 gramas por centímetros cúbicos e ponto de ebulição de 1090 graus, aproximadamente. Então, bioquimicamente, o magnésio ele é muito utilizado como um cofator enzimático, ou seja, atua no funcionamento das enzimas que catalisam as reações biológicas do corpo, fazendo com que essas reações ocorram de forma mais acelerada”, explica. Pertencente à família 2 da tabela, o magnésio é um metal alcalinoterroso, ou seja, ele possui um tempo de vida média muito curto. Descoberto em 1755 pelo químico francês Joseph Black na cidade de Magnésia, na Turquia, o elemento possui diversos benefícios para a saúde.

Afinal, o que é o fisiculturismo? Para quem não sabe e não conhece o esporte, o fisiculturismo ou culturismo é a modalidade mais competitiva dentro do universo PRIMEIRA IMPRESSÃO 39


da musculação. Tendo o seu início nos anos de 1930, o objetivo da competição é fazer com que os atletas cheguem ao limite muscular apenas se utilizando de pesos e exercícios físicos que trabalham o corpo de modo geral. Entretanto, nos primórdios o fator principal não era exatamente a musculatura, e sim a simetria física do atleta. Conforme os anos foram passando, os músculos começaram a ser determinantes para a escolha do campeão. O que no início da modalidade era apenas um atleta bem fisicamente, se transformou, com o passar do tempo, em um homem ou mulher com a mais extrema musculatura possível. No Brasil, o esporte foi crescendo com o tempo, assim como as academias de musculação que nas décadas de 1980 e 1990 não faziam o mesmo sucesso que fazem atualmente. É claro que a diferença de estrutura de um país onde o esporte é quase um dos mais importantes, como os Estados Unidos da América para o Brasil, é gigantesca. Em terras tupiniquins o esporte cresceu consideravelmente conforme foram se passando os anos, porém a dificuldade ainda existe pois se o atleta não conseguir um bom patrocínio fica muito complicado arcar com todos os gastos que serão necessários. Em um país como o Brasil, os valores de produtos para musculação são bem caros, o que torna a

Os gêmeos atletas Jordan e Jonathan Silva de Araujo treinam diariamente, sempre visando às conquistas

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dificuldade ainda maior. Entretanto, o nível de atletas que disputam campeonatos aumentou, e isso é um indicativo de que dentro de mais alguns anos será possível termos um campeão na principal competição do fisiculturismo mundial. Antes de entrar no que realmente será o tópico principal do texto – no caso o magnésio no fisiculturismo – cabe mostrar para o leitor os tipos de benefícios que o elemento pode trazer para a vida das pessoas. Quem está lendo vai gostar de saber como são interessantes essas informações e não vai se importar de demorar um pouquinho até chegar ao assunto principal. Quem é muito estressado ou estressada, saiba que o magnésio pode aliviar esse sintoma, pois ele é fundamental para a formação do responsável pela sensação de bemestar, a serotonina neurotransmissor. Para aqueles ou aquelas que possuem problemas de peso, o magnésio pode fazer a redução da resistência à insulina, e assim otimizar a ação das enzimas no metabolismo de gorduras e glicose. Como o elemento atua no metabolismo da glicose, ele acaba se tornando benéfico para quem possui diabetes, pois atua como cofator de receptores de insulina. Atuante também na ativação da vitamina D, se torna importante para quem sofre com problemas nos ossos, pois ele

tem um importante papel na absorção de cálcio. Enfim, essas são só algumas curiosidades relacionadas aos benefícios do magnésio no corpo de um ser humano. É importante saber que existem mais benefícios e também malefícios dependendo do modo que a pessoa irá utilizar o elemento. Agora sem mais delongas, vamos entrar no assunto que realmente é o ponto principal da matéria, o fisiculturismo e o papel do magnésio dentro da rotina dos atletas.

Visão de especialista Antes de qualquer atleta que pratica o fisiculturismo pensar em começar a usar o magnésio, é importante consultar uma pessoa especializada na área da nutrição esportiva. Pois por meio desse profissional o competidor vai conseguir ter uma ideia exata do que seu corpo necessita e o que não será preciso utilizar do elemento. Todo profissional trabalha com um acompanhamento científico, pois para um atleta é de extrema importância ter uma noção exata do que o seu corpo precisará para crescer de forma saudável. Nutricionista há 12 anos, Cristiane Brum é especialista na área esportiva e física. Ela esclarece sobre a importância do magnésio para os fisiculturistas e também explica qual é a melhor maneira de se usar o elemento. “No fisiculturismo, o magnésio é um mineral importante pra hipertrofia, tendo em vista que é necessário para geração de ATP e energia, melhorando o desempenho do treino e a síntese proteica. O que é essa síntese proteica? É a utilização de aminoácido pra construção do tecido muscular, que é o que a gente busca muito nos esportes além da definição”, explica. “O melhor é associar ele ao zinco e a vitamina B6, a gente tem no mercado o ZMA (suplemento) que é comum, mas também podemos manipular isso, pode ser de forma prescrita por um nutricionista pra adequar de forma individual para aquele atleta. Então a


dosagem de suplementação deve ser analisada bem de forma individual, sendo que a recomendação em média é em torno de 300 miligramas por dia”, finaliza Cristiane.

Super Gêmeos Ativar! Para falar sobre o magnésio no fisiculturismo, nada melhor do que os próprios atletas que competem e o utilizam. Nesse caso temos os irmãos gêmeos Jordan e Jonathan Silva de Araújo. Praticantes de musculação há aproximadamente 10 anos, hoje com 27, procuraram a atividade física por motivos diferentes, porém, no decorrer do caminho quis o destino que os dois acabassem entrando juntos no fisiculturismo. Jordan iniciou na musculação aos 19 anos por um motivo bem engraçado, como ele mesmo conta. “Eu comecei a treinar após tomar um fora de uma mulher mais velha do que eu. Na época eu já queria começar a treinar e quando eu a vi com um outro homem mais forte, eu decidi de vez começar meu treinamento”, relata. Competindo desde 2016, Jordan já possui o título de Campeão Gaúcho na categoria classic. Na questão do magnésio, ele explica de que forma utiliza o elemento na sua dieta na parte da suplementação. “Eu uso de acordo com o meu

treinador, ele me passa a dosagem. Não sou eu que escolho como vou utilizá-lo. Hoje eu vou usar 450 miligramas de magnésio, não, é feito todo um cálculo em cima do meu peso pela nutricionista, do que eu estou comendo no dia, por exemplo. Após tudo isso ela passa os números para o meu treinador e ele me passa o quanto eu irei utilizar do magnésio”, explica. Jordan comenta sobre o quão importante é a participação do elemento para quem treina forte para disputar campeonatos. “O magnésio é responsável pela estimulação do GH, e com GH em alta sendo um dos hormônios do crescimento, ele acaba me ajudando no próprio crescimento por conta da estimulação e na queima de gordura, e isso é fundamental para quem é atleta”, finaliza. Diferente de Jordan, que utiliza o magnésio no suplemento, Jonathan prefere utilizar apenas na alimentação. “Eu costumo usar ele na minha dieta. Eu acrescento refeições ricas em magnésio, que me faz ficar mais disposto e com bastante energia. Eu utilizo alimentos específicos ricos em magnésio, como castanha, banana e couve”, comenta. Competidor de fisiculturismo há cerca de cinco anos, Jonathan começou a treinar assim como o seu irmão por um motivo comum e até engraçado, pelas brincadeiras que passava

na escola. “Comecei a treinar, eu acho que pelo mesmo motivo de quase todo mundo. Era o mais magrinho da turma, o mais zoado, e isso me fez começar a treinar pra fugir mesmo dessas zoeiras dos colegas, só que acabei gostando e hoje virou um esporte de coração”, afirma. Para Jonathan, que em cinco anos de fisiculturismo já possui títulos estaduais e sulbrasileiro, utilizar o magnésio é muito importante para quem pretende treinar e competir no esporte. “O magnésio com certeza é indispensável pra quem pratica o fisiculturismo, ele é muito importante”, finaliza.

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“Trabalhar com o tema tabela periódica colocando o fisiculturismo como pano de fundo foi muito interessante para quem é leigo quando o quesito é elemento químico. Conhecer um pouco sobre a atuação do magnésio no esporte e ter o contato com atletas e treinador, para quem sempre foi um entusiasta pela cultura da musculação, foi um enorme prazer e uma oportunidade muito rica de aprendizado. Por ser um universo muito amplo de produtos e tipos de dietas, é muito curioso saber da importância do magnésio para quem pratica o esporte a nível profissional. Por meio de entrevistas e pesquisas descobrir que o elemento pode ser encontrado em diversos tipos de alimentos diferentes e ajudar o ser humano das mais diferentes formas, é um agregado de conhecimento muito grande. É claro que foi muito legal conversar com pessoas que dominam o assunto sobre o magnésio, como professora, nutricionista e treinador de musculação. Mas ter contato direto com os atletas que vivem de musculação foi o momento mais bacana da construção da matéria. Poder conversar e saber como é a rotina de treinos e a utilização do elemento na dieta de quem compete foi algo muito importante para quem sempre acompanhou o esporte.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 41


AOS OLHOS DE QU 42 PRIMEIRA IMPRESSÃO


UEM VÊ

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Titânio 47,867

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ão é preciso ter superpoderes para voar. Qualquer um pode tirar os pés do chão e descobrir como é a sensação de observar o mundo do alto, basta querer encarar as asas de titânio. As asas, na verdade, são ganchos, mas o formato do equipamento é só um detalhe dessa experiência única, transformadora e indescritível chamada suspensão corporal. À mercê do julgamento de cada indivíduo, a prática é adjetivada de maneira que nem sempre faz jus ao que realmente representa. Entretanto, o seu significado passa bem longe de qualquer definição negativa. Sofia Klein, de 22 anos, deixa transparecer nas suas palavras e no seu sorriso como ela enxerga a suspensão corporal. “É um ritual que envolve amizade, força e muitas emoções”, relata. De forma técnica, é o ato de suspender o corpo humano por ganchos atravessados na pele. Mas para quem faz parte desse universo, Erguido por tem muito mais a ganchos de titânio, ver com as transo corpo desperta formações mentais num voo único, singular em cada do que com o físico. aspecto que Parte da cultura da o compõe vertente da modificação corporal que contempla piercings, tatuagens, bifurcação de língua e diversas outras alterações, é muitas vezes considerada uma modificação mental. Para entender o que a prática simboliza, é preciso enxergar além do que os olhos conseguem ver. É necessário entender que há muito mais elementos envolvidos do que simplesmente ganchos atravessando a pele,

Parte da cultura da modificação corporal, a suspensão tem o poder de transformar a mente TEXTO DE KARINA VERONA FOTOS DE MAINARA TORCHETO

que a dor da perfuração e o nervosismo são apenas uma pequena parte do que a experiência significa. A visão de ganchos furando e esticando a pele pode até parecer incômoda, dolorosa e sem sentido para quem não a compreende, mas sua história é tão antiga que teve origem em sociedades pré-letradas. Deise Bianchi, de 29 anos, se suspende há mais de sete e explica que, desde tempos antigos, “[A suspensão corporal] era usada para testar a resistência do corpo e da mente em rituais de passagem, de cura, penitência, de devoção a divindades ou como meio de obter visões, deixando o corpo em comunicação com o mundo espiritual”. Aos 20 anos de idade Deise já era perfuradora corporal (body piercer), e foi nessa época que começou a reservar uma parte das suas manhãs para instruir-se sobre suspensão. “Achava curioso, queria entender o porquê”, relembra. O interesse surgiu, pois entendia o motivo das pessoas para marcarem a pele com tatuagens e piercings — até porque ela já vivia isso, mas não conseguia deixar de questionar o porquê de as pessoas realizarem suspensão corporal. Essa curiosidade fez com que Deise estudasse a prática por cerca de um antes de passar por sua primeira experiência. “Queria entender o que realmente a suspensão poderia me proporcionar”, explica. Apesar de se suspender desde 2017, a história de Sofia Klein com suspensão corporal é bem mais antiga que isso. Tudo começou acompanhando, pelas redes sociais, o contato de uma amiga com a prática. No início, Sofia, assim como Deise, não a compreendia. “Eu achava que era coisa de PRIMEIRA IMPRESSÃO 43


presentava a última prova de dignidade e autoestima. “Somente por meio desta morte simbólica, o sofrimento do iniciado terminava e a vida se tornava, então, suportável, estando agora pronto para se reconstituir como um homem maduro, podendo casar e manipular os poderes que adquirisse” conta Deise. Habitantes das regiões de Dakota do Norte e Dakota do Sul, a tribo Sioux realizava uma cerimônia chamada Dança do Sol, que acontecia no solstício de verão — período no qual o Sol está mais alto no céu e os dias são mais longos. Nessa ocasião, eles acampavam em círculo, ao redor de uma árvore — a Coluna do Sol. Os participantes dançavam olhando para o Sol, com uma espécie de espeto cravado na pele do tórax. Com os espetos presos a uma corda resistente e amarrada na Coluna do Sol, eles ficavam rezando e movendo-se com força para frente e para trás, até os espetos quebrarem ou saírem da pele. Deise explica que “os Sioux acreditavam que a dança purificava e renovava suas almas”. Os Sadhus são homens hindus e figuras extremamente respeitáveis na Índia. Eles possuem muitos ritos e superstições ligados à prática da suspensão corporal. “Dentro da cultura indiana é possível ainda encontrar adeptos da suspensão corporal nos chamados Kataragama Festival, que acontecem na área de peregrinação específica. Suspensões realizadas no Kataragama e Thaipusam Festival são feitas de diversas maneiras, variando os métodos e as práticas sugeridas pelo mestre a cada discípulo”, complementa.

A unicidade de cada voo

louco, uma coisa muito de gente despirocada. Tinha muito preconceito, porque não via a moral de enfiar ganchos na pele para sentir dor”, conta. Apesar dessa visão negativa, Sofia sempre respeitou a atividade da sua amiga, e, assim, não demorou muito para se envolver com a coisa toda. Na época, Sofia fazia um curso técnico em fotografia, motivo pelo qual foi convidada, por essa mesma conhecida, para fotografar jornadas de suspensão — dias nos quais um grupo de pessoas se reúne para passar realizando suspensões. Relata que, ao começar a acompanhar os voos de perto, se encantou, pois viu que era algo muito bonito. Depois de conhecer a história da suspensão corporal e tudo o que ela representa, a relação de Deise com a 44 PRIMEIRA IMPRESSÃO

prática deixou de existir apenas no campo da curiosidade, e passou a ser um grande desejo dela. “Quando entrei na questão de ser um ritual e utilizar isso como um marco, como forma de transcender, aí eu quis ela para a minha vida”. A suspender explica que há registro de três principais povos que originaram a prática da suspensão corporal: a tribo Mandan, a tribo dos Sioux e os indianos Sadhus. O povo Mandan habitava o vale do Rio Missouri, localizado nos Estados Unidos. O-Kee-Pa, um dos seus rituais mais importantes, era encenado a cada verão em todas as aldeias. Por espetos que atravessavam o peito e/ou as costas, os iniciados eram suspensos. Nesse rito, a suspensão re-

Hoje, as razões para se suspender são muito mais diversas, ainda mais para a sociedade ocidental. Deise comenta que cada pessoa chega até a suspensão corporal em busca de algo totalmente particular. Mas garante que “independentemente da motivação de ser suspenso, você nunca mais será o mesmo quando seus pés voltarem à terra”. Alguns dos motivos frequentemente relatados são a sensação de liberdade, o sentimento de superação física e mental e a forte onda de adrenalina que a suspensão proporciona. “Mesmo aqueles que elevam seus corpos apenas em busca da adrenalina que esta incrível experiência também lhes é capaz de conferir, reconhecem que você nunca desce de uma suspensão corporal a mesma pessoa que era antes de tirar os pés do chão”, complementa a suspender. Assim como os argumentos dos adeptos à suspensão corporal não são sempre os mesmos, a experiência também é algo muito particular. O ambiente no qual a suspensão é realizada, as pessoas que estão no local, o estado físico e mental de quem está sendo suspenso e vários outros fatores fazem parte do arranjo que torna cada uma delas um momento extremamente singular. Para Sofia, três palavras descrevem seu primeiro voo: liberdade, desapego e gratidão. “Quando eu estava lá em cima me senti desprendida do resto do mundo, não me importei com absolutamente nada, era eu e eu, e muito grata por ver a força que tenho física e mentalmente”, relata. Mas quando o contato inicial com a suspensão não é tão positivo, definitivamente não quer dizer que as próximas experiências não poderão ser incríveis — e Deise é prova disso. Aos 21 anos, quando realizou sua primeira suspensão, a prática não a agradou. “Só fui gostar a partir da quarta vez, que foi pouquíssimos meses depois. Não desisti porque queria muito”, revela a body piercer e suspender, que já perdeu as contas de quantas vezes voou.


Mil maneiras de se suspender Assim como a razões de cada indivíduo para se suspender são distintas, a posição na qual as pessoas escolhem ver o mundo de uma perspectiva pode variar. Cada gancho suporta 180 quilos, e, dependendo da posição escolhida, são usados um ou mais ganchos. Entre as posições mais comuns estão a Suicide — que é realizada por meio de dois ganchos verticalmente nas costas; a Crucifix — bastante parecida com a suspensão Suicide, mas, nesse tipo, os ganchos são colocados ganchos dispostos nos braços; e a Superman, que exige que o suspendido fiquei deitado, com ganchos o segurando pelas costas e pernas.

Os cuidados Fazer as perfurações com segurança é indispensável para uma boa experiência. Sofia, que auxilia em algumas suspensões realizadas

pela equipe da qual participa, explica que as perfurações são feitas como um procedimento de Body piercer: mas usamos agulhas maiores encaixadas aos ganchos, tudo esterilizado, feito com cuidado”, enfatiza. “Como em qualquer procedimento que envolva perfuração, é sempre bom cuidar a alimentação, evitar bebidas alcoólicas e muita gordura”, alerta. Limpar as perfurações e ter cuidado para não as bater nos dias seguintes após a suspensão são cuidados imprescindíveis. Durante a suspensão em si, há o risco, mesmo que pequeno, da pele rasgar. Mas profissionais preparados conseguem identificar quando isso pode acontecer, ou seja, realizar o procedimento com uma equipe qualificada é essencial para uma experiência satisfatória. Deise e seu marido, Sideral, são certificados em suspensão corporal, lavagem, preparação e esterilização de materiais, bem como em biossegurança. Os problemas enfrentados por Deise nas suas primeiras suspensões serviram para pensar de que forma ela gostaria de realizar esse processo. Para isso, fazem um preparo psicológico e alimentar com a pessoa. “Queremos que ela chegue no dia preparada e tenha o melhor dessa experiência”, explica. Hoje, entende que a falta de bagagem de quem realizou seu primeiro procedimento certamente contribuiu para que a sua primeira suspensão não fosse satisfatória. Deise descreve sua vivência como “muito fria”. “Para mim a suspensão tem que ser um negócio muito humano. É uma experiência incrível, uma experiência única”, descreve.

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“O conhecimento que eu tinha em relação à suspensão corporal era mínimo, apesar de a curiosidade ser grande. Mas não foi meu interesse pessoal por modificação corporal que me levou a querer escrever sobre suspensão — foi a falta de conhecimento geral. Assim como pouco sabia sobre a prática, a maioria das pessoas desconhece o que a suspensão corporal é e representa. Desinformação gera preconceito, e não é difícil perceber as caras feias que as pessoas fazem ao escutar o termo suspensão corporal. Menos difícil ainda é notar que essa aversão não é somente por conta da dor que aparenta causar. Conversando com a Deise, com o Sideral e com a Sofia, procurei apresentar a suspensão corporal como ela realmente é: uma experiência única e transformadora. Ao longo das entrevistas, aprendi muito sobre a prática e, sem dúvidas, modifiquei a visão que eu tinha dela. Poucas semanas atrás eu dizia que achava suspensão corporal algo interessante, mas que não tinha ideia de quando (e se) teria coragem de fazer. Agora, é uma experiência pela qual eu definitivamente quero passar.”

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Hidrogênio 1,008

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A medicina da floresta como busca pelo conhecimento interior TEXTO DE NATÁLIA COLLOR FOTOS DE GABRIEL OST

AYAHUASCA, O CHÁ MÍSTICO A s divisões que existem hoje no mapa da América Latina cortam territórios que são chamados de brasileiros, venezuelanos e colombianos para quem não é da floresta. Os que vivem em mata fechada conhecem o chão molhado e as copas das árvores melhor do que qualquer mapa, mas não têm nome de país. Para eles, as divisões territoriais servem apenas para determinar a terra de um povo originário ou de outro. Os ansiolíticos e antidepressivos também não são conhecidos por quem vive na mata, é a medicina da floresta que resiste, entre preparos com cipós, folhas de árvores milenares e caldeirões esfumaçantes. A Fundação Nacional do Índio (Funai) contabiliza mais de 208 etnias, 274 línguas faladas e cantadas na floresta. Uma diversidade que nem o centro de uma cidade movimentada pulsante poderia entregar. Cada povo originário com sua própria cosmovisão, formas de pensar, relações de poder, questões de saúde, educação e convivência mais complexas que Brasília pode até ousar se meter, mas não entender. É dessa diversidade que nasce a ayahuasca, ou uni, como é conhecida pelos Yawanawa, ritualizada pelos Huni Kuin como nixi pae e pelos Tucano como kaapi. Pode-se até imaginar como nasceu o chá, mas não se pode explicar com exatidão. As lendas e a oralidade ancestral contam que foi um pajé que descobriu o poder do cozimento do cipó de mariri (Banisteriopsis caapi) com as folhas da chacrona (Psychotria viridis). O que resultaria em um chá místico que faria renascer muita gente. Por muito tempo foram os próprios pajés que preparavam o chá, nem homens ou mulheres poderiam realizar o preparo da ayahuasca.

O preparo As rezas duram dias, enquanto o preparo é mexido e remexido pelos líderes das comunidades. As preces são contínuas e a musicalidade constante no ritual que antes mesmo de se concretizar na tomada

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do chá, já exala misticismo. As intenções e as forças são todas passadas para a bebida marrom, que em um copinho, oferece a cura. Cada casa tem o seu ritual na tomada do chá. Na prática que a jornalista e pesquisadora Raquel Carneiro vive há cinco anos, hoje no espaço Rapa Nuy em Porto Alegre, os participantes sentam em círculo e entram em meditação antes de tomar a ayahuasca. Já a União do Vegetal ou a Barquinha são religiões antigas no Brasil e têm toda uma ritualística envolvida, que pode ser diferente da feita no Rapa Nuy, por exemplo.

ternas, o que é visto e sentido já existia dentro de cada pessoa que ingere o enteógeno. No caso do alucinógeno, são envolvidas visualizações externas. Se vê a parede derretendo, as coisas mudando de cor e de formato. São experiências que mexem com a visão e alucinam a partir de uma droga sintética, criada para que pense que está sendo visto algo. Mesmo que a bagagem de uma vida influencie nesse tipo de experiência, ela é externa. O que acontece com o chá não alucina. Quando Raquel começou a tomar o chá, em 2014, fazia o ritual de 15 em 15 dias, um sábado sim, um sábado não. Foi assim por dois anos, depois disso espaçou. No início tomava um copinho cheio, hoje se toma um pouquinho faz mais efeito do que aquele copinho lá de 2014. “Isso porque minha consciência e interior estão trabalhados de uma maneira diferente, que hoje já entra na força, num processo de meditação profundo”. Na teoria, é a fórmula C12H16N2 que nasce nos grandes caldeirões. A fórmula composta por Carbono, O tomar Nitrogênio e Hidrogênio é conhecida como DMT (DiEnquanto o processo interno metiltriptamina), um elemento que dança dentro de começa a amadurecer, no espaço todos os seres vivos, inclusive nos homens e mulheres. Rapa Nuy, Vinicius e Tati presidem Na prática, o corpo humano produz uma substância que a cerimônia, servindo o chá para regula o poder do DMT e o papel do chá acaba sendo coos participantes, que aguardam locar essa substância como coadjuvante e permitir que em estado meditativo. A pequena com o consumo de DMT externo, ele possa agir. dose é a primeira da noite. Mas É assim que o organismo fica livre para permitir podem vir mais duas, ao longo das que a glândula pineal faça o trabalho de cura. É a seis horas de ritual. Para quem vai glândula pineal que oferece uma passagem dentro pela primeira vez é aconselhável do corpo humano para o chamado mundo do soque tome uma segunda dose quan- nho. É lá que vivem as visões, insights, questões que do for aberta a segunda tomada, podem ser chamadas por alguns de intuição. “Eu para sentir como o chá trabalha no defino como a sensação descrita por pessoas que seu corpo. Mas não é a quantida- acreditam ter passado por experiências de quase de que se toma que influencia na morte, que dizem estar em um lugar iluminado, um experiência. É justamente isso que lugar de livre acesso”, diz Raquel Carneiro. indica a experiência ser enO chá demora cerca de 20 minutos para teógena e não alucinógena. Fábio: “faltam começar a fazer efeito no organismo. Depois Enteógeno significa jo- palavras para disso, vem um formigamento em todo o corgar para dentro. As ligações explicar a po, que pode não ser bem um formigamenfeitas a partir do chá são in- experiência” to, mas uma sensação de leveza. Os ruídos

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ficam muito mais altos e a pele fica muito mais sensível. É essa a sensação da expansão da consciência. A atenção é redobrada e até mesmo o ruído da formiguinha que está passando logo ali parece barulho de elefante. A atenção ecoa com o ruído do vento, o movimento do céu e das nuvens.

O autoconhecimento Renascer é a palavra que descreve a sensação que tem quem toma o chá. Pelo menos, para Raquel Carneiro é exatamente essa a sensação. Enquanto a sala cheia de colchonetes, cobertores e travesseiros formando um círculo é ocupada por quem chega com a missão de curar, o chá começa a ser manuseado. Gelado e vindo de longe, o líquido servido no espaço Rapa Nuy em Porto Alegre, é produzido por um dos povos originários que abre as portas da medicina da floresta para que os brancos da cidade possam ser curados. Fábio Duarte reflete sobre a transformação que a ayahuasca trouxe nos últimos anos para sua vida. O rapaz fala tranquilamente, sorrindo e olhando para o alto, enquanto relembra seu processo de autoconhecimento com o chá: “Faltam palavras no nosso vocabulário para explicar a experiência com a ayahuasca”. O mais perto de uma explicação palpável é pensar em um momento de meditação em que se entra em um nível de concentração muito grande, a ponto de nesta meditação ver e entender pontos pessoais necessários de serem resolvidos dentro de si. A medicina da floresta, milenar e poderosa, envolve muito mais do que o processo de autoconhecimento. É de consciência que Raquel fala, quando diz que expandiram espaços internos na própria mente, de que antes ela não tinha controle. Mas ayahuasca não é chá de camomila que se aprecia numa tarde chuvosa ou em momento de relaxamento. É curativo e medicinal. Isso é inclusive o que a legislação permite o uso exclusivamente ritualístico da substância. A pergunta que ecoa é: você vai fazer uso do chá ou das medicinas da floresta com que propósito? Qual seu objetivo com isso? Porque você vai adentrar dentro de um conhecimento sagrado, que até então só os pajés possuíam. Então,


com que objetivo você quer viver isso? Recreativo? Para se divertir? Raquel responde que as pessoas que ela conhece e tomaram o chá sem propósito, apenas para se divertir, “se deram mal”. As primeiras assimilações são primárias: Como é a sua relação com a sua mãe? De onde vem a raiva que você sente dela? De onde vem o comportamento dela com você? Ou seu pai, por que ele tratou você assim? Por que você trata ele assim? Mas não é todo mundo que consegue encarar as respostas internas que acabam surgindo para estas perguntas. Isso porque algumas pessoas precisam de anos para absorver certas análises, não é todo mundo que consegue lidar com os processos acontecendo rápido demais na tua própria cabeça. Sem que exista um controle interno e sem que seja pensado sobre o que está acontecendo internamente, respostas e análises surgem. Vem o chá e abre janelinhas que podiam estar muito bem fechadas, mostra por que aconteceram certas coisas. Essas respostas não estão fora de cada um, estão dentro de cada um, esperando para ser encontradas. Tem quem vá embora dizendo nunca mais querer voltar, que “é forte demais”, “não é para mim”, “não mudou nada”. São essas pessoas que Raquel considera que se deram mal, não estavam ali com propósitos. Porque se de-

pararam com questões internas, nuas e cruas. O ego, o tamanho do egoísmo, a ansiedade, o controle. Como lidar com cada característica que acaba fazendo doer saber que tu és assim? O que acontece com essa descoberta? Para além de quem vai embora sem vontade de voltar, tem também quem quer encarar seus próprios demônios, mas não consegue ficar dentro de si. Elas entram num processo de “peia”, o nome dado para o aprendizado intensivo, os momentos em que ficam se debatendo, se perguntando o que estão fazendo ali, porque não conseguem administrar o temporal de significados que são entregues no ritual.

A transformação Ansiedade, ser mais paciente, repensar vícios, ter ainda mais controle sobre si mesmo, mudanças nas entranhas. A transformação que a ayahuasca causa na vida de quem vive o ritual é para além da expansão da mente. Fábio era uma pessoa calma antes de começar a tomar o chá, mas hoje é em meio ao caos que a calma se mantém de forma ainda mais plena. Em relação a vícios, foi o álcool o primeiro a dar sinais de que não faria mais sentido. Mesmo que não bebesse todo dia, foi durante um efeito, entre vômito e desconforto, que ele entendeu que não fazia mais sentido aquele recreativo.

Raquel foi a ansiedade e o controle. Mas foi o ciclo menstrual que causou o impacto mais biológico. O ciclo que era desregulado, regulou. Os hormônios consumidos pela pílula anticoncepcional para ajustar o fluxo, foram largados, assim como as dores de cabeça e cólicas constantes. “Tu começas a ter uma outra percepção do funcionamento do teu corpo, o chá te proporciona entender que a natureza não é algo a parte de ti, e sim algo que integra, não existe a natureza e tu, tu és parte de todo esse movimento, do tempo e de todos os outros seres vivos”.

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“Não foi fácil escrever sobre a ayahuasca, entender a ancestralidade e a transformação que envolve o chá. Já começou a ser difícil no momento em que entendi o que o chá representava para quem tomava, o renascer que muita gente passa e os demônios internos que são enfrentados nos rituais. Confesso que tive medo de enfrentar meus próprios demônios, medo de ver quais são as minhas inseguranças e o que a medicina da floresta me mostraria caso eu entrasse profundamente dentro de mim mesma. Ouvir sobre a descoberta pessoal do Fábio e da Raquel, e de tantos outros que eu ouvi para escrever essa reportagem, me fez pensar sobre minhas próprias descobertas pessoais. E me fez não tomar o chá, por não sentir que eu precisasse, de fato, viver para contar sobre. Mas nem foi só de fontes e de pesquisa sobre ayahuasca essa reportagem. A conhecida jornalista Eliane Brum foi a principal fonte não direta desta reportagem. Lendo sobre as parteiras amazônicas de Eliane, eu me emocionei e tentei ao máximo transmitir nas minhas palavras, honrando as dela. Tem muito que nós não conhecemos, tem muito que nós nem devemos conhecer. Isso porque a ancestralidade, a oralidade e a história do povo da mata são fascinantes. Raquel me ensinou isso. Sobre o respeito que se deve ter com a cultura dos povos originários, sobre não necessariamente estarem abertos para serem explorados. O povo da floresta, a medicina da mata e a transformação que muita gente passa a partir do chá me transformaram de longe. Quero um dia ir até lá para ver de perto tudo isso.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 49


O VERDADEIRO VAL Numismatas enxergam artefatos históricos onde outras pessoas só veem poder financeiro TEXTO DE PEDRO HAMEISTER | FOTOS DE BRUNA LAGO

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oedas, aos olhos da maioria das pessoas, são simplesmente dinheiro feito para juntar e trocar por bens materiais. Porém, para alguns indivíduos esses pequenos objetos metálicos carregados no bolso têm um valor que vai muito além daquele que foi cunhado neles. Tratam-se dos numismatas. Para quem não está familiarizado com a numismática, esse termo pode soar como uma espécie de seita ou sociedade secreta, quando na verdade é apenas o estudo sob o ponto de vista histórico das moedas. E não é preciso procurar muito para encontrar algum praticante dessa ciência. Pode-se encontrar um deles no Centro de Porto Alegre. Mais especificamente, na Galeria Edith, na movimentada Rua dos Andradas. O edifício se estende por 18 andares, e no 11º está a loja de antiguidades de Marcelo Carvalho. Embora não seja a maior loja de Porto Alegre em questão de área – o estabelecimento pode ser considerado como um apartamento pequeno – a quantidade de história armazenada lá, por meio das coleções de Marcelo, não cabe em suas quatro paredes. Bonecos, ioiôs, garrafas de Coca-Cola e talheres da extinta companhia aérea Varig são só alguns dos muitos objetos que decoram aquele espaço. Porém, no meio de tantas relíquias, o verdadeiro xodó de Marcelo é seu enorme arsenal de moedas.

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Natural do Rio de Janeiro, Marcelo conta que passou por muitas dificuldades ao longo da vida. Tudo começou ainda na infância, com a morte de sua mãe. Ele tinha apenas cinco anos na época e até hoje, com 42, se recorda do episódio com lágrimas nos olhos. A partir de então, passou a vida se mudando com seu pai e os dois irmãos entre o Rio Grande do Sul e de volta a sua terra natal, até que por fim eles se estabeleceram de vez em solo gaúcho, quando Marcelo tinha 11 anos. – Acho que ter crescido apenas com o meu pai, sem o carinho da minha mãe, fez de mim uma pessoa meio grossa. Ele nunca nos maltratou, mas também nunca foi muito de demonstrar sentimentos. Penso que acabei me tornando igual a ele nesse sentido – comenta o numismata, ao relembrar sua infância repleta de imprevistos.

Como tudo começou

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O interesse de Marcelo pela numismática surgiu durante um período em que ele morou com o padrinho de um dos seus irmãos, que era praticante da ciência e pedia a ajuda das crianças para cuidar das moedas. Porém, levaria muitos anos para o próprio Marcelo começar a trabalhar com isso. Antes, ele foi marceneiro, e muita coisa era diferente em sua vida na época. Inclusive o seu próprio corpo: – Eu já fui muito magro, até que comecei a malhar e acabei me viciando nisso. Ia muito na academia e tinha um corpo escultural no tempo em que eu era marceneiro. Cheguei a ter 115 quilos de massa muscular e até fui chamado para fazer umas fotos para a Caras numa vez em que estava viajando a trabalho em Fortaleza – relembra Marcelo, com o olhar distante e um ar de saudade em sua voz. Tudo isso mudou depois que um acidente de trabalho danificou uma vértebra de sua coluna. Agora, Marcelo não pode carregar peso, o que o obrigou não só a parar de ir à academia, mas também a largar o

Níquel 58,693


LOR DO DINHEIRO

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emprego como marceneiro. Foi então que, em 2010, novamente por influência do padrinho de seu irmão, ele decidiu transformar uma paixão que carregava há muitos anos em algo profissional e começou a juntar moedas antigas e estrangeiras para vendê-las a colecionadores. A numismática não se resume apenas em encontrar moedas antigas e vendê-las para quem estiver disposto a pagar seu preço. Assim como em qualquer outra ciência, é preciso ser verdadeiramente interessado no assunto para trabalhar com ele, pois exige muito estudo, conhecimento e leitura. O numismata precisa saber analisar as moedas com profundidade para compreender todo o valor histórico e social que ela carrega. “A moeda conta a história do mundo”, é o que Marcelo afirma sobre esses pequenos objetos metálicos. É justo, então, afirmar que ele tem em mãos um verdadeiro registro de boa parte da história da humanidade. O numismata guarda em sua loja mais de 10 mil moedas, vindas de praticamente todos os países do mundo e feitas dos mais

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diversos metais, tais como níquel, cobre, ouro, prata quanto ela vale. Foi aí que me dei e bronze. O tempo em que o Brasil era uma colônia conta de que havia obtido uma rade Portugal, a Alemanha sob o regime nazista e até ridade – explica Marcelo. mesmo o Império Romano são alguns dos períodos R$ 20 mil. Esse é o valor históricos encontrados no arsenal de Marcelo. Esse pelo qual aquele Patacão foi último se configura nas duas moedas mais antigas vendido. E com esse dinheiro, que ele possui no momento, ambas de 245 d.C. e Marcelo fez o que, segundo ele, bastante deterioradas pela ação do tempo, ao ponto todo numismata sempre faz: pade estarem parecendo com pequenas pedras. gou as suas contas e comprou Isso sem mencionar o valor financeiro do estoque mais moedas para a loja. de Marcelo, que não é aquele cunhado nas moedas. – Todo dia precisamos renovar Ao todo, o numismata calcula que atualmente tem em o nosso estoque. Eu tenho clientes mãos cerca de R$ 700 mil através do seu arsenal. Mui- que vêm aqui na loja duas vezes por tos fatores influenciam no quanto elas valem no merca- semana, e eles não querem ver semdo, como o nível de raridade, material de que são feitas, pre a mesma coisa. Preciso ter noviestado de conservação, se já está ou não catalogada, dades para mostrar – explica. entre outros. Isso faz com que a moeda possa valer Além da sua loja de antiguidadesde R$ 1,00 até dezenas de milhares de reais. des, Marcelo também possui um Financeiramente falando, o auge da carreira de pub em Torres, no Litoral Norte, numismata de Marcelo foi quando ele deu a sor- que ele abriu ao procurar outras te de botar as mãos em uma moeda brasileira de alternativas de trabalho. Como 960 réis, do ano de 1816, feita de prata na Casa da muitos vão para a praia durante Moeda de Minas Gerais e que é apelidada de “Pata- o verão, seu estabelecimento no cão”. Segundo ele próprio, é uma das moedas mais centro de Porto Alegre acaba firaras já encontradas no Rio Grande do Sul. cando com menos movimento, e o – Eu consegui ela em um lote com várias moe- numismata passa mais tempo tradas que comprei de um marceneiro. Paguei R$ 180 balhando em seu segundo negócio. por cada uma delas. Como ele não é um Já no restante do ano, ele numismata, não tinha como ele saber o va- Cada moeda de deixa o pub aos cuidados lor dela. Na verdade, nem eu sabia quan- Marcelo conta uma de seus funcionários e só do comprei. Parte do trabalho é analisar parte da história vai para lá em alguns fiminuciosamente a moeda para descobrir da humanidade nais de semana.


E em casa?

Se tem um tesouro na vida de Marcelo que é ainda mais valioso do que suas moedas, é a sua família. Ele tem dois filhos: Marcyelen, de 15 anos, e Marcelo Henrique, de 6. Diz que o nascimento deles conseguiu amolecer seu coração e amenizou sua grossura. Ele apenas lamenta que nunca pôde segurar o Marcelo Henrique no colo, devido ao acidente de trabalho que prejudicou sua coluna. Sua primogênita foi fruto de seu primeiro casamento. Hoje ela mora em Florianópolis com a mãe e passa as férias escolares com o pai. O caçula nasceu no casamento atual de Marcelo e possui Síndrome de Asperger, uma variação do autismo que faz a pessoa ter certa dificuldade em interações sociais, mas muita facilidade em aprender sobre determinados tópicos. – Com um ano de idade, o Marcelo Henrique aprendeu sozinho a falar inglês apenas mexendo no celular e assistindo programas de TV americanos. Hoje ele também fala um pouco de mandarim e adora jogos eletrônicos – conta o pai, cheio de

orgulho – Ele também sabe direitinho o nome das ruas e se orienta muito bem. Se eu dobro para o lado errado, ele vem me corrigir e diz que é para eu ir pelo outro caminho. Uma das diversões da família é assistir programas de TV em inglês enquanto o pequeno traduz para os pais as falas dos personagens. Porém, segundo o numismata, o Marcelo Henrique não teve essa mesma facilidade para começar a falar em português, que acabou por se tornar a sua segunda língua. Marcelo também conta que seu filho é muito social, brinca com as outras crianças e abraça qualquer visita que chega na casa. Porém, uma coisa que lhe falta é a noção de perigo, o que leva o Marcelo Henrique a fazer coisas como subir na janela sem nenhum medo de cair e se atravessar na frente de um balanço em movimento, correndo o risco de ser atingido. Na esperança de tornar seu trabalho uma coisa de toda a família, Marcelo já tentou transmitir para seus filhos seu amor pela numismática. Porém, não adiantou

e isso permanece sendo uma coisa só dele. Na verdade, o Marcelo Henrique vê uma coisa interessante nas moedas do pai: ele acha divertido pegá-las e jogálas. Nem mesmo sua esposa se interessa pelo assunto, tanto que ela não permite que o marido leve seu estoque para casa. Não somente as moedas, mas todos os itens à venda na loja de Marcelo devem permanecer onde estão, a menos que sejam vendidos. O máximo que o numismata pode levar para casa são alguns de seus artigos do Flamengo, time para o qual ele torce apaixonadamente, tendo até o brasão tatuado no braço.

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IMPRESSÕES DO REPÓRTER

“Eu fiquei muito interessado pelo tema escolhido para esta revista. Enxerguei como um desafio para explorarmos nossa criatividade e capacidade de encontrar pautas nas coisas mais simples do nosso dia a dia. Na produção dessa reportagem, aprendi muita coisa nova. Eu não tinha conhecimento sobre a numismática, nunca havia escutado essa palavra antes. Minha ideia inicial era falar sobre colecionadores de moedas antigas. Ao procurar fontes, dei de cara com o Marcelo, um numismata, e aprendi a diferença entre uma coisa e a outra. O colecionador junta as moedas como um passatempo, enquanto o numismata é um profissional, alguém que estudou muito sobre o assunto e enxerga esses objetos metálicos com um olhar totalmente diferente. E enquanto eu entrevistava Marcelo, eu não esperava ouvir uma história de vida tão repleta de altos e baixos, de surpresas boas e ruins. Foram aprendizados atrás de aprendizados trabalhar nessa reportagem, o que acredito ser exatamente como é a vida de muitos repórteres.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 53


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Escândio 44,956

Lisandra recorda a emoção de percorrer as 284 curvas da estrada da Serra do Rio do Rastro, em Santa Catarina

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SOBRE DUAS RODAS Ciclistas viajam quilômetros em busca de saúde, amizade, superação e diversão TEXTO DE VANESSA PULS FOTOS DE VINICIUS EMMANUELLI

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les são médicos, advogados, eletricistas, donos de casa, educadores físicos, que em meio à rotina profissional, sempre acham um tempo para buscar aventura e novas amizades. Enfrentam o vento, a chuva, o sol e qualquer outro obstáculo. Tudo pelo amor de estar sobre duas rodas, seguindo a direção do vento, seja na sua “Terra dos Bons Ventos” ou em qualquer outra paisagem do Rio Grande do Sul, do Brasil, ou quem sabe um dia, do mundo. Há cinco anos, na cidade de Osório, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, muito conhecida como a Terra dos Bons Ventos, um círculo de amigos apaixonados por pedalar se reuniu para fazer o que mais gostam. Foi quando Joelson Magni, de 41 anos, percebendo a dificuldade de unir a todos, resolveu criar um grupo no aplicativo WhatsApp. Nascia então o Grupo Pedivela, nome muito característico, considerando que se refere a uma peça fundamental para a bicicleta.

Joelson é eletricista, pai de uma menina de oito anos e amante das pedaladas. Ele conta que já participou de mais de 50 eventos, sendo o maior deles neste ano, no qual completou um percurso de 1.016 quilômetros. O ciclista mostra, orgulhoso, todas as suas medalhas, mas salienta que até hoje o principal objetivo é a diversão e a integração. O Pedivela, que iniciou exclusivamente masculino, hoje conta com 37 integrantes, entre homens e mulheres e vai muito além de um grupo de rede social. Tornou-se uma Associação. As reuniões são feitas uma vez ao mês, nas quais além de descontrair, seus integrantes discutem questões importantes sobre os próximos eventos. Toda quartafeira acontece a pedalada noturna, aberta a toda comunidade, que tem como ponto de encontro o Posto Buffon, em Osório e já realizou mais de 70 encontros. A personal trainer Lisandra Uhmann é uma das que se integrou ao grupo. Ela conta que antes pedalava em grupos femininos, mas aos poucos estes foram se PRIMEIRA IMPRESSÃO 55


Joelson participou de mais de 50 eventos

desfazendo. Foi então que, através dos passeios das quartas-feiras, começou a integrar-se nos grupos masculinos. Em novembro de 2018, presenteou a todos com uma grande conquista. A ciclista conta que passou meses se preparando, pensando em como encarar as 284 curvas da estrada da Serra do Rio do Rastro, em Santa Catarina. Depois de decidido fazer o percurso de Speed (conforme explicado abaixo) vieram os muitos treinos na subida do Morro da Borússia, em Osório. Depois de muita ajuda e dicas de alguns amigos que já conheciam o trecho e confiavam no seu potencial, chegou o tão esperado dia. A largada foi dada às 6h40, no centrinho do município de Lauro Müller. O percurso tinha um total de 24,6 quilômetros, com uma estrada sinuosa logo de início, porém ainda tranquila. “Após oito quilômetros, iniciaram-se algumas subidas, ainda amenas, fazendo com que continuasse tranquilo para mim. Logo em seguida o acostamento acaba, mas como a pista é fechada para o evento, isso não fez diferença, dava ainda para apreciar a bela vista das montanhas ao longe, e até as lanchonetes no meio da serra. Caía muita água daquelas pedras gigantescas, tudo lindo demais”, recorda a personal. Lembra perfeitamente da pista, que em seguida, se estreitou. Muretas começaram a aparecer e o que era asfalto foi virando concreto. Ela destaca que os próximos oito quilômetros eram de muitas subidas e curvas. O que mais tinha eram os “cotovelos”, como são chamadas as curvas muito fechadas. Segundo Lisandra, não acabavam nunca, era uma atrás da outra. “As pernas começaram a doer, o coração parecia que ia sair pela boca, mas eu segui em frente, firme e forte, e às vezes, ainda fazendo alguma pose para os inúmeros fotógrafos ao longo 56 PRIMEIRA IMPRESSÃO

do percurso”. Mesmo com alguns recuos do lado direito, Lisandra levou adiante o seu maior objetivo, que era subir sem parar, sem descer da bicicleta, “zerar a Serra”, na linguagem dos ciclistas. “A Serra sempre reserva surpresas, a temperatura vai caindo, mas o corpo vai pegando fogo. E a gente tira uma energia não sei de onde, porque a cada curva a vontade é ainda maior de seguir em frente. Acho que a natureza mágica da Serra fornece essa energia inexplicável”, conta a ciclista. Lisandra lembra que ao se aproximar, exausta, do alto da serra, um ciclista falou de passagem: “Força que só faltam mais duas curvas”. Ela diz que não vai esquecer nunca. “Quando visualizei aquela placa escrita Bem-vindos à Serra, ah, foi bom demais. Pensei que havia acabado ali”. Mas ainda não havia acabado,

Sandro, Rodrigo, Lisandra e Daniel mostram algumas de suas premiações


faltava pouco mais de um quilômetro até chegar ao Mirante, a 1.421 metros de altitude, com a vista que ela descreve como a mais linda da Serra do Rio do Rastro. “Lá em cima, você vê todo o percurso que fez pedalando (sem parar). Você vê todas aquelas curvas, vê todo o seu trabalho de subida. Isso não tem preço, não tem explicação, dá vontade de chorar e de rir. É uma emoção misturada com dor, cansaço, felicidade, êxtase. É um sonho. Depois ainda subir no pódio de primeiro lugar, é muita emoção, mesmo”, comemora. O ciclismo muda a vida das pessoas, como é o caso de Valdenir da Rosa Ferreira, de 43 anos, que costumava pedalar sozinho por aí. Foi quando, quatro anos atrás, pedalando pela estrada do Palmital, em Osório, começou a encontrar pelo caminho alguns ciclistas. Ele conta que recebeu um convite para participar de um grupo, que era o Só Pedal, da fisioterapeuta Cíntia Ribeiro de Sant, e através dele conheceu os ciclistas do Pedivela. “Conforme fui participando, construí novas amizades e tive a oportunidade de conhecer lugares lindos do Rio Grande do Sul, como Cambará do Sul, a Cascata

da Andorinha, em Rolante, entre outros. A saúde também melhorou muito e, inclusive, o médico pediu para eu continuar pedalando. Hoje não tenho diabetes graças ao pedal”, explica Valdenir. Marcelo André Conceição também é membro do Grupo Pedivela e lembra do seu primeiro Audax, em Criciúma-SC: “Eu estava acompanhando dois ciclistas, que mais adiante ficaram para trás, mas eu continuei. Peguei um vento contra na praia de Laguna e foi terrível, achei que fosse desistir ali, pois o vento estava a mais de 30 quilômetros por hora, contra mim. Então eu não sabia para que lado segurar a bicicleta”, conta. Segundo ele, essa foi a mais difícil competição de que já participou, mas, apesar de tudo, não desistiu e conseguiu concluir. É assim que, por trás do uniforme de cores predominantes amarela e laranja, a persistência dos integrantes do Grupo Pedivela e o amor pelo esporte se preserva. Seus membros incentivam as pessoas, mostram a sua importância para a saúde, para o convívio e para a vida. Guiados pelos ventos da Terra dos Bons Ventos eles pedalam em busca de seus sonhos.

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“Era um dia ensolarado e ventava bastante. Dias assim são comuns na cidade de Osório. Aguardei o fotógrafo em frente ao Parque de Rodeios e Eventos Jorge Dariva, onde o Grupo Pedivela realiza seus encontros. Assim que ele chegou, fomos até os entrevistados. Não estavam todos presentes, mas fomos recebidos com muito carinho. Alguns membros eu já conhecia, porém foi uma surpresa encontrá-los, pois não sabia que participavam das pedaladas. Conversamos e expliquei sobre o tema da revista. Conforme eu falava, podia ver em suas expressões a expectativa que estavam depositando no meu trabalho. Fizemos as fotos e, na sequência, a entrevista. Nesse momento, eu pude sentir nas palavras deles a paixão que demonstravam pelo ciclismo e o quanto isso os motivava. Comecei a admirar toda essa dedicação e força de vontade e, por um instante, senti vontade de ser como eles, de sentir o gostinho da liberdade, do vento tocando o rosto e de poder apreciar a beleza de tantos lugares. “

O ESPORTE A bicicleta é um meio bastante utilizado nos dias de hoje, seja para deslocar-se até o trabalho, para ir à escola, para competir ou somente para passear. Ela está presente na vida de todos os brasileiros. E na sua fabricação encontra-se um elemento raro, o Escândio (Sc), de número atômico 21 na Tabela Periódica, encontrado através de vestígios em minerais espalhados pela Terra. O ciclismo surgiu como um esporte ainda no século XIX, na Inglaterra, e é atualmente uma das atividades físicas mais praticadas no Brasil. Entre as principais modalidades estão: • As competições de pista, que geralmente acontecem em pistas fechadas, chamadas de velódromo; • O ciclismo de estrada, ou Speed, que é uma competição de longa distância, disputada em estradas, como o nome mesmo já diz; • A mountain bike, que é conhecida como ciclismo de aventura, com competições disputadas em locais abertos, com trilhas de terra que envolvem muitas subidas e descidas; • BMX ou bicicross, que é praticada com bicicletas especiais, em uma espécie de corrida em pistas de terra, surgiu no final da década de 1950, na Europa, e é caracterizada por manobras que vão desde as simples às arriscadas; • E por fim, o Audax, que vem do latim audacioso, e consiste no desafio pessoal de percorrer longas distâncias e terminar o percurso dentro do tempo limite estabelecido. É um desafio totalmente individual, para o qual o psicológico do ciclista influencia muito. PRIMEIRA IMPRESSÃO 57


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Como o material, muitas vezes mal descartado, mudou a vida de Josué e contribui de forma social TEXTO DE EDUARDO VIDAL FOTOS DE SAIMON BIANCHINI

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létrico, brincalhão e de posse de seu chimarrão, bebida que faz questão de oferecer a quem chega para visitá-lo em sua Cooperativa. Esse é Josué Carvalho dos Santos, de 48 anos, a maioria deles dedicado ao trabalho com reciclagem e de catador, que abriu as portas da CooperFeitoria, localizada no bairro Feitoria, em São Leopoldo, para contar as histórias de sua vida e, principalmente, como o alumínio, importante elemento da Tabela Periódica, mudou a sua trajetória profissional. Casado com Isabel e pai de três filhos, Guilherme, Joshua e Eliezer, é dono de uma humildade ímpar e de um conhecimento de causar inveja. Desde muito cedo, Josué exerce a atividade de catador. Dos sete aos 12 anos de idade, na cidade de Carazinho, interior do Rio Grande do Sul, de onde é natural, ele começou juntando ossos e ferros pelas ruas para ajudar o pai em casa. “Naquela época não encontrávamos muito vidro, por exemplo, que era um material muito retornável e que hoje é totalmente descartável. Quem achava uma garrafa de cerveja recebia um valor bem alto na troca, o material que catávamos mesmo era muito ferro e osso. Latas, então, não tinha, e quando tinha eram de azeite”, recorda. Quando mudou-se para Novo Hamburgo, aos 12 anos, para morar com a mãe, ele conta que o objetivo dela era de colocá-lo para trabalhar em um emprego formal, que tivesse registro em sua carteira profissional.

Mas foi como catador que Josué trabalhou até os 14 anos, recolhendo papelão, já que naquela época o alumínio era um material mais difícil de se achar. Porém, com o passar dos anos, ele foi se deslocando da profissão e passou a trabalhar no setor calçadista, em 1984 e, seis anos depois, migrou para São Paulo por causa do seu emprego. “Depois de dez anos morando em São Paulo, eu retornei para o Rio Grande do Sul, em 2000, mas voltei para trabalhar por conta, queria abrir meu próprio negócio. Então eu realizei uma pesquisa de mercado com umas sete ou oito possibilidades, como locadora, oficina de bicicleta, etc. E neste meio tempo, eu tinha um amigo que também era catador de material reciclado, que recolhia o que eu juntava em minha casa. E chegou um momento em que pensei que, mesmo estando afastado do trabalho formal por conta de um problema no meu joelho, poderia caminhar e sair para juntar objetos recicláveis. Nisso, comecei novamente a catar pelas lixeiras do meu bairro. Eu recolhia e meu amigo vinha buscar com sua carrocinha”, conta.

O início Nestes quase 20 anos trabalhando com reciclagem, Josué passou por diversas situações até conseguir abrir a Cooperativa e formalizar o seu negócio. No início, quando saía para recolher materiais dispensados por restaurantes no bairro em que mora, junto com Guilherme, seu

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filho mais velho, muitas vezes acabavam encontrando outras coisas no meio do lixo para conseguir chegar até os objetos que realmente os interessavam. “No lixo a gente encontrava de tudo, principalmente nos restaurantes em que íamos aos finais de semana fazer o recolhimento do que havia sido jogado fora na noite anterior. Tínhamos contato direto com insetos, larvas e outros resíduos também, mas conseguíamos aproveitar muitas coisas e isso era sempre um incentivo para gente seguir querendo algo a mais”, comenta. Com o início da Cooperativa, ele e sua esposa puderam ter uma nova chance de negócio e oferecer uma vida melhor aos filhos, porém, a humildade e a lembrança de tudo que passaram juntos para chegar até onde estão permanecem vivas em Josué, que fala sempre com muito orgulho de sua trajetória. Ele conta também dos preconceitos sofridos, principalmente pelo filho Guilherme, nos tempos em que ca-

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tavam materiais pelas ruas. “Quando a gente saía para catar pela rua, via um saco preto e quando apertava ouvia o barulho do alumínio da lata, era o paraíso, porque aquilo significava a certeza do dinheiro para gente. Eu e o Guilherme – hoje ele é o coordenador da Cooperativa –, passávamos por uma parada onde havia vários conhecidos dele da escola e isso o deixava com muita vergonha de chegar à lixeira e procurar os objetos. Chegou um momento que pensei que precisava fazer algo para mudar isso e fazer ele enxergar aquela situação com outros olhos”, recorda Josué, ao lado do filho, atento às histórias do pai. Diante daquela situação, Josué soube transformar a vergonha do filho em motivação para sempre buscar o melhor. “Na escola ele tinha o apelido de lixeiro. Então, em um dia, eu disse para ele: ‘Guilherme, presta atenção! Essas pessoas que estão no ponto de ônibus, da-

qui um tempo você passará por aqui de carro e elas poderão estar no mesmo lugar ainda, na espera do mesmo ônibus.’ A vergonha dele passou a ser o seu incentivo e orgulho do que fazia e hoje ele é o meu braço direito aqui na Cooperativa”, completa.

O resgate da infância no meio do lixo A infância de Josué foi bem diferente de outras crianças. No trabalho desde muito novo para ajudar seus pais, ele teve pouco tempo para aproveitar as brincadeiras e outras coisas normais da idade. Mas o seu passado também guarda muitas histórias curiosas, que geralmente outras crianças dificilmente passariam hoje. Exemplo de sua primeira compra com o seu próprio dinheiro, algo inusitado e curioso. “Por volta dos meus nove, dez anos, na rua de casa onde morávamos, havia um bazar, e lá tinha uma cinta para vender e eu sempre quis comprá-la, só que não tinha noção de valores. No final de um dia, cheguei no local, dei meu dinheiro e pedi a cinta, não lembro o valor que tinha. Então, não sei se por comoção ou o que, o vendedor me deu o produto. Quando cheguei em casa, meu pai muito bravo me perguntou onde eu estava e onde estava o dinheiro do meu dia de trabalho, aí falei o que havia comprado. Acabei levando uma surra com a própria cin-


Há quatro meses na CooperFeitoria, Stefany recebe atenção, carinho e respeito de seus colegas ta. Por isso que hoje eu digo, cuide com o que você sonha para não virar pesadelo”, conta, aos risos. Por não ter aproveitado seus tempos de criança, ao passar dos anos Josué foi adquirindo o hábito de guardar objetos achados nos processos de reciclagem, principalmente brinquedos, que hoje os cuida com muito carinho em uma coleção exposta em uma prateleira em sua casa. São diversos tipos e tamanhos, incluindo dois carros: um Fusca e uma Limousine, ambos de alumínio. “Todos esses brinquedos vieram na reciclagem, tenho desde o Shrek até o Gargamel. Tenho eles organizados e expostos e a minha motivação para construir essa coleção veio da minha infância”, explica, diante suas raridades.

Superação, inclusão e humanização Entre tantas histórias contadas por Josué em sua Cooperativa, em meio a alumínio, plásticos, ferros e tantos outros objetos, ele destaca com muito orgulho a chegada de uma recente colaboradora no local. Trata-se da jovem Stefany Chaves, de 18 anos. Por ser homossexual, a jovem conta que sofreu muito preconceito em outros lugares onde tentou alguma oportunidade de trabalho, e que encontrou na Coope-

rativa o carinho e acolhimento que sempre procurou. “Estou há quatro meses trabalhando aqui. A primeira vez que cheguei, fiquei meio surpresa, porque em outros locais em que fui fazer entrevista não conseguiram me encaixar em alguma vaga muito pelo jeito que eu sou, por me vestir assim e pela minha opção sexual. Aqui isso não aconteceu. Cada um tem a sua vida, cada um tem suas escolhas, mas todos se respeitam muito”, comenta. Em relação aos seus sonhos e planos para o futuro, Stefany transmite certeza no que quer e o que pensa sobre o seu atual local de trabalho. “É como eu já falei outro dia para um colega, aqui é a minha segunda família. E falando do Josué, que é a pessoa que dá essa oportunidade para todos, eu acho isso muito importante, pois tem muitos chefes que apenas mandam seus funcionários trabalharem e cada um por si, com ele isso não acontece, ele demonstra preocupação com todos. Com esse trabalho eu consegui alugar uma casa para morar com a minha esposa e ele me ajudou bastante. Agora estou correndo atrás, preciso terminar meu ensino médio, pois o meu sonho é fazer faculdade de Direito”, finaliza. Na Cooperativa todos estão inseridos em um pacote de oportunidades que Josué planeja para o

próximo ano. Ele pretende ingressar na faculdade para cursar Psicologia e seus funcionários terão a chance de concluir os estudos – ensino fundamental e ensino médio – com toda a estrutura oferecida na própria instalação. Além disso, após a conclusão dos estudos, o projeto audacioso de Josué segue para a inserção de sua equipe em cursos técnicos de Administração e Logística. “A principal ferramenta que usamos aqui em nossa Cooperativa é o relacionamento interpessoal. Isso é muito intenso entre os colegas e vai além do trabalho, é claro, sem perder o foco no nosso dia a dia e em nossas metas, porque é daqui que sai o sustento de todos. E diante de todas essas histórias riquíssimas que temos aqui, queremos sempre oferecer o melhor para quem trabalha conosco”, relata.

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IMPRESSÕES DO REPÓRTER

“A reportagem me proporcionou conhecer a história muito rica de uma pessoa que transborda humildade e empatia com o ser humano. Ao aprofundar a conversa no universo de uma cooperativa de materiais recicláveis, pude ter a visão de como a união entre as pessoas pode mudar o panorama de um ambiente. O trabalho em conjunto e a alegria de contribuir para que a sociedade seja um pouco melhor é um dos principais objetivos de Josué, que foi quem nos conduziu na visita. E eu, como repórter, estava lá para ouvi-lo e tentar achar um ponto chave naquele emaranhado de alumínios e tantos outros materiais. Porém, consegui bem mais do que isso: a sensibilidade das pessoas daquele local me fizeram descobrir diversas histórias para contar neste espaço. Tenho total certeza que a experiência de viver uma reportagem, conhecer vidas e ter a percepção do que foi exatamente proposto na pauta é muito enriquecedora. Fico feliz em poder colaborar para a história da Revista PI.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 61


A história de Alberto, maquinista que há 30 anos conduz comitivas da Trensurb TEXTO DE RÉGIS VIEGAS FOTOS DE HENRIQUE BERGMANN

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erro, metal maleável, tenaz, de coloração cinza prateado apresentando propriedades magnéticas. É o mais utilizado dos metais e o quarto em abundância na crosta terrestre. A linha férrea por onde trafegam as comitivas de vagões da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb), é composta de trilho de aço de alta resistência TR-57 (57kg/m), perfil RE 115 American Railway Engineering and Maintenance Association (Arema). A processo de transformação do minério de ferro em aço ocorre nas siderúrgicas. O minério de ferro passa por um procedimento de purificação inicial chamado de pelotização. No alto-forno coloca-se o carvão com alto teor de carbono, calcário para remover as impurezas e acrescenta-se o oxigênio para a queima, essa combinação vai resultar no ferro gusa ou ferro fundido e aço. O Brasil é o segundo maior produtor de minério de ferro do mundo, ficando atrás apenas da China.

VIDA SOBRE TR 62 PRIMEIRA IMPRESSÃO


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Alberto, de 56 anos, pai de três filhos e avô de duas garotinhas, é praticante de corridas e malha na academia três vezes por semana. O filho de Djalmo e Dely é um homem forte e ao mesmo tempo sensível, apresentando algumas características semelhantes as do ferro – duro e resistente, mas flexível, para suportar todas as pancadas que a vida já lhe deu.

Segurança e conforto Transportar aproximadamente mil pessoas dentro de quatro vagões, nos horários de maior movimento, é uma tarefa que exige muita concentração e, acima de tudo, responsabilidade. É com este comprometimento que Alberto entra em seu pequeno universo, a cabine de controle do trem, há 30 anos. “Minha obrigação é levar meus passageiros com conforto e, principalmente, em segurança até seu destino”, afirma. O ano era 1989. Enquanto os brasileiros elegiam Fernando Collor de Mello para a presidência da República, em Porto Alegre, Alberto começava a guiar os trens sobre a linha de aço que, na época, cortava ao meio três cidades da Região Metropolitana – Sapucaia do Sul, Esteio e Canoas – antes de entrar na Capital dos gaúchos. A vida de Alberto foi sendo forjada sobre o ferro e o carbono que, após passar por um processo químico, se transformam nos trilhos de aço que sustentam as quatro composições de vagões, que circulam durante todos os dias do ano. Em 1984, quando assinou o contrato com a Trensurb, o jovem Alberto não poderia imaginar que, 35 anos depois, ainda seria o condutor da “minhoca de metal” que transporta atualmente mais de 140 mil pessoas entre Novo Hamburgo e Porto Alegre, a cada dia. Filho de um zelador, durante quase toda sua infância morou em apartamentos e diz nunca ter se acostumado com casas e pátios. Talvez essa vida dentro de condomínios faça com que Alberto se sinta tão bem dentro daquela estreita cabine da máquina de metal pilotada por ele. Seu primeiro cargo na empresa foi o de vendedor de bilhetes. Atuando diretamente com o público, Alberto não se sentia à vontade naquela função. Permaneceu na bilheteria de 1984 a 1989, quando decidiu par64 PRIMEIRA IMPRESSÃO


ticipar de um processo interno de seleção. “Se continuasse trabalhando naquela função, iria acabar matando um”, disse, ao recordar de uma discussão que teve com um usuário. Seu grande amor, Rosane, entrou em sua vida graças ao trabalho de operador. Pois, segundo Alberto, o fato de ela exercer a mesma função que ele, acabou aproximando-os. Julho de 1993, após seis meses de namoro, Rosane engravidou e Alberto pegou suas trouxas de roupas e foi morar com ela e com seu filho Frederico, na Morada do Vale, em Gravataí. O fruto desse relacionamento veio ao mundo em março de 1994, Roberta, a primeira “filhotinha” de operadores da Trensurb. É assim que Alberto se refere à sua primogênita. Rosane estava havia cinco anos dentro das cabines, acelerando o modelo mais antigo dos trens (série-100, que circulam ainda hoje) quando Alberto deu início em sua carreira como operador. Com 26 anos de casamento, Rosane guia não somente os trens, mas também o coração de Alberto, que ao falar de sua amada, abre um largo sorriso seguido de um suspiro.

A incerteza após o fim da linha Desde 2015 aposentado, no modelo especial, em virtude do trabalho exposto a riscos físicos, Alberto ainda está na ativa e sem planos para abandonar a cabine de controle. “Eu nunca pensei em parar, na verdade. Eu não sei o que vou fazer, vou ter dificuldade quando parar. Talvez morar em uma cidade do Interior ou mesmo no Litoral, um local de preferência sem lombas, como Capão da Canoa, um lugar mais tranquilo, onde possa aproveitar ao lado da família.”

Tragédia e superação “Não vou mudar a minha vida, porque ele é quem quis se matar. Poderia ter sido uma corda, poderia ter pulado de um prédio, só que ele escolheu um trem, só que neste trem eu estava dentro”. Setembro de 2007, enquanto milhares de gaúchos comemoram a Revolução Farroupilha, uma fatalidade atinge em cheio a vida de Alberto. Durante uma viagem rumo à São Leopoldo, quando se aproximava da estação São Pedro, algo surgiu repentinamente em sua frente, uma

pessoa deitada sobre os trilhos. A tentativa de evitar o atropelamento foi em vão, e naquele instante a vida de um jovem de apenas 22 anos teve seu fim. No dia da fatalidade, Alberto tinha se programado para ir ao Parque Eduardo Gomes, onde ocorre o acampamento Farroupilha de Canoas. Ele seguiu com seu plano e se encaminhou para o parque, onde encontraria um amigo e sua esposa. Agir com naturalidade poderia ser a melhor maneira de não pensar no acidente, acreditava. Rosane já havia passado por uma situação similar com a qual Alberto acabara de vivenciar. No caso em que esteve envolvida, o trem que ela operava atropelou uma cabeça humana que estava caída entre os trilhos. Muito abalada, Rosane ficou afastada do trabalho. Pensando nisso, ele aguardava o momento correto para informá-la sobre o ocorrido. Em ocorrências de atropelamento, os operadores aguardam em casa até que a empresa agende um horário com um profissional da área da saúde, um psicólogo ou psiquiatra. Alberto aguardou três dias para o encontro. Após o atendimento foi liberado para retornar ao trabalho. A ideia de ocultar de Rosane o acontecido não durou muito, seu amigo e colega de trabalho, com quem se encontrou no parque comentou o caso na presença de sua esposa. Então, Rosane lhe perguntou como ele estava se sentindo, Alberto assegurou que estava tudo sob controle, afim de não a deixá-la preocupada. Na manhã seguinte, enquanto se deslocava para a Faculdade, onde cursava Educação Física, Alberto encontrou uma vizinha que acabou revelando algo até então desconhecido por ele. O jovem que se suicidou morava quatro casas abaixo da sua. Alberto, que não acredita em coincidências, buscava uma explicação para o acidente e repetidamente afirmava que foi uma escolha do “homem lá de cima” (é assim que ele se refere a Deus) apontando as mãos para o céu. Talvez, a ideia de que tudo faça parte dos planos de Deus seja uma forma de evitar os traumas que uma tragédia como esta pode causar. Alguns meses após o incidente, a mãe do jovem acabou descobrindo que um vizinho, Alberto, era o condutor do trem que atropelou seu filho. Segundo algumas pessoas

do bairro, a mulher dizia que “enxergava” uma aura negativa no condutor. “Melhor ela pensar isso do que se sentir culpada, pensando onde errou para que seu filho decidisse tirar a própria vida. Ela iria entrar em parafuso. Deixe-a pensar assim. De repente foi por isso que ele (Deus) me escolheu”.

A filha do coração Alberto, assim como a maioria das pessoas, procura respostas para situações que a vida impõe e que no fundo não precisam de explicação. E foi assim, como uma obra do acaso, que Caroline entrou na vida de Alberto e Rosane. Filha biológica de um primo do operador, Carol vivia, junto de seus três irmãos, em um ambiente que não se parecia nada com um lar. Abandonados pelo pai e com uma mãe que os deixava sozinhos em casa, situação que levou o Conselho Tutelar a procurar os familiares. Os quatro irmãos seriam encaminhados para adoção, mas uma prima de Alberto não aceitou entregar seus familiares nos braços de estranhos e conversou com Rosane e Alberto para que ajudassem na criação dos pequeninos. Após a conversa sobre a situação das crianças, uma visita à casa da prima do operador foi agendada pelos conselheiros. O objetivo era apresentar os quatro irmãos ao casal. Logo na chegada, Rosane se encantou com Carol, que prontamente lhe deu um abraço, como um grito de socorro preso na garanta. Essa demonstração de unidade fez com que a decisão sobre adoção fosse tomada imediatamente. A partir daquele instante, Caroline se passou a ser a “filha do coração” Alberto e de sua esposa. Os dois irmãos de Caroline ficaram morando com a prima de Alberto, inicialmente, depois foram morar com outras famílias. Sua irmã foi adotada por outra família e de vez em quando as duas se encontram nas aulas de dança no Centro de Tradições Gaúchas (CTG), que seus pais frequentam. Alberto segue imutável em sua missão, na condução dos trens, que carregam esperanças e desilusões, alegrias e tristezas de milhares de pessoas, diariamente, há de 30 anos.

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“Primeiramente não tinha ideia de como ligar a história de alguém com elementos da tabela periódica. Então em uma noite enquanto aguardava o trem, surgiu a ideia de entrevistar alguém que trabalhasse sobre os trilhos – nada melhor que um piloto. Depois das tratativas com a assessoria da Trensurb eles me indicaram um operador, seu Alberto, operador de trens há 30 anos. Quando conheci meu entrevistado pensei que não iria conseguir arrancar muita coisa dele, ledo engano. Seu Alberto é uma pessoa muito espontânea, falante e que se mostrou ter uma empatia enorme. Demorei um pouco para encontrar um horário fora de sua escala de trabalho, mas valeu a pena. Conversamos por 3 horas, ininterruptas, e poderíamos ter ficado ali por mais 3 tranquilamente. Como adoro conversar com pessoas de mais idade, foi um prazer ter tido a oportunidade de contar a história de seu Alberto e sobre suas conquistas, perdas e tragédias por quais já passou em sua vida sobre trilhos. “ PRIMEIRA IMPRESSÃO 65


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CONHEÇA O TUCO Gigante criado pelo artista Moacir Becker é cartão de visitas de Sapucaia do Sul TEXTO DE GUILHERME SANTOS | FOTOS DE SASKIA EBENRITER

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o cruzar a Rodovia BR-116 no município de Sapucaia do Sul, localizado na Região Metropolitana de Porto Alegre, e entrar no arco da cidade que dá boas-vindas aos visitantes, seguindo em frente – mas ainda na grande avenida que corta boa parte do município – é possível avistar um gigante de ferro que reside na cidade. Com quatro metros e meio de altura, a estátua chamada de “O Tuco” é, junto do zoológico, atração turística do município. Para os que cruzam a avenida de carro, é possível parar próximo ao monumento e contemplar a estátua e a pequena praça na qual ela fica localizada. A obra foi confeccionada pelo artista plástico Moacir Becker, de 57 anos, que utilizou cerca de seis mil pregos de fixar trilhos de trem em dormentes para construir o monumento. Na confecção da estátua, a cidade teve custo zero. Moacir doou a mão de obra e a extinta Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) forneceu os milhares de pregos utilizados na escultura. Os pregos seriam derretidos pela Gerdau, empresa siderúrgica brasileira com sede em Sapucaia do Sul, porém, a pedido do artista, eles foram doados para o Moacir, o que possibilitou que ele criasse “O Tuco”, obra que levou mais de seis meses para ser concebida. Nenhum outro material, além dos pregos, foi utilizado para a construção da escultura. Os seis mil pregos estão soldados um em cima do outro. Pesando mais

de duas toneladas, o gigante de ferro simula um homem de pé, utilizando um capacete, onde em uma mão possui um martelo e na outra uma águia. Seus pés ficam fixados numa base de concreto. Mais precisamente, “O Tuco” fica instalado na rótula da Avenida Lúcio Bittencourt, em frente ao Sesi e ao ginásio municipal poliesportivo Kurashiki, dois locais muito importantes para os sapucaienses. Lá, o gigante de ferro presencia um grande fluxo de carros em direção ao centro da cidade e observa quem vai pegar a Rodovia BR-116 para sair do município. A escultura de ferro também é testemunha de rodas de chimarrão, conversas corriqueiras e passeios de animais com seus donos. Faça chuva ou faça sol, “O Tuco” vê tudo. A escultura presta uma homenagem aos homens que trabalhavam nas ferrovias, apelidados de “tchuco”. Essa mesma denominação era utilizada para os pregos que usavam na época para prender os dormentes das ferrovias. O

nome “tchuco” surgiu por conta dos funcionários que trabalhavam nos trilhos em grandes e silenciosos campos, onde quem estava presente conseguia ouvir somente o som das marteladas, que era similar a “tchuco”. A obra possui vários simbolismos. O martelo, localizado em sua mão direita e apoiado em seu ombro, significa o trabalho, enquanto a águia, que fica em cima da sua mão esquerda, a liberdade. “Só o trabalho vai te levar a liberdade”, comenta o artista. A obra foi doada pela RFFSA para o município no dia 23 de setembro de 1993. Na cidade, havia a Estação Ferroviária e a linha férrea. Moacir Becker é ex-ferroviário. Atuou na função por treze anos até se aposentar. O monumento esculpido pelo artista é uma homenagem à classe de trabalhadores ferroviários. Com brilho nos olhos, Moacir visita a grande escultura, à qual trata carinhosamente como se fosse um filho. Um misto de alegria e tristeza toma conta do artista.

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Alegria por estar diante de seu grande feito e tristeza pelo aspecto enferrujado do monumento. Acariciando a perna do gigante de ferro, o artista lamenta o desleixo da prefeitura com a obra. Ele conta que foram protocolados diversos pedidos na prefeitura do município pedindo a manutenção do “Tuco”, porém nunca foram atendidos. “É só esfregar com material e produtos adequados que ela (estátua) fica com a aparência natural”, lamenta o artista. “O Tuco” poderia ter sido bem diferente. Primeiramente, a obra seria sobre um maquinista, mas a valentia dos operários que trabalhavam junto às linhas férreas foi considerada mais importante por Moacir. “Independentemente do clima, seja chuva, frio ou calor, eles continuaram lá, trabalhando duro. Eram uns heróis”, relembra Moacir. O gigante de ferro ficou por um fio de não ir para Sapucaia. A estátua, inicialmente, deveria ter sido instalada no Gasômetro, em Porto Alegre. Porém, no meio do processo, havia uma desvalorização da arte em geral por parte da capital gaúcha. Com isso, a prefeitura não demonstrou mais interesse em colocar a obra no Gasômetro. A repercussão desse fato fez com que Moacir recebesse um convite da prefeitura do Rio de Janeiro para realizar uma exposição na cidade do Cristo Redentor. O artista, então, realizou a exposição na Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2000. Além dessa exposição fora do Rio Grande do Sul, Moacir participou de várias exposições no Estado, principalmente na Região Metropolitana de Porto Alegre. Ao longo da sua carreira, Moacir recebeu prêmios por obras como “Dupla Personalidade” e “Motorandino”. Após isso, houve a intervenção do vereador sapucaiense Orlando da Silva, que na época era conhecido de Moacir Becker. Esse vereador sugeriu a vinda da obra para Sapucaia do Sul. Tal proposta foi aceita e aprovada pelo prefeito do município, Luiz Francisco Corrêa Barbosa, que ficou no cargo de 1993 a 1996, o que possibilitou que “O Tuco” fosse parar no local onde permanece até hoje. Moacir Becker, nascido em 1952 e natural de Santa Catarina, veio ainda criança para Sapucaia 68 PRIMEIRA IMPRESSÃO

do Sul, onde reside até hoje. Iniciou sua carreira artística na década de 1980, quando ainda era funcionário da Rede Ferroviária Federal. Ele trabalhava no setor de manutenção da empresa pública e, em seu tempo livre, começou a “brincar” com a sucata que havia na empresa. Enquanto aguardava os trens para manutenção, Moacir transformava trilhos em figuras. Com seu olhar sensível, ele ressignificava o que antes era sucata. Com o apoio dos colegas, Moacir passou a levar mais a sério o que até então era um hobby. A base que o artista tem, que possibilita ele a fazer suas obras, deve aos cursos que realizou no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Lá, Moacir se formou nos cursos de Mecânica e desenho. Por conta desses cursos, ele trabalhou em diversas empresas metalúrgicas da região, aprimorando, assim, seu conhecimento e técnica com soldas, maçaricos e instrumentos similares. O artista, porém, nunca estudou arte. É autodidata no ramo artístico. O núcleo familiar de Moacir Becker é composto pela atual esposa, Denise Lauxen, de 52 anos, contadora aposentada; pelo filho Vinicius Becker, de 18 anos, estudante do Ensino Médio Técnico Integrado em Plásticos; e pela July, cadela que possui quatro anos e é tratada como filha por Moacir e Denise. July não desgruda de Moacir. Enquanto ele está em casa, ela é sua companhia, indo onde ele for. O artista ainda possui mais duas filhas que não moram mais com ele. Francine Becker Rocha, de 41 anos, arquiteta, e Jéssica Becker, de 36 anos, doutora em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Jéssica seguiu os passos do pai e deixou aflorar o seu viés artístico. Ao contrário do pai, que possui o talento de forma autodidata, Jéssica domina as técnicas para a produção de obras. Moacir, ao mostrar o busto do ator Tarcísio Meira feito pela filha, enche-se de orgulho e exalta a habilidade de Jéssica em esculpir bustos “ela é muito boa com esse tipo de obra”, comenta.

Outras obras Moacir Becker possui diversas esculturas. Uma delas é o “Gaú-


cho de Ferro”, que hoje é parte do acervo do Museu do Trem, em São Leopoldo. Obra esta que tem três metros e vinte centímetros de altura e pesa cerca de 800 quilos. Ela consiste na figura do gaúcho com uma cuia na mão. Feito totalmente de aço, o “Gaúcho de Ferro” foi a primeira grande escultura de Moacir, que antes dela já havia feito pequenas obras de madeira, pedra-sabão e ferro. No canto de entrada da casa onde Moacir mora, fica a obra “Feminismo”, feita em 2007 a partir de um tronco inteiro de madeira. Ao falar sobre a escultura e sobre a venda de suas obras, o artista é interrompido pela Denise, sua esposa, que entrega o marido “Quando ele se apaixona pela obra, ele não vende”. Moacir, inicialmente, discorda da afirmação, mas antes mesmo de completar a sua frase, ele dá um sorriso e concorda com Denise, e completa dizendo que cada obra é única e gosta de cada uma delas de modo diferente. Outras obras do artista são os dinossauros de ferro, chamados de “Dino e Sauro”. Hoje, estão localizados na Galeria de Arte, chamada de Galeria Experimental, do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), campus de Sapucaia do Sul. Moacir possui certa proximidade com a escola devido ao fato de ter uma Galeria e ele ser o principal artista da cidade. Assim como o Tuco, Dino e Sauro também são feitos do mesmo material: pregos de ferro que seriam derretidos pela Gerdau. Em outras palavras, os dinossauros são feitos do que sobrou do material utilizado para a confecção do Tuco.

Relação com a Galeria Experimental do IFSul de Sapucaia O espaço organizou, em outubro de 2019, o IV Encontro de Arte, Cultura e Cidadania. O evento foi a retomada de uma experiência que coloca a produção artística no centro das atividades do IFSul, campus de Sapucaia do Sul. Para promover o desenvolvimento artístico-cultural da Região Metropolitana de Porto Alegre, incentiva a formação de artistas, oportunizando o contato do público com as produções artísticas locais, fortalecendo o cenário cultural da Região, sensibilizando a comunidade escolar e ex-

terna frente à pluralidade cultural existente. O Encontro contou com dois homenageados, sendo que um deles era o Moacir Becker. Além de ser homenageado, Moacir possui os mascotes do IV Encontro de Arte, Cultura e Cidadania, que são as obras “Dino” e “Sauro”. Os dinossauros são as caras do evento. Originalmente, um azul e outro vermelho, mas para a quarta edição do Encontro, foram pintados pelo artista urbano e designer gráfico Filipe Siqueira, o Sik, que deixou os dinossauros coloridos. Moacir Becker, parceiro da Galeria Experimental, participa de exposições no espaço desde 2014. Uma obra que ficou bastante tempo na Galeria foi “O Tempo e a Vida”. Essa escultura consiste numa ampulheta transparente com as arestas douradas, onde dentro há um bebê de um lado da ampulheta e, no outro, um velho. Pequenas bolinhas de plásticos, que simulam a areia, partem de um lado para o outro, mostrando que a vida é cíclica e que todos nascemos e envelhecemos, ou seja, estaremos em ambos os lados da ampulheta em algum momento da vida.

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IMPRESSÕES DO REPÓRTER

“Falar sobre arte é sempre difícil. Exige uma sensibilidade maior e uma capacidade de interpretação que nunca sabemos se temos ou não. Moacir Becker mostrou para mim e para a Saskia, minha fotógrafa, suas diversas – e diferentes – obras. A obra e vida desse artista renderia facilmente uma edição da PI totalmente dedicada a ele. A escultura “O Tuco” e o artista Moacir Becker fazem parte da história do município de Sapucaia do Sul. Foi um prazer enorme aprender um pouco mais sobre um monumento tão importante para a cidade, como é o Tuco. A forma como o artista olhava para a sua obra mais importante se assemelhava muito a um pai olhando orgulhoso para seu filho. Presenciar esse momento foi algo indescritível. Moacir criou um vínculo muito bonito com o IFSul – Campus Sapucaia do Sul, escola que, devido a alguns professores, faz da arte um importante instrumento de ensino. Foi emocionante ver como o Moacir foi recebido dentro desse Instituto Federal quando fomos visitar, junto dele, as obras que estavam emprestadas à escola para um evento que estava acontecendo lá naquela semana.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 69


A FOTOGRAFIA ANALÓGICA E SUAS PARTICULARIDADES O digital revolucionou o mundo, mas o filme ainda tem seus amantes TEXTO DE MATHEUS N. VARGAS FOTOS DE LISANDRA STEFFEN

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Br

uando se fala em fotografia, a primeira coisa que vem à cabeça de muitas pessoas são as câmeras digitais, que custam muito caro. Mas não é desse tipo de foto que será falado aqui, e sim das analógicas. As primeiras câmeras fotográficas não possuíam cartões de memória e dependiam de uma coisa chamada filme fotográfico para que os registros pudessem ser feitos. A formação das imagens baseava-se no princípio da câmera escura de orifício, que é uma caixa preta e vazia com um pequeno buraco em um dos seus lados, no qual há a entrada da luz transmitida por um objeto. No lado oposto da câmera é formada a imagem invertida do objeto. Toda câmera fotográfica, seja analógica ou digi-

tal, é baseada nesse sistema. Os filmes fotográficos possuem cloreto e brometo de prata, que escurecem quando são atingidos pela luz. Ocorre a redução dos íons de prata quando esse elemento é incidido pela luz, originando a placa metálica finamente dividida, que é preta. Assim é visto um contraste nos negativos que reproduzem a imagem. Para a fotógrafa Kyung Ha, apesar de todos os avanços tecnológicos que ocorreram, a qualidade da foto digital ainda não alcançou a da analógica, mas está bem próxima. Ao longo de sua formação, Kyung teve muitos “mentores” e um deles é o conhecido fotógrafo gaúcho Eurico Salis, que a alertou a sempre observar o local antes de fotografar. A fotógrafa vê isso como uma tentativa de resgatar o velho costume do analógico.

Bromo 79,904

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Kyung é de uma família com veia artística e define a fotografia como a arte de desenhar com a luz

“Hoje, quando visitamos um local com uma paisagem bonita, é muito comum vermos pessoas dando “cliques” sem planejar, pois o digital permite que, caso não goste das fotos, elas sejam apagadas. No analógico isso não acontece, você tem que ver o local primeiro e planejar a foto que deseja fazer, pois o número de fotos permitido por filme é finito”, alerta Kyung. A fotografia analógica mexe com o lado imaginário do fotógrafo, pois não existe a possibilidade de a foto ser vista antes da revelação, apenas imaginada. “O processo da fotografia analógica é muito gostoso e ela deve ser imaginada antes e depois do clique”, completa Kyung. Outra particularidade da fotografia analógica é que, às vezes, ocorrem erros que embelezam ainda mais a foto. Kyung mostra uma fotografia sua como exemplo, de uma cachoeira que por algum motivo ficou com uma mancha branca no canto superior, dando um tom poético à paisagem. Kyung vem de uma família formada por artistas. “Todos temos uma vertente criativa. Uns pintam, outros dançam e uma curiosidade é que todos são autodidatas. Minha forma de arte é o desenho. Desenho hiper-realista é minha paixão e a fotografia nada mais é do que desenhar com a luz”, lembra Kyung. 72 PRIMEIRA IMPRESSÃO

Como é feita a revelação? O processo de revelação das fotografias deve ser feito no escuro, o que para Kyung é terapêutico. “Como o processo é todo realizado no escuro, estar com os olhos abertos ou fechados é indiferente, eu aproveito e viajo”, completa. Já no escuro, a ponta do filme que fica para fora da bobina deve ser encaixada no espiral do tanque, enquanto o filme é retirado ele deve ser enrolado no espiral. Quando o filme acabar, ele deve ser cortado rente a bobina. Depois, o espiral deve ser encaixado no tanque, que necessita ser muito bem fechado. A partir desse momento, as luzes já podem ser ligadas, pois o tanque veda a sua entrada. Importante: os químicos utilizados no processo devem estar entre 18 e 24ºc. Retire a tampa e despeje 450ml do químico revelador. Agite levemente o tanque por oito minutos, dê leves batidas com o mesmo em uma toalha sobre a bancada para que as bolhas se desprendam do filme. Depois de agitar pelo tempo necessário, despeje o líquido em algum recipiente e insira no tanque 450ml de químico interruptor (ácido acético/água) e agite de maneira leve por cerca de um minuto e meio.

Despeje o químico interruptor e insira no tanque o químico fixador e agite (levemente) por mais oito minutos e despeje. Após todos esses processos o filme estará revelado e já pode receber luz, porém, ainda é necessário passar por uma lavagem final, que pode ser feita com água corrente e detergente.

O descarte dos químicos No processo de revelação e ampliação das fotografias se trabalha com muitos químicos que, por motivos óbvios não podem ser simplesmente descartados na natureza, pois o impacto ambiental seria enorme. O técnico do laboratório de fotografia da Unisinos, Daniel Fraga, explica como a instituição faz o descarte. Daniel afirma que a Unisinos é orientada e regida pela norma ISO 14001, que consiste em quatro passos: planejar, executar, verificar e agir, podendo ser brevemente descritos: • Planejar: estabelecer os objetivos e projetos necessários para atingir os resultados em concordância com a política ambiental da organização. • Executar: implementar os processos. • Verificar: monitorar e medir os processos em conformidade com a política ambiental, objetivos, metas, requisitos legais e relatar os resultados. • Agir: agir para continuamente melhorar o desempenho do sistema de gestão ambiental. Segundo Daniel, o normativo diz que o descarte deve ser feito em bombonas. “Os técnicos da Unisinos são orientados a armazenar todos os químicos utilizados em bombonas de plástico, pois esse material não é corroído quando entra contato com


os resíduos”, informa. Outra regra determina que as bombonas devem ter etiquetas que identifiquem o resíduo, a instituição e qual foi a aplicação. As organizações responsáveis pelo monitoramento dos químicos são a Polícia Federal e o Exército. “Semestralmente, nós, técnicos, precisamos fazer relatórios para eles. Nos relatórios, nós listamos todos os químicos que temos e comunicamos como eles estão armazenados e em o que estão sendo aplicados”, explica Daniel. O Exército só permite que sejam armazenados 60 litros de químicos. A Unisinos usa três: o revelador, o fixador e o neutralizador, ou seja, só se pode ter 20 litros de cada. “Quando estamos perto de atingir os 20 litros permitidos, transferimos das bombonas pequenas para uma grande, de 20. Após, encaminhamos a bombona grande para uma empresa que faz a anulação desses químicos com o intuito de reduzir o seu impacto na natureza”, finaliza Daniel.

Quais as outras aplicações do bromo? Além da fotografia, o bromo pode ter muitas outras aplicações

em nosso dia a dia. Por exemplo, um interruptor de chamas. Os retardantes de chamas são bromados e consistem em mais de 70 substâncias químicas diferentes, com propriedades distintas e que são utilizadas para equipamentos eletrodomésticos como televisores, computadores, rádios, geladeiras e máquinas lavar. Eles também são usados em diferentes meios de transporte e em espumas de móveis estofados. Outra aplicação do bromo é na redução na emissão de mercúrio. Os produtos à base de brometo são usados para reduzir as emissões de mercúrio das usinas de carvão, onde são gerados mais de 40% da eletricidade mundial. Quando o carvão é queimado, o mercúrio (Hg) que está presente pode ser liberado. Os aditivos de brometo convertem o mercúrio elementar em sua forma oxidada, podendo então, ser capturados com mais facilidade pelo equipamento de controle de emissão.

E o elemento? Identificado na Tabela Periódica pelo símbolo Br e número atômico (Z) 35, o bromo é classificado como não metal. Possui uma massa polar de 79,90 g/mol e eletronegatividade de 2,96 na escala Pauling (escala que tem a função de medir a eletronegatividade dos elementos químicos). O bromo é encontrado em oceanos, nos quais está presente em uma concentração de 67 mg/L. Foi extraído pela primeira vez em 1826, por Antoine-Jerôme Balard, a partir da concentração residual da água das salinas que obteve uma substância líquida avermelhada e de cheiro penetrante. Um dos principais minerais que contém o bromo é a bromargirita (mineral natural de brometo de prata encontrado principalmente no México e Chile).

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“Apesar de não ter um vasto conhecimento em fotografia, tenho interesse pelo assunto. Conversar com a Kyung não foi apenas bom para a matéria, foi para mim também, pois ela tem um conhecimento muito grande e uma forma de ver a fotografia como eu nunca havia visto. Entender o processo de revelação e ampliação (que eu não fazia ideia que eram coisas diferentes) e descobrir como é feito o processo de descarte e reaproveitamento dos muitos químicos que são usados no processo mudaram o jeito como eu vejo a fotografia. Lisandra e eu tivemos muita sorte em encontrar a Kyung na Universidade, pois, segundo a própria, apenas ela está fazendo a disciplina de fotografia analógica nesse semestre. O fato de encontrar alguém na Unisinos que já trabalhe com o tema que escolhemos abordar facilitou muito em questão de deslocamento, mas em questão do desafio de escrever um bom conteúdo, foi enorme. Esse texto que vocês acabaram de ler foi fruto de muito trabalho.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 73


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Ra Rádio (226)

NAS ONDAS DA SOLIDARIEDADE Como o rádio aproxima pessoas e faz da comunidade uma família TEXTO DE CÉSAR WEILER FOTOS DE MATHEUS RAMOS

O

ano é 1977. As luzes pelo corredor, uma a uma, começam a se apagar como se fossem pinos de boliche que caem logo depois do impacto com a bola. Ao fundo, se ouve um ‘boa noite’, e um aviso: “Paulo, amanhã tu deves acordar cedo”. A resposta é apenas um revide a saudação anterior e uma afirmativa ao alerta. A porta, entreaberta, deixa a oportunidade perfeita para que o moleque seja flagrado em sua mais nova empreitada da noite. O companheiro, um rádio de pilhas, ligado em uma emissora

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AM qualquer, vai zelar o sono do garoto que pestaneja ao som dos acordes e das palavras do locutor. Pode não parecer, mas esse é um pequeno trecho de uma história de amor que atravessa os anos. As ondas que perpassam terra e mar levam bem mais do que o som. No rádio, a banda de Amplitude Modulada (AM), tem a diferença clássica na forma de transmissão por antenas. Essas jogam o sinal muito além das menores de Frequência Modulada (FM). O seu homônimo é o octogésimo oitavo elemento químico da tabela periódica. Um metal terroso,


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que recebe esse nome pois seus óxidos foram por muito tempo chamados de terra. Porém, mesmo causando maiores emoções que o elemento, o AM está bem próximo do fim. O que para sempre vai ficar, são as emocionantes histórias com a “latinha”. Paulo Ricardo Silveira Rodrigues cresceu. E, por ironia do destino, se tornou Paulinho. Os microfones, que entregaram o apelido a ele, nem sempre estiveram no horizonte próximo do rapaz, mas desde quando tinha seus 8 anos, estiveram como chama em seu coração. Hoje, aos 50, Paulinho se sente feliz em poder afirmar que faz da vida o que mais gosta: trabalhar com rádio e com as pessoas. Contudo, quem só enxerga o presente, não imagina como foi complicada a caminhada. Depois do primeiro contato, por meio do rádio dado de presente pelo padrinho, a vida, o destino ou Deus, como gosta de afirmar, se encarregou de colocar o estúdio e o microfone na história do rapaz. “Meu saudoso pai cantava. E sempre trocava de duplas no sertanejo. Até que um dia alguém deu a ideia de que o parceiro ideal para ele estava em casa”, conta Paulinho. Assim se iniciaram as diversas visitas de pai e filho aos estúdios AM de Gravataí. A paixão pelos microfones e pela música só aumentava com as participações nos programas de rádio. O tempo passou e as páginas do livro da vida foram viradas. A dupla não mais existia. Um casamento, um novo emprego e a mesma paixão lá no fundo do peito formaram os novos episódios. Até que, “em 2008, trabalhava como analista de Recursos Humanos (RH) e um colega de empresa fazia um extra em uma rádio comunitária. Ele me convidava sempre para locução de programas por lá e eu dizia que aquilo não era pra mim, pois ainda não me imaginava no microfone”, contou o mesmo Paulinho que logo em seguida, após novas investidas de seu incentivador, cedeu a novidade. Depois de 11 anos, em meio as recordações, os olhos marejaram ao relembrar da experiência fascinante, como ele mesmo classifica. A trilha rodou por completo uma vez. Quem estava com o ouvido colado do outro lado do rádio não 76 PRIMEIRA IMPRESSÃO

ouviu a voz humana anunciando a hora e a temperatura. Quando a mesa de áudio se encarregou de reiniciar a trilha, já não tinha escolha. “Tive que entrar e começar, de qualquer jeito. Cara, a partir dali eu me apaixonei”.

Portão Depois da inesquecível primeira vez, vieram as rádios web e os trabalhos não remunerados. Em um momento que mais parece cena de filme, os joelhos se dobraram ao pé da cama para realizar uma oração. A situação não era fácil. A depressão batia à porta. O túnel era escuro. O sentimento ainda estava no peito. “Um dia ainda vou ter meu programa de rádio diário”. E o dia chegou. Mal o desconforto do atrito dos joelhos com o chão passou, o telefone tocou. Era uma antiga ouvinte, com uma solução. O rumo agora era a cidade de Portão, mais longe da capital. Desembarcou no final de semana e começou na segunda-feira, 5 de março de 2012. O anjo da vez foi a ouvinte das webs, Ironi Borba. Essa história conta um pouco do que o rádio significa para seus fiéis ouvintes. Muito mais no AM, como opinam os atentos ouvintes. A relação vai se estreitando e a amizade vai ficando cada vez mais presente. As histórias de jantas, cafés, almoços e chimarrões compartilhados se

multiplicam. “Com isso eu aprendi a valorizar os meus ouvintes”, explica Paulinho Rodrigues, que completa: “comecei a ver que tudo não faria sentido se fosse só para rodar músicas, mas teria que ser ponte para ajudar pessoas”. A emissora AM de Portão, 1430 no dial, tem um público fiel. Os mais chegados, quando menos esperam, ouvem da sua porta ecoar um som de batidas. É o locutor companheiro, agora deste mesmo lado, pedindo um quilo de alimento para completar mais um rancho para ser doado aos mais necessitados. A ajuda que Paulinho relata com felicidade não é bradada aos quatro ventos, mas é sentida na comunidade portonense. “O AM está fadado a acabar e a tendência é que a tecnologia tome o espaço”, afirma com uma certeza entristecida. A constatação do locutor, depois de um suspiro, é que nem mesmo os automóveis têm a banda AM para ser opção de escolha. O público migra. Sai do rádio de pilhas para um toque em uma tela de celular. Não abandona.

Ponte Substantivo feminino. Obra construída para estabelecer comunicação entre dois pontos, separados por um curso de água. Fato. Isso se o AM não colocasse um cachorro em meio a história toda. De um lado da margem os locuto-

Paulinho é avesso às imagens, mas com a voz não se esconde e dá forma para a cooperação


res e as canções. De outro, Inês (esquerda) preciso apoiar quem é os fiéis ouvintes, sempre e Luciane daqui”, explica, decidiatentos e interessados em representam da, a cuidadora de idoa união entre fazer da emissora uma po- locutor e ouvinte sos, que se divide entre as tência de solidariedade. pelo bem comum suas atividades e as lon“Coragem”. Esse foi gas ‘rodas’ de chimarrão o nome que Paulinho mesmo es- solitárias em sua cozinha. colheu, conta aos risos a ouvinte Entre um recado e outro, os Inês Terezinha da Silva, segurando pedidos de música fazem sucesso. seu cão de estimação. O peque- Se não é atendida, Inês não se no mamífero nem faz ideia, mas zanga, pois como ela mesma diz, representa a vontade de ajudar, acontece. O que também ocorunida aos necessitados. Inês, que re é a troca de experiências com também não larga seu pequeno outras pessoas que encaram a rorádio, cuidaria do cachorrinho tina com o ouvido ligado no AM. por apenas uma semana, e essa “Mandei uma música para os ousemana já se estende por três anos, vintes, uma delas retribuiu. Logo depois da fatídica noite em que depois, me mandou um recado, o Coragem quase morreu mal- que em seguida retribui. Um dia tratado por outros cães maiores fui na rádio e acabei conhecendo e foi salvo pelo locutor. a Tina”, explica Inês, logo antes de O sorriso não sai do rosto. Os sorver mais uma vez o mate. óculos grandes repousam em um rosto rejuvenescido pelo alto-as- Possibilidades tral. O abrigo protege da brisa “O rádio é pioneiro”, afirma, que bate serena em um recato tranquilo da pequena cidade confiante, a diretora da rádio AM de pouco mais de 34 mil habi- de Portão, Luciane Brito, 37 anos. tantes. Mas, mais do que isso, Arquiteta de formação, admite combina perfeitamente com seu ser um tanto quanto induzida companheiro, o rádio, que tem para o mundo da locução por lugar cativo no primeiro cômodo conta do sonho do pai. Luciane da residência. O rosa e o branco conta a história com fervor e um combinam entre si e anunciam que brilho nos olhos que não aparece logo que avistada na porta. ali há uma relação especial. Ela adora falar repetidas vezes Luciane entra em sua sala corque não largaria a emissora AM rendo. Se senta à mesa e fala de do município de forma alguma. forma convicta. Porém, o olhar Prefere muito mais o som do que se acalma quando junta a rádio as vozes combinadas com imagens. AM e os sonhos da família. Luciane, com fisionomia se“Nem está funcionando”, aponta para a parede clara, que contém rena, afirma que a família Brito apenas uma tela escura de 32 po- ter uma rádio hoje, é resultado legadas. E o carinho não é sem de um sonho imaginado pelo motivo: “se eu sou amiga deles, pai, Adolfo Brito, 69 anos, há

muito tempo. “A primeira oportunidade que ele teve na vida para poder ajudar a família foi ser operador de áudio, tocando discos na madrugada. Um dia o gerente deu a oportunidade de ele entrar no ar”, explicou a filha de Adolfo. Vieram as concessões. As disputas. Os lances e a oportunidade da família, que vivia em Sobradinho, ir de muda para Portão. Tudo isso entre 2001 e 2009, quando aí, a rádio invadia a casa dos ouvintes portonenses. Uma pesquisa de campo foi realizada para saber o que o povo da cidade gostava. Ao que parece, deu certo. Os ouvintes se tornaram fiéis. Sobre tecnologia e o rádio AM, Luciana não titubeia: “é importante frisar que a internet, a TV e o rádio, cada um tem seu espaço”. Otimista, a diretora ainda acredita que o meio vai crescer, pois compara o tipo de público que consome a mídia e chega a conclusão de que a tradição do rádio e a fidelidade dos ouvintes vão manter acesa a chama da vontade de acompanhar o mundo que passa por uma onda de rádio.

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“Realizar uma reportagem como essa foi surpreendente. Um daqueles momentos que se ingressa em uma pauta pensando em um resultado e o que vem é bem diferente. O rádio é o veículo mais consumido pelos brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (Ibope). Essa realidade foi observada também na entrevista e no brilho dos olhos, tanto da ouvinte quanto do locutor. O que mais fascinou foi o apoio mútuo que acontece entre os que se ligam na emissora AM 1430 de Portão. É uma ponte, entre quem quer ajudar e os que precisam de ajuda, muitas vezes, básica para viver. Fazer esse projeto me fez enxergar um novo lado dessa mídia. Certamente, muito mais bonito e que dá um maior sentido ao trabalho feito nos estúdios e que invade os corações, se materializando em alimentos, brinquedos e até cadeira de rodas. Rádio não é só um tocador de músicas, mas um ‘aproximador’ de pessoas.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 77


(DI) FUSÕES DE ÍN

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NDIO

Os descendentes dos primeiros habitantes do Brasil nada de índio têm, mas usam este elemento como ninguém

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TEXTO DE LUANA ROSALES FOTOS DE TAMIRES TRESCASTRO

os fundos do pátio, a menina de longos cabelos negros e pouco mais de um metro e meio de altura espera na porta de casa. Vestindo calça jeans, um blusão branco com listras pretas e pantufas na cor cinza, recebe duas completas desconhecidas. Até então, elas só tinham conversado através de uma tela – daquelas que se usa para tudo hoje em dia, até para chegar na casa da moça. Receptiva, ela abraça e agradece a presença, mas, até então, ninguém sabe o que vai sair do encontro. As três entram e começam a conversar enquanto a dona da casa termina de secar a pia, curiosa para saber mais. A jovem, que de pequena só tem o tamanho, coloca água para esquentar e oferece um chá – de cidreira ou de hortelã – na tarde nublada de uma quarta-feira típica de setembro. A casa é bem diferente das imagens que se vê ao pesquisar o termo “casa indígena” no mais famoso site de buscas da internet, onde só aparecem imagens de ocas naquela mesma tela. Nada tem de diferente das outras moradias da Zona Sul de Porto Alegre, a não ser pela ausência da tela da TV. Alguns detalhes revelam que uma indígena mora ali. No canto da parede, um cesto para roupas, que comprou de guaranis em uma feira. Ao lado da porta do quarto, um cesto menor, desta vez para o lixo. Mas é no único lugar que fez questão de deixar fotografar – as prateleiras fixadas na parede do dormitório – que está a maior materialização do que liga a jovem de 29 anos com a própria ancestralidade: os livros. Foi por conta deles que a estudiosa de nome Julie e sobrenome Dorrico se mudou de Rondônia para Porto Alegre em busca de ser doutora e, pelo terceiro ano, estuda imersa nas Letras da Pontifícia Universidade Católica. Sentada de pernas cruzadas e gesticulando com a mão em cima da mesa que está ao seu lado, ela conta que desembarcou na capital gaúcha em março de 2017. A ideia inicial era estudar uma única obra literária, mas foi logo no Sul que a moça do Norte co-

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In Índio 114,82

meçou a ter contato com escritores do movimento da literatura indígena e foco da pesquisa se ampliou.

Entre índio e indígena Mais ou menos na metade do ano, Julie conheceu Daniel Munduruku, por quem seus olhos pretos brilham de admiração. E não é de se tirar a razão, pois é um dos fundadores da literatura indígena brasileira, lá na década de 1990, e já tem mais de 50 obras publicadas. Em vídeo reproduzido na mesma tela, que a moça sorridente indicou, o homem de meia idade e cabelos na altura do ombro explica que as palavras índio e indígena não são a mesma coisa, arrancando risos da plateia: – A maioria das pessoas acha que uma é derivação da outra, e não é. Se vocês tiverem curiosidade, procurem no dicionário, vocês vão se surpreender. O primeiro significado que aparece lá é que índio é o elemento químico número 49 da tabela periódica. Lindo isso, né? Eu achei lindo isso aí. Já sou preguiçoso e tudo mais e ainda sou também um elemento químico. Pena que não seja explosivo, não seria tão perigoso assim. E, realmente, nada de explosivo tem o índio. Está, aliás, presente na vida de todo mundo, ou quase. O tal do elemento químico é um metal usado, entre outras coisas, para fabricar telas de cristal líquido, ou de LCD, como também são conhecidas – telas de celulares, computadores e televisões. Daniel tem, inclusive, uma livraria chamada Maracá, especificamente de literatura indígena brasileira. Para encontrar a estante, só através de uma tela feita com índio. Através de uma dessas, também é possível encontrar o livro que Julie PRIMEIRA IMPRESSÃO 79


acabou de organizar com colegas do doutorado, Literatura Indígena Brasileira Contemporânea. É curioso que, mesmo com tanta evolução, ainda tem muita gente achando que o indígena tem que ser atrasado. Em meio aos barulhos da obra que acontecia na casa da frente, Julie conta a história, entre tantas outras, que uma amiga passou no aeroporto. Usando as pinturas tradicionais, entrou no banheiro e uma garotinha se empolgou: – Mãe, olha! Uma índia! A mãe desdenhou e disse: – Deixa de ser boba menina, não tá vendo que ela tá viajando de avião? Entre os “tus” e “bahs” de quem já é praticamente gaúcha e casada com um, Julie comenta o acontecido: – Quando o colonizador vem e diz assim, você precisa se integrar a isso para evoluir, ele diz que tudo do indígena é atrasado ou é primitivo. Quando ele diz que o indígena, ao usar o celular, a calça jeans, aprender a língua portuguesa, ao se converter ao cristianismo, ao entrar no mercado de trabalho é enfim um

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cidadão, ele está negando toda uma tradição indígena. É isso que garante a ele permanecer nesse status de superior, a ponto desse discurso ser repetido até hoje. Julie faz a referência, como uma boa acadêmica, às falas de Daniel. Ele diz que o celular, o livro, as redes sociais são as novas tecnologias da memória. Se, no passado, utilizou-se a tradição oral e esses conhecimentos para dar uma unidade ao povo, hoje essas formas de manifestação e ferramentas são utilizadas para dar uma nova dimensão a essa memória, numa perspectiva de que culturas não são fechadas. – Era como se fosse dizer: por que o indígena no Século XXI não usaria um celular? Eles não anulam a tradição, eles não deixam de contar as histórias porque eles têm celular. Não deixam de cantar, de praticar suas tradições. Elas vão se incorporando e fazendo parte daquilo.

Ela é Macuxi e outras histórias Foi através das telas feitas de índio que Julie descobriu, também, sua ancestralidade. Depois de se deparar com tanta literatura indígena, a curiosidade se transformou em autoconhecimento. A menina, que então já tinha 27 anos de idade, foi criada fora das tradições do seu povo e sentiu que precisava descobrir suas raízes. Foi a uma palestra e ouviu que era preciso ouvir os mais velhos, pois eles estavam sumindo. Interpretando o conselho à sua própria maneira, resolveu mandar uma mensagem para a sua mãe, e digitou: – Mãe, a gente tem alguma descendência indígena?

E ela respondeu: – Ah, a sua avó é Macuxi. – Sabe? Como se fosse uma coisa óbvia, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Quando a minha mãe falou isso, mudou toda a minha vida. A partir desse momento, a jovem começou a se reencontrar em vários sentidos. Curioso é que sempre gostou de pimenta e, quando começou a investigar a própria identidade, contou a descoberta da origem para um amigo. Ele logo disse para ela procurar o prato do seu povo na internet. Julie escreveu o termo “damurida” no Google e o que apareceu foi um caldo com muita pimenta e um pouco de peixe. Se arrepiou na hora: – Foi um sentimento tão doido. Sabe quando tu descobre uma coisa que faz parte da tua ancestralidade e que tu entende porque tu é assim? Aquele dia eu entendi porque eu gosto da pimenta, sei fazer tapete de crochê, sei desenhar e tenho um monte de vieses artísticos. Porque os povos indígenas são assim, eles cantam, dançam, pintam, fazem esculturas, tão sempre aprendendo


muito artesanato. Acho que foi o primeiro sentimento transcendental que eu tive com relação à cultura. É um sentimento muito bom, mas assusta também, sabe. As mesmas pimentas ilustram a capa do livro que Julie vai publicar em novembro, Eu sou Macuxi e outras histórias, que fala do resgate desta ancestralidade. Para publicar o livro, ela entrou em contato com a editora pelo Instagram, despretensiosamente, e pediram para mandar o texto por e-mail. Quando responderam que queriam publicar, Julie nem acreditou, e antes da assinatura do contrato, já estavam postando nas redes sociais a nova obra.

Aldeia virtual A principal forma da moça se atualizar é através das telas feitas de índio, onde existe todo um movimento que Julie chama de aldeias virtuais, formado pelas comunidades indígenas nas redes sociais. Segundo a Macuxi, com muito orgulho, os indígenas estão usando o elemento periódico para difundir as suas pautas, suas falas, seus sentimentos.

– A nossa praça hoje é aqui, né gente – e gesticula em direção ao celular, que está sempre por perto – tá nas redes sociais. Se tu quer falar para muita gente, tem que estar de alguma forma engajado e eles também se deram conta disso. É uma caminhada grande, nacional de fortalecer essa ancestralidade indígena no Brasil e é muito legal. Com carinho nas palavras e firmeza de quem sabe o que está falando, ela dá o exemplo do acampamento terra livre, que aconteceu em abril para reivindicar a remarcação das terras, organizado via Facebook e Instagram. Significativa também foi a marcha das mulheres, no último agosto. – Foi uma coisa muito linda que reuniu mulheres de todos os estados do Brasil. Deu muita gente, assim, para um período tão curto de organização. E a mulherada foi, os homens foram também para apoiar as mulheres. Eu não consegui ir porque eu tava em período de qualificação. Acabou que, do encontro entre as três, saiu uma aula de cultura indígena contemporânea. A futura professora universitária, que pretende voltar para Rondônia e

aplicar tudo que aprendeu, explica que os brancos não são vistos como inimigos. Nas redes sociais, os coletivos buscam justamente o apoio dessa sociedade não indígena: – Quando uma comunidade indígena entra numa rede social, ela quer angariar apoio de todo mundo, porque tá todo mundo nessa causa. Democracia é isso, tá todo mundo lutando para ter espaço, para poder se expressar pelo direito de existir, pelo direito de resistir. E eu acho que as comunidades indígenas fazem muito bem isso.

IR

IMPRESSÕES DA REPÓRTER

“Ter feito a reportagem para a PI se resume em uma palavra: aprendizado. No início, a ideia era visitar uma aldeia, mas descobri que essas comunidades estão ao alcance dos nossos dedos, nas telas feitas com o elemento químico. Quando escolhi a pauta, não fazia ideia de que índio não é a mesma coisa que indígena e de que existe uma vasta literatura escrita pelos descendentes dos primeiros habitantes brasileiros. Em um momento quando muito se fala dos indígenas – e a maioria das pessoas ainda enxerga eles como se estivessem estagnados no ano de 1500 – também se faz fundamental desmistificar preconceitos e colocar esse tipo de assunto em discussão. O jornalismo literário foi interessante para isso, pois dá a oportunidade de humanizar e aprofundar o assunto de forma perene. Então, assim como eu aprendi, espero que as outras pessoas possam ter novos horizontes ao ler a minha matéria. Afinal, a beleza de um texto, tanto jornalístico quanto literário, é a possibilidade de levar conhecimento adiante, para quem lê e para quem escreve.” PRIMEIRA IMPRESSÃO 81


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Atividade Acadêmica: Jornalismo Literário/Narrativas Jornalísticas e Planejamento Editorial Bruna Bertoldi, Caren Rodrigues, César Weiler, Eduardo Vidal, Fernando Campos, Frederico Dias, Guilherme Santos, Karina Verona, Laura Hahner Nienow, Lucas Lanzoni, Matheus Klassmann, Matheus N. Vargas, Natália Collor, Pedro Hameister, Régis Viegas, Renata Simm, Thanise Melo e Vanessa Puls MONITORIA: Dyessica Abadi ESTÁGIO DOCENTE: Luan Pazzini

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Atividade Acadêmica: Projeto Experimental em Fotografia Bruna Lago, Cristina Bieger, Daniela Garcia, Felipe Mazurana, Gabriel Ost, Henrique Bergmann, Kevin Sganzerla, Lisandra Steffen, Mainara Torcheto, Matheus Ramos, Renata Saraiva, Saimon Bianchini, Saskia Ebenriter, Tamires Barbosa, Thaís Lauck e Vinicius Emmanuelli FOTO DE CAPA: Thaís Lauck

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RESPOSTAS — Número atômico: número de prótons encontrados no núcleo de um átomo; Configuração eletrônica: descrição da distribuição dos elétrons por nível de energia; Recorrência de propriedades: repetição de características ou tendências de certos elementos químicos; Ponto de fusão do tungstênio: 3.422°C. 82 PRIMEIRA IMPRESSÃO


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