Primeira Impressão 33

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nº 33 | julho de 2010 |

pi primeira impressão

As Mães da Praça de Maio, que tiveram seus filhos desaparecidos durante a ditadura argentina, deixam sua marca nas ruas de Buenos Aires para que o passado não se apague da memória do país

Tempo, tempo, tempo



AO LEITOR

Os bastidores TEXTO DE BÁRBARA KELLER*

Primeira Impressão finalmente está pronta. Até chegar às mãos dos leitores, ela percorreu um longo caminho e passou por diversas etapas para sua criação. Depois de dois semestres envolvida, uma como aluna e agora como monitora, constatei o inevitável: esse processo de elaboração demanda tempo. Muito tempo. Já na segunda aula, depois de duas horas, 13 assuntos sugeridos para a revista, três votações e algumas manifestações de contrariedade, a turma de 74 alunos finalmente decidiu o tema central da 33ª edição: TEMPO. Enquanto os ponteiros do relógio marcavam o horário do intervalo, ainda era preciso esperar pelas sugestões de pautas. O que começou de forma lenta e despretensiosa se transformou numa profusão de mãos levantadas, vozes alteradas, risos, reclamações – 60 sugestões de pautas depois, as 26 duplas estavam formadas, os fotógrafos nomeados e as matérias, escolhidas. Desse instante até o momento do lançamento da revista, teríamos 16 semanas de muitas alterações, percalços, indecisões e brigas contra o tempo. Enquanto isso, os alunos corriam em busca de histórias e entrevistas para ilustrar, da melhor forma possível, as infinitas possibilidades de retratar o tempo. O que nem sempre era uma tarefa simples. Pautas caíram e foram alteradas, fontes não renderam e foram trocadas, fotógrafos e duplas se desencontraram, sugestões apareceram, mas o tempo parecia não dar trégua. O tempo não espera os entrevistados responderem e-mails, os alunos marcarem entrevistas e escreverem textos. O norteador da revista se tornaria também o grande vilão da história, e seus prazos “impossíveis” travariam uma árdua batalha com os alunos atrasados: “A matéria era para essa segunda-feira? Eu jurei que os professores dariam um prazo a mais”. Cada aluno possui seu ritmo, seu trabalho e seus compromissos, e esses foram alguns dos obstáculos enfrentados pelos estudantes durante o processo de elaboração da Primeira Impressão. Entretanto, o tempo impõe limites, e os prazos, como em qualquer outra publicação, devem ser cumpridos. Durante todas as etapas foram mais de 250 e-mails trocados, três versões de cada matéria entregues para correção, 7.000 caracteres para cada matéria, três semanas de diagramação para que, no dia 28 de junho, pudéssemos ter a revista pronta. Ao folhear a publicação, podemos até lembrar das dificuldades passadas e das brigas contra o tempo, mas isso em nada substitui a satisfação de ver o nome estampado em uma revista como a Primeira Impressão. E espero que você, leitor, também tenha essa mesma sensação ao lê-la.

FOTOS

FRAN

CINE

MATEU

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(*) MONITORA DA DISCIPLINA

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EATTA


ÍNDICE Pretérito imperfeito

Clima

Trânsito

Maternidade

Aeroporto

06

14

24

32

40

Prostituição 48

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10

Ciência

18

Comportamento

28

Esforço

36

Fazendo Plantão

44

Recomeço

52

Dia e noite


Desaparecidos

Volta por cima

56

66

Relacionamentos 74

Fim de jogo

Tripla jornada

Segunda mão

Festa

82

90

98

106

62

Superação

70

Sequestro

78

Meditação

86

Arbitragem

94

À mesa

102

Sabor

110

Expediente PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 5


PRETÉRITO IMPERFEITO

Sobre o relógio o instrumento que mede o tempo pode ser símbolo do pensamento humano sobre a racionalidade, a pressa e a vontade de controlar o mundo

TEXTO DE CARINE WALLAUER E EDUARDO NOZARI FOTOS DE ISMAEL DIAS

P

raga, século XV. Praça da Cidade Velha, parede sul da torre gótica da Câmara Municipal. Um homem ajusta os ponteiros de sua obra-prima, Orloj. Mais de uma década de pesquisa despendida na construção de mecanismos jamais vistos, com engrenagens dentadas, cordas, correntes, dobradiças. A partir daquele dia, o relógio de Praga, um relógio de quatro tempos, se tornaria o engenho mais admirado da Europa. O ponteiro solar indica em números romanos o Tempo da Europa Central. Um aparelho independente anuncia, em números góticos, o Antigo Tempo Boêmio, em que o novo dia começa ao pôr do sol. Ocupando a parte inferior da circunferência, eis o único exemplar existente de medidor do variável Tempo Babilônico – um dia é o período entre a aurora e o crepúsculo. O mostrador do tempo astral, com seu calendário, completa o relógio. Junto, o astrolábio mostra a posição dos signos do zodíaco e, a cada hora cheia, figuras se movimentam, simbolizando os apóstolos, as virtudes e os pecados. Naquele dia, ao final do seu trabalho, o relojoeiro teve os olhos vazados para que nunca mais construísse artefato similar. A história do relógio de Praga é, com certeza, cercada por lendas e mistérios. Muito possivelmente não tenha ocorrido dessa forma, mas o mito secular transparece um fenômeno cada vez mais presente na atualidade: a obsessão pelo tempo. 6 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010

O relógio - de parede, bolso ou pulso - pode ser uma metáfora para a vontade do homem de possuir essa temporalidade, de controlar o mundo de alguma forma. Afinal, sem a medição do passar do tempo e seu produto chamado calendário, hoje poderia ser amanhã, e ontem, semana passada. O relógio pode ser também uma contradição. O homem deseja liberdade, mas construiu uma máquina que regula e engessa a forma como usufrui cada instante de sua rotina. Pode ainda ser uma garantia de que tudo está ocorrendo sob controle, rigorosamente no seu tempo, mesmo quando angústias ou felicidades tentam dizer o contrário. Aí um belo dia você deixa o relógio cair em um chão lamacento ou de pedra dura, escorregar para uma pia de louça suja, afundar na água, ou simplesmente acaba a carga da pilha que o faz funcionar. O ponteiro cessa de apontar. Aquele tempo que você acreditava possuir, que parecia infinito dentro da repetição de um ciclo, parou. Parou no seu relógio, mas continua para o resto do mundo. E você precisa acompanhar esse tempo, que agora você já não aprisiona, mas que, descontrolado, te controla. Psicanalista, membro da mesa diretiva da Associação Psicanalítica de Porto Alegre e com um relógio preso ao pulso, Alfredo Jerusalinsky explica que a obsessão do ho-


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PRETÉRITO IMPERFEITO

mem pelo controle do tempo – e o consequente desespero ao perder esse domínio – é justamente procedente da nossa racionalidade. “À medida que evoluímos cientificamente, foi crescendo a necessidade de não cometermos os mesmos erros do passado. Assim, fomos levados a construir uma ferramenta que nos ajudasse a controlar o tempo futuro e a evitar a angústia de se submeter a equívocos já cometidos. É como se, através desse controle do transcurso temporal, nós pudéssemos controlar a direção da nossa caminhada”, sugere. Para Jean Chevalier e Alain Gheerbr, autores do livro Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes..., a angústia em relação ao tempo tem um viés mais existencial. Eles afirmam que o mundo apresenta um tempo infinito, ou pelo menos imensamente mais longo que o da humanidade. O indivíduo sabe que seu tempo físico na Terra é limitado e, portanto, nenhuma medida comum seria possível. Jerusalinsky fala que, conscientes disso ou não, nós queremos aproveitar nosso tempo restante de forma eficaz e, para isso, vamos criando relógios cada vez mais precisos. “Na Antiguidade um relógio solar ou lunar que contava apenas a passagem do dia era suficiente. Mas nosso desejo crescente de controle e de eliminação dos erros levou a uma progressiva compressão das distâncias entre os pontos de controle temporal. Assim nasce o relógio que marca as horas, depois o que marca os minutos, depois o que marca os

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segundos, os centésimos, os milésimos. Abreviando o ponto de controle em termos de distância, o homem se ilude de que então vai conseguir controlar tudo”, conclui.

A arte de dar corda A prova de que a ideia de controle sobre o tempo está presente no imaginário popular é a presença recorrente desse tema na arte. No cinema, um dos filmes mais recentes a dar conta dessa questão é O curioso caso de Benjamin Button: um velho relojoeiro, na busca da cura para a dor da perda do filho, constrói um relógio que anda ao contrário. Nessa metáfora cheia de engrenagens, o desejo de voltar no tempo e consertar os erros se pronuncia. Já o escritor argentino Julio Cortázar, em um trecho do conto Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio, sugere que, em algum ponto, houve uma inversão de poderes entre criador e criatura: “Pense nisto: quando dão a você de presente um relógio estão dando um pequeno inferno enfeitado, uma corrente de rosas, um calabouço de ar. (...) Não dão um relógio, o presente INSPIRADO EM é você, é você que oferecem para o aniverMODELO SUÍÇO, sário do relógio”. Remi scheffler CONSTRÓI O relógio é também um elemento simRELÓGIOS QUE bólico fundamental no clássico dos quadriANDAM EM nhos Watchmen. A trama central da série SENTIDO ANTI-HORÁRIO se passa em uma realidade alternativa para


o ano de 1985, em um delicado momento da Guerra Fria. Na iminência de uma guerra nuclear, os “vigilantes” (watchmen, em inglês, onde watch também é relógio) se reúnem para salvar a Terra em uma corrida contra o relógio do juízo final. É ele que está na contracapa de cada edição, sempre marcando cinco minutos para a meia-noite, em uma referência a contagem regressiva para o final do mundo. A humanidade correndo contra seu próprio tempo. No verdadeiro ano de 1985, em uma realidade bem menos fictícia que a de Watchmen e anterior ao filme de Benjamin Button, um relojoeiro também construiu um relógio cujos ponteiros apontavam para o passado. Em Novo Hamburgo, Remi Scheffler foi desafiado por um antigo cliente a construir a peça invertida, inspirada em um exemplar suíço. De lá pra cá se passaram 25 anos, e Remi já vendeu quase mil de seus relógios que andam ao contrário. Muitos compradores buscam o produto por uma questão de excentricidade, mas a maioria o adquire por motivos práticos. “Tenho muitos clientes que são proprietários de salões de

beleza. Como ficam a maior parte do tempo de frente para o espelho, nada melhor que um relógio que só pode ser lido pelo reflexo”, conta. Um horário aprisionado no espelho e pessoas prisioneiras do tempo. Assim como Cortázar, Remi acredita que hoje vivemos reféns do relógio. “Não é raro chegar alguém aflito aqui na loja por estar com o relógio quebrado ou sem pilha. Todo mundo quer sempre estar no horário certo. Eu mesmo, que passo o dia consertando esses aparelhos, às vezes tenho vontade de arrumar algum outro relógio que vejo na rua, adiantado ou atrasado. Trabalhar com isso é muito gratificante, até parece que o tempo passa mais rápido”, revela. Relojoeiro, médico e artistas, cada um a seu modo, convergem para uma mesma ideia. O homem, ao mensurar o tempo, tornou algo bastante subjetivo em ciência exata. Não há dúvida de que os ponteiros não mentem, mas também não sabemos se nós mesmos saberemos lidar com essa verdade ou se, então, acabaremos cegos como o relojoeiro de Praga.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

“C

ontrolamos os relógios ou os relógios nos controlam? A instigante premissa do conto de Julio Cortázar - Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio – foi nosso ponto de partida. Logo de cara pensamos em entrevistar um profissional que trabalha justamente com os ponteiros. Em Novo Hamburgo, encontramos o relojoeiro Remi Scheffler, que há 30 anos se dedica a consertar o tempo dos outros. Um fato curioso nos levou até ele: um tal de relógio anti-horário. Para um ponto de vista mais subjetivo, conversamos com o psicanalista Alfredo Jerusalinsky, que em sua profissão segue o tempo lógico: aquele que se faz necessário. Essas duas fontes nos forneceram um material tão rico e substancioso que optamos por não incluir a terceira personagem prevista: um caso clínico de obsessão pelo tempo. Recorremos à literatura e ao cinema para conectar os diferentes pontos de vista. Para nós, o mais interessante nessa reportagem, foi encontrar um momento para refletir justamente sobre como nós mesmos nos relacionamos com o tempo.”

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CIÊNCIA

Das pedras aos dados TEXTO DE Anderson Lopes e Thiago Kittler FOTOS DE ROBERTA ROTH E TIAGO RAMOS

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ROBERTA ROTH

Olhares da Física e da Geologia mostrando o tempo de uma forma incomum

a Física e a Geologia mostraM o tempo de uma forma incomum

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CIÊNCIA

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ascer, crescer, envelhecer e morrer, mas nunca esquecer ou ser esquecido. Esse sempre foi o maior desejo do ser humano. Desde os primórdios ele deixa suas marcas no planeta e algumas podem ser conferidas até hoje. Para a Geologia, porém, as pegadas e pinturas milenares de nossa espécie têm pouquíssimo tempo. Alguns segundos, na verdade. Já na Física o tempo é relativo, conforme o sistema de referências no qual o medimos. Mais do que isso, ainda hoje, um mistério a ser desvendado. Geólogo e professor universitário, Everaldo Rigelo Ferreira analisa fenômenos que ocorreram há milhões de anos mediante registros armazenados nas rochas. Ele diz que somos inquilinos novíssimos nessa morada chamada Terra. “Supondo que a idade do planeta fosse comparada ao período de um ano, o ser humano só teria surgido nos últimos segundos do dia 31 de dezembro”, compara. O tempo estudado em laboratórios foge razoavelmente às medidas com que estamos acostumados. Martin Fleck, professor de Física na Unisinos, explica a causa do estranhamento entre o mundo de teorias que ele domina e o cotidiano prático. “Não percebemos os fenômenos ligados à Relatividade pois eles se mostram quando as velocidades relativas [entre dois observadores] são muito altas, próximas à velocidade da luz”, afirma. Nas duas ciências, o fator chave para compreensão do tempo é o deslocamento de matéria no espaço. Mesmo que isso influa de forma diferente em cada um dos estudos. As formações rochosas, que nos parecem sólidas e pouco mutáveis, estão sempre em movimento devido à gravidade, mesmo que em velocidade quase imperceptível, explica Everaldo. “Uma hora desce uma pedrinha, depois um pouco de terra. Quando algum fator acelera e acontece um movimento mais brusco, fala-se que nunca tinha acontecido, quando na verdade está constantemente acontecendo.” Um fato exemplifica a situação. Na localidade de Forqueta, no município de Arroio do Meio, o morro Canudos passou a ameaçar moradores da encosta. As fortes chuvas do início deste ano fizeram desabar pedras enormes. Apesar do susto, a comunidade não considera que algum deslizamento possa atingir as casas. “Os moradores idosos não temem que um deslizamento possa acontecer pois seus antepassados nunca viram algo do tipo. Mas esses fenômenos podem ocorrer a cada 500 anos”, alerta o geólogo. Everaldo avisa que existe ali um solo em movimentação que já apresenta sinais mais fortes. “As pessoas avaliam nunca ter acontecido algo do tipo, mas não aconteceu durante seu tempo de vida, que é um piscar de olhos para a idade do planeta.”

ENTRE A FÍSICA E A GEOLOGIA Já a Teoria da Relatividade é explicada à base de medições extremamente precisas, mas de difícil reprodução – talvez quando o Colisor de Hádrons, mais famoso como LHC, funcionar plenamente essa situação ainda mude. Isso porque a base para esses estudos é a invariância da velocidade da luz, que atinge 300.000 km/s. Fleck nos dá dois modelos – um “palpável”, digamos, e ou12 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010

tro que lembra os filmes de ficção científica. “Se você estiver em um ônibus e ligar uma lanterna, qual será a velocidade da luz medida? O que se esperaria classicamente seria a soma da velocidade da luz à velocidade do veículo. Mas isso não acontece, e tanto dentro como fora do ônibus a velocidade da luz medida será a mesma, 300.000 km/s.” O professor explica que o resultado das experiências com a luz deixou os estudiosos incomodados por muito tempo. “Passou-se a acreditar na existência de um sistema de referência privilegiado no universo no qual a luz tivesse a velocidade de 300.000 km/s.” Hipótese ainda não confirmada, surge a (outra) ideia: se a velocidade mostra-se igual para diferentes observadores, sendo ela uma medida da distância percorrida pelo tempo transcorrido, ambos, distância e tempo, deveriam ser quantidades relativas ao observador. Habemus Relatividade! No segundo exemplo, a teoria de Einstein nos brinda com um belo storyline cinematográfico. “Dois irmãos gêmeos são separados ao completarem um ano de idade. Um fica na Terra e outro viaja pelo espaço em um veículo que se aproxima da velocidade da luz. Sua viagem dura um ano. Logo, ao chegar, ele completaria dois anos de idade. O gêmeo que ficou na Terra teria cerca de 70 anos.” Mas o mecanismo para a viagem no tempo ainda não está ao alcance dos humanos. Mal conseguimos acelerar um próton à velocidade da luz! Assim como as variações do espaço-tempo são extremamente sutis aos olhos da observação empírica, a evolução geológica se dá em escalas microscópicas diariamente. A Terra está em constante transformação durante seus 4,5 bilhões de anos de idade. Everaldo Rigelo destaca os seguidos tremores de terra ocorridos nos últimos tempos na América Latina como sinal um pouco mais acelerado dessas mudanças. Afirma que nosso continente está se movendo a dois ou três centímetros por ano e que estamos cada vez mais distante da África. “São fenômenos decorrentes das placas tectônicas. Se elas não existissem, nosso planeta seria plano, não haveria montanhas”, assegura o profissional. E o ser humano mal viu os diferentes “humores” do seu planeta natal. “O homem civilizado ainda não passou por uma glaciação [período de refrigeração total do planeta]. Tivemos até um período de muito frio na Europa, mas nada comparado a esse processo que é natural. Se isso ocorresse, por maior que fosse a tecnologia, o homem enfrentaria escassez de alimentos e o número de seres humanos e animais na superfície reduziria. Teríamos que moldar nossa tecnologia a essas condições”, diz o geólogo. Devido a essas movimentações, aparentemente mais frequentes nos últimos tempos, fala-se na transformação e deslocamento dos continentes, bem como no final dos tempos, como prevê o calendário Maia – ou tão somente uma grande mudança em 2012. Everaldo explica que existe um aumento na atividade solar que acontece de 11 em 11 anos, e isso aconteceria em 2012. Isso poderá gerar muitos problemas para as comunicações, pois a irradiação interfere nos equipamentos, nas ondas dos sinais eletrônicos e na energia elétrica. Uma atividade solar muito intensa pode realmente gerar caos. Nem viagens temporais poderiam nos salvar desse perigo


TIAGO RAMOS

CATÁSTROFES QUE O HOMEM JULGA RECENTES ACOMPANHAM O PLANETA DESDE SUAS ORIGENS

hipotético. Nos estudos da Física sobre o tempo, uma regra (ainda) não foi quebrada. “O que nunca mudou é que o tempo transcorre em só uma direção”, pondera o físico Martin. E isso é verificado através de argumentos estatísticos. “Tu podes imaginar o universo como um dado de seis faces, cada uma com um número. Então, na medida em que tu jogas o dado se estabelece uma sequência definida de números que, neste modelo, representa um avanço no relógio do universo. Probabilisticamente, é improvável obter a sequência histórica inversa ao jogarmos o dado mais algumas vezes, ou seja, que as posições anteriores ‘voltem’.” Isto seria a fórmula de desenvolvimento do tempo. Como o percebemos depende – mais uma vez – do sistema de referência. E isto, este “tempo humano”, dá margem a mais interrogações do que certezas. “Nossa civilização tem apenas 20 mil anos e faz parte de um ciclo da terra. Quantas outras poderiam ter existido e sido extintas em 4,4 bilhões de anos?”, indaga o geólogo. “Se o ser humano desaparecer da Terra hoje, em mil anos a maior parte das evidências de que estivemos aqui se extinguirá.” E todo o legado da humanidade poderia desaparecer neste jogar aleatório de dados. Será mesmo que Deus não os joga, Albert Einstein?

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

“E

ntrevistar técnicos sobre temas que não dominamos é uma experiência que pode trazer lições muito interessantes ao custo de escorregarmos – voluntariamente – numa casca de banana a cada três passos. Geologia e Física, então, podem aumentar esse percentual potencialmente. A conversa com o professor (de Física) Martin foi algo tipo a maré: ora ia, ora voltava, e no meio disso tudo ficávamos meio tontos. Às vezes emendávamos raciocínios conjuntos e as coisas pareciam promissoras. Em outras ele discordava veementemente, e nos sentíamos (semi) analfabetos. Mas, no fim das contas, uma tese foi comprovada: verdades dependem unicamente do enfoque pelo qual são observadas. Após a conversa com o geólogo Everaldo, percebemos que era preciso meses para começar a compreender. Enquanto o geólogo mirava por cima dos óculos a parede da sala, suas mãos inquietas pareciam querer explicar que outras criaturas habitaram o planeta antes de nossa civilização. E pior: os vestígios provam que o planeta é um organismo só, que está vivo há 4,4 bilhões de anos e já passou por tempos piores.“

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cLIMA FOTOS BRUNA SCHUCH

SALOMÃO OLIVEIRA, HOJE COM 70 ANOS, PESCA DESDE OS SETE, ACUMULANDO UMA VASTA EXPERIÊNCIA NA PREVISÃO DO TEMPO


Será que vai chover? Os truques de quem se vale da própria observação para prever o tempo

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pergunta é frequente: chove ou não chove? Seja nos elevadores, nas filas, nos momentos de silêncio constrangedor, nas buscas por assunto. Tentar prever o futuro do clima, saber o que vai acontecer amanhã ou depois, é banal para a maioria. Mas é essencial para outros tantos. Como o agricultor Nilo Hansen, 68 anos, e o pescador Salomão Oliveira, 70 anos. Ambos conferem a previsão religiosamente pelas vozes do rádio, dos gráficos dos jornais ou das bonitas moças da televisão. Mas confiam, principalmente, na experiência herdada dos pais e avós e nos muitos e muitos anos de trabalho em que seus colegas são o sol, ou as nuvens, ou os ventos, ou o frio, ou o calor. Nilo Hansen mora no pequeno município de Presidente Lu-

TEXTO DE José Frederico Dilly e Diego Goulart FOTOS DE bruna schuch e roberta roth

cena, de pouco mais de dois mil habitantes. É a típica cidade de uma avenida só, a qual inclusive leva o mesmo nome do município. A casa simples, sem grades, não tem número. Só a referência: passando o pé de bambu antes da divisa com Picada Café. Filho de pais agricultores, Hansen nasceu e foi criado no campo, com mais nove irmãos, em Nova Harmonia, distrito de Nova Petrópolis. Foi professor e político, tendo atuado, inclusive, como vereador e prefeito. Fator preponderante para atuar no campo, a previsão do tempo é acompanhada nos jornais, no rádio e na TV. Previsão que nos tempos antigos era muito falha, de acordo com Hansen. “Eles não tinham uma abrangência regionalizada. Era bem global, e na agricultura é muito importante saber quando PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 15


cLIMA

vai chover para ter a terra pronta para plantar”, explica. Um exemplo dado por Hansen é a batata doce – por muitos anos principal produto plantado em suas terras –, que para ter bom resultado no plantio é preciso assentar quando souber que vai chover. Mas se a previsão oficial é falha, Nilo Hansen precisa contar com a sua própria astúcia de observador. “Nossa previsão são as formiguinhas. Quando elas invadem a casa, avançam pela comida, fazem correr as baratas, é sinal de chuva”, revela. Outro indício é o gritar da saracura. Se a ave fizer barulho pode dar como certa a chuva. O sol também é outro indicador. Quando se põe, luminoso e em tom avermelhado, o tempo será bom. “Mas caso amanheça com esse sinal de luminosidade, forte, vermelho, é um sinal de que vai chover. Não demora dois dias”, comenta. Hansen frisa que a terra é sensível. “Se tu não souberes lidar com ela, estraga e depois não tem mais retorno”. Para deixar a terra no ponto, a lista de fatores é grande. Se lavrála enquanto estiver muito molhada, ela ficará dura e não irá absorver a água. “E isso tudo tem relação com a chuva”, aponta. A umidade é outro sinal abordado pelo agricultor. Se as paredes ou o piso estão molhados, a chuva é certa. E as secas são previstas quando vira o curso do vento. “Quando sopra do norte, forte, é previsão de chuva. Mas quando vem frio é sinal de tempo bom, e pode acabar em seca”, conta. As geadas aparecem quando o vento chega frio ao entardecer. “E, numa dessas, de noite ou de madrugada, esse ventinho para e o orvalho congela”, relata. Em todos esses anos de campo, Hansen ainda criou sua própria teoria: de sete em sete anos o clima muda, intercalando períodos de chuva e seca. “Estamos agora, por exemplo, no ciclo dos anos chuvosos”, diz.

HISTÓRIA DE PESCADOR A pouco mais de 60 quilômetros da Presidente Lucena de Nilo Hansen, quando o relógio marca 4h, o pescador e pastor evangélico Salomão Oliveira acorda e inicia mais um dia de trabalho. Aos 70 anos, afirma com orgulho que viu, de fora, Porto Alegre crescer. Morador da Ilha da Pintada, integrante do Parque Estadual Delta do Jacuí, parte da região metropolitana da capital gaúcha, Oliveira tem da sua casa uma vista privilegiada. “Daqui vemos os fogos de artifício estourar na noite de ano novo.” O barco, ancorado há pouco, era limpo pela tripulação que na noite anterior havia saído para pescar. No convés, um dos filhos de Oliveira limpa o resultado satisfatório da investida, uma bacia grande de “cascudos”, um peixe cuja alcunha foi muito bem empregada. O tempo é essencial para a atividade de Oliveira. Não só pelo resultado da pesca, mas em função da segurança da tripulação do barco. O filho e neto de pescadores faz questão de dar o crédito por tanto conhecimento, não só das águas, como do tempo. “Pesco há algumas horas já, comecei com 16 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010

sete anos”, brinca. Depois de ter o barco carregado com as redes, suprimentos e equipamento obrigatório de segurança, a tripulação parte numa jornada de quatro a cinco horas até a Lagoa dos Patos. Já no destino, o acampamento é montado e as redes postas. Como preparação, a previsão do tempo é acompanhada pela família toda, seja pela televisão ou pelo rádio. Assim como diz o agricultor Hansen, a forma como o sol se põe é uma das maneiras de saber quando vai chover. “É no entardecer o primeiro sinal que nos mostra se o tempo vai mudar”. Na madrugada, longe da cidade e da iluminação, onde não há contraste de luz, Oliveira confere o Caminho de Santiago, nome dado à parte do céu em que há poucas estrelas. “O meio do céu é dividido, e quando o arado está na posição de trabalho em direção ao nascer do sol, o outro dia terá tempo bom. Vamos trabalhar, investir que vai dar bom resultado”, explica com convicção e fé. “Caso o arado estelar saia da posição, com a ponta arriada, meio tenso, cuidado que na entrada da alva, no primeiro clarão do dia alguma coisa vai acontecer, ou seja, vai mudar o vento, chuva, ou se prepara um temporal”, diz o pescador. Oliveira cita também a Estrela-d’Alva, nome popular para o planeta Vênus. Segundo ele, quando ela aparece com a mesma intensidade de luz das outras estrelas o tempo é bom. Mas quando o clarão é diferente, meio afogueado, nos resta esperar porque haverá mudança no tempo. “Ela se mostra às 4h, quando sai do bloco de estrelas e fica sozinha, maior que as outras”, explica. Nesses tantos anos de profissão, passou por várias mudanças climáticas enquanto pescava. Com o rosto franzido de quem sente a dor de uma lembrança ruim, Oliveira pensa por um instante nos episódios que viveu. “Naufragamos três vezes, uma delas na Lagoa dos Patos. Na ocasião, salvamos apenas a pele, nadando mais de quatro horas para chegar à costa”. O tempo virou e a tempestade do sudoeste os alcançou muito forte. “Estávamos com o barco carregado de rede, focados porque estava dando muito peixe. Perdemos a noção de qualquer previsão, e quando olhei para o céu vinha o temporal arrancando pedaço de árvore”. O descuido da tripulação lhes custou toda a carga. O tempo ajuda muito na pescaria. Quando está chuvoso, há mais chances de se ter uma pesca de sucesso porque o peixe fica com mais apetite, segundo Oliveira. “Ele está esperando o que escorre para a água, como minhocas e cascudinhos”, explica. Já em dias de sol o animal fica mais parado. A luminosidade também é um ponto importante. “De noite é o melhor horário, é mais fácil de enganar o peixe.” Quando questionado sobre que relato contundente poderia contar, ele dispara. “História de pescador, só para vocês dizerem que é mentira?” A risada de quem tem uma bagagem extensa de experiências de vida sai leve, assim como a promessa de uma tainha na taquara. Só esperamos que não seja mais uma história de pescador.


ROBERTA ROTH

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

”A

tão banal previsão do tempo, muitas vezes vista como trabalho menor dentro da cadeia de produção jornalística, nos trouxe visões impensadas acerca do tema quando conversamos com as duas personagens da reportagem, Salomão Oliveira e Nilo Hansen. Oliveira nos recebeu em sua casa simples à beira do Guaíba. O filho limpava os peixes na bancada próxima enquanto conversávamos sobre suas experiências naquelas águas. O confronto de realidades tão díspares foi a mesma de ver Porto Alegre de longe. A linguagem simples e a ausência de termos científicos dão lugar à sabedoria de quem aprendeu empiricamente e sofreu com escolhas mal feitas. Como Oliveira, que relatou com pesar quando perdeu o material de trabalho ao ter o barco naufragado em uma tempestade. Quando fomos entrevistar Hansen, nossa primeira dificuldade foi encontrar sua casa, na longa avenida do pequeno município de Presidente Lucena. Assim que encontramos, fomos recebidos pelo vizinho, que pediu para aguardarmos Hansen retornar da missa. Como político e professor que foi, a conversa transcorreu facilmente entre o português e algumas palavras em alemão. Foi a vivência real da simplicidade e da vida tranquila do campo.

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comportamento

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PEDRO BALTAZAR

O valor que nada pode ter

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PATRÍCIA GASTMANN

cartola

Em algum momento você precisa parar... mas não antes de ler esta matéria TEXTO DE Leandro Vignoli e Ursula Schilling FOTOS DE PatrÍcia Gastmann e Pedro Baltazar

V

ocê já se deu conta de como é comum termos tempo para tudo? Ou melhor, de que tentamos arranjar tempo para tudo, ajustamos nossa agenda, apertamos aqui, esticamos ali e encontramos sempre espaço para mais uma coisinha. Se deu conta também de que não tiramos um tempo para fazer nada? Isso mesmo: nada. Opa. Nem se lembra da última vez? Ou isso lhe soou estranho? Pode ser um sinal de alerta. Se a gente não parar, uma hora o corpo e a mente param pela gente. É o que garante o designer Marcelo Bohrer, mentor do Clube de Nadismo, que após uma forte crise hipertensiva (aos vinte e poucos anos, pode crer), decidiu parar... e fazer nada. “Passei a me dar mais conta desse processo louco que a gente vive e de como isso afeta todo mundo”, relata. Foi após o ápice do estresse, e de o seu corpo ter cobrado o preço de uma insana rotina de produzir, produzir e não parar nunca, que ele decidiu fundar o Clube de Nadismo. Em 2005, em Londres, saiu com uma placa que dizia “Você quer aprender a não fazer nada? Tenha lições aqui”. E a ideia vingou. De Londres, veio para o Brasil, foi a Nova Iorque, voltou. Com cerca de sete mil membros, o clube realiza encontros mensais a céu aberto. Baseado na sua experiência, Bohrer até escreveu um livro, Nadismo: uma revolução sem fazer nada, que ele descreve como sendo uma armadilha para a pessoa ficar com muita vontade de fazer nada. Seu símbolo é um cubo branco, que representa o vazio. Sua ideia é transformar o nadismo num movimento mundial como o slow moviment.

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O nadismo Mas, afinal, o que é fazer nada? “Fazer nada é algo altamente complexo e envolve questões filosóficas” (será?!). Marcelo segue: “Nossa cultura aboliu essa prática como se fosse um pecado mortal. Isso porque ‘o nada’ está associado a perder tempo (é verdade!). Isso gera culpa e uma ansiedade muito grande. Temos a sensação de estar sendo inúteis, quando poderíamos estar fazendo outra coisa. A proposta do nadismo é quebrar esse paradigma, dizendo que fazer nada também é aproveitar o tempo de forma benéfica. Bom, pra saber se era mesmo pra valer, e pra trazer uma impressão mais apurada sobre o assunto, a gente foi lá e fez. Nada. No horário marcado para o encontro, estávamos lá. Dois repórteres. Dois fotógrafos. Tudo isso pra nada! O combinado era que, além das câmeras fotográficas, não deveríamos levar nada. Nem papel, nem caneta. Só o corpo e a mente. Ok. Nada de cubo branco, nada de pessoas deitadas na grama olhando para o infinto e o além. Estaríamos nós enganados? Erramos o dia, erramos o local? Nenhuma coisa nem outra. Cerca de 15 minutos depois aparece aquele que a gente suspeitava ser o mentor: esguio, jeitão descansado, bermudão, chinelo de dedos... um ar praiano. Era ele mesmo. Veio em nossa direção, cumprimentou. E sem se desculpar, apenas comentou que o “atraso” se havia dado em função de que era contra os princípios do Clube correr para chegar na hora (sério?!). Tudo bem. Compramos a ideia. Ao nos dirigirmos ao gramado, mais um porção de nadistas (cuidado para não trocar as letras) se juntou ao grupo em torno do grande cubo branco que Marcelo acabara de montar. A preocupação agora era “o que fazer?”. Podia dormir, conversar, mandar sms pelo celular? Depois viemos a saber. NADA podia. O objetivo é encontrar uma posição confortável, permanecer acordado e contemplar, tentar esvaziar a mente. Mas sem se obrigar. Apesar de indicar algumas diretrizes, Marcelo ressalta que o importante é não ficar pensando em fazer nada e simplesmente relaxar.


PEDRO BALTAZAR

É no mínimo diferente. Deitar, ficar acordado e... simplesmente relaxar. Os primeiros 15 minutos servem para baixar a frequência cardíaca e para atenuar a sensação de estranheza. Os outros 15 servem para observar tudo na volta, as pessoas nadeando, os fotógrafos, que não pararam quietos... servem também para roer a unhas, mudar de posição, deitar de costas, de bruços, de lado. Nos 15 minutos finais (são cerca de 45), começa o relaxamento. Isso porque vem aquela resignação de que não há como lutar e que, afinal de contas, parar um pouco, desligar, pode ser bom. Aliás, muito gostoso. Quando a gente começa a se dar conta disso e a curtir a situação, um cutuco no braço indica que o tempo acabou. É Marcelo, estendendo um certificado, por ele assinado, contendo os dizeres “Fulano de tal fez absolutamente nada com estilo e louvor incontestável”. Se isso foi fazer nada, é outra questão: porque deitar, contemplar, pensar não são alguma coisa? Como definir, afinal, esse nada? O neurologista Alexandre Maulaz explica que o nada absoluto não existe: “O cérebro, quando não ‘faz nada’, continua ativo de forma contínua”. Segundo ele, não existe nenhum risco cerebral perceptível decorrente do acúmulo de atividades. Ou seja, mesmo quando nos propomos a fazer nada, a cabeça não para. E ele vai além, sugerindo que no nosso tempo ocioso é importante agregar novas informações. “O cérebro com mais informações é um cérebro com menos risco de danos” (puxa!). Então, não se cobre tanto. O seu nada pode ser ler um livro, uma revista de fofocas, assistir à TV, ir ao teatro. O importante é fazer alguma coisa, sendo ela nada ou não, que lhe proporcione descanso e prazer. Cada um faz sua própria fórmula, pois o nada pode ser várias coisas.

PATRÍCIA GASTMANN

A experiência

ADEPTOS DO NADISMO REÚNEM-SE EM PARQUES, JUNTO A UM CUBO BRANCO, PARA SABOREAR ABSOLUTAMENTE NADA

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comportamento Durante a construção desta matéria, nos propusemos o desafio de praticar o nadismo, mesmo que por pouco tempo. Todos os dias, por uma semana.

Ursula

Eram exatamente 23h46min de uma quintafeira quando resolvi parar e não fazer nada. O que inclui duas verdades: uma, a de que foi o único momento em que pude “nadear” naquele dia; a outra é que, de fato, o meu fazer nada ainda inclui um lanche e uma escovada de dentes antes de dormir – numa adjetivação mais específica, apagar. No dia seguinte, quase uma repetição de cenas. Horário de trabalho, muitas coisas a fazer. Depois, horário pra realizar trabalhos de aula (atrasados, provavelmente, por algum período durante o qual não fiz nada e deveria ter feito), e uma noite que acabou numa festa, na qual, metido na organização, nem se pode considerar lazer. Em algum ponto da experiência – até então, mal-sucedida – de nada fazer, comecei mesmo a pensar nesse ato de ficar à toa, esse “nada” como fim específico. O tempo de lazer, ele é nada? Quando se vai ao cinema, teatro, ao futebol, isso também é nada? Naquele “Clube de Nadismo”, semanas atrás, para fazer esta matéria, nada fiz durante 45 minutos. Mas será? Estava lá, estendido numa praça, deitado, tentando não dormir, porque fazia parte das “regras”. Todo esse ato quase ensaiado e cheio de preocupação estética não é mesmo fazer alguma coisa? Muitas perguntas, eu sei, todas elas a mim mesmo. De volta à experiência, durante o final de semana me dediquei integralmente a ela. Pelo menos nessa percepção que entendi em não fazer nada: dois dias em casa, no esquema do “do sofá pra cama, da cama pro sofá”. Abdiquei de fazer outras coisas, sim, nesse tempo. Coisas que poderiam ser adiantadas – ou feitas no seu tempo correto? - e, embora não se desencadeiem agora, deverão virar uma bola de neve logo ali na frente, quase como aconteceu na semana passada. Ou seja, até onde percebi, “fazer nada” não é mesmo uma opção. Apenas uma folga. Um “quando der”.

PEDRO BALTAZAR

Pequenas doses de nadismo (tema de casa)

Vignoli

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Por uma semana tentei fazer nada. Digo, por uma semana (das de 5 dias), tentei parar todo dia um pouquinho e praticar o meu nadismo. Foi difícil. É algo que requer, senão coragem, no mínimo, disciplina. Dia um: não rolou. Sequer me lembrei do que me havia proposto. Dia dois: mais um dia cheio. Uma vergonha, mas me esqueci outra vez. Dia 5: pra não ser repetitiva, e ser honesta com o leitor, devo admitir que foi aqui, e meio por acidente, que me dei conta de sossegar o facho um pouco. E foi meio sem querer... estava em casa, no domingo. A pauta do dia já estava lotada. Mas entre uma atividade e outra, me lembrei: tenho que parar pra fazer nada. Na cozinha, puxei o tapete, me encostei na geladeira. Na verdade, quem me estimulou foram os meus cachorros. Um deles já estava sobre o tapete. Nadeando. Sentei, chamei o outro que nos estava rodeando. Encostada na geladeira, com um cusco deitado de cada lado, escorados na minhas pernas. Não fiz nada. Apenas relaxei e curti a sensação de descansar, de sentir o pelo dos meus dois parceiros de empreitada. Foi bom, mas não durou muito. Em poucos minutos fiquei tensa pelas coisas que tinha pra fazer. Enquanto os dois cães faziam nada tranquilamente e com muita propriedade, eu lutava com minhas vontades e urgências. Não demorou para que os dois, com sua sensibilidade canina, percebessem minha inquietação. De repente, ambos se levantaram, meio que incomodados, com um ar de quem diz: essa daí não sabe NADA. Não sei mesmo. Mas pelo menos eu tentei.


IMPRESSÕES DE REPÓRTER

“O

que percebemos, ao fazer a matéria, é que o foco pode mudar bastante, conforme as coisas acontecem. A ideia era descobrir a importância de não fazer nada. Tivemos como fonte inicial o Clube de Nadismo, defensor do método. Porém, percebemos que não eram tantos os praticantes da não-atividade (eram pouquíssimos, na verdade). As teorias do não-fazer-nada não eram totalmente consistentes, e quando conversamos com um médico neurologista, isso ficou mais evidente. Ok, o ritmo de vida alucinante não é a coisa mais saudável do mundo, mas também não é o monstro de sete cabeças que pensávamos inicialmente. Executamos, por

nossa conta e risco, a experiência do nada. Acabou sendo a parte mais legal de toda a reportagem. E seria impossível não representar isso de alguma forma em nossas impressões. Pense nesse espaço, a seguir, como sendo o Nada.

Viu? Não dói nada. Tente você também em casa. “

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trânsito

pedro bicca

Cruzamento da Avenida Oswaldo Aranha com a Rua Garibaldi é um ponto constante de engarrafamento na Capital

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ARRANCA...


Transitar nas ruas de Porto Alegre ou na BR-116 é enfrentar um constante teste de equilíbrio e paciência

TEXTO DE cristiano martins e genésio barão FOTOS DE bruna schuch e pedro bicca

S

E PARA

intonizar o rádio, retocar a maquiagem, ouvir a música favorita, olhar para o relógio, procurar uma posição mais confortável, dar atenção aos filhos, tirar um cochilo, olhar para o relógio de novo, dar espaço para a ambulância que abre caminho para salvar uma vida, pisar na embreagem e andar em primeira marcha, no máximo segunda, sempre em ritmo lento, cansativo, isso quando não se está parado, assistindo à fila de carros que se perde de vista... Esse é o cotidiano de muitos personagens que dependem do trânsito da capital gaúcha e da região metropolitana para cumprir seus compromissos. Seja como condutor ou como passageiro, a caminho de casa, do trabalho, ou ainda dos estudos, independente do horário, é inevitável sofrer as consequências do trânsito, principalmente no caso da BR-116, trecho entre o acesso a Porto Alegre e a Refinaria Alberto Pasqualini, na divisa entre Canoas e Esteio, onde as rotas alternativas são escassas e apresentam-se deficitárias. O publicitário Renato Marcante, 53 anos, tem o trânsito como parte de seu trabalho. Ele se desloca diariamente por Porto Alegre, Esteio, Canoas e São Leopoldo. Segundo Renato, sua peregrinação é o deslocamento para reuniões com clientes e entregas de materiais. Sua rotina é cansativa, tudo devido à falta de organização – não dele, mas do trânsito. Para Renato, os piores horários para dirigir pela capital são pela manhã, entre 7h e 9h, e entre 12h e 14h30min. “Nesses horários, o motorista fica cinco ou dez minutos parado em determinado ponto, como nas avenidas Ipiranga, Farrapos, Assis Brasil, João Pessoa, além da saída da Rodoviária e do Aeroporto Internacional Salgado Filho”, diz. A BR-116 não fica longe disso. Dificilmente se encontram horários durante o dia em que a rodovia não tenha movimento intenso, fazendo com que o publicitário opte pelo deslocamento à noite: “Alguns anos atrás, podia se usar horários alternativos em função do movimento do trânsito. Agora, não se consegue mais isso. Eu procuro realizar minhas entregas durante a noite, que é bem mais tranquilo”. Como deve ser a reação de quem não está acostumado com o constante tráfego da BR-116? E ainda mais para quem vem de localidades mais calmas, com um ritmo de vida mais tranquilo? Natural de Propriá, no estado de Sergipe, e morador de Porto Alegre há seis meses, o sergipano Luiz Eduardo Oliveira, 24 anos, ficou bastante surpreso ao passar a frequentar a BR-116. Ele a utiliza para deslocar-se diariamente de Porto Alegre até a Unisinos, em São Leopoldo, onde estuda à noite. Segundo ele, mesmo não utilizando a rodovia no horário de maior fluxo de veículos, sempre viaja com movimento intenso, e por diversas vezes fica parado em algum congestionamento.

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trânsito Mesmo já tendo morado na capital sergipana, o estudante no início se surpreendeu com o trânsito da rodovia. “Em Sergipe, no sentido capital-interior, a principal rodovia é a BR-101. Nela o trânsito é sempre intenso, porém nunca lento como na BR-116, tão pouco fica parado”, diz, explicando que existem os horários de maior movimentação, mas nada comparado ao que se passa aqui. Luiz Eduardo e seus 14 colegas de “van” procuram arranjar o que fazer para passar o tempo. “Muitos colegas estudam e até mesmo comem durante o trajeto. Eu não peguei nenhum dia em que o trânsito não tenha sido intenso. O motorista já deve estar habituado com isso, ele nem fala muito, só fala mal de vez em quando. E ele diz que pela manhã o engarrafamento é até pior que no final da tarde”, conta Luiz Eduardo. O estudante trabalha em turno integral e, a exemplo de seus colegas de van, costuma se alimentar durante o trajeto. Come frutas, barrinhas de cereais, enfim, alimentos leves, já que não há como fazer uma refeição mais adequada em um veículo no meio de uma rodovia. Também costuma fazer palavras cruzadas durante o trajeto, bem como ouvir música. “Chega a ser chato ter que ficar trocando toda hora as músicas do celular. Mas é que acabo ouvindo todas elas em poucos dias. Daí não dá para ficar escutando tanta música de forma repetitiva!”. E estudar? Para Luiz Eduardo, é impossível se concentrar para os estudos ao trafegar pela BR-116: “Como você não sabe se vai chegar a tempo ao seu destino, ou se vai estar lá na hora certa, não há como ter concentração total no que você está fazendo. Tem que ficar olhando o relógio, toda hora”. BRUNA SCHUCH

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Renato conta que já perdeu uma reunião de negócios devido aos congestionamentos na auto-estrada. Afinal, para quem se desloca pela Região Metropolitana, não importa o caminho, tudo converge para a BR-116. E, segundo ele, mesmo com as vias alternativas que estão em fase de construção, os problemas vão continuar. “Observo que, com a construção da tão comentada Rodovia do Parque (BR-448), o que deve diminuir é o fluxo de trânsito de caminhões. E não vejo nisso uma solução. O número de veículos que aumenta é tão grande que talvez ela (a nova estrada) não supra essa quantidade”, preocupa-se. Luiz Eduardo lembra que o máximo que ficou parado na rodovia durante uma de suas viagens rotineiras foi cerca de uma hora. Ao mesmo tempo em que se cansa, reflete seu ponto de vista do porquê dela ser tão movimentada: “Acho um descaso isso (fluxo intenso). O governo deu uma redução de IPI para as pessoas poderem comprar carros, mas não deu condições para os motoristas usarem decentemente seus veículos, a estrada está pequena para tanto carro que entrou no mercado ultimamente. Além disso, deveriam ocorrer investimentos em transporte coletivo. Isso que vemos não é investimento de um país sério”, reclama. Além do problema da lentidão e da falta de acessos, outro fator que incomoda Renato é a falta de respeito de seus “colegas” de trânsito. “As pessoas são mal educadas por natureza! Há um grande número de pessoas desqualificadas para dirigir, o fato de ter carteira de motorista não significa nada. E essa falta de respeito não é só no trânsito, ela reflete como é a educação das pessoas de uma maneira geral. Os motoristas são impacientes, já vi interromperem até passagem de ambulâncias”, reclama.


Há saída? O publicitário Renato pensa que o desafogamento no trânsito poderia ser feito se o governo investisse em sistemas de transporte coletivo de massa, com estrutura de primeiro mundo: “Na época em que foi implantado o Trensurb, houve uma diminuição no tráfego. Deveria haver apêndices entre as linhas de ônibus e a Trensurb, alguma maneira que facilitasse e ligasse o acesso entre os dois meios de transporte, para que as pessoas dependessem menos dos carros. Mas os transportes coletivos são mal planejados”. Renato Marcante é cauteloso, mas acredita que há uma solução para o trânsito local: “Não se pode apenas desafogar determinados pontos, de modo que engane a lentidão, já que no final todos os pontos acabam no mesmo lugar. Assim, só esparramam a bagunça. Se tu pegares o mapa de Porto Alegre nos horários de pico, tu consegues ver os pontos de congestionamento e planejar o que fazer para melhorar”. O publicitário defende uma melhor vistoria nos serviços de trânsito, para que haja uma integração de qualidade: “Falta fiscalização de trânsito. Por exemplo, há vias de fluxo intenso onde se estacionam dos dois lados. Isso não poderia acontecer”. Mesmo com tanta reclamação, já se passaram seis meses em que Luiz Eduardo vem utilizando a BR-116. Quanto tempo mais alguém vindo de uma cidade tão calma como Aracaju vai ter paciência para encarar a rodovia gaúcha? “Eu já faço esse trajeto há um semestre. Acredito que se passar mais um ano utilizando a BR-116 eu saturo. Teria que arranjar um helicóptero! Só assim pra conseguir fazer o percurso entre Porto Alegre e São Leopoldo!”, diverte-se, enquanto se prepara para mais uma viagem.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

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ara esta dupla de repórteres, já se tornou parte da rotina destinar considerável tempo aos deslocamentos entre casa, trabalho e universidade, já que ambos têm o ônibus e o trem como meios de transporte, e passam quase que diariamente pelas mesmas situações. Por isso não foi difícil encontrar cases que compartilham desta rotina. Difícil mesmo é perceber que, com ou sem Copa em Porto Alegre, as medidas para atenuar esse drama não passam de discursos políticos que ficam por vários anos engavetados, ou nem do papel saem. Em um ano de eleições como o que nos encontramos, cabe ao (e)leitor cobrar empenho daquele que vem pedir seu voto, para que muitos desses projetos não fiquem abandonados. O político pode não andar de trem ou de ônibus, tampouco fica trancado nos congestionamentos da BR-116, da Castelo Branco, da Ipiranga, da Bento Gonçalves... Mas o (e)leitor anda no trem lotado, espera meia hora no ônibus, gasta combustível andando em primeira e segunda e sabe como ninguém onde a burocracia toma seu tempo.”

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ESFORÇO

Um passo de cada vez Recuperação. EsSa é a palavra que resume a rotina de GUILHERME VINÍCIUS DOS SANTOS. As 24 horas do dia são suas maiores aliadas. Nelas, estão depositadas toda a dedicação e a vontade de ter seu passado de volta

TEXTO DE AMANDA MUNHOZ E FILIPE GAMBA FOTOS DE BRUNA SCHUCH

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ma fração de segundos é o tempo necessário para mudar o rumo de uma vida. O skate precisou ser deixado de lado, e os livros do curso de Direito, fechados. Num piscar de olhos, o futuro do jovem Guilherme Vinícius dos Santos, de 21 anos, estacionou. Em novembro do ano passado, quando cursava o 4º semestre, Guilherme foi chamado para uma entrevista de emprego no município de Dois Irmãos. A intenção de trocar de estágio era simplesmente ampliar o conhecimento e explorar outras áreas jurídicas. Era cedo da manhã. Guilherme deixou São Leopoldo rumo à entrevista. A ideia era mudar de vida, mas ninguém imaginou a gravidade dessa mudança. Ao dirigir-se para o outro lado de uma via bastante movimentada, Guilherme atravessou ao encontro de seu destino. A causa é desconhecida. A família não sabe dizer o que aconteceu naquele instante. Seria distração? Uma testemunha afirma que Guilherme atravessou a rua, e um carro em baixa velocidade o atropelou. O choque não lhe causou um arranhão sequer. Fez pior. Guilherme bateu com a cabeça, e tudo se apagou. O ano que estava para chegar não vinha com boas notícias. As comemorações de Natal e Ano-novo da família ficaram para trás, esquecidas em um tempo que não tinha dia nem hora para terminar. Qualquer notícia que partia dos médicos era desanimadora. Desde o acidente, a casa em São Leopoldo não contava mais com a presença de Guilherme. O Hospital Regina, em Novo Hamburgo, agora, era o seu novo lar. As 24 horas dos 60 dias seguintes foram intermináveis para sua mãe, a fotógrafa Núbia Santos, e para a avó Regina D’Ávila dos Santos. Guilherme esteve em coma por todo esse tempo. A alimentação era feita por meio de sondas. Na sequencia, ele desenvolveu três pneumonias. Além disso, a epilepsia o obrigou a ficar com as mãos amarradas na cama. “Diziam que o meu filho era uma caixinha de surpresas. Ninguém poderia prever se ele sobreviveria e, se vivesse, como seria dali para frente”, relata a mãe. O que mais assustava Núbia era pensar que seu filho corria o risco de não voltar mais a estudar. Um dos médicos chegou a dizer que, devido à forte batida na cabeça, a memória, o raciocínio e a coordenação motora poderiam ficar comprometidos. “Sei da importância que o Direito tem na vida do Guilherme. Se ele tivesse de deixar mais isso para trás, seria o fim”, diz a mãe. O abrir de olhos do jovem Guilherme aconteceu somente dois meses após o acidente. Sem lembrar de absolutamente nada, contou com o apoio da avó para ajudá-lo a puxar pela memória o motivo pelo qual estava naquela situação.

a descoberta de uma vocação Há exatos dois anos, os sonhos e objetivos de Guilherme não estavam definidos. A escolha da profissão é sempre muito difícil na vida de qualquer adolescente. Sem saber para qual caminho seguir, pediu a opinião da mãe. Ela sugeriu que ele fizesse um teste vocacional, mas achava que ele enquadravase no perfil de um publicitário. Guilherme abraçou a ideia. Deu início ao curso. Mas, logo nas primeiras cadeiras cursadas, viu que não se sentia bem. Os colegas não pareciam acolhedores, e o estilo alternativo o assustou. Guilherme conheceu um advogado e começou a trabalhar PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 29


ESFORÇO

O cotidiano de Guilherme se equilibra entre o desejo da recuperação e a alegria de sonhar com o futuro

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com ele. Cada dia que passava, aumentava a certeza de que essa rotina lhe fascinava. Com incentivo, trocou o curso. Aquele moleque que dava dores de cabeça aos professores havia realmente ficado no Ensino Fundamental. Um novo Guilherme estava sendo construído. A dedicação à faculdade só mostrava que a maturidade e a disposição estavam ligadas na escolha certa de sua vida profissional. No dia 19 de dezembro do ano passado, tudo mudou. Os sonhos e as ambições passaram a ser outros e em maior dimensão. Os objetivos que antes estavam à frente da vida de Guilherme precisaram ficar de lado. O divisor de águas aconteceu no final de fevereiro. Ali, sua família acreditou que o quadro em que ele estava poderia reverter-se com o tempo. A procura pela melhor clínica de São Leopoldo foi feita por Núbia. O local era o mais bem conceituado da cidade. No entanto, não apresentava condições para receber alguém que não conseguia caminhar e falar. “Uma enfermeira não tinha paciência com ele. Ela gritava e ele se assustava”, revela a mãe. A falta de um espaço para Guilherme ter contato com a rua também foi o que fez Núbia partir à procura de outro lugar. A solução estava em Carlos Barbosa. O ar da Serra Gaúcha foi o escolhido para ajudar no tratamento de Guilherme. Como Núbia já estava praticamente morando em Garibaldi e sabia que o Hospital Tacchini, no município vizinho, era bem conceituado, resolveu tentar uma vaga para o filho. Por ser o primeiro caso de um jovem em recuperação naquele local, os médicos precisaram realizar uma avaliação minuciosa para saber se ele seria aceito. Afinal, a maioria dos pacientes se resume a idosos com mal de Alzheimer e esclerose múltipla. No entanto, Guilherme foi aceito. O caçula do hospital chegou à nova casa sem andar e falar. Seu companheiro de quarto tem meio século de vida a mais que ele. Guilherme pouco se importa com as alucinações de seu colega em meio à madrugada. É ele quem, mesmo que

inconscientemente, testemunha um dos primeiros avanços do garoto: a reaproximação com os amigos. Mesmo com dificuldades, Guilherme mantém contato através de conversas instantâneas via computador com pessoas que estão sentindo sua falta. São as redes sociais que fazem Guilherme receber apoio nessa sua nova jornada.

CADA PASSO, UM SORRISO Os dias foram passando, e a caixinha de surpresas, finalmente, se abriu. Os resultados começaram a desafiar os laudos médicos. Cinco vezes por semana, Guilherme recebe a visita daquele que considera seu grande amigo, o fisioterapeuta Adriano Aimi. É ele quem está lhe arrancando sorrisos sinceros. Por ter ficado tanto tempo em coma, os músculos de seus braços e pernas se atrofiaram. A ajuda de Adriano e a dedicação de Guilherme têm sido fundamentais nessa nova fase. Em menos de um mês, a cadeira de rodas já virou um simples apoio para descansos rápidos. A força nos braços, aos poucos, está sendo recuperada. A ajuda para sair da cadeira e caminhar no pátio já pode ser dispensada. Guilherme, agora, consegue levantar e dar um passo de cada vez completamente sozinho. A fonoaudióloga foi inserida em sua rotina um pouco depois do fisioterapeuta. Primeiro, Guilherme precisava recuperar os movimentos para que não ficassem comprometidos de vez. O tratamento para voltar a falar foi cercado de expectativa. Várias sessões e muita paciência fizeram parte desse processo. A recompensa veio em menos de um mês. Guilherme, finalmente, voltou a falar. “No meu laudo médico diz que sou inválido, mas sei que sou capaz de reverter tudo isso”, emociona-se. O momento exato em que sua vida mudou de rumo não está em sua memória. Nela, há espaço apenas para guardar lembranças de sua infância, da família, dos amigos, da faculdade e sonhos que serão realizados daqui para frente.

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ma matéria desafiadora. Foi com esse pensamento que escolhemos a nossa pauta. Achar uma pessoa que estivesse passando por um processo de recuperação e quisesse revelar os seus anseios não foi fácil. Ao conhecermos a história de Guilherme, vimos de cara que era essa a história que queríamos contar. Um jovem de 21 anos teve sua vida completamente modificada. Rumamos à Serra Gaúcha, no município de Carlos Barbosa. Era uma quarta-feira chuvosa e cinzenta. A estrada molhada nos obrigou a fazer todo o caminho a 60km/h. Faltando 15 minutos para chegar ao nosso destino,

como se recebêssemos uma mensagem, a chuva deu lugar ao sol. Sentimos aquele misto de gelado da serra com o calor do sol, um dia típico de inverno. Foi dessa forma que avistamos Guilherme, sorridente, arriscando seus primeiros passos com o auxílio de seu fisioterapeuta. Ao terminarmos a entrevista, o levamos até seu quarto, onde nos deparamos com um gesto de carinho e amizade. Seus amigos haviam lhe visitado dias antes e deixaram uma mensagem de incentivo na porta de seu quarto. Coincidentemente, é a primeira coisa que ele vê ao acordar. E é só o que precisa para dar um passo de cada vez.”

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MATERNIDADE

Um gesto de esperança Ana e Vanderlei viveram uma história de coragem, enfrentando os contratempos de uma gestação repleta de cuidados e amor TEXTO DE FABRÍCIO PRETO E MATHEUS CARDOSO | FOTOS DE ROSANNA RAMOS

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gera uma má formação, porém na região abdominal, deixanuando cheguei lá e vi ele todo cheio de sondas, do totalmente expostas as vísceras de quem apresenta esse caiu o mundo pra mim. Não gosto nem de lemquadro. O seu parto não pôde ser normal, afinal, nem Ana brar. Eu só chorava, eu não aceitava ver ele dae nem ele deveriam fazer força, visto que qualquer esforço quele jeito. Na minha cabeça ele iria nascer, fazer a cirurgia, poderia prejudicar ainda mais o problema no abdômen. mais dois ou três dias se recuperando, e eu iria embora com Durante a gestação, após receberem a triste notícia da ele”. Assim é o relato emocionado de uma jovem mãe ao doença, Ana e Vanderlei preferiram não comentar com os lembrar dos primeiros dias após o parto, quando o inesperaamigos e familiares sobre o que estava acontecendo, com do aconteceu em sua vida e modificou todos os seus planos. medo do que iriam pensar sobre o seu filho. “Sofremos nos Ana Priscila da Costa, uma menina de 19 anos, deu à luz primeiros dias. Chorei bastante. Fiquei ruim”, confessa a joRodrigo, uma criança que até a 24ª semana de gestação pavem mãe. Aos poucos foram contando à família e aos amigos recia normal, sem nenhum problema aparente. Contudo, mais próximos e recebendo deles o apoio e o carinho nedesse momento em diante, após uma consulta em um hoscessários nessas situações. Apesar das dificuldades que ainda pital público de Panambi, município onde mora, teve que iam enfrentar, juntos construíram e mobiliaram uma nova se deparar com uma doença não muito comum na cidade e casa durante o tempo da gestação do bebê. “Quando tu tens pouco conhecida por ela e sua família. Para encarar o proum filho, tu tens nove meses para arrumar a tua vida”, fala blema junto com ela e indo contra todas as estatísticas, essa Vanderlei ao lembrar dos percalços que passou para concluir jovem não estava sozinha. Vanderlei Barbosa Ciechovicz, 28 a casa que ainda espera ser habitada. anos, pai da criança, sempre se fez presente desde o início Ana confessa que procurou viver a gestação da da gravidez. RODRIGO RECEBE melhor forma possível. Para isso, preferiu não busRodrigo, ao contrário do que temiam e esperaATENÇÃO DOS car mais informações sobre o problema. Segundo vam os pais, possuía um problema de má formaPAIS NA UNIDADE ela, não queria ficar nervosa e passar esse desção diferente e mais grave do que o lábio leporino DE TRATAMENTO INTENSIVO DO conforto ao neném. Já Vanderlei, ao contrário, foi que o próprio pai possui. Rodrigo nasceu com uma HOSPITAL atrás de informações que pudessem responder às doença conhecida como gastrosquise, que também

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MATERNIDADE

suas dúvidas. “Foi imediato. Sabia que seria uma etapa bem longa, nada muito rápido”, confessa. Nesse momento da vida do casal é que ficou ainda mais claro e evidente o respeito, o carinho e o amor existente entre os dois. Mesmo sofrendo e entristecido com o que estava ocorrendo, Vanderlei jamais deixou que sua esposa ficasse preocupada, contando a ela sobre a gastrosquise somente o que não a deixasse muito nervosa e aflita. Devido à falta de recursos do hospital de Panambi, o casal foi para Porto Alegre em busca de melhor infraestrutura para atender Ana e Rodrigo, que necessitariam cuidados especiais. Chegando à Capital, tentaram primeiramente acesso ao Hospital Fêmina, que por estar com sua maternidade em reformas indicou o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, o qual os abrigou da melhor forma possível. Internada desde o dia 5 de abril, Ana deu à luz dois dias depois, às 15h do dia 7, trazendo Rodrigo ao mundo com 3,05kg e 51 cm. Ao nascer, Rodrigo foi imediatamente enrolado em um saco térmico de proteção aos recém-nascidos e encaminhado diretamente para o centro cirúrgico. Passou por uma cirurgia

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com mais de uma hora de duração e seguiu tendo os cuidados específicos em uma incubadora da UTI neonatal. De acordo com uma das enfermeiras envolvidas no atendimento do bebê e do casal, toda a preparação de Ana foi fundamental para o bem estar dela e da criança. “Em algumas patologias, o parto deve ser imediato para salvar a mãe e o bebê. No entanto, neste caso, não existiu a necessidade de ser imediato, mas sim de ter um acompanhamento adequado para prepará-la para o grande momento e ter os cuidados corretos”, destaca. O pai, que trabalha como metalúrgico no município de Panambi, sempre acompanhou Ana quando ela precisou ir a Porto Alegre e encarou junto dela as seis horas de viagem até a capital. Em sua vida, Vanderlei sucessivamente teve que lidar com a diferença e o tempo como coisas comuns. Por ter nascido com lábios leporinos, acabou aprendendo a ser forte e a superar todas as dificuldades desde o seu nascimento. Passou por seis cirurgias até hoje e trava diariamente uma luta contra o preconceito estético imposto pela sociedade, preconceito esse que pretende ensinar o seu filho a combater. Em seu Orkut, está bem nítido em uma fra-


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se toda a esperança e o espírito aguerrido que caracteriza o sentimento desse pai, “Rodrigo, o bebê mais guerreiro que já conheci”, escrito em uma legenda de foto. Na vida de jovens pais como Ana e Vanderlei, os obstáculos a serem transpostos com uma gravidez são habitualmente comuns. Por isso, não é difícil decifrar o imaginário coletivo de mulheres e homens que sonham em ter um filho. Uma sequência de acontecimentos surge e caracteriza o período da gestação como o momento mais sublime de uma mulher e – por que não dizer? – o mais inusitado e brilhante de um homem. Em função da doença de Rodrigo, Ana não pôde seguir a sequência normal de passos de uma gravidez: o teste confirmando a gestação, o anúncio ao companheiro e aos familiares, o berço e as roupinhas, o pré-natal, as contrações, a ida ao hospital, o parto e a volta para casa. Comumente são nove meses de espera, mas neste caso o tempo é incerto. Ana e Vanderlei não sabem quando poderão levar o seu filho embora. Hoje, o jovem casal observa o pequeno garoto através do vidro da incubadora, e desse modo depositam nele todo o amor e carinho que sentem.

ensamos que seria fácil. Muitas são as mães que diariamente ocupam as maternidades para viver um dos momentos mais sublimes de uma mulher. Porém, queríamos uma história carregada de emoção, em que a luta pela vida fosse a grande protagonista. Em meio aos milhares de nascimentos, procurávamos um “simples” parto prematuro. Ao entrar em contato com o Hospital Presidente Vargas, nos deparamos com a história de Ana, Vanderlei e Rodrigo, personagens de um drama repleto de amor. Inicialmente, a conversa com os jovens pais foi cheia de cuidados, tentando instigar a emoção, mas com medo de ferir a frágil situação vivida por eles. Em muitas vezes, os depoimentos eram dados com a voz repleta de sentimento, expressando a dor e a alegria vivida durante a gestação. Um outro diferencial marca essa história: a presença de um pai que se revela fundamental no apoio e acolhida às dificuldades vividas pela mãe. Percebemos, ao entrar na maternidade que acolhe o pequeno Rodrigo, um espaço carregado de cuidado com a vida. Poder relatar essa história foi para nós muito gratificante, pois nela descobrimos um grande exemplo de esperança.”

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fazendo plantão

ROTINAS INCOMUNS TEXTO DE FERNANDA BERNARDES E LUCIANA BORBA ALVES FOTOS DE DANIELA MACHADO E LARISSA DE OLIVEIRA

Como é a vida dos profissionais que não seguem um horário convencional de trabalho


DANIELA MACHADO

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fazendo plantão

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eus ajuda quem cedo madruga, diz o ditado popular. Se fosse seguido à risca, o Todo-Poderoso daria uma forcinha maior àqueles que rigorosamente despertam cedo para cumprir seus compromissos e batalhar a cada dia pelo seu sustento e o da família. No entanto, o mundo não para e, sendo assim, atividades como prestação de socorro, fornecimento de energia e atualização de notícias são alguns dos exemplos de ofícios que precisam ser realizados nas 24 horas do dia. Além dessas atividades, a manutenção de vias públicas, limpeza das ruas e segurança, entre tantas outras, são feitas enquanto grande parte das pessoas descansa. Quem trabalha nessas tarefas vive uma rotina diferente da maioria da população. São esses os trabalhadores que têm sua vida profissional e pessoal completamente modificada em função do trabalho. Muitos deles, além do horário distinto, enfrentam também as frequentes mudanças em seus turnos. Para esses profissionais, adaptação torna-se a palavra-chave e serve para tudo, desde a organização de tarefas simples, como pagar contas no banco, até a otimização do tempo reservado ao convívio social e familiar. Adaptar-se é fundamental para que esses trabalhadores consigam levar suas vidas da maneira mais normal possível. Dessa forma que a médica especializada em traumatologia Roberta Dalcin tenta organizar sua vida profissional com o lado pessoal. A semana começa em ritmo intenso. Às segundas-feiras, Roberta trabalha durante a manhã e a tarde na Secretaria Municipal de Saúde da capital, onde coordena o departamento de urgência. À noite, ela faz plantão na Unimed, das 20h às 8h da manhã, e engana-se quem pensa que Roberta descansa após o plantão. A médica retoma às atividades na Secretaria. E essa rotina segue durante toda a semana, acrescida ainda com os plantões no Samu e no Hospital Mãe de Deus, onde realiza cirurgias. Uma rotina como essa pode ser impraticável para muitas pesso-

as. Entretanto, Roberta não consegue abrir mão. Imediatista, como ela mesmo se intitula, afirma que tudo no trabalho deve ser o mais rápido possível: entre o diagnóstico e o atendimento às vítimas de acidente, que é o que mais a gratifica. Mesmo sacrificando muitos aspectos de sua vida pessoal e tendo pouco tempo para descansar, Roberta não consegue se imaginar em outra profissão. “Eu digo que meu dia teria que ter 48 horas, aí eu poderia trabalhar 24 horas, ficar um tempo com a minha filha, depois ir ao cinema e descansar.” Atividades que parecem simples de ser realizadas, como encontrar os amigos e ver os pais, Roberta precisa fazer com hora marcada. Assim como a traumatologista, funcionários da Petrobrás também enfrentam uma rotina sem horário fixo. O turno deles se constitui por sete dias de trabalho e quatro dias de folga, mas nesses sete dias de trabalho são cumpridos três horários diferentes, um pela manhã, um à tarde, outro de madrugada. Fernando Reckziegel trabalha em regime de turno há sete anos e está acostumado com a organização que o emprego impõe. Segundo ele, o maior problema é não poder estar com amigos e a família nos feriados e fins de semana e não poder participar de viagens organizadas para os feriadões. Por outro lado, acredita que trabalhar em turno apresenta vantagens. Atualmente cursa Direito e afirma que as folgas grandes são ótimas para estudar. Apesar de lidar com algumas privações por causa do horário e de ter uma rotina a médica Roberta bastante corrida, Fernando acha que vale a e o bombeiro Fabrício mantêm pena. Ainda consegue arrumar tempo para os telefones viajar em suas folgas, atividade da qual ligados e gosta bastante. organizam seus compromissos Já o jornalista Luis Felipe dos Santos de acordo com não enfrenta a mudança constante de hoo horário de rário. Trabalhando no site Terra todas as trabalho noites das 23h às 6h, desde julho de 2009, LARISSA DE OLIVEIRA

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afirma que os primeiros meses de serviço à noite tiveram um impacto muito forte em sua rotina, especialmente em casa. Santos garante que teve que se adaptar para garantir um convívio maior com a família. “O impacto é alto. Tenho uma filha de quase três anos e sou casado. Sacrifico o tempo que posso para ficar com as duas”. O jornalista sente que o metabolismo também sofreu com a inversão de turno, especialmente logo no início, por não conseguir uma alimentação regrada e sentir fome em horários alternativos. Além disso, a vida social ficou mais restrita e nem sempre é possível acompanhar os compromissos. “Com sono, a capacidade de memorização diminui, e também a tua capacidade de acordar para cumprir os compromissos. É como se todo dia tu tivesse um compromisso importante às 2h, 4h da manhã, e tivesse que acordar para fazer isso. Muitas vezes é possível, em outras tantas, o teu corpo não consegue”, conta. Fabrício de Freitas Oliveira trabalha há dois anos na equipe de mergulho do Grupo de Busca e Salvamento (GBS) em Porto Alegre e, da mesma forma que Fernando, também se adaptou bem ao regime de turno. Sua rotina é trabalhar 24 horas e depois folgar 72 horas. Fabrício considera os três dias de folga uma oportunidade para dedicar-se a outras atividades. Entre elas, a educação física, profissão na qual é graduado. DANIELA MACHADO

Segundo ele, o trabalho na equipe de mergulho é muito satisfatório, ainda que demande bastante disciplina. Aponta: “Nosso serviço não é ver peixinho”, pois eles lidam com tarefas que muitas pessoas não gostariam, como resgatar vítimas de afogamento. O GBS de Porto Alegre atende ocorrências em todo o Rio Grande do Sul, então quando ocorrem grandes fatalidades, como o desabamento da ponte em Agudo, em janeiro deste ano, integrantes da equipe são deslocados e ficam no local durante o período que for necessário. As famílias estão acostumadas com isso. Atualmente Fabrício não encontra dificuldades com sua rotina profissional, mas pensa que no futuro, talvez, constituir uma família com esse horário de trabalho possa ser mais difícil. O turno dos oficiais do GBS inicia-se às 7 h, e durante as 24 horas de serviço os oficiais permanecem no quartel. Suas refeições são preparadas por um colega, e realizam treinamentos no tempo vago, quando não estão atendendo alguma ocorrência. Mesmo quando estão afastados do quartel, os integrantes do grupo ficam sempre disponíveis para apresentar-se, caso haja alguma ocorrência. Há um grande nível de comprometimento com a profissão. Fabrício diz que é comum estar de folga e ligar para o quartel, para verificar se marcaram alguma ocorrência para o dia seguinte, por exemplo. Já no caso da traumatologista Roberta, mesmo com muita organização não é possível prever quando receberá uma chamada e precisará assumir um turno de emergência no Samu ou na Unimed. Seus dois celulares estão sempre ligados e interrompem atividades como praticar exercícios. “Gostaria de poder me dedicar um pouquinho mais a minha pessoa, a minha saúde. Muitas vezes até vou para a academia e meu telefone fica tocando sem parar, dá uma agonia.” Se Deus ajuda quem cedo madruga, não podemos afirmar, mas certamente os profissionais com a rotina distinta merecem o reconhecimento, pois superam dificuldades e encontram motivação a cada dia para encarar essa rotina.

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ossa ideia inicial era de que escutaríamos reclamações sobre o efeito da rotina de trabalho. Para nossa surpresa, escutamos justamente o oposto. Embora a organização das vidas dos nossos entrevistados não seja a mais simples ou óbvia, ouvimos pessoas que se sentem felizes com o resultado do seu esforço. A entrevista com Roberta Dalcin, por exemplo, foi feita no hospital Mãe de Deus, entre um atendimento e outro, em uma salinha que estava livre por pouco tempo. O telefone tocou, ela estava organizando a comemoração do seu aniversário, que seria no dia seguinte. No meio dessa correria toda, não faltou disposição pra dar a entrevista, pelo contrário. Disposição é a palavra que define os trabalhadores que conhecemos para a nossa reportagem da PI. Depois de muitas dificuldades - que foram desde o horário avançado para fazer as entrevistas, até fontes que “caíram” - conseguimos encontrar casos que realmente estavam de acordo com o que pensamos no início da pauta. A motivação que eles encontram para enfrentar uma rotina tão pesada de trabalho se justifica porque são apaixonados pelo oficio que realizam, e isso passa uma sensação de satisfação, muito gratificante.

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AEROPORTO

O tempo passa voando

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GERSON Lewis já FICOU MAIS DE 24 HORAS SEM DORMIR quando realizava as rotas INTERNACIONAIS E tentaVA se adaptar ao fuso horário TEXTO DE Gisiane Andrade e Mariana Bechert FOTOS DE BRUNO ALENCASTRO

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uitos de seus colegas voam. Alguns para perto, outros para longe e muitos outros para mais longe ainda. Se fôssemos contar as horas de voos realizadas pelo comandante Gerson Lewis, com certeza estaríamos perto de um empate com as horas que ele costuma ficar em terra. Para Lewis, o tempo passa voando, ou melhor, ele passa seu tempo voando. Com 58 anos, sua vida se resume a voar. Começou a pilotar aviões aos 17, em 1969. Já são 41 levando passageiros para todos os lugares do mundo, independente da empresa. Seja ela Varig, Rio Sul ou NHT. A carreira internacional teve início em 1991 quando trabalhava na Varig. Foram 16 anos levando mala e cuia para rotas fora do Brasil e encarando fiscalizações da Polícia Federal nos aeroportos no exterior. Voou por todo mundo: Europa, América do Norte e Japão. Na Europa, foi para Alemanha, Espanha, Inglaterra e Portugal. Nos Estados Unidos, passou por Nova Iorque, Los Angeles e Miami. Sua estada nas cidades, após mais de 12 horas de voo, era de aproximadamente um dia e meio. E, então, o tempo apertava. O fuso horário confundia. O organismo revelava cansaço, fome e outras dificuldades. O início das rotas internacionais foi novidade. Tudo precisava de adaptação: o equipamento, a cultura de outros lugares e a língua. Lembrando dos passeios já realizados, ele geralmente queria fazer de tudo: andar de metrô, caminhar na neve, ver o deserto de perto. Mas o cansaço, a fome e o fuso horário estavam sempre ali batendo em sua porta para lembrar que era necessária uma mudança. Quando era mais jovem, o tempo e a disposição andavam juntos, havia mais condições para conhecer cada lugar, que depois de um tempo deixaram de ser novidade. A adequação aos voos internacionais foi mais difícil no início, e depois de um tempo o corpo foi vagarosamente se acostumando. Alguns pilotos mudavam a hora do relógio quando chegavam aos destinos para tentar se adaptar, mesmo que em poucos dias retornassem para o Brasil. A Varig oferecia curso de adaptação ao fuso horário, mas isso sempre dependeu muito de cada organismo. Graças a essas particularidades, o comandante e seus companheiros criaram um termo para as refeições: o “almojanta”. O almojanta significa uma refeição só na chegada. Eles não jantavam, pois o voo saía entre 23h e 23h30min. Caso jantassem, o café da manhã seria às 13h. Assim, já seria almoço, e não café. Lewis nunca teve problema quanto ao sono em fusos, mas sabe de muitos pilotos que passam por dificuldades para superar o cansaço. A tripulação normalmente se revezava ficando de 10 a 11 horas acordada. Na hora de revezar, muitos, mesmo podendo ficar sem o uniforme, não conseguiam dormir devido ao fuso horário. Lewis revela uma brincadeira feita, certa vez, entre dois copilotos e ele: quando trabalhava em duplas e a regulamentação era menor, podia-se tomar água, café ou suco na cabine. Geralmente, pedia-se a uma das comissárias para que trouxesse. Uma vez ele saiu da cabine para pedir o cafezinho e aproveitou para contar algumas histórias de quando o comandante e o copiloto desapareciam. Enquanto isso, na cabine, os pilotos aproveitaram para se esconder e descansar em um alçapão que havia atrás da poltrona PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 41


AEROPORTO

do comandante. A comissária, ao levar o cafezinho, abriu a porta e constatou que não tinha ninguém. A aeromoça desmaiou e caiu em cima do alçapão. O dois rapazes não tinham mais como sair. Outro fator importante que era avaliado na época das rotas internacionais era a capacidade física dos aeronautas e comissários, revista de dois em dois anos, fazendo muita diferença para conseguir se adaptar aos fusos horários. Eram realizados check-ups completos para verificar se havia anormalidades na saúde. Lewis foi escalado para voar seis vezes seguidas para os Estados Unidos, em 2001, na época dos atentados que destruíram as torres gêmeas, do World Trade Center. E, como havia o fuso-

LEWIS PASSA A MAIOR PARTE DO SEU TEMPO VOANDO

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epois de nossas primeiras fontes caírem, nossa última opção precisava dar certo. Marcamos o encontro no Aeroporto Internacional Salgado Filho, às 20h, em um feriado de quarta-feira. Com pouco movimento no local, aguardávamos ansiosos o comandante que ainda não conhecíamos fisicamente, só sabíamos o nome. Não poderíamos imaginar a cordialidade em pessoa que encontraríamos. Em meio a brincadeiras como: “Não tirem fotos da barriga, façam o que eu digo, mas não façam o que faço”, Lewis se mostrou muito receptivo à nossa equipe. Quando o fotógrafo Bruno Alencastro sugeriu de marcarem outro dia para uma foto dentro da cabine do avião pilotado atualmente, Lewis disse que não teria problema nenhum. Ele também pousou para fotos com relógios atrás, mostrando os horários em diferentes cidades E aquele senhor prestativo e simpático foi a nossa salvação. Hoje podemos dizer que não poderia ter outra fonte melhor. Em nenhum momento deixou transparecer algum sinal de pressa, muito pelo contrário. O bate-papo transcorreu por uma hora e meia e, ao final da jornada, descobrimos o quanto é extraordinária a vida de uma pessoa que trabalha no ar, mas que, acima de tudo, ama o que faz.”

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horário, a questão fundamental era ter boa saúde para conseguir realizar os voos e cumprir a escala. O comandante explica que a questão psicológica contou muito nessa situação, pois era um período que não dava para passear e fazer turismo, pois o clima que o país estava passando não permitia. Os voos internacionais normalmente acontecem somente uma vez por semana, já que o regulamento não permite voar mais de 85 horas por mês, e um voo internacional representa, aproximadamente, 20 horas. Mas, voos mais curtos, como os que saem de São Paulo, Brasília, Manaus, Porto Alegre, Argentina, Paraguai e outras regiões da América Latina, fazem parte da rotina.


Como fica a família? A relação que Lewis mantém com a família parece não ter sido de muita dificuldade enquanto esteve trabalhando no exterior. Lewis alerta, que, nessas horas, as esposas e namoradas de pilotos precisam assumir e administrar tudo sozinhas. Mas sabe que muitos de seus colegas enfrentam problemas no relacionamento com a família. Alega que, felizmente, sua esposa conseguiu obter um bom gerenciamento. Casado há 30 anos, Lewis tem dois filhos - uma garota de 20 anos e um rapaz de 16. Quando iniciou na carreira internacional, os dois pequenos corriam para abraçar a mala, quando ele voltava, já

sabendo que o pai trazia lembrancinhas. O piloto afirma que sua mulher foi motorista, guarda noturna, enfermeira, mãe e namorada. Depois de todo esse tempo voando, Lewis lamenta que não há como passar todas as datas comemorativas em casa. Suas festas de final de ano já foram realizadas várias vezes longe da família, enquanto voava. A queima dos fogos já foi vista de cima pelo comandante na Europa. E, finalizando a entrevista, o simpático piloto deixa uma dica: “O companheiro ou a companheira do profissional da aviação precisa se adaptar, pois às vezes se trabalha no sábado e no domingo dobrado, mas se tem uma folga na segunda e na terça e é preciso saber levar”.

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RECOMEÇO

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No mesmo lugar Esta é a história de um homem que sempre estÁ disposto a ajudar o próximo e QUE, em poucos minutos, perdeu quase tudo o que tinha. Menos a esperança e a coragem para recomeçar

TEXTO DE GISELE SILVA E PEDRO BARBOSA FOTOS DE GISELE SILVA

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lô ouvintes da Rádio Amigos do Balneário Pinhal. Aqui quem fala é Antonio Clayton Gomes Porto. A previsão para hoje é chuva e vento forte. Fechem as portas e janelas. Se protejam, pois vem chuva intensa por aí.” Assim começava mais uma tarde de transmissão da 98.1 AM. Não muito longe dali, no Farol, os pardais, gaviões e andorinhas moviamse incessantemente, anunciando a tempestade vindoura. Mas não uma qualquer. Tratava-se de um furacão da classe F1, com ventos que chegaram a 132 km/h. PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 45


RECOMEÇO COMO O DINHEIRO QUE TINHAM ERA POUCO, CLAYTON E GRAÇA TIVERAM QUE ESCOLHER ENTRE RECONSTRUIR A CASA OU A RÁDIO

A queda de luz era o prenúncio da chegada do temporal. Os postes lançados ao chão, fios para todo o lado. As portas da casa verde na Avenida Nei Zang se fecharam. Os vidros começaram a bater. Vento forte e um barulho ensurdecedor. Os vidros se quebraram. Clayton nem teve tempo de entender o que ocorria em sua volta. Os poucos instantes foram suficientes apenas para que se protegesse perto da churrasqueira com sua esposa, Maria da Graça Pereira. “Fiquei no cantinho abraçado com minha mulher. Eu gritava: Deus, Deus, me ajuda.” Seu mundo começava a desmoronar. Em questão de minutos, a vida mudaria para sempre. A fúria provocada pelo vento arrancou o telhado, quebrou portas e vidros. Os móveis tateavam as paredes da casa. As roupas do armário foram parar a centenas de metros de distância. O antigo ferro de passar, em cima da marquise. A garagem ficou totalmente destruída. A única parte que o vento não levou foi o espaço onde funcionava a rádio comunitária. Mas Clayton ainda estava lá, vivo. E isso era o que importava. Graça não assimilou o que ocorria a sua frente. “Entrei num transe depois que o ciclone passou. Lentamente comecei a arrumar o quarto. Coloquei os lençóis na cama e notei que eles estavam molhados. Só quando fui colocar as roupas no armário e ele não estava lá é que vi que estava sem casa.” Naquele instante ela perdeu a noção do que acontecia. Graça ficou sabendo por seus familiares e vizinhos que pegou uma banheira de criança, amarrou numa corda e arrastava de um lado para outro recolhendo as coisas que ficaram espalhadas pelo chão. Passada a fúria do ciclone, Clayton e Graça tentaram encontrar o que restava de seus pertences, suas memórias. 46 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010

Havia muitas recordações de família, álbuns de fotografias e coisas antigas, que ficavam num pequeno museu na casa, chamado carinhosamente de Vila Portuguesa. Até hoje o casal não descobriu onde foram parar muitas dessas coisas, sem falar no resto das telhas e das madeiras da casa. Graça diz ter recebido uma verdadeira dádiva por ter sobrevivido. Passado o susto, ela foi levada ao posto de saúde para receber atendimento. Mas foi na volta para casa, entre uma lágrima e o pensamento do que faria para recomeçar, que se surpreendeu. “Quando voltei havia muitas pessoas querendo nos ajudar. Eu não sei o que aconteceu. Qual foi a mágica. Mas as pessoas vieram. Eu só tenho que agradecer a Deus”, diz emocionada ao relembrar do apoio que recebeu. Sem moradia, o casal precisou de um novo lugar para viver. Com a ajuda das filhas de Graça, alugaram um pequeno apartamento. Lá ficaram por 70 dias.

A escolha Quem passa em frente à casa de Clayton e Graça nem imagina o que há (ou deveria haver) por dentro. Vista de fora, nem se nota a falta do telhado, que mais parece ser de concreto. É uma realidade que o tempo que passou ainda não apagou. Sua casa foi uma das 80 atingidas pelo ciclone em novembro de 2009. Português, naturalizado brasileiro, aos 53 anos, esse homem simples, que morou por muitos anos na cidade grande, encontrou na praia do Pinhal um novo sentido para sua vida. E é lá, entre uma pescaria e o trabalho voluntário, que vive desde 1998, com sua esposa. O retrato da destruição ainda persiste na memória dos habitantes de Balneário Pinhal. Ao caminhar pelas ruas da cidade,


é possível avistar casas destelhadas, cercas derrubadas, uma cidade que tenta se reerguer. Com a ajuda da comunidade. Clayton que ajuda Maria, que ajuda Antônio, que ajuda José que agora precisou ajudar Clayton e Graça. Formou-se um grande círculo de solidariedade. É difícil saber por onde recomeçar quando se perdeu tudo. Mas a vida precisava seguir. As filhas de Graça juntaram suas economias para ajudar o casal. Entretanto, o dinheiro não seria suficiente para que a vida voltasse à normalidade. Era preciso fazer uma escolha: reconstruir a casa ou colocar a rádio novamente no ar? Teriam que optar entre duas coisas que tinham (e ainda têm) um significado muito importante em suas vidas. O que seria prioritário naquele momento? Acabaram optando por dar seguimento ao trabalho realizado na rádio. Com o dinheiro que tinham, reconstruíram a Rádio Amigos do Balneário Pinhal. Já a casa está sendo reerguida aos poucos, contando com doações da comunidade. A vontade de ajudar o próximo sempre fez parte da vida de Clayton, mesmo antes de se mudar para a praia. Mas foi lá que ele realmente trouxe o voluntariado para sua vida. À frente da Associação de Amigos do Balneário Pinhal, desenvolve há cinco anos programas de prevenção contra as drogas, cartilhas, campanhas de prevenção de DSTs e de ajuda às pessoas necessitadas. Quando o ciclone passou, ele estava com cobertores, alimentos e diversos materiais para as campanhas que promovia. E tudo se foi com o vendaval.

O futuro O homem que há tanto tempo auxiliava outras pessoas também pediu socorro. Para sua surpresa, quando mais precisou, a ajuda veio daqueles que ele não imaginava. “Aqueles que dispõem de menos recursos são os que mais ajudam outras pessoas”, relembra. O que o ciclone destruiu em poucos minutos o tempo ainda não conseguiu apagar da memória de Clayton. As lágrimas no canto dos olhos vêm junto com a mudança repentina no tom de voz quando rememora o exato instante daquela tarde de novembro. Apesar da dor que sente por ainda não ter conseguido reconstruir sua casa, Clayton entende que o que aconteceu o tornou mais experiente. Mas como assim experiente? Para ele, ter perdido tudo o que tinha da noite para o dia é um aprendizado. “Eu tenho algo que tu não tens. Vivi uma coisa que não tem explicação. Por pior que estivesse, precisava encontrar forças. Só de estar vivo já é motivo suficiente para recomeçar.” Todo gaúcho que se preze já sentiu na pele ou ouviu falar das ventanias. O Minuano, então, nem se fala. Ele é do tipo que sopra pelo pampa, atravessando o Planalto Médio até chegar às praias do litoral gaúcho. É famoso por sua característica peculiar: ser frio e seco. Um vento que parece gelar os ossos e vai adentrando portas e janelas, sem pedir permissão. Mas está enganado quem pensa que esse português não se assusta com qualquer ventinho minuano. E é assim, sem perguntar, que a memória de Clayton, com o barulho, aliado à frequente chuva fina que acompanha o Minuano, o faz lembrar daquele dia. “Tenho medo que aconteça algo com a rádio e eu não consiga seguir meu trabalho. Então, quando tem algumas nuvens mais fortes eu já fico apreensivo. Verifico todas as portas e janelas e vou para a internet conferir a previsão do tempo”.

FOI NO TRABALHO DESENVOLVIDO NA RÁDIO AMIGOS DO BALNEÁRIO PINHAL QUE CLAYTON ENCONTROU FORÇAS PARA RECOMEÇAR

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o escolhermos a pauta, não tínhamos ideia com o que iríamos nos deparar realmente. Não imaginávamos que muitas casas de Balneário Pinhal ainda estavam destelhadas. O tempo que passou não foi suficiente para a cidade ser reconstruída. Ao chegarmos à casa de Clayton e Graça, pensávamos que a vida deles já havia voltado à normalidade. Afinal, do lado de fora, a impressão é que a casa está em completa ordem. Inclusive, quando entramos pelo corredor que dava acesso à porta dos fundos, nem notamos que ela não tinha teto. Durante a conversa, o casal recordou a tarde que mudou suas vidas. Tal foi nossa surpresa quando, depois de realizar a entrevista, Clayton nos convidou para conhecer o resto da casa (ou o que sobrou dela). Não passava por nossa cabeça que ela ainda estivesse sem teto. Foi só depois de ver as condições em que moram é que tivemos a real noção da importância do trabalho solidário para eles. Optar pela reconstrução da rádio ao invés da casa foi algo surpreendente.”

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PROSTITUIÇÃO

cronômetro do prazer Entenda como as prostitutas administram seu tempo entre quatro paredes TEXTO DE Adriano Mazzarino e Tiago Silva FOTOS DE PEDRO BICCA

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tempo é expresso na sociedade como a soma de segundos, minutos e horas. Ou dias, semanas, meses e anos. Seu símbolo é o relógio ou o calendário. Ontem eram a ampulheta ou o sol e a lua. Hoje é o cronômetro.Um comercial de TV tem 60 segundos. Um spot de rádio não deve ultrapassar os 30. Uma consulta no psicanalista se efetiva em 45 minutos. A diferença de tempo entre o primeiro e o quinto colocados numa prova de Fórmula 1 é de décimos de segundos. Esse é o nosso tempo. Tais conceitos afetam a tudo e a todos. Mas serão esses os conceitos na prostituição? Um programa dura quanto tempo? Uma hora ou uma noite? O que determina o prazo de início ou fim do atendimento? Ou como uma prostituta mede o tempo de trabalho? Para responder a essas perguntas, visitamos uma das principais boates de Porto Alegre, a Gruta Azul. A casa noturna atende de segundas a sábados, envolvendo de 100 a 200 mulheres em dias e horários diversificados. Conversamos com quatro mulheres de diferentes idades e experiências. Vanessa, Samira, Horrana e Natascha são nomes fictícios que elas inventaram para trabalhar e manter-se no anonimato, uma das regras do setor.

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PROSTITUIÇÃO

O quarteto de mulheres e as outras dezenas e até centenas de colegas que passam pelo Gruta Azul possuem como relógio o interfone, um sistema de telefonia interno. O equipamento conecta o apartamento com a área privada localizada no setor de recepção da boate. A partir do instante em que cliente e garota combinam o programa e entram no quarto, não existe relógio. Ou melhor, o relógio é um cronômetro comandado por uma terceira pessoa que acompanha e controla o atendimento. Quando completam-se 60 minutos, o interfone toca, e o usuário é questionado se pretende renovar o programa ou não. Esse é o medidor, a régua que estabelece o conceito de prazer na indústria do sexo. São 60 minutos ou 3.600 segundos que o contratante possui para ser atendido nos seus desejos sexuais. E para a contratada, a prostituta, o que significa esse período de tempo?

tempo é dinheiro Natascha, 24 anos, define o tempo sem saber: “Às vezes demora para tocar o interfone, e eu me pergunto: será que esqueceram de mim?”. Morena de cabelos longos e lisos, corpo escultural e nádegas salientes, está há dois meses na noite. Foi casada por seis anos e, por sugestão de um taxista, foi trabalhar na boate, pois precisa ajudar na sobrevivência do avô, que desconhece sua atividade. Seu faturamento começou com R$ 1 mil reais e hoje está em R$ 5 mil por mês. Mesmo novata, ela conceitua que tempo é dinheiro, quando assim argumenta: “Quanto mais eu ficar enrolando, mais o cliente perde dinheiro. Se eu estiver tomando banho, já estou enrolando”. Natascha, ex-estudante do Ensino Médio, pretende ficar uns dois anos na atividade, tempo que ela julga o suficiente para comprar uma casa, um carro e um loja de roupas. O exercício da prostituição faz com que ela minta sempre, única forma de disfarçar sua atividade perante os familiares e amigos. Mas, em outro momento da entrevista, comenta que se sentiu bem na nova atividade, de onde concluímos que dela vai demorar para sair. 50 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010


tempo é uma caixinha de surpresas Para Vanessa, 20 anos, trabalhar com o interfone é uma caixinha de surpresas. Ela já teve casos de ficar conversando com o cliente e ele dobrar o programa. E destaca: “O controle do tempo está no interfone, mas se não é ele, eu não me toco do tempo”. Corpo magro, cabelos cacheados castanhos médios e pouca maquiagem no rosto fazem de Vanessa uma mulher que disfarça sua maioridade. Ela começou na prostituição em dezembro, após participar do filme Sexo total, produzido pela Brasileirinhas (maior empresa de filmes adultos do país) e dirigido por Don Pycone, um dos nomes de destaque da cinematografia pornô. Ela namorava há três anos e rompeu. Agora está com novo namorado (um amigo de infância), caso iniciado há dois dias antes da entrevista. Ele sabe da atividade da namorada e aceita. Vanessa, ex-aluna do curso médio, destaca que sua atividade é uma interpretação: “Me concentro e dou o máximo de mim!”. E ensina: “Dou atenção! Se ele disser que a esposa é uma chata, eu concordo”.

a pressa é do cliente Para Samira, 32 anos, muitas vezes a pressa é do cliente. Samira parece ser do tipo segura. Alta, magra, cabelos negros e longos, possui diversas tatuagens no corpo. Os desenhos na pele podem ser observados, pois ela usa um biquíni cavado azul. Uma forte maquiagem destaca os olhos. Foi casada durante quatro anos, numa capital do centro do país. Vivia bem, mas o rompimento fez ela voltar à prostituição, que antes exercia para o sustento dos filhos. Além da prostituição, ela trabalha como comissária de bordo em uma empresa aérea. Voltou a casar recentemente, com uma mulher, e passou a morar no litoral gaúcho. Por ser lésbica, uma boa parte de seus programas acaba envolvendo sexo a três: o cliente, ela e uma colega. A atividade de comissária lhe permite disfarçar e justificar um conforto pessoal que ultrapassa os R$ 15 mil por mês. Para justificar que a pressa é do cliente, ela afirma: “Converso bastante, não me estresso, as coisas fluem bem”. Cliente, que é a matéria fundamental do seu tempo, ela divide em três tipos. Os primeiros são os meninos que chegam mais para beber. Os segundos são os casados, que precisam chegar antes das 23h em casa. E os mais velhos, acima dos 50 anos, que bebem e as esposas sabem de seus giros na vida noturna. Mas salienta: “Quando eles são chatos, sou chata também”.

tempo aqui é uma ilusão Horrana, 29 anos, tem cabelos longos e negros, que combinam com os olhos. Seios e coxas fartas, parece ser do tipo objetiva. São nove anos de vida noturna. Ela é casada há cinco e tem uma filha. Seu esposo sabe de sua profissão e também trabalha na noite. Dentro de dois anos, ela deve concluir o curso de Direito em uma grande universidade da capital, por onde circula com seu carro importado. Direta, Horrana afirma que o melhor cliente é o que goza logo, e salienta: “Têm os programas que parecem durar uma eternidade”. Mas observa que o controle do relógio, durante

o programa, não auxilia em nada, até atrapalha, pois gera ansiedade e o cliente percebe. Sua experiência permite orientar que a prostituta tem de seduzir, oferecer o serviço, dar qualidade e agradar. Se isso acontecer, o cliente volta. “É um serviço prestado, mas, como dou confiança, em alguns casos fico amiga.” Descreve Horrana que na vida noturna o tempo passa rápido. Os convites são muitos. A lei da gravidade chega. A concorrência é grande. O tempo, portanto, é uma ilusão. Cada vez mais você vai dando valor ao dinheiro e assim selecionando, fazendo de cada cliente um caso, onde a garota de programa é uma psicóloga. Pontifica Horrana: “Sempre vai haver o fetiche com a garota de programa. Ela existe para dar prazer ao homem”. E sem perceber descreve a linha do tempo da humanidade. Em outras palavras Horrana resgata duas reflexões. A primeira é o velho ditado popular, que impõe a prostituição como a mais antiga das profissões. Ou seja, a prostituição é anterior ao relógio. E a segunda é uma frase do artista plástico Andy Wharol, que disse: “A fonte dos problemas das pessoas são as suas fantasias. Se você não tivesse fantasias não teria problemas, porque você aceitaria qualquer coisa que estivesse na sua frente. Mas aí você não teria romance, porque romance é encontrar a sua fantasia em pessoas que não são a sua fantasia”.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

“C

onfessamos que, desde o início, a ideia de fazer uma matéria com as garotas de programa mexeu com nossas cabeças pensantes. O tema abordado era o tempo e, para não fugirmos, fomos condicionados a levar as entrevistas para esse lado. A visita ocorreu em uma casa noturna de Porto Alegre. Muitas das respostas foram dadas por garotas que usavam seus trajes de trabalho, o que, confessamos, dificultou um pouco nossa concentração. Os papos rolaram numa boa, e todas contribuíram com respostas muito interessantes. No final da visita, ficou a certeza de que, naquele lugar, teríamos muitas histórias e conteúdo para render material para diversos tipos de reportagem, além da vontade de voltar, quem sabe, não só para fazer um trabalho de faculdade.”

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BANCAS DE NOVO HAMBURGO MUDAM DE FEIÇÃO AO LONGO DO DIA

Gustavo Heldt

Francine Scherer

DIA E NOITE

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CALÇADA DE LOJA NA AVENIDA IPIRANGA, NA CAPITAL, VIRA ABRIGO DE MORADORES DE RUA QUANDO CAI A NOITE


Metamorfose urbana Ao longo do dia, diferentes culturas se encontram em um mesmo local, e os frequentadores são responsáveis por esse cenário inconstante. Inúmeros estilos de vida ilustram de distintas maneiras a história das “Bancas”, em NOVO HAMBURGO, e de uma das movimentadas esquinas da Avenida Ipiranga, em Porto Alegre TEXTO DE Cristiane Medeiros e Gustavo Heldt FOTOS DE Francine Scherer e Gustavo Heldt

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xistem lugares que se alteram com o tempo. Casas, por exemplo, decompõem-se aos poucos, com corrosão de metais, erosão de jardim, envelhecimento de moradores e enfraquecimento de madeiras. Esse processo leva anos até ser percebido pelos seus habitantes. Há locais, no entanto, em que o tempo provoca transformações em poucas horas. Os agentes que se associam ao tempo, nesses casos, são justamente os frequentadores, cujos diversos prismas e tonalidades causam modificações contrastantes no ambiente ao longo do dia. Novo Hamburgo abriga um lugar assim, onde estudantes, prostitutas, travestis, ladrões, drogados, bêbados, políticos, cantores e lunáticos se encontram. Esse lugar atende pelo seguinte apelido: “As Bancas”. Trata-se de uma série de lanchonetes pequenas, geminadas, as quais ocupam a estrutura onde, antigamente, instalava-se um terminal rodoviário, na Avenida Pedro Adams Filho. O café da manhã nas bancas é um mergulho numa batida de culturas. “Tem velhinho que acorda às 5h para estar aqui”, conta um dos atendentes da Banca 4, Marcos Rogério da Silva, de 32 anos, também conhecido como “Quase Nada” – assim, anos atrás, ele informava aos fregueses o valor dos alimentos expostos no mostruário de vidro. “O que mais sai é o prensado”, revela Marcos. “A noite não termina antes de um prensado com presunto, queijo e maionese”,

conta ele, há 12 anos trabalhando no local. “Vai encarar?”, pergunta, sorridente, em um domingo à noite, a um cliente, que mira um bolinho de carne. O bom-humor, de acordo com Marcos, é essencial no seu horário de trabalho. “Eu faço o turno da noite, das 7h às 7h, e adoro. Podia escrever um livro com as histórias que acontecem por aqui, mas não tenho tempo de anotar.” São 18 horas. Com a chegada do outono, não tarda para as luzes de Porto Alegre darem sinais de que a noite se aproxima. Não há mais tempo para vendas nem atendimentos: é hora de encerrar os trabalhos e fechar as portas da loja de pneus. Com o fim do expediente, muitos funcionários migram para suas casas. Lá, encontrarão suas famílias ou pessoas com que compartilham um lar e, certamente, utilizarão as horas que restam do dia para atividades de lazer, como assistir a um simples programa de televisão. Enquanto isso, as grades se fecham, cercando e protegendo o local de uma das mais movimentadas esquinas da Avenida Ipiranga, na capital gaúcha. Os cuidados não representam apenas a segurança do estabelecimento, mas o motivo para o “toque de recolher” de diversos moradores de rua. Para os mais de dez “inquilinos” daquela esquina, a noite está recém começando. Depois de outro dia sem metas a cumprir, é chegada a hora da “família” se reencontrar.

A marquise em frente ao local é também um convite àqueles que dividem uma vaga no abrigo, pois cobre grande parte da calçada. Como afirma o morador Elyandro Garrighan da Silva, 23 anos, muitas pessoas escolhem “morar” ali pelo fato de a cobertura facilitar em dias de chuva e frio. Pouco a pouco, os solitários peregrinos vão chegando. Lado a lado, eles se distribuem no chão duro e sem conforto. Não há lugar para a luxúria e nem para as exigências. Os colchões velhos – presentes de pessoas sensibilizadas pela pobreza – são enfileirados aleatoriamente. Aos poucos, o albergue público e sem dono vai se formando. Segundo Elyandro, não há moradores fixos no local, mas aqueles que chegam são recebidos como pessoas “da casa”. “Cada dia chega gente nova”, revela. “E, como a gente ‘tá’ na rua, tem que ajudar um ao outro. Não adianta eu ser morador de rua, passar uma pessoa que eu não conheço e eu virar a cara para ela. Eu ‘tô’ passando pela mesma situação. Se a gente ‘tá’ sofrendo, a gente tem que se ajudar.” Durante a tarde, as bancas servem de reduto para reuniões de todo tipo. Segundo Plínio José Kieling, de 51 anos, que ocupa um dos banquinhos do local nos fins de semana, as bancas são o “pulmão da cidade”, pois absorvem todo tipo de gente, sem preconceito. Ele vê o lugar como um ponto de partida PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 53


DIA E NOITE e chegada: antes do jogo de futebol, depois da festa, antes de dormir, depois de acordar. “Sem as bancas, Novo Hamburgo não existe”, exagera o colega de mesa, o taxista Olmiro Augusto da Silva, 64 anos, recém-saído do hospital. Devido a um enfarto, passou um mês em tratamento. Liberado pelos médicos, ele determina o local da comemoração: o mesmo onde engraxou sapatos na infância. O excesso de mistura provoca alguns atritos. “Um homem levou uma garrafada ano passado e morreu ali mesmo”, aponta Plínio para uma mesa próxima da sua. Trabalhando há mais de 30 anos na banca 6, Valdir Glaser, 57 anos, contrapõe: “Discussão sempre tem, mas nunca vi um assalto aqui na frente”. Alguns metros e horas à frente, Aldenir Antunes da Silva, 29 anos, concorda. “O pessoal respeita. Tem gente que vem para incomodar, mas não dá para entrar em briga”, afirma o ex-funcionário do Foro da cidade, que hoje dorme em frente à Banca 1 e protege o local de possíveis furtos. “Se não, fica mal para mim”, confidencia. Temidos por muitos que passam pelo local, os frequentadores noturnos buscam, naquela esquina, não apenas um espaço para dormir, mas esperam a cada noite poder contar com a solidariedade das pessoas. “Na maioria das vezes, a gente é discriminado pelas pessoas que passam por aqui”, diz Elyandro. “Elas passam, olham e viram a cara. Acham que a gente vai roubar. Mas a gente não é assim. A gente ‘tá’ aqui pra dormir e por causa da comida. Porque à noite não tem como conseguir”. Sem internet, televisão ou outros recursos que ajudam a passar o tempo, o grupo de moradores improvisa na hora da diversão: jogos de baralho, rodas de música – destaque para o pagode –, conversas e brincadeiras são, segundo eles, as principais maneiras de espantar a tristeza e a fome. Abílio Martinho Moreira aproveita a noite para escrever poemas. Outros encontram na bebida a companhia que precisam para as noites em claro, como Elyandro, alcoolista desde os 14 anos. Com o seu grupo, que reúne até 40 moradores de rua nas imediações, Aldenir habita o local, principalmente, durante as noites e madrugadas. “A gente conversa, compra uma cachacinha, uma comida – de vez em quando, alguém dá uma ajuda”, conta o guardador de carros Maurício Foss, 38 anos, atento à movimentação. Diante da aproximação do repórter, ele avisa: “Eu te vi por aí mais cedo falando com outras pessoas e já sabia da ma-

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téria”. Cada integrante do grupo que se junta aos amigos ali reunidos é apresentado ao repórter, e o repórter ao grupo: “Esta é a nossa família”. A madrugada vem chegando e, com ela, o sono se torna inevitável. Depois de horas já deitadas, sem ter para onde ir, nem ter o que comer, muitas pessoas adormecem. Os carros nas ruas também já vão sumindo, dando lugar ao silêncio. Com medo de lavarem o pouco que têm, muitos ficam atentos aos poucos que perambulam por ali. “Às vezes, a polícia passa e recolhe nossas cobertas, nossas roupas e nossos colchões”, desabafa o morador. “Quando eles recolhem, a gente passa a noite inteira no frio. A gente mora na rua e não tem nada, aí eles vêm e tiram o nada que a gente tem.” “Não quero me identificar”, diz a garota, de 17 anos, no sábado à noite, após brincar com um vira-latas branco que fareja restos de enroladinhos em frente à Banca 3. “Minha mãe não gosta que eu fique aqui, então é bom não colocar meu nome. Ela acha perigoso, mas a gente sempre vem antes ou depois das festas. Nunca deu nada”. Sorte da adolescente que o cachorro com o qual ela se diverte não é o Negão. Este, no momento pedindo comida em outra mesa, provocou, no ano passado, a cicatriz que Aldenir ostenta no nariz. “Ele foi mexer com o bicho, e o Negão atacou”, conta Maurício, rindo. A cada clique da câmera, o morador de rua não se contém: “Vai queimar o filme”. Uma nova claridade começa a incomodar. Não se trata da que vem da rua e nem do interior da loja. A luz dos postes vai se apagando, e, com ela, indícios de um novo dia começam a surgir. Resta pouco tempo para o cochilo embaixo da marquise. Enquanto muitos demoraram a cair no sono e há pouco conseguiram relaxar em seus colchões de espuma, outros já estão de pé para os seus compromissos. Os primeiros funcionários que chegam à loja despertam os moradores da calçada, que aos poucos se dispersam na multidão. São 8h. É tempo de retomar os trabalhos. Invariavelmente, os habitantes transformam o ambiente onde vivem. A diferença é a velocidade com que alguns personagens transfiguram o cenário. No epicentro de um mar de conservadorismo, lugares assim intensos, de rápida metamorfose, constituem-se como parte do inconsciente coletivo da cidade, evocando o imaginário que povoa a mente de muitos, enche o pneu de alguns e recheia o prensado de outros.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

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última dupla a se formar. Para o resto da turma, éramos um caso perdido. Nossas ideias não fechavam, e os interesses que nos levavam a escrever uma matéria para a Primeira Impressão eram praticamente opostos. Com a insistência dos professores, fechamos a parceria. No início, cada um relutou por suas propostas. No final, acabamos adaptando nossa pauta a um tema que satisfizesse os dois. Mostrar as diversas facetas das bancas ao longo do dia configurou-se como uma experiência exaustiva, devido à quantidade necessária de idas ao lugar, e interessante, afinal o lugar atrai gente capaz de provocar encontros inesperados. Alguns não entraram no texto, como o policial militar que se aproximou contando história de suas aventuras de moto e um homem que perguntou se o repórter sabia de morenas, fluentes em inglês, que estivessem dispostas a trabalhar na China. Ao contrário do que imaginamos, a receptividade dos moradores de rua de Porto Alegre foi algo surpreendente. Embora alguns não tenham aceitado a nossa aproximação, outros nos trataram com educação e, enquanto respondiam às perguntas, se mostraram extremamente atenciosos. Com os funcionários da loja, infelizmente não conseguimos contato. Segundo eles, é contra as normas da empresa ceder entrevistas. Acreditamos que a intenção foi de não relacionar o nome da empresa ao local ocupado pelos moradores.


Gustavo Heldt

ABÍLIO MARTINHO MOREIRA MOSTRA SEUS POEMAS ESCRITOS NA RUA

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Desaparecidos

o memorial dos desaparecidos reĂşne dez mil nomes de pessoas assassinadas pelo regime militar

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TÁRLIS SCHNEIDER

As mães de 30 mil filhos A DITADURA MILITAR NA ARGENTINA FEZ NASCER UM DOS MAIORES SÍMBOLOS DE RESISTÊNCIA NA AMÉRICA LATINA. AS MADRES DE pLAZA DE MAYO LUTAM PARA MANTER VIVA A memória dos fatos e de todos que desapareceram NO PERÍODO PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 57


desaparecidos Alguien ya contó los días. Alguien ya sabe la hora. Alguien para quien no hay ni premuras ni demora. (Milonga de Albornoz, Jorge Luis Borges) TÁRLIS SCHNEIDER

TEXTO DE ana crisitina basei E ricardo machado | FOTOS DE bruna schuch E tárlis schneider

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xiste uma lembrança que não se calcula pelos dias da semana ou pelos meses do ano, pois de tanto tempo que tem, nem vale mais a pena contar. Uma luta cuja causa ultrapassou a dimensão do tempo. Seus danos até poderiam ser medidos ao longo da história, mas jamais terão o tamanho da dor da saudade. Las Madres de Plaza de Mayo são mulheres para quem, como no poema de Jorge Luis Borges, não há pressa, nem demora. Numa quinta-feira, 30 de abril de 1977, pela primeira vez 14 mães foram à frente da Casa Rosada para cobrar do governo o paradeiro de seus filhos. O gesto se transformou em um movimento e foi repetido aproximadamente duas mil vezes, todas as quintas-feiras. Essas mães, munidas apenas de seus pañuelos brancos, até hoje realizam a caminhada, uma espécie de marcha sem fim que se constitui em um dos maiores símbolos de resistência na América Latina. Na Argentina, o regime militar, entre 1976 e 1983, condenou 30 mil vidas. Quiseram os ditadores que o desaparecimento virasse esquecimento, mas o que era pra ser castigo virou luta. A morte que não chega é vida. O destino dos desaparecidos foi dado pelos militares, que arrancaram suas vidas da realidade e os colocaram em lugar nenhum. Nesse período, houve mães que perderam um, dois, três filhos. Outras, 30 mil. “Quando o governo constitucional se instaurou, e não foi feito nada, muitas desanimaram e ficaram em casa, pois esperavam somente por seus filhos. Enquanto nós somos mães dos 30 mil desaparecidos e por isso nossa luta continua igual”, revela Célia Prosperi, uma das mães da Praça de Maio. Quando a vida age cruelmente, os gestos passam a ser sutis, calculados. Célia tem 85 anos, olhar sereno e voz firme. Os 33 anos de militância transformaram-na em uma outra mulher, com o peso de ser mãe de milhares de desaparecidos. O movimento não se 58 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010

fortalece nos atos, embora importantes e significativos, mas nas pessoas. “A força está aqui!”, responde a madre, com a propriedade de quem há mais de três décadas vai à Praça de Maio semanalmente. “A quinta-feira é um dia de encontro com nossos filhos”, destaca Célia, denotando, para elas, o significado de ir à Praça. Além disso, ressalta que é uma forma de protesto e um gesto de legitimação da memória do terrorismo de Estado na Argentina. Existem fatos que os olhos não veem, e no fundo é até melhor assim, mas que o coração sente. Por debaixo do pañuelo branco, escondidos detrás do verde olhar de Célia, há dias, meses e anos que habitam o silêncio solitário da saudade. Um olhar do qual o tempo tratou de arrancar as lágrimas, mas que se revela emotivo na fala, com a voz diferente, desta vez embargada pela lembrança. A madre entrou no movimento por conta do sumiço de sua filha, Maria Cristina Prosperi. Célia tivera anteriormente o marido sumido e considerava-se viúva, pois assim aprendeu. Mas não havia, e não há, para ela, um adjetivo que expresse a perda de um filho. A última lembrança tem data marcada: quarta-feira, 30 de março de 1977. Maria Cristina foi à Faculdade de Filosofia, em La Plata, e nunca mais voltou. Esse dia marcou o último encontro dos olhos verdes da mãe com os da filha, e aquilo que seria o fim, no caso argentino, era apenas o começo. “A morte caduca. O castigo, a desaparição, não. Esse é um delito que não se extingue nunca, pois é um ato contra a humanidade”, defende Célia. Platão dizia que o tempo é a imagem móvel da eternidade, e as madres lutam, justamente, por essa eternidade. Suas iniciativas, gestos e protestos buscam preservar a memória de seus filhos, vítimas de uma das mais cruéis ditaduras latino-americanas. Há coisas que pertencem à natureza da existência. A morte, por exemplo: por mais incompreensível e dolorosa que possa ser, representa o fim de um ciclo. Nos habituamos a encarar a ideia da


BRUNA SCHUCH

Célia Prosperi milita no movimento desde 1977

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TÁRLIS SCHNEIDER

A plaza de mayo, que fica em frente à sede do governo federal, é importante palco político da história da Argentina

finitude, nos acostumamos com a morte, diferente do desaparecimento, quando a única certeza é a incerteza. A luta se reforça não apenas pela militância semanal; para as madres, os filhos vivem na memória, nas ações e na postura de rechaçar qualquer tentativa de fechamento do ciclo. “Aceitar dinheiro é decretar uma data de morte para nossos filhos. Mas não sabemos nem quem os matou e nem o que fizeram com eles”, enfatiza. Os memoriais e túmulos também não são bem-vindos, pois de alguma forma remetem a esse encerramento, tão combatido pelas madres. O movimento tem em seus personagens a perseverança que o mantém vivo. Das madres, apenas duas não contam 80 anos. A mais velha tem 95. Na primeira vez, eram pouco mais de uma dúzia, houve épocas em que duas mil estiveram na Praça. Atualmente, falta-lhes coragem para contabilizar quantas mães ainda restam. Mas o movimento busca perpetuar-se no tempo.

testemunhas da tortura Em Rivadavia, bairro retirado do centro de Buenos Aires, há uma antiga escola naval que esconde, atrás de suas grossas e altas grades, histórias das quais só sobraram as salas, com suas portas e janelas mudas. A falsa paz existente no local abriga o segredo das vidas interrompidas pelo regime. No lugar frequentado anteriormente por torturadores e vítimas, apenas árvores e prédios vazios compartilham a solidão. As velhas paredes, depois de presenciarem tudo que passou durante a ditadura, aprenderam a não confiar nos homens e, por isso, mantêm-se caladas. Dos militares, ficou apenas a estética espartana e a triste lembrança de sua estada. Porém, há uma nova perspectiva para o lugar. Os tristes e sangrentos episódios fazem parte do passado, pois o cárcere virou o Espaço Cultural Nuestros Hijos, onde são promovidas apresen-

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tações artísticas, peças de teatro e oficinas, atividades mantidas pela fundação das Madres de Plaza de Mayo. “Isso é o que queremos, num lugar onde houve tanta morte e tortura, nós colocamos a vida”, conta Célia. Os tempos pós-modernos escondem uma calma que só existe na aparência. A perversidade é inerente à história humana e se apresenta de formas cada vez mais sofisticadas e sutis. Célia Prosperi lembra que, na semana da entrevista, uma matéria de jornal trazia na manchete a fala de um ex-militar: “O pior foi deixar os subversivos vivos”. A frase ilustra, de alguma maneira, que nem todo o sofrimento pelo qual o país foi submetido bastou para que esse tipo de pensamento fosse extinto da sociedade. Célia mostra em seu discurso uma doçura de quem aprendeu a lutar pela vida. São 85 anos que se revelam não somente nas palavras, marcadas por uma existência combativa e determinada, mas nos gestos e movimentos, que têm a rapidez que a idade lhe permite. Talvez a maior cicatriz dessa madre seja a saudade, que, diferente de todas as outras, não se fecha, pelo contrário, aumenta a cada dia. “Não creio que se possa explicar, nós sentimos a falta deles sempre”, confessa. A ausência, para as madres, é a presença mais constante. Essa falta é o combustível que alimenta as ações dessas mulheres que viram o movimento crescer dia a dia, além de celebrarem as conquistas ligadas aos direitos humanos, tornando-se uma importante ferramenta política social. “Nesse tempo todo, crescemos fazendo as coisas que nossos filhos fariam”, orgulham-se, sustentando que se transformaram em filhas de seus filhos. Assim, essas mães continuam firmes na luta pela lembrança, pois, como sintetizou Borges, em seu poema Milonga de Albornoz, “el tiempo es olvido y es memória.”


BRUNA SCHUCH

Presente, passado e futuro das madres A Asociación Madres de Plaza de Mayo, liderada pela presidente Hebe de Bonafini, desenvolve ações voltadas para a educação, a cultura, os projetos sociais e a democratização do conhecimento. Além do Espaço Cultural Nuestros Hijos, elas mantêm uma biblioteca popular, uma livraria e, há dez anos, uma fundação universitária (conhecida como Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo), que oferece os cursos de graduação em Direito, Serviço Social e História. Os estudantes pagam mensalidades reduzidas, e as aulas se realizam em duas sedes em Buenos Aires. A iniciativa oportunizou a formatura de mais de dois mil alunos. Há também o projeto profissionalizante pelo qual pessoas de baixa renda aprendem atividades na área de construção civil e trabalham na edificação de habitações populares. Esses operários ainda são estimulados a estudar, para concluir ensino fundamental e médio, depois do horário de trabalho. São reconhecidas e laureadas por institutos e universidades de diversos países do mundo. Entre mais de 90 prêmios conquistados por elas, está o UNESCO- Educação pela Paz. MONUMENTO: Em frente ao Rio da Prata, existe um monumento para lembrar as vítimas do terrorismo de Estado. No lo-

cal, em grandes muros, há o nome completo, a idade e o ano de sequestro de dez mil pessoas, desaparecidas ou assassinadas entre 1969 e 1983. A iniciativa é do governo argentino, que continua trabalhando junto aos familiares para encontrar mais informações sobre outros desaparecidos. O lugar, ao norte de Buenos Aires, foi escolhido por ser o destino de muitos presos assassinados pelo regime. Da margem, as pessoas eram jogadas ao rio. Na extensão de 14 hectares, há o monumento, composto por quatro muros repletos de nomes, cuja disposição apresenta o formato de um corte, para simbolizar uma ferida aberta. FILHOS: Os militares também foram responsáveis pela mudança no destino de crianças. Cerca de 500 bebês, filhos de mães sequestradas, foram entregues para outras famílias e muitos outros ficaram órfãos. Ao longo dos anos, dois importantes movimentos também lutaram pela causa: as Abuelas (avós) conseguiram encontrar, resgatar a identidade e devolver para as famílias de origem cerca de 100 crianças. O movimento dos Hijos (filhos) existe há 13 anos e tem sedes em diversas províncias do País; pregam a justiça política, reparação social e punição aos torturadores. Para eles, o sofrimento de seus pais não pode ficar no esquecimento e no silêncio.

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ssa é a pequena história de quem acredita, simplesmente. Acreditar era o que precisávamos para ir à Argentina, entrevistar uma madre de Maio e trazer o relato de quem viveu um dos períodos mais sombrios da repressão militar. Assim a equipe foi montada: dois fotógrafos, Bruna e Tárlis, e dois repórteres, Ana e Ricardo. O grupo partiu de Porto Alegre numa quinta-feira à noite, para realizar a entrevista na manhã seguinte. Era o começo da jornada que fez a gente descobrir um pouco de Buenos Aires e muito de nós mesmos. O que deu certo está expresso na matéria. O que deu errado, contamos agora. Antes de começar a entrevista, tentamos resolver a burocracia da autorização de uso de imagem e depoimento, e o que parecia simples, tornou-se uma grande ansiedade, pois foi devolvida somente ao fim da conversa. Quase

uma hora de entrevista deu tempo suficiente para fazer diversas fotos da madre. Tudo em vão. Ela estava sem seu pañuelo e isso significou fazer as fotos novamente. Ainda queríamos fotografá-la na Praça. A resposta foi: “Venham na quinta-feira, que estaremos lá”. Os imprevistos não haviam impedido uma boa coleta de dados e imagens, mas almejávamos mais. Fomos à Rivadavia, num centro de tortura. Portões fechados. Entramos mesmo assim, e nossa incursão durou o tempo de o segurança nos retirar do local. Ao cabo de tudo, a experiência serviu para que um repórter aprendesse com o outro, um a ser mais “hard news”, e o segundo a ser mais “literário”. E ambos descobriram nos olhares de Bruna e Tárlis as lembranças mais transformadoras, que ficarão para sempre registradas nas fotografias dessa dupla.”

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superação

Uma segunda chance Em um país onde o número de usuários de drogas aumenta a cada ano, muitos jovens se perdem. Daiomar foi um deles

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TEXTO de GRAZIELLA SANTOS e LUANA ELIAS FOTOS de paola ribeiro

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le sonhava em ser policial. Admirava a profissão exercida pelo pai. Tinha uma estrutura familiar sólida, com pai, mãe e sete irmãos. Porém, a vida de Daiomar Pontes Ribeiro, 27 anos, não seguiu o rumo esperado. Sua infância foi um tempo de sonhos e fantasias, mas sua adolescência nada teve de poesia. As brigas em casa se iniciaram. E tudo começou a desmoronar. Com 15 anos, Daiomar não queria ser excluído do grupo e chamado de careta por seus amigos. Aceitou então o convite que mudaria o rumo de sua vida: experimentar algumas drogas. Aos 16 anos, em busca de aceitação e de um refúgio para seus problemas, tornou-se usuário. “Usei crentize (chá feito com fita de ví-

deo cassete), cola de sapateiro, lança-perfume, maconha. Depois parti para drogas mais pesadas, como cocaína e crack”, afirma. Segundo o psiquiatra Anderson Ravy Stolf, do Centro de Pesquisas em Álcool e Drogas da UFRGS, o jovem tem como característica a impulsividade e curiosidade, que propiciam o seu envolvimento com as drogas. “Além disso, existem os desentendimentos familiares, as influências genéticas, a pressão do grupo do qual o jovem faz parte e também aspectos individuais”, afirma. Não bastasse o momento de extrema fragilidade em que se encontrava, Daiomar sofreu um novo golpe. Em 1998, um de seus irmãos morreu baleado, tragédia sem relação com o universo das drogas. “Ele, na verdade, me cuidava, dava conselhos para eu sair daquela vida”, conta Daiomar. Para esquecer a tristeza, a angústia e a solidão, ele foi ainda mais fundo nas drogas. Já não sabia mais se os amigos estavam ao seu lado por gostarem dele ou apenas porque tinha dinheiro para sustentar o vício deles. E Daiomar caiu em depressão.

“comecei a ter visões estranhas“

daiomar ribeiro frequenta o grupo força jovem da igreja universal desde 2006

Daiomar saía de madrugada, entrava em morros perigosos. “Fui a lugares em que ninguém tinha coragem de ir”, desabafa. Na época, ele vendia todas as coisas que ganhava do pai para comprar drogas. E deixou de frequentar as aulas. Por uma estranha coincidência da vida, lá estava ele lado a lado com o objeto de sua admiração infantil, de seu desejo de realização: o policial. Era tênue a linha que os separava. E se encontravam em frequentes confrontos, como a vez em que ele e alguns integrantes da torcida organizada do Inter, da qual fazia parte, provocaram uma briga com a torcida do Coritiba. “Não tinha motivo, mas ninguém tinha noção, pois estava todo mundo drogado”, enfatiza Daiomar. A briga terminou com a polícia atirando balas de borracha e expulsando os torcedores encrenqueiros da cidade. Em época de clássico Gre-Nal, os confrontos se tornavam ainda mais constantes. “Por onde minha turma passava, havia confusão. Contávamos os dias para o Gre-Nal, planejando o que jogar nas pessoas. Uma vez, jogamos uma bomba caseira, foguete e pedras no estádio. No caminho para o jogo, eu subia na parte de cima dos ônibus e surfava, enlouquecendo os motoristas”, conta Daiomar. Segundo ele, seu grupo enfrentava até a escolta da Brigada Militar. “A droga me tirava o medo e dava a sensação de poder.” Daiomar também já praticou pequenos assaltos para sustentar o vício. “Uma vez roubei um rapaz e, depois que passou o efeito da droga, me senti muito mal. Aquele rapaz era tão inofensivo, e olha o que fiz com ele. Tanto eu quanto os meus amigos queríamos assaltar apenas os caras que eram metidos a machões.” As alucinações, por conta dos efeitos das drogas, também eram constantes. “Um dia depois de fumar com os meus amigos, comecei a ter umas visões estranhas e, como enxergava muitas luzes, pensei que estava em Las Vegas. Mas depois me dei conta que estava em plena Avenida Osvaldo Aranha”, relata.

“cada dia parecia uma semana” Daiomar foi internado três vezes. A primeira ocorreu em 2002, no Hospital São Pedro. Por vontade própria, foi levado pela Brigada Militar, que o encontrou na rua depois de ter sido assaltado, quase sem roupas. “Minha família desconfiava que eu usava drogas. Mas só tiveram certeza quando receberam a ligação da clíniPRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 63


cartola ca, avisando que eu estava sendo internado por vontade própria. Aí eles me viram enterrado no vício.” Daiomar recebeu alguns medicamentos e, quando acordou no dia seguinte, se deparou com a dura realidade do local. “Olhei ao meu redor e só vi loucos, gente gritando, alguns viajando. E, naquele instante, me senti uma pessoa normal. Não queria ficar ali.” No Hospital Espírita, em Porto Alegre, permaneceu dois anos internado. “Era horrível, pois me sentia como um presidiário, não podendo conviver com a minha família. E eu sabia que era o único culpado por estar lá. Saí do hospital amarelo, porque não me deixavam tomar sol com medo de que eu tentasse fugir.” A outra internação foi em uma clínica em Campo Bom. A contagem do tempo dentro da clínica de reabilitação era diferente da contagem do lado de fora. “Cada dia parecia uma semana. Eu ficava fechado em um espaço limitado. Sentia uma angústia, e, na maioria das vezes, estava chapado de remédios. Parecia que os dias não passavam.” Era rotina na clínica acordar bem cedo, tomar banho e café da manhã. Em seguida tinha a recreação e depois a opção de dormir novamente. “Tinha dias que sentia muita falta da droga e ficava na janela gritando, querendo arrancar a grade, então vinham os enfermeiros e me davam injeções.” Quando Daiomar recebia as visitas dos familiares, chorava muito. “Passava um filme na minha cabeça de tudo que eu havia deixado para trás. Eu pedia para eles me tirarem de lá, pois me sentia no verdadeiro inferno”, conta. A irmã de Daiomar, Andréa Cardoso, relata algumas lembranças da época em que o irmão era usuário de drogas. “Ele nunca aparecia em almoços ou festas de família. Se não estava na rua, ficava em casa dormindo. Minha mãe sofria muito, pois ficava acordada até mais tarde esperando por ele.” Todas as vezes que saía das clínicas, passava até um mês sem usar drogas, mas sempre tornava a consumi-las. “Cheguei ao ponto de achar que eu não teria mais chance de deixar essa vida. Me sentia em um buraco sem saída.” De acordo com o psiquiatra Anderson Ravy Stolf, uma das técnicas mais conhecidas, que tenta explicar e descrever os estágios pelos em porto alegre, daiomar ribeiro lidera o grupo tribo de judá, um dos 20 que compõem o força jovem

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quais a pessoa passa no curso do tratamento, é a entrevista motivacional. Nesta técnica, o estágio inicia com a pré-contemplação, quando a pessoa acredita que não existe problema com as drogas. Já a contemplação é quando a pessoa começa a pensar na possibilidade de buscar o tratamento. Existem ainda outros estágios intermediários, até que a pessoa comece a fazer algo para modificar sua situação. Após, existe a fase de manutenção para assegurar os ganhos do tratamento e evitar a recaída. O processo costuma demorar de três a seis meses, mas o tratamento segue por um período mais longo, em virtude do envolvimento com drogas ser considerado uma doença do cérebro. “Assim como em outras doenças crônicas da medicina, não há promessa de uma cura imediata ou em curto prazo, mas é possível tratar, controlar e evitar riscos e danos associados às drogas”, finaliza o psiquiatra.

“sentia nojo da vida” Depois de sair das clínicas, Daiomar começou a pensar em seu lado espiritual e a frequentar a igreja junto com sua mãe. Foi assim que ele conheceu o grupo Força Jovem, que lhe deu apoio e motivação para buscar a recuperação e uma vida nova. Lá, ele encontrou jovens na mesma situação que ele, que conseguiram vencer o vício e ter uma vida normal. “Resolvi deixar as drogas quando tive a certeza de que a solução dos meus problemas era agir com a minha fé e crer em Deus, pois só ele poderia mudar a minha situação. Bastava eu ter determinação”, diz. Um dos amigos que acolheu Daiomar no grupo foi Tiago Ferraz, que acompanhou de perto sua recuperação. “Os primeiros meses foram mais complicados, pois ele não aceitava alguns conselhos. Mas percebi que ele tinha uma grande vontade de mudar, pois não aguentava mais aquela situação.” Tiago diz que em momento algum pensou em desistir de ajudá-lo, pois sabia que ele realmente queria mudar de vida. E, aos 21 anos, Daiomar recomeçou a viver. Hoje é casado, cuida da casa pela manhã, trabalha à tarde e integra o grupo Força Jovem à noite. Ele realiza um trabalho que ajuda outros jovens a deixar o vício. “Tive o incentivo da minha família e muita força de vontade. Agora faço um trabalho social com o objetivo de ajudar outras pessoas, pois algumas não têm o apoio de ninguém. E eu sei bem o que elas estão vivendo”, relata. Daiomar perdeu um importante tempo de sua vida. Como experiência, ele afirma que aprendeu que essa escolha não leva a lugar algum. “A droga causou só destruição para mim e para minha família. E quando passava o seu efeito, sentia um nojo da vida, me achava uma pessoa inútil e desprezada por todos”. Agora Daiomar ganhou uma segunda chance de recuperar esse tempo. E está reconstruindo aos poucos sua vida e mostrando a outros jovens uma nova oportunidade. Afinal, sempre é tempo de recomeçar.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

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nfrentamos alguns desafios para finalizar esta matéria. Nossos horários nunca fechavam com os de Daiomar, nosso personagem principal. Então, fizemos uma última tentativa de entrevista e já pensávamos em buscar uma nova pauta. Entramos em contato com ele e explicamos nossa urgência e nossos prazos. Ele foi muito atencioso e parou na hora tudo o que estava fazendo e nos contou sua história. E a história dele nos surpreendeu. Depois de chegar ao fundo do poço, Daiomar se reergueu, e a nossa pauta também. Durante as entrevistas, Daiomar se emocionava ao relembrar sua história. Conversamos com ele mais de uma vez em busca de novas abordagens para a matéria, assim como descobrir e detalhar outros fatos. E cada vez que nos aprofundamos, enriquecemos ainda mais de detalhes e surpresas esta história de superação, para poder dividi-la com outras pessoas. Acreditamos ter encontrado a essência dessa história e dessa pessoa que transformou seu sofrimento em ajuda ao próximo. E era este o nosso principal objetivo. Por fim, tudo deu certo. Gostamos muito de realizar esta pauta e esperamos que todos aproveitem a leitura!

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VOLTA POR CIMA

O duro jogo da vida preso aos 18 anos, toy teve de superar a morte dos pais, o vício das drogas e o longo tempo na prisão para conviver em sociedade

TEXTO DE Moreno Carvalho e Paulo Henrique Machado FOTOS DE ADAM SCHEFFEL

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ristian Mendes Borges. Separados, esses nomes lembram artilheiros da trajetória recente dos três maiores clubes do Rio Grandes do Sul. Mas, unidos, contam a história de um “artilheiro” que, na única vez em que atirou sem pensar, fez gol contra e cometeu seu maior erro. O roteiro desse jogo da vida real - que pode ser dividido em dois tempos de 15 anos cada - fez o fanático torcedor do Grêmio sofrer com a dura marcação dos policiais e o rigor do juiz de direito. Nascido em 22 de março de 1980, o morador da Vila Ideal, em Canoas, tinha uma vida simples. Jogava futebol, saía com os amigos e morava junto com seus pais e dois irmãos com quem mantinha boa relação. Aos cinco anos, o primeiro choque: o rapaz perdeu a mãe em virtude de um câncer no pulmão, causado, segundo o próprio, pelo excesso de cigarros. No entanto, a perda parecia não se refletir no comportamento do rapaz, que seguiu estudando em busca de um futuro melhor. Tudo seguia normalmente até que outro acontecimento repentino e fatal, tais quais aqueles gols

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sofridos nos acréscimos, transformou a vida do adolescente. Passados nove anos da morte da mãe, Cristian perdeu o pai, que sofria de pancreatite por beber além do normal. “Foi um choque imensurável, não consegui administrar aquela situação”, recorda hoje, aos 30 anos. A partir daquele momento, o franzino Cristian se transformaria no perigoso Toy, apelido dado pelos amigos da vila onde morava - os mesmos que o levaram a participar de torcidas organizadas do Grêmio: Torcida Jovem, Super Raça Gremista e, posteriormente, Máfia Tricolor. Iniciava-se ali uma nova etapa em sua história, uma espécie de segundo tempo, logo no início da segunda metade de sua vida. Toy não nega que o envolvimento dele com as facções uniformizadas do tricolor gaúcho tenha relação com sua mudança de comportamento, alterado pela perda dos pais. O rapaz conta que, ao falecer, seu pai deixou escondida dentro de casa uma “caixinha de surpresas” a qual ele não conhecia: um verdadeiro arsenal constituído de armas de todos os tipos. O ainda pré-adolescente entraria em pouco tempo

agora em liberdade CONDICIONAL, Toy lidera uma das torcidas do Grêmio


para o mundo do crime. As armas eram utilizadas em brigas entre gangues de bairros (comuns naquela época), em pequenos assaltos e para intimidar grupos rivais. “Não saía de casa desarmado, estava sempre atirando por aí”, descreve com espantoso bom humor. Aos 18 anos, o garoto inconsequente já era “de maior” há muito tempo. Foi quando decidiu ir com dois amigos até a praia de Capão da Canoa, onde integrantes da Camisa 12 (maior organizada do Internacional) se misturavam a skinheads, grupos de adolescentes que raspavam a cabeça e praticavam atos de vandalismo e violência contra negros, mulheres e homossexuais. “Nunca aprovamos esse tipo de atitude. A ideologia da Máfia Tricolor sempre foi direcionada à briga de rua, porém sempre contra as torcidas do Inter. Não admitimos, até hoje, qualquer tipo de agressão contra pessoas fora do nosso meio”, discorre Toy sobre o motivo que levou os três “mafiosos” até o litoral. Era noite do dia 20 de fevereiro de 1999 quando uma fração de segundos mudou para sempre a história do jovem torcedor. Toy, seus dois amigos e sua namorada circulavam pelo calçadão de Capão da Canoa, sabedores de que o grupo

rival frequentava um xis nas proximidades. Foi quando, de repente, os adversários avistaram os gremistas e partiram para cima. “Eles estavam entre 15. Não tive o que fazer, saquei o revólver e apontei na direção deles. Ou eu atirava, ou eles me matavam”, descreve. Tal como se fosse um pênalti, Toy tinha que escolher em um único instante a decisão a ser tomada. Ele tinha de optar entre atirar ou hesitar. Não hesitou... Após o ocorrido, o jovem correu até o hotel onde estava hospedado para escapar dos rivais - que ainda permaneciam atirados ao solo em virtude dos três disparos que efetuou – e da polícia que não demorou muito tempo para chegar. Toy não conseguiu dormir à noite. Foram momentos de desespero e ansiedade à espera do pior. No dia seguinte, o bater da porta sinalizava uma suspensão. Cristian Mendes Borges estava preso, assim como os dois colegas. Foi só ali, na presença dos policias, que os três tomaram conhecimento de que um dos tiros acertara uma jovem de 17 anos, que morreria instantes depois. Toy não era mais apenas um adolescente desenfreado. A partir daquele momento, passava a ser um homicida, condenado perante a sociedade por ter tirado de campo uma “jogadora” que ainda tinha muito jogo pela frente.

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VOLTA POR CIMA Entre quatro paredes Mil coisas passaram na cabeça de Toy durante o trajeto do hotel até a Delegacia de Polícia de Capão da Canoa. “Não tinha noção do que iria acontecer, mal conseguia pensar”, conta. Após uma noite detido, foi transferido para o Presídio Central, em Porto Alegre, onde permaneceu por um ano, até o julgamento, dividindo a cela com mais cinco homens. “Foi uma fase muito difícil, talvez a pior de todas. Eu, com 18 anos, me iludia e achava que poderia ganhar um habeas corpus e sair dali de dentro. A ficha demorou a cair”, descreve. Um ano depois, a sentença do juiz de direito foi rigorosa, como um cartão vermelho: 14 anos de reclusão. O processo foi pesado, tal qual uma súmula se referindo a uma jogada de extrema violência, que teria por consequência a suspensão do direito de jogar. No caso de Toy, a proibição de conviver na sociedade. Talvez esse tenha sido o último grande choque que o garoto órfão sofreu em sua tumultuada trajetória. Com a pena já estabelecida, Cristian fez um verdadeiro tour pelas penitenciárias do Rio Grande do Sul, assim como aqueles jogadores do interior que trocam de camisa a cada campeonato estadual. Seis meses na Penitenciária Estadual do Jacuí, mais oito na Penitenciária Estadual de Charqueadas marcaram os primeiros 14 meses de reclusão. Após um motim, já acostumado com a privação da liberdade, chegou à Penitenciária Modulada de Charqueadas, onde permaneceu por um ano. Durante esse período que, ao todo, durou pouco mais de dois anos, Toy precisava criar alguns hábitos para passar o tempo. Um pouco mais experiente, o rapaz trocou as armas pelos livros. “Passei a ler muitos livros espíritas para me autoajudar. Também aprendi técnicas de artesanato, tanto que cheguei a fazer diversos vasos”, conta. Além disso, ele lembra das partidas de futebol com os companheiros e dos jogos que acompanhava pela televisão. “Costumava olhar mais para as arquibancadas do que para o campo”, destaca o torcedor que tinha curiosidade de saber como estava sua facção sem a sua presença. Cristian dispunha de aparelho de televisão nos locais onde esteve encarcerado. “Sempre me mantive bem informado sobre o que estava acontecendo do lado de fora. Através do telefone que consegui lá dentro, aproveitava para me comunicar com o pessoal da torcida”, comenta mostrando a fácil comunicação dentro das penitenciárias. Ele sempre assistia TV com os companheiros de cela, que variavam de quantidade a cada troca de instituição. No Jacuí, por exemplo, eram 26, um grupo completo. Já na Modulada dividia um cubículo com apenas um homem, seu companheiro de zaga que o ajudava a manter a paz dentro da área. “A relação sempre foi boa. Tive alguns problemas, mas coisas normais para quem é envolvido com torcidas de futebol”, ressalta.

A volta ao convívio social Passado um ano, Cristian entrou no regime semiaberto, quando apenas dormia na prisão. Neste sistema, passou um ano na Colônia Penal Agrícola, meses no IPEP de Charqueadas, mais um ano no albergue Irmão Miguel Dario, em Porto Alegre, e alguns meses divididos entre o Pio Duck, também na Capital, e outro albergue em Canoas. Nesse período, conheceu a atual esposa. O relacionamento teve como fruto Natalia, 68 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010


hoje com cinco anos, sua segunda herdeira. O primeiro filho, Gabriel, havia nascido quatro anos antes, de uma relação que manteve por alguns meses nos horários de visita na cadeia. Toy passou a trabalhar com o tio e conseguiu comprar uma casa. O jogo entrava em uma nova etapa. Em uma data marcante, 5 de maio de 2005, portanto 05/05/05, seis anos após a detenção, Cristian ganhou a liberdade condicional. Segundo ele, o momento mais marcante após sua liberdade foi quando entrou no Estádio Olímpico levando consigo as lembranças do passado. “Usei a mesma camisa que tinha vestido na ultima partida antes de ser detido. Foi uma emoção indescritível”, lembra. Tudo o que ele havia deixado tinha desaparecido, bem como aquelas promessas endeusadas pela imprensa que quase sempre acabam decepcionando. “Olhei para o lado do estádio onde a Máfia ficava e não vi ninguém. Nem tive coragem de ficar lá, fui direto para a Geral (movimento que cresceu durante o período da ausência do jovem)”. De volta ao convívio dos amigos, o torcedor não perdeu tempo e decidiu reativar a Máfia Tricolor, extinta enquanto Toy estava preso. Através de uma loja de artigos de hip-hop, instalada no centro de Canoas, ele agregou um número grande de adeptos a sua ideologia, de brigar pelo Grêmio, literalmente.

“Incentivei um pessoal novo a entrar na torcida, que foi crescendo gradativamente”. Para se ter uma idéia da evolução, a Máfia conta hoje com cerca de 500 adeptos e chega a levar ao estádio mais de 300 componentes, além de contar com faixas, bandeiras, bateria e com o reconhecimento dos gremistas e adversários. Seu time voltava a estar completo. Entre 2007 e 2008, Toy enfrentou problemas com o uso de drogas. Além de passar um tempo “encostado” pelo vício, teve de contar com a sorte, mais uma vez. Certa vez foi alvejado enquanto andava pela rua. “Levei dois tiros de vários que tentaram acertar em mim. Acredito que aquilo me fez acordar e largar de vez essas substâncias”, afirma. Hoje, já recuperado, Cristian Mendes Borges mora com a tia, a esposa e a filha e trabalha em uma distribuidora de alimentos durante todo o dia, indo para casa na parte da noite – quando não há jogo, é claro. Ciente de que está no caminho do bem, ele aguarda ansiosamente pelo ano de 2011, quando estará completamente livre e liberado para atuar em qualquer campo. “Quando este dia chegar, poderei dizer que paguei por todo o mal que fiz e seguir minha vida ao lado da família que tanto amo e que consegui construir sob todas as dificuldades que o destino me impôs”, finaliza Toy, o maior orgulho da pequena Natália.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

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uando da decisão de que a pauta central da 33ª edição da revista Primeira Impressão seria o “Tempo”, logo surgiram diversas ideias em nossas mentes. Escolhemos uma delas: “Tempo: como um presidiário o administra?”. Apesar de ser uma pauta teoricamente difícil de ser trabalhada, para o grupo era a mais acessível, já que conhecemos uma pessoa que viveu esta situação. O personagem principal desta história, Cristian Mendes Borges, ou simplesmente, Toy, além de ter uma história de vida impressionante, é um grande amigo de um dos repórteres. Isto não significa que o encontro tenha sido fácil, pois os dois trabalham e moram em lugares distantes, apesar de sempre se encontrarem nos jogos do Grêmio. Prova da relativa dificuldade foi o jeito que a entrevista foi feita: parte dentro do trem, outra no ônibus, uma terceira no calçadão de Canoas e ainda mais duas por telefone. Sem dúvida alguma, o fato de ter conhecido o protagonista cinco anos antes da realização da reportagem foi o ponto forte do trabalho. Abordamos situações que, provavelmente, nem Toy lembraria de citar durante as diversas vezes em que foi entrevistado.”

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SEQUESTRO

Na hora errada, No lugar errado o Trauma afeta a vida de pessoas que sofreram uma exposição intensa ao estresse

TEXTO DE Kelly Betina Veronez e Rodrigo Duarte | FOTOS DE ADAM SCHEFFEL

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uem vê a tranquilidade e o olhar decisivo de Priscila, 29 anos, não imagina os momentos de terror que ela já viveu. Em 2006, a jovem vendedora de medicamentos, formada em Educação Física, foi vítima de um sequestro relâmpago. Embora a história de Priscila se confunda com tantas outras registradas em delegacias de polícia de todo o país, para ela, a rotina daquele dia não foi nada comum. Reunida com sua família, ela revê em detalhes os momentos que precederam o fato que, de alguma forma, mudou a sua vida. Era 28 de julho. Uma sexta-feira fria e chuvosa. Como de costume, Priscila acordou cedo e tomou o café da manhã. Vestiu a calça, o sapato e a camisa social, para causar boa impressão. Assim como o restante dos colegas que trabalham com vendas externas, Priscila dispõe do carro da empresa para fazer os atendimentos às farmácias. Antes de sair para o trabalho, ela organizou o roteiro de visitas aos clientes conforme a cidade e a região. Naquele dia, o itinerário foi programado especialmente para terminar o expediente mais cedo. Era aniversário da sua mãe. O avô e a avó, que moram no Paraná, tinham vindo rever os netos e, principalmente, comemorar a data. Por isso, as visitas seriam somente na cidade onde mora, Canoas, próxima de Porto Alegre. A meta seria aproveitar o tempo ao lado da mãe. Por volta das 10h30min, ela decidiu tomar um caminho diferente para atender uma farmácia que não estava na sua rota. Péssima escolha. O estabelecimento se localizava no centro da cidade. Corajosa e um tanto desatenta com

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quem estava ao seu redor, Priscila diz lembrar-se de algumas pessoas que estavam caminhando na calçada e outros dois rapazes atravessando a rua. Antes que pudesse terminar a ronda, os dois rapazes caminharam na sua direção e deixaram clara a intenção quando um deles abriu o casaco e mostrou a arma. Não tinha para onde correr. Ninguém está livre de ser surpreendido, no entanto, ela confessa que por vezes havia pensado como agir em caso de assalto. Tinha certeza de que saberia exatamente como reagir. Tudo em vão. Dois jovens rapazes: estaturas medianas, um branco, agressivo, e o outro negro, mais tranquilo e sensível. Características que mesmo depois de quatro anos ainda estão presentes na memória de Priscila. “Quando eu tentei sair do carro, eles vieram me empurrando, aí eu gelei. Eu pensei, e agora? Aí, um me empurrou para o banco do passageiro, e o que estava armado entrou para o banco de trás gritando: ‘Entra, entra!’ E outras palavras que eu não lembro. Falavam me empurrando. E o outro entrou e ficou na direção. Perguntou se tinha corta-corrente e mandou eu botar o cinto, sempre com a voz alterada. E saíram arrancando o carro”. Ela não sabia o que fazer, e os dois rapazes muito menos. Primeiro, queriam ir até um banco para sacar o dinheiro da conta. No caminho, se depararam com uma barreira policial. Na tentativa de não chamar a atenção, mas, demonstrando pavor, o sequestrador desviou o caminho, e seguiram até a vila Cerne que fica do outro lado da cidade onde quase não havia casas. A voz da jovem denunciava o medo. Na tentativa de comover os assaltan-


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SEQUESTRO tes, procurou conversar e lembrava-os que podiam ficar com tudo, mas que a deixassem livre que ela queria trabalhar. O rapaz negro que segurava a arma no banco de trás demonstrava sinais de sensibilidade. Em uma atitude desesperada, Priscila pediu para lhe dar o chip do celular, pois continha os dados de todos os seus clientes. Uma ação arriscada, mas que deu certo. O bandido atendeu ao pedido dela e lhe devolveu a bolsa. Mais do que depressa, ela segurou a pasta como se fosse sua vida. Entre as tentativas fracassadas de desenvolver uma conversa com os bandidos, um deles confessou que não tinham nada e que vinham da cidade de Esteio, também na região metropolitana de Porto Alegre, ao lado de Canoas. A jovem afirmou que o momento

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mais crítico foi quando eles tentaram colocá-la no porta-malas com o carro em movimento, porém, o local estava lotado com caixas de remédios. Em várias ocasiões eles ameaçavam matá-la por ter visto o rosto deles e chegaram a mencionar diversas vezes a palavra estupro. Foi então que ela se desesperou. “É um misto de sensações, quando eles falavam que iam me estuprar eu pensava: ‘Eu vou morrer!’ Porque eu não ia aceitar. E quando eles falavam que iam me matar, eu pensava em tirar o cinto e me atirar. Mas, eles cuidavam todos os meus movimentos”, recorda. Priscila não lembra exatamente o que sentia. Recorda-se de arriscarse, lançando olhares com desespero, pedindo socorro, para as pessoas que passavam na rua. Mas não teve suces-

so. Todos pareciam indiferentes a sua situação, ou talvez ela estivesse tão apavorada que não conseguia emitir qualquer expressão que pudesse ser interpretada. Depois de uma hora de pânico e temor, e de circularem pelas mesmas ruas durante cinquenta minutos, os sequestradores libertaram a vítima. E, ainda no carro, em uma atitude controversa, um dos assaltantes tirou de seu bolso a quantia de R$2 para que Priscila pudesse voltar para casa. Com o carro em movimento, ela salta com a bolsa em seus braços buscando um olhar amigo para pedir ajuda. Há cerca de 300 metros, ela observou que havia uma pessoa no ponto de ônibus. O homem cujo nome ela não sabe, prestou auxílio e advertiu que a região


é perigosa. Ele a encaminhou para o ônibus que passava em um ponto próximo a sua casa. Priscila desceu próximo ao shopping da cidade, ligou para casa e rapidamente o seu irmão Rodrigo chegou ao local. Somente dentro do carro, Priscila assimilou toda a situação e liberou um choro compulsivo.

TRAUMAS O tormento terminou às 12h30min, quando estava no aconchego do seu lar e da sua família. Ela foi até a delegacia de polícia registrar a ocorrência por volta das 15h30min. Aproximadamente duas horas após o registro, os colegas de Priscila informaram que o carro fora encontrado dentro de uma vala na vila Cerne. Embora o sequestro tenha durado cerca de 60 minutos, Priscila confessa que a sensação era de que haviam se passado mais de três horas. “Tinha momentos em que parecia que o tempo era lento e em outros momentos parecia que ele corria, é difícil ter essa noção”, descreve. Segundo o psicólogo Vinicius Guimarães Dornelles, as consequências variam de pessoa para pessoa e, apesar

de não existir uma cura para o trauma vivido, é possível aprender a conviver com a experiência. Para Priscila, o método encontrado foi falar sobre o episódio. No mesmo dia, ela relatou sua história para os familiares diversas vezes. Na semana seguinte ela voltou para a rotina do trabalho e todos pediam que ela relatasse o que aconteceu. Priscila ainda admite alguns medos procedentes do fato ocorrido. Hoje ela está mais atenta ao sair de carro e assume que nunca mais passou pela rua onde foi abordada. Vez ou outra, durante a noite, tem pesadelos com situações de assalto e sequestro e fica ansiosa só em pensar na possibilidade de encontrar na rua os rapazes que a sequestraram. Ainda ficaram alguns medos, afirma. Mesmo passando dez minutos ou apenas algumas horas, o tempo que as vítimas passam sob a mira dos assaltantes pode gerar problemas psicológicos irreparáveis. No Brasil, os casos de sequestros relâmpagos são enquadrados no mesmo setor de roubo de veículos. A pena varia de quatro a 20 anos dependendo do caso, tempo que parce curto. Mais uma prova do descaso com a Segurança Pública em nosso país.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

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uando escolhemos a pauta, sabíamos que iríamos lidar com um tema delicado. Visitamos o Departamento de Investigação do Crime Organizado (Deic) e conversamos com o delegado Juliano. Foi, no mínimo, interessante conhecer o local e conversar com pessoas que se referem umas as outras através do cargo e não pelo nome. Também procuramos a orientação de um especialista em transtornos mentais. Mas a surpresa maior foi conversar com alguém que sentiu na pele as limitações do ser humano diante de uma arma. Quando chegamos à casa de Priscila, era uma manhã de sábado, as duas irmãs e os pais estavam reunidos na sala nos esperando, exceto o irmão Rodrigo que mora em Santa Catarina. Durante toda a entrevista, todos ficaram em silêncio escutando atentos ao relato da filha. Se ela esquecia algum detalhe, eles mesmos comentavam. Lá pudemos entender como Priscila conseguiu superar o trauma do sequestro. A união e o carinho entre os familiares são evidentes. Torcemos para que todas as pessoas que sofreram esse tipo de crime possam ter o mesmo apoio que ela teve.”

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RELACIONAMENTOS

Coisas do CORAÇÃO TEXTO DE André Carvalho e Natacha Lincke de Souza | FOTOS DE Daniela Machado

Todos buscaM o velho “happy end”, Mas será que o amor realmente pode ser eterno, ou ele tem prazo de validade?

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uem inventou o amor explica, por favor.” A frase simples, mas que é capaz de tocar qualquer pessoa que está apaixonada, ama, ou sofre por amor, foi escrita por Renato Russo, vocalista da banda Legião Urbana. Essa música, assim como muitas outras que falam sobre relacionamentos, questiona como é o amor e como agir quando estamos apaixonados. O problema é que não há regras para esse sentimento, e por isso os questionamentos persistem. Será que existe uma fórmula para amar? Existe um romance perfeito? Quanto tempo levamos para conquistar alguém? Existe um tempo para amar? Um mês, esse foi o tempo da conquista, composto por quatro finais de semana de conversas, risadas, festas, toques e indiretas. Para João das Neves Neto, a atração começou desde o primeiro encontro. Já para Vanessa Fraga, o interesse surgiu em três semanas, quando ela percebeu que estava sendo desejada por ele. Talvez tenha sido a convivência, as conversas e olhares, talvez as festas. Aliás, dizem que, em grande parte do reino animal, é assim que a conquista se dá, por meio da

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dança, da exibição. O fato é que a paixão aconteceu, e em 30 dias o namoro se iniciou.

O tempo se encaixou Desde a época da conquista, dois anos atrás, o relacionamento evoluiu bastante. Atualmente o casal está repleto de planos. Falar sobre o apartamento em construção os deixa intensamente felizes. Será a concretização de sua união. A data de casamento também já foi marcada, final de 2012, quando a construção terminar, um ano após a formatura da Vanessa em Administração. Parece que o tempo conspira a favor de suas vidas, tudo se encaixa. Existem mitos na sociedade que dizem que estabelecer uma relação plena, amar e decidir dividir a vida com o outro leva um certo tempo. Os relacionamentos variam, são diferentes, mas o mito de que existe um tempo para o amor ainda persiste. Como se dois anos fosse pouco para se apaixonar e decidir se casar. Para João e Vanessa, nada disso importa. O tempo, às vezes, passa a ser uma incógnita. Vanessa expli-


O CASAMENTO DE VANESSA E JOÃO SERÁ NO FINAL DE 2012

ca que sua idade, 21 anos, e o pouco tempo de relacionamento, se é que existe um tempo exato para isso, não influenciaram em suas decisões. Já João acha que, com seus 25 anos, está na hora de casar e de ter uma moradia. Para ele, o tempo de relacionamento não pesou na decisão. Porém, o tempo, que parece às vezes ser insignificante, controla cada plano do casal. Desde o início do namoro, quando a paixão era o sentimento que predominava, ocorreram algumas brigas. O tempo, nessa época, foi crucial. Para João, ficar afastado e sentir saudade o fez perceber que seu sentimento não era apenas paixão. As brigas e o tempo longe o deixavam triste, não conseguia nem sequer trabalhar. Para Vanessa, o tempo foi quem fez amadurecer a relação. Foi ele quem mostrou, dia após dia, que o amor estava acontecendo.

Um tempo a sós Ao completar um ano de namoro, o casal decidiu fazer um cruzeiro. Durante a viagem, eles trocaram anéis de compro-

misso, mas isso parece não ter sido a coisa mais importante do passeio. A convivência a sós os fez ter certeza de sentimentos e os levou a tomar decisões importantes. “Acho que foi rápido, quatro meses após a viagem nós compramos o apartamento, mas só fizemos isso porque estávamos decididos”, conta João. Vanessa também acha que pode ter sido rápido, mas diz que a vontade era grande e deu tudo certo. O casal conta com alegria que as datas, de formatura e do término da construção, se encaixaram. Porém, não foi apenas o tempo que deu certo. Desde a decisão da compra do apartamento, a vida deles passou a ser de casados. João dorme quase diariamente na casa de Vanessa, os dois vão para o trabalho, para a faculdade, passeiam, fazem tudo juntos. “Acho que estamos passando pela prova final, e está dando certo”, conta Vanessa. João acha que o fato de gostarem das mesmas coisas facilitou muito. “Preferimos uma boa janta do que uma boa balada”, comenta ele. O tempo conspirou a favor do casal apaixonado. Seus planos PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 75


RELACIONAMENTOS

FÁBIO ESPERA SEM PRESSA PELA COMPANHEIRA IDEAL

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se encaixaram, assim como seus gostos, suas preferências. O tempo também os fez amadurecer juntos, ter uma vida de casal, saber trocar, abrir mão, se adaptar um ao outro. Tudo isso em apenas dois anos? Mas como apenas? Parece que, quando o sentimento predomina, o tempo passa, ou não passa, apenas contribui para o crescimento de uma relação.

Um tempo para si E depois de um tempo, quando o amor acaba, a novela chega ao fim e não há nenhum final feliz? Diferente da ficção, a vida segue e é a partir daí que as pessoas procuram, em um primeiro momento, tentar manter um bom relacionamento consigo mesmas. Mas quanto tempo é necessário para esquecer o último romance e começar um novo? Não deve existir um tempo exato para que se possa dizer que se está “curado” de uma paixão antiga e pronto para amar novamente. Há pessoas que ficam anos sozinhas, tentando esquecer um grande amor, outras que ficam alguns meses e tem também aquelas que em questão de dias já estão prontas para uma nova aventura. Porém, nesse meio tempo, a reflexão e o autoconhecimento são fundamentais. Aprender com os erros e se conhecer melhor são dois passos importantes para o amadurecimento e a preparação para um novo relacionamento. Quem concorda com esse pensamento é o professor de Educação Física Fábio Tentardini. Não que ele seja um especialista no assunto, mas é a voz de alguém que já viveu, já caiu, aprendeu e se levantou. Com 24 anos e quatro histórias na bagagem, sendo a primeira com duração de seis anos, há menos de um mês voltou a fazer parte do grupo dos solteiros. Aos 15 anos, Fábio teve sua primeira namorada. Afirma que foi o tempo que os fez chegar ao fim. Não de uma maneira negativa, mas, como ele mesmo diz, com o passar do tempo, todos nós mudamos. “Passamos toda nossa adolescência

juntos, uma fase em que as mudanças estão muito presentes. Gosto de deixar claro que não foi por brigas ou qualquer outra coisa que terminamos, mas sim porque mudamos demais e não éramos mais os mesmos de seis anos antes.” Quando terminaram, sua primeira sensação foi de estar perdido, sem saber exatamente quem era. “Depois de tanto tempo com alguém, você acaba perdendo a sua autenticidade, você não sabe mais como é ser você sem ter alguém do seu lado”, lamenta. Ele sabia que naquele momento precisava estar só. Dedicar-se a outra pessoa seria mentir para si. Só que em uma mistura de imaturidade, carência e inexperiência, ele achou que já estava pronto para seguir a vida adiante e, em menos de um ano, acreditando estar apaixonado, começou sua segunda relação. “Sabia desde o início que não duraria muito, até porque na verdade não estava pronto para assumir algo sério”, diz. Talvez em outras circunstâncias essa história pudesse ter dado certo. Mas somado a todos os poréns, não conhecer bem aquela a quem se dedicava também foi seu grande erro. Para ele, relacionamento sério depende de muitas coisas, mas o mais importante é o conhecimento que se deve ter sobre quem se está interessado. “É muito complicado assumir algo sem conhecer a outra pessoa. Isso acontece com o tempo”, alerta. Ele já havia entendido a teoria, mas não a prática. E assim, com um pouco mais de maturidade, deixou a história se repetir mais duas vezes, com a última terminando recentemente. “Ainda estou meio abalado pelo fim do namoro e por isso quero ficar sozinho. Tenho que buscar a minha felicidade em mim, e sei que isso acontecerá, mas é preciso tempo! Com certeza quero encontrar alguém para ficar junto, mas é preciso calma. Isso ocorrerá da forma mais natural possível”, comenta.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

“S

e há um assunto que nos atrai falar é sobre essas coisas que vêm do coração. Essa mistura do passional com o racional, que juntos formam o jogo da sedução, sempre fez parte da nossa lista de preferências. E como pode não ser bom falar de um tema que não há nenhum especialista no assunto? Quando assumimos escrever essa reportagem, sabíamos que seria feita da maneira mais prazerosa possível. Esperamos que quando as pessoas leiam não se identifiquem com as histórias, mas se ponham em xeque sobre seus pensamentos referentes a esse assunto. Falar sobre amor não é fácil. Construir um texto com depoimentos de relacionamentos diferentes nos fez pensar que realmente não existem regras para o amor, nem mesmo um tempo para se apaixonar, cada caso é um caso. Nossa principal apreensão, como repórteres, foi não ter uma solução para os questionamentos sobre o amor. Mas, apesar disso, sabemos que as histórias relatadas em nosso texto foram importantes. Acreditamos que essa troca de experiência constitui parte do que é o jornalismo.”

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meditação

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A PROFESSORA DE YOGA ELISABETH ROBALDO, DE ESTEIO, ACONSELHA MEDITAÇÃO PARA AQUIETAR A MENTE


A calma momentânea Desacelerando a rotina e resgatando o bem-estar de uma vida simples

TEXTO DE Mariana Scherrer e Roberta Pacheco | FOTOS DE LARISSA DE OLIVEIRA

I

nspire lentamente. Expire. Inspire. Expire. A partir de agora, você está entrando em um momento de quietude e reflexão, sinta sua respiração e experimente essa profunda viagem de autoconhecimento. Esqueça seus problemas e preocupações, desligue sua mente dos assuntos que lhe causam ansiedade, sinta somente o fluxo do ar passando pelo seu corpo. A palavra meditação vem do latim meditare e significa “ir para o centro”, no sentido de desligar-se do mundo exterior e voltar a atenção para dentro de si. Atualmente muitas pessoas aderem a práticas milenares em busca de bem-estar, qualidade de vida ou até mesmo para entender qual o verdadeiro sentido da existência do ser humano em um processo mais profundo de reflexão. Você já meditou? Nós ainda não tínhamos tido essa experiência e percebemos que, para poder falar melhor sobre meditação, era preciso experimentá-la. Assim, enquanto a repórter Roberta tentou desocupar a mente em um estúdio de Yoga, Mariana buscou manter a concentração em um centro budista.

A experiência de Roberta Entrei na sala e a maioria dos alunos já estava posicionada em cima do tatame. Fiquei um pouco envergonhada, porque não conhecia ninguém. Dei um oi discreto e me direcionei ao fundo da sala para pegar meu tatame. Enquanto a professora passava algumas instruções, eu ficava observando cada aluno para tentar acompanhar e não parecer uma principiante. Doce ilusão. Em pouco tempo, lá estavam eles fazendo inúmeras posições e eu, confiante, tentando imitar. Os exercícios eram so-

mente de alongamento, um aquecimento para a tão esperada aula de meditação. Nesse momento, a expressão dos alunos começou a mudar, e a seriedade tomou conta de todos. Confesso que demorei alguns minutos para entrar na mesma frequência, pois meu lábio insistia em forçar meu riso. Meus olhos não queriam fechar, pois eu precisava espiar os outros para saber se estava fazendo certo. Depois de uns 10 minutos, comecei a aproveitar aquele momento. A música de fundo era realmente relaxante e assim consegui fazer parte da turma e entender como é importante parar um pouco e conviver com o silêncio, algo tão simples e desafiador ao mesmo tempo. A utilidade da meditação pode ser diferente para cada praticante. Para Elisabeth Robaldo, professora de yoga no Espaço de Yoga Luise, em Esteio, a meditação é uma maneira de o ser humano se interiorizar, de aquietar a mente. Isso, segundo ela, leva a uma paz interior que aumenta a compaixão, a generosidade e a sinceridade. O tempo transcorrido é esquecido por alguns momentos. “A introspecção é trabalhada durante a execução das posturas, quando os alunos direcionam sua atenção aos músculos e nervos que estão sendo trabalhados. Durante a aula nos focamos no presente e nos movimentos”, conta Beth, como é chamada pelos alunos. Não existe tempo determinado na meditação, e Beth enfatiza a importância de respeitar o tempo de cada aluno. “Um dos maiores desafios para os iniciantes é manter a concentração no momento presente e levar a atenção para dentro de si mesmo. Nossa mente vive do que passou e do que está

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MEDITAÇÃO por vir. A preocupação do dia a dia, das tarefas a cumprir, das responsabilidades nos causa estresse”, destaca a professora. Pessoas ansiosas e inquietas tendem a ter mais dificuldade em realizar práticas meditativas. Beth afirma que um ambiente silencioso, longe do toque de telefones, campainhas e buzinas, pode facilitar a concentração, mas, com a prática, pode-se meditar em qualquer lugar.

A experiência de Mariana Uma porta branca passa despercebida no movimento da Rua Lima e Silva, em Novo Hamburgo. A campainha discreta combina com o lugar e é praticamente imperceptível. Até o número, 432, remete para a contagem regressiva rumo ao caminho que levará ao relaxamento. Apenas um lance de escadas separa a porta branca do local onde, por alguns instantes, o tempo sai de cena para dar lugar ao equilíbrio.

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Em um sábado de manhã, Saulo Winter e Luís Felipe Vitória parecem não se preocupar com o que ocorre do lado de fora da sala. Buzinaços, carros de som, tráfego intenso de automóveis e ônibus. Nenhum ruído parece perturbar a sua tranquilidade e concentração. A correria do dia a dia incomoda e não nos deixa em paz. O relógio está por todos os lados. É preciso tempo para tudo e não há mais paciência para se esperar em uma fila de padaria ou mercado qualquer. Fazer algo sem se preocupar com o tempo, impossível. Não para Saulo e Luís Felipe. O estudante de Artes e programador de software Luís Felipe, 27 anos, pratica a meditação budista há cinco anos. O primeiro contato ocorreu em 2002, mas o antagonista, o temido tempo, fez com que o estudante exercitasse a meditação com frequência apenas em 2005. O envolvimento é tão intenso que atualmente o estudante é um dos responsáveis pela manutenção da sala e já programa passar suas férias em um retiro no Centro Budista de Três Coroas: “Caso eu não consiga ir por qualquer motivo, estarei preparado”. Para ele, é visível a melhora em lidar com o tempo após a prática da meditação. Saulo, 26 anos, cozinheiro e estudante de Psicologia, divide a experiência com Luís Felipe há cerca de dois anos e possui praticamente as mesmas opiniões dentro do universo da meditação. Sentimentos como ansiedade, preocupação e outros tantos presentes na corrida contra o tempo são trabalhados na meditação praticada por Saulo: “Tu não trabalhas diretamente com a paciência, mas ela vem naturalmente”. Para ambos, a meditação se tornou algo recorrente. Às segundas-feiras, a partir das 19h30min, são praticamente sagradas, dia em que eles se reúnem com outros integrantes e meditam por cerca de 40 minutos. Esse tempo varia, já que algumas vezes as práticas são prolongadas dependendo da reflexão do dia. O exercício é realizado também durante a semana conforme a disposição de cada um. Luís Felipe cultiva a meditação praticamente como um hábito, pois quase todas as manhãs, antes de ir ao trabalho, ele reserva um espaço em seu relógio e exercita sua concentração. Meditar não é fácil. Exige muita dedicação e principalmente paciência. Pense bem: parar com tudo o que está se fazendo, esquecer as obrigações diárias e desocupar a mente. Adicione a essas tarefas ruídos sonoros vindos de todos os lados. Está lançada uma missão praticamente impossível. Foi exatamente assim que me senti. Eu estava visivelmente inquieta. Por outro lado, o ambiente era acolhedor, específico para a prática meditativa. Pensar que as pessoas estão naquele local com um único propósito é de certa forma motivador. Eu me esforcei, tentei esquecer os barulhos vindos da rua, que tanto me incomodavam, e diminuir o ritmo por meio das leituras reflexivas enunciadas por uma voz com suave entonação. Eu me deixei tocar por aquelas palavras tão positivas de amor ao universo e ao próximo. Mas foi só. Não consegui ficar calma. Com certeza não é para qualquer um alcançar na primeira tentativa o sucesso de meditar com plenitude. Os ruídos externos insistem em nos atrapalhar como se lembrassem que o relógio não para e, enquanto estamos tentando relaxar, o tempo voa sem que possamos perceber.


IMPRESSÕES DE REPÓRTER

“D

esde o início percebemos que o tema escolhido pela turma demandaria muito mais do que entrevistar fontes e procurar por informações sobre determinado assunto. Durante o desenvolvimento de nossa pauta, vimos a necessidade de experimentarmos a meditação, já que só poderíamos falar sobre ela se tentássemos. Tal decisão exigiu muita dedicação e comprometimento de nossa parte. Podemos dizer que, além de termos tido a oportunidade de elaborar uma reportagem para a revista Primeira Impressão, também tivemos uma experiência interessante ao

tentarmos parar por um momento e esquecer as tarefas cotidianas que tantas vezes nos impedem de relaxar e viver com menos ansiedade. A meditação é, sem dúvida, um desafio, e foi por esse motivo que nos propusemos a reservar um espaço em nossa agenda e entender porque essa técnica milenar ainda desperta curiosidade. O incrível foi contatarmos pessoas tão atenciosas e solícitas. Logo imaginamos se tratar de gente com elevada sabedoria, ou seja, senhores simpáticos de experiente idade. Tamanha foi a nossa surpresa ao encontrarmos jovens.”

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FIM DE JOGO CAROLINE RAUPP

INÍCIO PRECOCE NO FUTEBOL, ALIADO À AUSÊNCIA DA FAMÍLIA, PODE CAUSAR DIFICULDADES APÓS A VIDA PROFISSIONAL

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Pés-de-obra Ao encerrar a carreira, o jogador de futebol precisa estar preparado para uma vida longe da fama e, na maioria dos casos, da fortuna TEXTO DE Diori Vasconcellos E Gabriel Gabardo | FOTOS DE CAROLINE RAUPP E TÁRLIS SCHNEIDER

N

o Brasil, um trabalhador comum pode requerer sua aposentadoria junto à Previdência Social a partir de duas situações. Uma delas é ao atingir a idade de 65 anos, para os homens, ou 60 anos, para as mulheres. Outra se dá por tempo de contribuição: 35 e 30 anos para homens e mulheres, respectivamente. Costumamos dizer que essa é a hora de “pendurar as chuteiras”, termo cunhado no país do futebol, cujo significado vem acompanhado da ideia de descansar, desfrutar de um tempo posterior à longa atividade. Curiosamente, a classe responsável pela origem da expressão – aqueles que calçam as chuteiras para trabalhar – tem um tempo profissional distinto da maioria. Quando o jogador de futebol atinge os 35 anos (tendo aí, em geral, de 15 a 20 anos de serviço), já sabe que está com seus dias de atividade contados, ainda que se encontre no auge do tempo de vida. O esporte de alto rendimento praticado atualmente permite que, quando muito, um atleta chegue à casa dos 40 anos – normalmente na posição de goleiro – exercendo futebol em nível profissional. O senso comum nos leva a crer que, nessa idade limite, o jogador de futebol construiu um patrimônio suficiente para gozar tranquilamente seus dias longe dos gramados. Considerando a expectativa de vida do brasileiro, de quase 73 anos, segundo o IBGE, é a metade da vida que se estende à frente do recém aposentado. O que o imaginário do jogador-herói não mostra é que o universo de atletas brasileiros que alcançam boa projeção e altos rendimentos na carreira não chega a 2% dos que atuam profissionalmente, com base no número de equipes profissionais do país. E os outros, igualmente, têm a metade do tempo de vida pela frente. A primeira divisão do futebol brasileiro é formada por 20 clubes e cerca de 500 jogadores. Mesmo que poucos possuam salários de três dígitos, são esses que dividem a maior parte dos direitos de imagem da televisão e ficam em evidência por

quase oito meses do ano. Também fazem parte da turma de privilegiados os que se transferem para o exterior. Em 2009, segundo a Confederação Brasileira de Futebol, 1.017 atletas saíram do Brasil, a maior parte com destino aos bons salários da Europa. No entanto, a mesma CBF registra 783 clubes de futebol profissional em atividade no país. São, na maioria, agremiações sem destaque, com folhas de pagamento semelhantes ou inferiores às de pequenas empresas. Não é à toa que profissionais do meio, como o técnico gaúcho Celso Roth, chamam essa massa de atletas de “pés-de-obra”: geram receita aos clubes – e, em última instância, aos governos – e possuem preocupações orçamentárias e trabalhistas como um trabalhador comum. Mas a hora de pendurar as chuteiras, nesses casos, pode ser um fantasma. “O mais difícil, normalmente, para o atleta, é aceitar essa situação toda”, afirma o ex-goleiro Danrlei, ídolo do Grêmio entre a década de 90 e o início dos anos 2000. Aposentado dos gramados em 2009, Danrlei de Deus Hinterholz é hoje um jovem de 37 anos consciente da sua condição: “Acho que o primeiro passo é você saber os seus limites, saber até onde você pode ir como atleta. Quando falo até onde é até qual idade você pretende jogar, e fazer um planejamento disso”. Ele reitera que é um período cercado de dúvidas para o jogador. “Eu mesmo cheguei num momento da minha carreira que eu não sabia o que queria, perdi o foco de tudo. Você fica: ‘Pô, eu quero jogar, mas não sei...ou quero ser treinador, quero ir pra outra profissão, tô de saco cheio do futebol’.” Figuras experientes do esporte relacionam essa situação de insegurança a uma lacuna anterior à chegada do jogador ao profissionalismo. Para Celso Roth, técnico há 22 anos com passagem por grandes clubes brasileiros, como Flamengo e Palmeiras, e pelos dois maiores do Rio Grande do Sul, o início antecipado da atividade futebolística atropela etapas funda-

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FIM DE JOGO mentais da formação humana. “Eles chegam ao clube às vezes com 12, 13 anos, vindos de uma situação absolutamente desqualificada, saindo da família. E aí nós temos uma lacuna muito grande da preparação, da formação educacional, de valores familiares”, explica. A falta de preparação formal também é apontada por Roth como causa do desequilíbrio enfrentado por inúmeros jogadores em final de carreira. Para o técnico, deveria haver dispositivos legais que obrigassem o vínculo entre atividade futebolística e formação educacional: “O pé-de-obra brasileiro é o melhor do mundo e não existe uma legislação que proteja esses atletas antes de eles se tornarem profissionais e prepare eles dentro do que é exigido de outros jovens. Se não houver a obrigação de participação numa formação educacional, eles realmente não participam, porque eles têm exemplos acima deles em que aconteceu isso: não fizeram e têm carro, casa, uma recompensa financeira”. Danrlei concorda que a forma como o futebol profissional é praticado mina as possibilidades de preparação paralela. “É impossível. O atleta não tem como estudar, se preparar pra uma outra situação jogando futebol. O que tu podes fazer é, dentro do teu trabalho, já pegar experiências e aprender pra que tu possas trabalhar no próprio futebol”, sugere. Porém, apesar de a maioria dos técnicos, auxiliares e preparadores físicos terem sido atletas, o inverso não ocorre: não há espaço para que todo ex-jogador siga no esporte. Uma das exceções nesse meio é o técnico Adenor Bacchi, o Tite. Também com experiência nos grandes clubes do Rio Grande do Sul e do Brasil, o gaúcho viveu os dois lados da moeda: conseguiu seguir estudando enquanto jogador, o que permitiu uma posterior formação universitária em Educação Física, mas encerrou a carreira prematuramente, aos 27 anos, devido a lesões no joelho. Tite credita à base familiar sua condição de superação da aposentadoria precoce. “Agora é muito mais fácil enxergar isso, mas no momento é muito forte. Tu não tens mais sustentação, não sabe o que vai fazer.” Danrlei materializa esse sentimento: “O dinheiro acaba, a vida não é mais a mesma, o jogador tá acostumado com um gasto alto e não tem mais o rendimento pra repor. E aí começam a vir o desespero, a depressão”. Essa angústia vai além da preocupação com a fortuna – também abala o jogador a extinção da fama. “Tem toda uma passionalidade ao redor desse atleta e que de um momento para o outro, quando ele para de jogar, deixa de existir”, lembra Roth. Mas os profissionais são unânimes em afirmar que o antídoto para o problema está surgindo nos próprios clubes. Cada vez mais conscientes do retorno financeiro que um jogador bem preparado representa, estão investindo na formação extracampo do atleta. “O clube está entendendo isso e se estruturando. Tem uma assistente social, o psicólogo, o gerente, que dá todo um suporte”, destaca Tite. Também na parte física, o jogador encontra no clube um aliado cada vez maior para incrementar sua carreira. Quem garante é o coordenador de preparação física do Internacional, Hélio Carraveta: “A estrutura dos clubes, hoje, procura oferecer para o jogador uma série de benefícios que possam fomentar o seu bem-estar, a promoção da sua saúde. Então, todos esses aspectos estão mudando uma concepção, uma cultura. 84 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010

E os jovens jogadores hoje estão internalizando determinados valores, tomando determinados cuidados em relação à qualidade da sua vida. Eles estão tendo uma consciência maior”. Preparador reconhecido por sua excelência e estudioso do tema, Carraveta também recorre a uma metáfora “trabalhista” para definir a condição do jogador. “Um jogador de futebol é diferente de um empresário. O empresário não usa o seu corpo, enquanto o jogador tem que usar o corpo como operário. Enquanto ele estiver na carreira como profissional, ele é um operário.” Talvez resida aí um pouco da identificação do brasileiro – povo propenso a admirar ídolos oriundos da classe operária – com o jogador. São os heróis pés-de-obra que consolidam nossa condição de país do futebol.


IMPRESSÕES DE REPÓRTER

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ão queremos contar bastidores da nossa reportagem. Queremos traduzir a percepção que tivemos da pauta sobre o tempo da carreira de um jogador de futebol. Para isso, precisamos contar uma historinha. “Outro dia tive um sonho, um ótimo sonho. Infelizmente, não posso contá-lo aqui. Só posso dizer que acordei bem na melhor parte. É triste! Por que sempre acordo na melhor parte do sonho? E, depois, por mais que eu tente mergulhar de volta naquele mesmo sonho... néca de pitibiriba! Aí olho para os lados e não vejo nada, nada e nada. Apenas vejo que tudo não passou de um sonho. É preciso, então, sentar

na cama, colocar os dois pés no chão e seguir a vida real”. Assim podemos definir a curta carreira de um jogador de futebol: um ótimo sonho. Os principais atletas se acostumam com uma vida de muito dinheiro e glamour. Pensam que dura para sempre. Esquecem de um detalhe importante. Um sonho sempre acaba na melhor parte. “Pessoas preparadas já tem dificuldades, tu imagina quem não está preparado?”, questiona Celso Roth. O experiente técnico sabe bem que a maior parte dos jogadores não está preparada para acordar e seguir a vida depois da carreira. Sempre se perdem aqueles que continuam vivendo um sonho que já acabou.”

TÁRLIS SCHNEIDER

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arbitragem

O dono do cronômetro ELE É QUEM DECIDE QUANDO COMEÇA E QUANDO TERMINA O JOGO. A REGRA É CLARA: DENTRO DE CAMPO, O JUIZ É O SENHOR DO TEMPO

TEXTO DE Elis Braz e Katterina Zandonai | FOTOS DE Tárlis Schneider e STOCK.XCHNG

O

futebol tem o poder de aprisionar o tempo. Uma partida de futebol nos dá a noção quase instantânea do que é passado, presente e futuro. Quando começa um jogo, aqueles minutos em que você ficou na arquibancada esperando iniciar a partida, passam a fazer parte do passado. A bola para o escanteio é passado, e você sabe disso no chute seguinte, aquele que o zagueiro tirou da área. Esse é o presente. E será passado de novo no impedimento mal marcado e no próximo gol perdido. Já está quase na hora. Uma onda densa de vozes grita o mesmo nome e ao mesmo tempo. O chão vibra, o coração dispara, é o momento. Ele toma em suas mãos seu apito, respira fundo e assopra. Começou o jogo! Naquele instante, nos exatos segundos em que aquele homem apitou, ele disse que o tempo estaria contado. E dali a 90 minutos, o futuro terá chegado. Segundo a segundo, como marteladas no coração do torcedor. E dessa tortura só estariam livres depois que ele, o juiz, apitasse e levantasse sua mão ao céu decretando o fim da comoção. O juiz é o dono do tempo e durante 90 minutos ele é Deus, dos cristãos e dos ateus, pois só ele pode dizer quando tudo vai acabar. São cinco mil e quatrocentos segundos para definir o destino da equipe, do time do coração. Sem pensar nos minutos de acréscimo, esses ainda não foram definidos, quem decide isso afinal? Ele. O homem do tempo, o juiz, ele dirá se vale um, dois ou três, até quatro minutos. “Isso já é

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demais!”, gritará algum torcedor com o rádio colado na orelha e os olhos vidrados no personagem que corre e não quer fazer o gol. A figura mais ilustre desse jogo surgiu na Inglaterra, juntamente com o futebol que conhecemos hoje. Na segunda metade do Século XIX, nas escolas inglesas, eram os próprios jogadores que acusavam as infrações, pois os ingleses acreditavam no cavalheirismo de quem participava do jogo. Apenas em 1871 apareceu o árbitro para coordenar a atuação durante o jogo. Por meio do apito, ele anuncia tanto o início como o final da partida. A partir de 1964, no regime militar brasileiro, as autoridades recomendaram à imprensa que, para diferenciar o juiz de futebol do magistrado, se usasse outra designação surgindo, assim, o árbitro.

UM apito Nos pampas No Rio Grande do Sul, temos um grande nome da arbitragem brasileira, Carlos Eugênio Simon, gaúcho de Braga, interior do Estado. O árbitro que tem 44 anos e 26 de apito, é jornalista, pós-graduado em Ciência do Esporte, pai de quatro filhos e morador de Porto Alegre. Simon foi o único árbitro brasileiro escalado para apitar a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul. Treinando forte desde a última Copa, essa foi sua terceira experiência na competição. Trabalhou nas edições de 2002 e 2006.


STOCK.XCHNG

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arbitragem Simon conta com nostalgia o momento que pode ter sido de fato sua primeira atuação na arbitragem, apitando a final de um torneio colegial, aos 16 anos. “Nesse campeonato, o árbitro foi expulso após a semifinal, e durante uma reunião entre os alunos ficou decidido que eu apitaria a final. Gostei da ideia e fui para casa, fiz os cartões, peguei um apito e fui para o jogo. A partida acabou sem briga, sem reclamação, sem nada e fiquei com o gostinho de quero mais”, conta o juíz relembrando sua juventude. Chamado pelo professor de Educação Física e árbitro da Federação Gaúcha Luiz Cunha Martins para fazer cursos de arbitragem, Simon começou a apitar em campeonatos amadores da Capital e em 1990 tornou-se profissional. Dois anos mais tarde, em 1992, estreou na 1ª Divisão do Gauchão e, em 1993, entrou para o quadro da CBF, estreando no jogo Paraná x Náutico. No ano de 1995, seu nome já figurava na lista dos aspirantes ao quadro da Fifa, no qual conseguiria sua vaga dois anos depois. O gaúcho, que já apitou mais de mil jogos pelo mundo inteiro, afirma que o tempo dentro de campo é percebido de maneiras diferentes. Para o jogador, alguns minutinhos a mais no chão, quando o time está ganhando, são fundamentais. Assim como para a equipe que tem poucos segundos para tentar reverter o marcador. Para Simon, o árbitro exerce a função de interpretar o jogo e aplicar o tempo que for necessário. “Já apitei jogos em que os minutos de acréscimos definiram a partida, mas isso está na regra, e o juiz não pode levar nem a culpa e nem o mérito da coisa.” No Brasil, Simon já trabalhou em grandes clássicos e, na América do Sul, lembra com carinho da partida entre Boca Juniors e Penãrol. Em 2001, participou da Copa América disputada na Colômbia. Já em 2002, Simon dirigiu a semifinal da Copa Sul-Americana, San Lorenzo 4 x 2 Bolívar. O gaúcho também foi o árbitro da final do Mundial Interclubes de 2002, Real Madrid 2 x 0 Olímpia, em Yokohama (Japão). Sobre esse período, o árbitro recorda a caminhada de dias a fio treinando, sem folga, no Natal, Ano Novo e Carnaval. O convite para apitar a primeira Copa do Mundo foi uma surpresa. Simon dirigiu jogos importantes nas eliminatórias, como Equador x Peru e Irã x Arábia Saudita. Dentre seus jogos mais importantes, Simon relaciona os Gre-Nais (19, no total), as finais do Campeonato Brasileiro, a decisão do Mundial Interclubes em 2002 e os jogos da Copa do Mundo. Fã do árbitro Armando Marques, nos momentos em que deixa o apito de lado, Simon gosta de aproveitar o tempo ficando com a família. Também gosta de ler e escrever. Simon é autor do livro Na diagonal do campo. “Pra Vencer na arbitragem é preciso humildade, convicção e determinação. O tempo deve ser usado para estudar e preparar-se fisicamente todo dia”, ensina. Após a Copa, Simon se aposenta dos gramados. Seu tempo de juiz chegará ao fim.

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Momentos decisivos 2010 - O Internacional perdeu a chance de estar da final da primeiro turno do Gauchão por um gol marcado nos minutos de acréscimos. O jogador Chicão do Novo Hamburgo mudou o destino do jogo aos 46 do segundo tempo. 2008 - O time do São Paulo perdeu a vaga para as semifinais da Libertadores da América, para o Fluminense, com um gol de Washington aos 46 minutos. 2000 - Na final da Copa Mercosul, o Vasco derrotou o Palmeiras com um gol de Romário aos 48 minutos do segundo tempo. 1999 -

Na final da Liga dos Campeões da Europa, o Manchester United estava ganhando de 1 x 0 do Bayern Munich. Nos acréscimos, Teddy Sheringham marcou aos 46. Dois minutos depois, Gunnar Solskjær garantiu a vitória do Bayer, que, com 2 x 1, tornou-se campeão europeu.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER

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studamos para transformar nossas vidas, e uma reportagem para a Primeira Impressão exige muita transformação. É difícil muitas vezes conseguir dedicar o tempo que um trabalho como esse merece. Existem também outras responsabilidades que assumimos. Desvendar o mundo temporal dos juízes foi bacana. Entrevistamos Carlos Simon, que foi bastante acessível e nos cedeu seu tempo, pois, segundo ele, seria o último dia permitido pela FIFA para os árbitros atenderem à imprensa. Pensar no futebol não é necessariamente um tema muito íntimo de algumas pessoas, porém, quando se começa a pensar e escrever, buscar informações, ver lances de gol, o sangue torcedor aparece. A relação com o tempo, tema da Revista, foi um desafio bem interessante de discutir. O tempo permeia nossa vida em muitas dimensões.”


TÁRLIS SCHNEIDER

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tripla jornada

haja fôlego

TEXTO DE Fábio Prina da Silva e Luís Henrique Vieira | FOTOS DE Bruno Alencastro e TÁrlis Schneider

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m uma tarde agradável de sol no Parcão, bairro Moinhos de Ventos, em Porto Alegre, o instrutor Lucas Pretto aguarda a chegada de seus alunos para iniciar a segunda atividade do dia. “Eles já correram pela manhã e agora fazem uma segunda corrida de 12 quilômetros”, conta. Alguns minutos se passam até reunir a turma e iniciar uma série de alongamentos. Pretto explica para o pelotão mais experiente qual será o percurso, enquanto os iniciantes farão tiros curtos ao redor do parque tomado por famílias, casais jovens e atletas de final de semana. Perto do tablado de madeira onde se aquecem, a pequena Isadora, filha de cinco meses do professor, descansa de olhos fechados no carrinho de bebê, escoltada pela mãe e um grupo de amigas. Além de instrutor e sócio do Clube da Endorfina (como ele mesmo diz, “uma assessoria esportiva para corredores, nadadores, ciclistas e triatletas, desde iniciantes até competidores”), o porto-alegrense Lucas da Silveira Pretto é triatleta profissional. Aos 27 anos, ele é um dos grandes nomes da modalidade no Rio Grande do Sul. E, fora das competições, convive com uma jornada tripla que divide o seu tempo entre o trabalho de treinador, a recente paternidade e o triatlo. A vida dedicada ao esporte se iniciou cedo. Dos nove aos 19 anos, Pretto praticou natação, que lhe rendeu o título de Campeão Brasileiro de Maratona Aquática, como atleta não-profissional, em águas abertas, e abriu as portas para o novo esporte. Em 2001, trocou a exclusividade da água pelo triatlo, combinação de natação, ciclismo e atletismo. A migração esportiva é comum entre os triatletas, que normalmente vêm de esportes como a própria natação e a corrida. Uma especificidade que dá origem há outro diferencial: no triatlo, é comum observar atletas que iniciam a prática com idades avançadas, se comparados a outros esportes. “Você pode ver o Cielo que já é campeão olímpico aos 20 anos. Tem grandes triatletas que começaram a treinar aos 21, 22”, relata o treinador, referindo-se ao nadador brasileiro Cesar Cielo, medalhista olímpico em Pequim em 2008 e detentor dos atuais recordes mundiais nas provas de 50 e 100 metros nado livre. Logo em seu primeiro ano no triatlo, Pretto venceu uma competição local do grupo de elite, antes de se afastar por nove meses em decorrência de uma lesão. O atleta trazia da natação uma grande resistência aeróbica e anaeróbica, mas não possuía base muscular, como ele mesmo simplifica: “Nadador é um superpulmão, mas sem perna nenhuma”. Em 2004, foi para a seleção brasileira sub-23, chegando a competir no Japão, China, Portugal e México, pelo circuito mundial. A consolidação na modalidade veio em 2006, ano em que Lucas conquistou o título de campeão mundial amador de triatlo, na Suiça, e decidiu competir apenas com a elite do esporte. Na temporada seguinte, dedicou-se a provas longas, que incluíram passagens de treinamentos em Treviso, na Itália, e em Boulder, nos Estados Unidos. Atualmente, Pretto treina triatlo em Porto Alegre. O esporte exige uma dedicação intensa, com a ressalva de que há três mo-

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O triatleta Lucas Pretto conduz sua rotina dividindo-se entre os treinos, o trabalho de instrutor e a filha Isadora

Dentro d’água, com a companhia do relógio, o atleta nada em média 20 quilômetros por semana

BRUNO ALENCASTRO

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BRUNO ALENCASTRO

cartola

TÁRLIS SCHNEIDER

A vida dedicada ao triatlo ocupa a maior parte do SEU tempo, COM OS treinos Intensivos nas três modalidades que compõem o esporte

BRUNO ALENCASTRO

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dalidades específicas para serem praticadas. As sessões de aperfeiçoamento de técnica e condicionamento acontecem sem o auxílio de um treinador, diferentemente de como era no início da carreira, ainda como nadador. Antes, ele recebia as instruções de Wilson Matos, do qual guarda a referência para elaborar o próprio planejamento. No entando, recorre ao mestre quando está focado em uma competição muito importante. “Ultimamente tenho conseguido cumprir o meu planejamento”, comenta. Pretto treina sete dias por semana, incluindo sábados, domingos e feriados. Sua rotina é pesada: de segunda a sexta, ele nada cerca de três a quatro quilômetros, uma média de 20 quilômetros por semana. Nas segundas, quartas, sextas e domingos, corre em torno de duas horas. Diariamente, pedala com variações de 80 até 180 quilômetros. “Ontem pedalei cinco horas, que dá 180 quilômetros, mas hoje de manhã peguei mais leve e fiz duas horas, uns 80 quilômetros”, descreve. A carga de trabalho para o triatlo ainda acumula sessões de pilates duas vezes por semana, oscilando com um treinamento funcional de força, o que lhe dá duas horas de trabalho muscular a cada sete dias. Outra especificidade do esporte é o treino de transição, no qual se observa o momento de sair de uma modalidade e ir para outra. A transição geralmente é praticada em uma lagoa ou na praia, com a natação em ritmo forte e a troca do esporte que a sucede, no caso o ciclismo. Parece simples, mas é tudo exaustivamente ensaiado para que, na prova, se ganhe o máximo possível de tempo. “É comum observar antes das provas, os atletas colocando o capacete e tirando, até que o movimento fique automático”, diz. Além de trocar a roupa, preparar a subida na bicicleta, o atleta não pode se perder de sua referência, o pelotão de frente, que dita o ritmo da prova. No momento atual, os treinos intensivos visam a prova do IronMan Brasil, que acontece em Florianópolis, no final de maio. Em 2009, Pretto encerrou a prova no sexto lugar geral e chegou muito perto de alcançar uma vaga na única seletiva sul-americana para a mais famosa prova do triatlo mundial, o IronMan do Havaí. A motivação do atleta, além de superar os limites, é conquistar a vaga na prova que acontece na cidade de Kona, no estado americano, no mês de outubro.

um homem de ferro O IronMan é uma marca registrada da empresa americana WTC (World Triathlon Corporation). O nome traduzido da competição, homem de ferro, faz jus ao desafio proposto, uma prova pode chegar a nove horas e meia de duração. A média é de pouco mais de oito horas. São aproximadamente 3,8 quilômetros de natação, 180 de bicicleta e, para finalizar, 42 quilômetros de corrida. A prova é tão desgastante que Pretto não realiza simulações, pensando em diminuir seu tempo. A duração total da prova se torna relativa, já que várias interferências externas podem causar a sua variação, como o vento, o terreno, até a umidade do ar, que interfere principalmente no ciclismo. Para chegar ao seu objetivo, o triatleta controla as suas constâncias. Ele observa que corre 3,2 quilômetros por minuto. No treino, ele realiza tiros intervalados tentando aumentar o ritmo e melhorar a performance. Ao mesmo tempo, poupa o desgaste de correr em uma só vez a maratona de 42 quilômetros de uma prova de IronMan. No Rio Grande do Sul, o maior adversário do triatleta é Frank

Silvestrin de Souza. Frank disputa provas mais curtas, em especial o triatlo olímpico. Mesmo assim, já venceu Pretto no Campeonato Estadual de Triathlon Longa Distância 2008, realizado no balneário de Pinhal, litoral norte gaúcho. Pretto foi o segundo. No ano seguinte, as posições se inverteram, Pretto conquistou o lugar mais alto do pódio, e Frank, o segundo. Essa variação no triatlo entre os dois atletas é explicada por Pretto da seguinte forma: “A minha corrida longa é mais forte que a dele, e a corrida curta dele é mais forte que a minha. Na natação é parelho, eu já fui melhor do que ele, e agora ele é bem melhor do que eu”. De volta à tripla rotina, Lucas Pretto não se sente atrapalhado pelo recente nascimento de sua primeira filha. “Não tem toda aquela bruxaria que te falam, passar o tempo com ela é superbom”, garante. Com o bebê pequeno, seus horários são regrados com os ponteiros dos relógios, levantando diariamente entre 5h30min e 6h30min da manhã. Além dos treinos profissionais, Pretto vive o esporte no seu trabalho, conduzindo as aulas dos praticantes no Clube da Endorfina. “Consigo lidar bem com o tempo. Não preciso bater ponto e aproveito bem as horas que tenho com trabalho em campo”, afirma. Geralmente, ele acompanha os treinos entre uma e três horas de trabalho, seis dias por semana, junto com seu sócio. “Gosto muito desse tema ‘tempo’. É muito relativo”, comenta. Para ele, às vezes, a palavra tempo e os números no relógio não estão associados. No triatlo, não há uma busca contínua por diminuir o tempo, como em competições curtas. Cada prova tem suas próprias peculiaridades somadas a diferentes condições de terreno e clima. “Na verdade, no triatlo o tempo é tudo. Ganha a prova quem é mais rápido”, confessa. Categórico e regrado, Pretto vê nessa jornada tripla seu estilo de vida, que acompanha seu sonho de viver com o esporte, enquanto o tempo for o seu aliado.

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osso entrevistado nos surpreendeu bastante para o que propusemos inicialmente. Acreditávamos que o Lucas nos daria muito mais informações relacionadas com o tempo sobre o esporte que ele pratica. Mas, não. Enquanto explorávamos cada vez mais o dia a dia do atleta, começamos a nos dar conta que a relação não é tão grande com o tempo no triatlo. No entanto, o triatleta nos deu boas visões conceituais sobre o tempo e também ampliou nossa visão sobre essa modalidade que tem sua regras e funcionamento um pouco desconhecidas pelo grande público. Foi uma experiência rica, em termos de aprendizado, sobre a realidade de um esportista e de um praticante do triatlo. Porto Alegre tem dois campeões mundiais de triátlon e poucas pessoas no Rio Grande do Sul sabem quem eles são. Em termos jornalísticos, aprendemos que outros esportes, além do futebol, podem e talvez devam ter mais peso na cobertura midiática. Cabe aos jornalistas saber explorar o assunto e fazer com que o público se interesse por ele.


à mesa

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Ter uma alimentação saudável TAMBÉM depende do tempo que você dedica às refeições TEXTO DE FERNANDA HERRERA E VITOR XAVIER FOTOS DE LUANA TREVISOL

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onciliar o dia a dia urbano com uma alimentação de qualidade não é fácil. Para isso, é necessário algo cada vez mais raro: tempo. Sem ele, não é possível preparar uma refeição com o cuidado e a devida dedicação. A falta de tempo, causada muitas vezes pelo excesso de horas dedicadas ao trabalho, estudos e outras atividades do cotidiano, faz com que o café da manhã, o almoço e a janta não sejam tão bem distribuídos entre as 24 horas do dia. Mas o quanto uma má distribuição do seu tempo para a alimentação pode afetar a sua saúde? Existem alternativas de alimentação saudável na correria diária? A professora de Yoga Mafalda Ferreira Panatieri, de 59 anos, costuma fazer as refeições básicas diariamente, mas a única completa é o almoço. Nas demais, a regra são os lanches, e aí o que conta é a rapidez do preparo ou mesmo o uso de frutas. O almoço na casa de Mafalda é servido somente às 13h30min, e, segundo ela, o preparo acontece no tempo ideal. “Eu que faço meu almoço. Gosto de cozinhar, esse prazer é meu e ninguém me tira! Levo cerca de 30 a 45 minutos para preparar o almoço. Não pode ser menos do que isso. Comer correndo não! Não aconselho a comer rapidamente, porque não é saudável. Temos que sentir o gosto do que estamos comendo. Devemos reverenciar aquela pessoa que foi lá na lavoura, plantou, colheu, trouxe. Quem prepara a comida também é muito importante”, ressalta a professora. O agricultor Flávio Zampieri, de 39 anos, agradece àqueles que sabem reconhecer o tempo necessário para que uma comida saia das plantações e chegue à casa dos consumidores. Morador da região de Antônio Prado, na Serra Gaúcha, ele reside com a esposa e dois filhos em uma pequena propriedade onde produz alimentos orgânicos. Assim, o tempo gasto com a alimentação no dia a dia do agricultor é expressivo. São no mínimo quatro refeições diárias, às vezes até cinco. “Minha esposa costuma cozinhar em casa, às vezes eu também ajudo. A gente utiliza fogão a lenha para cozinhar. Pelo que a gente percebe, isso dá uma diferença pelo tempo maior do cozimento. Até o gosto do alimento

fica mais saboroso. Quando você prepara a sua comida, a alimentação tem um sentido diferente”, afirma o agricultor. Flávio pode ser encontrado todos os sábados pela manhã em Porto Alegre vendendo produtos orgânicos, pela cooperativa Aécia, na feira ecológica do bairro Bom Fim, junto ao Parque da Redenção, em Porto Alegre. Lá, dezenas de pessoas que gostariam de ter uma alimentação mais elaborada como a do agricultor buscam a solução. Há quem consiga dedicar um tempo maior para as refeições pelo menos nos finais de semana, como o estudante de Psicologia da UFRGS Lucas de Souza, de 23 anos. Durante a semana, a única refeição adequada que ele consegue ter é o almoço, consumido no restaurante da universidade. O café da manhã e a janta ficam prejudicados, o problema é a falta de tempo. Mas não por Lucas não tentar: “Não é tão fácil manter um hábito saudável com a correria diária, mas eu gostaria. No fim de semana, cozinho. Principalmente quando compro os ingredientes na feira, ou no supermercado mesmo. Parei de comer carne, tive que me adaptar. Conheci temperos diferentes e outros ingredientes, então, tive um salto na qualidade da minha alimentação, pois aumentou a diversidade, antes a carne supria tudo. Fazendo este ritual, toda esta preparação, a comida fica melhor. No dia de semana é complicado fazer tudo isso”, conta o estudante. O biólogo Guilherme Fuhr, de 27 anos, concorda com Lucas.Ele também realiza compras na feira ecológica do Bom Fim, e acrescenta: “A comida do sábado é mais fresca (quando vai à feira). É um dia que beneficia minha alimentação. Como são alimentos orgânicos, eles não duram tanto tempo quanto os ‘envenenados’ do supermercado. Então, tem muita coisa a se fazer depois da feira, como um ritual: lavar, guardar as verduras e acondicioná-las na geladeira, para que durem mais ao longo da semana.” Sendo assim, percebe-se que dá para ter uma alimentação mais saudável e que se dedicar mais à preparação da comida vale a pena. O que é comprovado pelos nutricionistas, como Cynthia Analía Garcia. “O que as pessoas mais falam nas consultas é sobre a sua falta

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À mesa de tempo para comer. Mas isso é relativo, tudo é uma questão de prioridades. Tem muita gente que, chegando em casa, após um dia de trabalho, ao invés de gastar o seu tempo com o preparo do alimento, assiste a TV ou utiliza o computador.” E existe quem segue tão à risca essa orientação de dedicar tempo ao ato de comer que chega a modificar a sua vida.

saúde no prato Em visita a um dos poucos restaurantes macrobióticos de Porto Alegre, encontramos outra maneira de tempo dedicado a alimentação. Na realidade, é um regime alimentar e de vida. A sua designação deriva de macro, grande, e bio, vida. Os adeptos da macrobiótica acreditam que o alimento principal para os seres humanos são os cereais integrais, comidos crus, cozidos ou assados e fritos. Existe também muita atenção ao equilíbrio da escolha e do preparo do alimento. A proporção de nutrientes na alimentação deve se aproximar a quantidade existente destes nutrientes nas células do organismo humano. Márcia Regina Mascaelo é proprietária do restaurante macrobiótico Telúrico, localizado no 2º andar do Mercado Público de Porto Alegre. No restaurante, ela segue uma linha menos ortodoxa da macrobiótica, em que são acrescentados alimentos típicos da alimentação vegana e vegetariana, que não proíbem, por exemplo, as frituras. Segundo Márcia, se você leva 20 minutos para comer um almoço normal, na alimentação macrobiótica, vai almoçar em no mínimo 40 minutos. “Na realidade, o nosso corpo foi

feito para ingerir os alimentos na forma líquida e não sólida. Por isso, precisamos mastigá-los até que eles formem uma pasta, isso facilita também na absorção de nutrientes desses alimentos que possuem muita fibra e são a base da alimentação macrobiótica”. A convite de Márcia experimentamos um almoço macrobiótico. No prato, os seguintes alimentos: shop suey (legumes cortados na diagonal para serem yanguizados com shoyu e proteína de soja), arroz cateto (base da comida macrobiótica, um arroz com alta concentração de fibras), sopa de feijão, yakon (batata japonesa), broto de alfafa e geléia de manga com pimenta. Ao final, experimentamos o panchá, um chá japonês que ajuda na digestão. Tentamos seguir a forma macrobiótica de comer, mastigando os alimentos até eles chegarem mais flávio zampieri, perto do estado líquido. Para o arroz agricultor, está aos sábados na ficar nesse formato foram necessárias feira ecológica aproximadamente 35 mastigadas. A sendo Bom Fim sação não é das melhores, mas a proprietária do restaurante ressalta: “Tudo é uma questão de costume alimentar, não é necessário realmente mastigar tantas vezes, só o fato de estar dedicando um tempo e um cuidado maior à alimentação já é positivo”. Tudo se resume à questão do tempo. Reservar todos os dias um período maior à alimentação é garantir um período mais expressivo de vida saudável no futuro.

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or acreditarmos que comer bem é importante e por sentirmos diariamente a falta de tempo para uma alimentação mais saudável é que decidimos escrever sobre o tema. Nosso ponto de partida foi visitar a Feira Ecológica do Bom Fim em Porto Alegre. Ambos somos moradores da Capital e já conhecíamos a feira. Chegando lá não foi difícil encontrar bons personagens e boas histórias para a reportagem. Conhecemos a realidade dos agricultores que trabalham com a cultura orgânica e tivemos contato com pessoas que buscam uma maneira diferente de ter saúde apesar da vida corrida da metrópole. Mas precisávamos de um exemplo mais forte, foi assim que descobrimos o estilo de vida macrobiótico. Visitamos um dos poucos restaurantes que fornecem esse tipo de alimentação e tivemos a oportunidade de experimentá-la. Ainda gostamos muito de “churrasco”, mas aprendemos a dar valor a uma comida saudável preparada com dedicação e com alimentos sem “venenos”.

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no restaurante macrobiótico Telúrico, Em porto alegre, o ambiente favorece a alimentação tranquila


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SEGUNDA MÃO

Nosso amor

de ontem

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LARISSA DE OLIVEIRA

Por mais que não nos demos conta, tirar um velho jeans do armário é um reencontro. E aquele lustre antigo adquirido no mercado de pulgas pode até ser novo para você, mas ele viveu outros dias, quem sabe até anteriores aos seus TEXTO DE Bernardo DE Alencastro e Júlia Warken FOTOS DE Larissa DE Oliveira e Luana Trevisol

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evisitar o passado é comum ao ser humano. Reler cartas, escutar Sinatra, assistir Casablanca ou simplesmente lembrar momentos num bate-papo entre amigos. Mais do que recordar com nostalgia nossas próprias vivências, acabamos influenciados por tendências de roupas, objetos e estilos de vida que voltam a cada estação. O que estava com tudo na coleção passada, pode soar milenar hoje, mas justamente aquela saia ou sofá antigo que foi ignorado por décadas talvez torne-se um novo hit a qualquer momento.

Muita história para (não) contar O Caminho dos Antiquários, em Porto Alegre, é um local que concentra uma grande quantidade de lojas especializadas em móveis de segunda mão. O local vem sendo visto como um aglomerado significativo de história, e possivelmente, um produtor de estilo e tendências. Carlos Brichina, 67 anos, proprietário do Santelmo Antiquário, localizado junto ao Caminho, conta que aumenta cada vez mais o movimento na sua loja. “De uns dois, três anos pra cá, comecei a perceber uma maior movimentação por aqui. As mulheres são as que mais frequentam e, consequentemente, as que mais compram”. Ele revela que os compradores são, na sua maioria, pessoas jovens (numa faixa etária que vai dos 23 aos 34 anos), buscando peças e objetos com detalhes marcantes da época em que estiveram na moda. “As pessoas sempre vêm buscar o móvel com aquele detalhe, desenho ou estilo que marcou, digamos, a década de 80”, fala o lojista. Aliás essa década é tida como tendência para o outono/inverno 2010, segundo designers e arquitetos de interiores. Porém, a inspiração PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 99


SEGUNDA MÃO nos anos 80 para as próximas estações têm uma interpretação mais moderna, contando ainda com elementos do chamado “glamour rústico”, decoração étnica e eco-chic – o famoso pensamento sustentável que também aparece na decoração. No antiquário de Brichina, é possível encontrar móveis de todas as décadas desde 1830. “Costumo ter na loja peças de diferentes épocas, para tentar agradar e atender as necessidades dos meus clientes. Tenho alguns fiéis, mas toda semana aparece um novo, querendo alguma peça específica que falta para completar um ambiente”, diz ele. É comum também a influência da arquitetura do prédio, casa ou apartamento na hora de construir a decoração interna do ambiente. “Algumas pessoas inclusive pedem referências de objetos para o interior de suas moradias, alegando que gostariam de ter seu quarto ou sala, por exemplo, no mesmo estilo da época arquitetônica do seu prédio.” Depois de uma pesquisa sobre as tendências para 2010, o site eudecoro.com.br publicou que, além das influências dos anos 80, a década de 70 também servirá de inspiração na composição do design de interiores. Esta última desponta especialmente nos banheiros, cada vez maiores e luxuosos, com detalhes em dourado.

Uma nova loja de roupas antigas No último mês de abril, Bárbara Andrade esteve na correria para o lançamento da primeira filial de seu brechó. Aos 23 anos, Babi é mais jovem do que muitos dos artigos que coloca à venda na Casa da Traça, a loja que abriu em Novo Hamburgo e agora leva a Porto Alegre. Brechós são magazines populares, comuns em zonas pouco abastadas. Roupas, calçados e acessórios que não agradam (ou não servem) mais a seus donos são comercializadas a preços módicos. Igrejas e instituições de caridade também se mobilizam na organização de bazares e brechós, que representam um duplo benefício a cidadãos carentes: paga-se pouco por artigos em bom estado e a verba é revertida em ações sociais. O Serviço de Atendimento ao Obeso (SAO) do Hospital Regina, de Novo Hamburgo, encontrou no brechó uma forma de ajudar pessoas que operam o estômago a não gastar demais com vestimenta durante o tratamento. Uma vez que os pacientes diminuem muito suas medidas, eles podem trocar peças de acordo com o estágio pelo qual estão passando. Mas Bárbara gerencia um outro tipo de negócio. Seu brechó é frequentado por gente de todas as classes sociais, não por necessidades financeiras, e sim, meramente estéticas. “Geralmente as pessoas procuram a loja para encontrar peças inusitadas, exclusivas, que não acham nas lojas convencionais”, aponta Babi. Não é de se estranhar que o público busque por roupas de outras épocas. Com as passarelas de hoje apresentando a retomada da moda de ontem, os brechós nunca estiveram tão atuais. Seja nas boutiques caras ou nas lojas de departamentos, as peças com jeito de “minha avó tinha uma dessas” lotam araras. Nesses casos, os preços podem ser novíssimos (leia-se exorbitantes), mas o público não se sente enganado. Revistas de moda titulam seus editorias com “A cintura alta voltou” ou “Os anos 80 estão com tudo outra vez”. A Elle Brasil do mês de março estampou a imagem de uma cena de ...E o vento levou 100 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010

aqui tudo tem uma história. e daqui, ou é esquecido e largado às traças, ou segue para viver uma nova história


LARISSA DE OLIVEIRA LUANA TREVISOL

para mostrar às leitoras que o veludo será um dos coringas no inverno 2010. Para a dona da Casa da Traça, a aceitação do brechó está em alta atualmente. “O público tende a aumentar cada vez mais. O retrô sempre foi inspiração para pequenas e grandes marcas e hoje é mais acessível, existe mais informação e as pessoas passam a ver as peças antigas com outra mentalidade, não somente como velharia”, avalia. “Desde os anos 90 a moda não cria nada marcante, o que se vê são novas tendências tecnológicas, novos métodos de produção têxtil, novas técnicas e maquinários modernos”, acredita Bárbara. Os tidos como ditadores de moda acabam sendo aqueles que conseguem prever o que irá voltar a ser hit na próxima estação e o que novamente se tornará démodé. “Em termos criativos vivemos uma grande estagnação na moda, mas em compensação as pessoas estão aprendendo a resgatar o que antes iria para o lixo”, argumenta a lojista. Segundo o dicionário Aurélio, moda é o “uso, hábito ou estilo geralmente aceito, variável no tempo [...] Uso passageiro que regula a forma de vestir, calçar, pentear, etc.” A calça, a blusa, o sapato e até as meias que você adora hoje podem lhe parecer impraticáveis amanhã. Quando isso acontecer, guarde cuidadosamente essas peças no fundo do armário, no lugar daquelas que deverão passar para o topo. O uso é passageiro, mas este bilhete é de ida e volta. Não perca seu tempo duvidando disto, nem perca de vista as novidades da próxima estação.

IMPRESSÕES DE REPÓRTER LARISSA DE OLIVEIRA

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pauta que nós escolhemos para a Primeira Impressão realmente “vai e volta” através do tempo, bem de acordo com o tema proposto para esta edição da revista. Tanto a moda quanto a arquitetura são ciclos de tendências que se encontram e desencontram no passado, presente e também no futuro. Durante nossas entrevistas e pesquisas, pudemos perceber que as duas áreas transitam entre si, levando uma à outra por meio de referências e detalhes marcantes de determinadas épocas. Tanto donos de antiquários quanto proprietários de brechós não são meros vendedores, e sim conhecedores da história de suas mercadorias e tendências da época em que foram produzidas. Eles precisam saber indicar ao cliente o que levar para determinado ambiente ou qual peça poderá ser hit da próxima estação. Digamos que é uma eterna volta ao passado, com toques de presente e aspirações de futuro. Os objetos que ali se encontram não são apenas objetos, mas possuem história. Uma história que nunca será contada.”

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SABOR

A ARTE DE BEBER CERVEJA Embora pareça um simples costume, degustar é na verdade um ritual

TEXTO DE Fagner Monteiro Marques e Matheus Felipe da Silva FOTOS DE MARINA ROSA

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ão é preciso ir muito longe para comprovar que futebol e cerveja são duas grandes paixões dos brasileiros. Bares se multiplicam nos mais diversos rincões do país. Podese arriscar que em todos eles haverá boas (ou más) almas prontas para se digladiarem em confabulações apaixonadas sobre seus times do coração. Ao mesmo tempo, degustam uma boa “gelada”. Afinal, de norte a sul do Brasil, os números de times de futebol aumentam, cada qual com seus apaixonados. Como torcedores adversários só conseguem chegar ao consenso da discórdia, deixemos o papo sobre chuteiras, artilheiros e campeonatos de lado e nos concentremos no nosso líquido sagrado e unanimidade nacional: a cerveja! Consumida com ou sem moderação, a “loira” é parte do nosso cotidiano. Afinal, esse negócio de cerveja é bem simples, não é? Essa pode ser a ideia da maioria. Mas existe uma série de fatores que interferem no gosto final do produto. Vamos mostrar diferentes tempos que agem de forma determinante para o sucesso da bebida.

O TEMPO DO MESTRE “Um bom mestre cervejeiro demora anos até chegar ao ponto de excelência”. Disparada sem piedade por Herbert Schumacher, sócio-proprietário da Cervejaria RSW Abadessa, a frase resume um dos fatores essenciais para a produção de uma cerveja de qualidade: o tempo. Para o produtor, não é possível chegar a um nível elevado de qualidade na bebida sem dedicação constante. Schumacher esclarece que, embora seja essencial ter matéria-prima de qualidade, só a experiência garante que uma marca figure entre os grandes nomes. “É preciso fazer e corrigir. E com o tempo vamos acertando. É como carro de corrida. Ou comida. Às vezes coloca-se muito sal, em outras o molho não fica tão bom. Assim se vai aperfeiçoando”, aponta.

Aos 14 anos, todo adolescente divide seu tempo entre estudos e diversão. Muitos meninos querem ser jogador de futebol. Muitas meninas sonham poder desfilar em passarelas como modelos. Mas foi aos 14 anos que Gustavo Dal Ri fez sua primeira cerveja. O menino curioso e dedicado aprendeu com uma vizinha, de origem alemã, a preparar a bebida. Se apaixonou. Tomou tanto gosto pela coisa que reuniu seus esforços em estudos para aperfeiçoar os produtos, formando-se engenheiro químico. Logo depois conseguiu uma vaga de trainee (cargo em que o desenvolvimento profissional do funcionário é incentivado) em uma multinacional do ramo. Viajou aos Estados Unidos e à Europa para adquirir mais conhecimentos acerca da nobre arte de fazer cerveja. Hoje tem seu sonho realizado. Conseguiu montar sua própria microcervejaria artesanal. Schmitt Bier tem sete anos de pleno funcionamento e está localizada na zona sul de Porto Alegre. Hoje, com 40 anos, há 26 fazendo cerveja, Dal Ri conta que o processo de aprendizado não é fácil. “Errei muito até encontrar o ponto certo. Vários lotes ficaram intragáveis. Nunca desisti. Ainda hoje aprendo muito”, lembra.

O TEMPO DE PRODUÇÃO Segundo o Beer Judge Certification Program (Programa de Licenciamento dos Avaliadores de Cerveja), existem, no mundo, 28 tipos diferentes de cerveja. Cada um deles é dividido em subcategorias, chegando a centenas de fórmulas. Os ingredientes básicos da bebida são água, malte e lúpulo. É essa tríade que dá forma à cerveja. O controle e a fiscalização do tempo fazem parte de todo o processo de elaboração da cerveja artesanal. A diferença entre a cerveja artesanal e a industrial passa pela qualidade dos produtos, o maior tempo de exposição e a matéria-prima em PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010 | 103


SABOR maior quantidade. Além desses fatores, o tempo de produção define a qualidade da cerveja. Cada uma com sua técnica. Enquanto uma grande empresa leva nove dias para produzir uma cerveja, as artesanais podem demorar seis meses. “O tempo é fundamental no processo de produção da cerveja porque as reações químicas ocorrem lentamente. O amadurecimento e o aroma da cerveja dependem dessas reações. Cada uma tem o seu tempo” destaca Dal Ri. Para explicar a importância do tempo, vamos comparar dois tipos de cerveja. A Pilsen comum feita pelas grandes empresas e uma artesanal do tipo Ale.

o tempo da Pilsen Nas mesas de bares brasileiros, as Pilsens dominam a preferência. Devido ao apelo dessa variedade e à grande produção nacional, fica a ideia de que sua fabricação é muito fácil. Afirmação equivocada. “A Pilsen é a cerveja mais difícil de ser fabricada, justamente porque é a mais simples. Usa-se apenas um tipo de malte e um ou dois tipos de lúpulo. O número reduzido de ingredientes complica o processo”, revela Schumacher. Ele ainda ressalta que as Pilsens têm as fórmulas mais demoradas. “Uma bebida desse tipo demora em torno de 40 dias para ficar pronta”. Então porque elas são as mais consumidas e mais produzidas no Brasil? A questão é econômica. Pela sua simplicidade, a Pilsen é a variação mais barata. E, em escala industrial, fica ainda mais em conta. “As grandes cervejarias substituem parte do malte pilsen por cereais não-maltados, o que reduz ainda mais o custo”, assegura o cervejeiro. Mas, se o tempo de produção é tão longo, como é possível uma produção tão grande? Para Schumacher, as empresas acabam acelerando alguns processos de forma artificial, a fim de manterem o estoque. “Não sei como é possível, mas as empresas de porte industrial produzem uma pilsen em nove dias”, afirma, ressaltando que só o tempo de fermentação de uma cerveja dessa variedade na Abadessa é de 11 dias.

o tempo da Artesanal A cerveja artesanal a cada dia ganha mais espaço no mercado brasileiro. Por ser mais forte e consistente, causa estranheza no primeiro contato. A cerveja artesanal produzida pela Schmitt, do tipo Barley Wine, demora cerca de seis meses para ficar pronta. É chamada de Barley Wine (vinho de cevada), pois recebe a adição de três vezes mais malte que a normal. Chega a ter percentual de álcool de 8,5%, ou seja, é forte como o vinho. Esse tipo demora mais tempo porque recebe uma dose dupla de fermentação. Uma no tanque (um mês) e a outra dentro da própria garrafa (dois meses), que, por sinal, é de espumante. “Precisamos ficar atentos à evolução dos processos. Fazemos um acompanhamento diário e semanalmente registramos todos os acontecimentos. Para ter certeza de que estamos no caminho certo, nada melhor que a degustação. Ainda não inventaram nada tão preciso quanto o paladar do mestre cervejeiro”, garante Gustavo Dal Rí. Dentro do copo, a cerveja tem uma cor meio turva e faz uma espuma dourada. Tem sabor levemente amargo e ave-

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ludado. Quando tomamos o primeiro gole, sentimos logo a diferença. A presença forte do álcool é o atributo mais notável. “Vale ressaltar que este é um tipo especial de cerveja artesanal. Existem outros tipos de cervejas mais suaves, ou seja, que não levam tanto álcool em sua composição”, explica Gustavo Dal Ri. “Depois que a pessoa experimenta uma cerveja artesanal, passa a perceber que praticamente tomou água durante toda sua vida”.

O TEMPO DE DEGUSTAR Beber cerveja para muitas pessoas é um ato simples. O que muitos não sabem é que a forma e o tempo influenciam na hora de degustar o sabor da bebida. Segundo Mauricio Beltramelli, sócio fundador do site Brejas, o maior portal de avaliação de cervejas do Brasil, a bebida merece um tempo especial para ser degustada. Ele compara o produto a uma paquera. “Ao contrário do que todos pensam, a cerveja é uma bebida feminina. É como se fosse uma mulher. Precisamos de tempo para conquistar. Primeiro devemos escolher a cerveja, depois fazemos uma troca de olhares, lemos o rótulo para conhecer melhor o produto e daí sim bebemos. Esse processo é fundamental para saborear melhor a bebida”. Dentro dessa ideia, no último mês de abril, o Movimento Slow Bier Brasil fez um ano de existência. Vários cervejeiros do país resolveram seguir a filosofia que tem como intenção beber a cerveja no seu tempo certo. Além disso, visa o resgate da história, da cultura e do prazer de produzir e de beber boas cervejas artesanais, associadas naturalmente à gastronomia de qualidade. Nesse aspecto podemos citar outro fator importante para a degustação da bebida: a harmonização, ou seja, o que você vai comer enquanto bebe a sua cerveja. Você agora deve estar se perguntando: mas não são vinhos que harmonizam com alimentos? Sim, mas a cerveja também pode proporcionar uma ótima combinação com diversas comidas e ingredientes. A cerveja determina características que os vinhos não oferecem. Um exemplo é a carbonatação, que limpa e ativa as papilas gustativas e, por consequência, acentua os sabores dos acompanhamentos. Há também o lúpulo, que pelo seu sabor amargo torna-se um estimulante do apetite. Portanto, antes de beber a cerveja precisamos de um tempo para pensar em uma boa harmonização. Para os mais interessados, fica a dica: cervejas leves acompanham comidas leves, enquanto cervejas mais fortes, intensas e encorpadas harmonizam melhor com comidas mais pesadas e gordurosas. Para o burgomestre Sady Homrich, as pessoas devem procurar novos sabores de cerveja. “Pare de ficar tomando a mesma cerveja convencional. Quando for ao mercado, compre uma cerveja artesanal e experimente. Não esqueça, é claro, de uma boa harmonização”, aconselha Sady. Depois de conhecer esses tempos, você nunca mais vai beber uma cerveja como antes. Se já sabe que não podemos ter uma boa cerveja sem um bom mestre cervejeiro, agora ficou fácil. Vá em frente: escolha uma boa cerveja, pense na harmonização e beba com tranquilidade. Ah, é verdade, já estávamos esquecendo, aprecie com moderação. Não encurte o seu tempo de vida: se beber, não dirija.


cervejas artesanais ganham cada vez mais espaço no mercado nacional

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esde o primeiro momento sabíamos da dificuldade de escrever sobre o tema escolhido. Falar de cerveja pode parecer fácil, mas na proposta que escolhemos, tornava-se difícil. Todos pensam que bebê-la é simples. Como então podemos mostrar que as pessoas estão erradas e acabam perdendo a oportunidade saborear melhor esse líquido precioso? Entrevistando

degustadores e mestres cervejeiros, aprendemos que apreciar a bebida é uma arte e que o tempo é fundamental em todo o processo de elaboração da cerveja. Além do tempo de experiência do mestre cervejeiro e do tempo de produção, o de degustação também é muito importante. Depois de ler a matéria, compre uma boa cerveja e entre em compasso com o seu tempo.”

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FOTOS VINÍCIUS CASCO

FESTA

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folia em família A PAIXÃO PELo Carnaval passada de geração para geração

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oi durante uma tarde de domingo, no Bairro Santo Antônio, em Porto Alegre, que passamos momentos de pura alegria e descobertas com uma família de sambistas da Escola de Samba Império da Zona Norte. Um encontro descontraído com um casal que carrega o nome da escola no coração há 35 anos. Sua filha seguiu os mesmos passos e atualmente é uma coreógrafa de renome, pois seus trabalhos podem ser vistos não só no Carnaval como em propagandas e comerciais de televisão. Ana Marilda Bellos mora com os pais e até hoje sua mãe, Marli, mantém guardadas suas fantasias desde o primeirao desfile. Marli de Oliveira Bellos, 71 anos, é filha adotiva de carnavalescos tradicionais da família Lucena e conta que seus pais a influenciaram de alguma forma, mas que a veia artística era dela mesma, que esteve envolvida no Carnaval desde muito pequena. Seu marido, Flavio Lima Bellos, 73 anos, também sempre gostou de Carnaval e, por essa razão, adorava estar presente nos eventos e festividades das quadras das escolas de samba. Marli cresceu no meio carnavalesco e tornou-se puxadora de uma escola de samba, ou intérprete, como se denomina hoje. Em 1957, Marli foi cantar em uma festa de Carnaval e conheceu Flavio, que por sua vez, se encantou pela voz de Marli, e então tudo começou. Foi a partir desse dia que eles deram início ao namoro. Casaram dois anos mais tarde. Dessa união, nasceram três

TEXTO DE ANA Paula Knewitz e Schana Rodrigues FOTOS DE Fernanda Poletto e Vinícius CASCO

filhos: Flavio, Amilton e Ana Marilda. Apesar de todos terem convivido no mesmo meio, somente a filha mulher seguiu a trilha dos pais. Ana Marilda, 41 anos, conta que o Carnaval no tempo de seus pais era mais participativo. “Homens se vestiam de mulher para desfilar nas ruas da cidade, e as mulheres se organizavam em grupos, vestidas de índias para festejar os dias de Carnaval. Não havia competição e sim participação.” Nas décadas de 50, 60 e 70, existiam os famosos “assaltos”. Eram blocos carnavalescos formados por pequenos grupos de pessoas que iam a pé visitar outro bloco ou bairro na cidade de Porto Alegre. Assalto era nada mais, nada menos do que essa visita feita por blocos. Ana Marilda conta que está inserida no Carnaval de Porto Alegre desde a infância. No ano de 1975 ingressou definitivamente nessa festa, quando ganhou o concurso de Rainha Mirim da cidade de Porto Alegre. “Acompanhei a evolução e as transformações passo-apasso. Sou uma apaixonada pela festa, gosto do Carnaval de rua, do Carnaval/ competição.” Mas sua paixão vai além do evento de Porto Alegre. Ana Marilda já desfilou em duas escolas do Rio de Janeiro: Estácio de Sá e Vila Isabel. Também MARLI E FLAVIO GUARDAM TODAS AS FANTASIAS DA FILHA ANA MARILDA DESDE QUE ELA COMEÇOU A DESFILAR, AINDA MENINA, PELA IMPÉRIO DA ZONA NORTE

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FERNANDA POLETTO

FESTA desfila há cinco anos como destaque da Ala de Mulatas, na escola de Samba Ilha do Marduque, em Uruguaiana. Mas seu coração pulsa de emoção pela escola de samba Império da Zona Norte de Porto Alegre. É por essa escola que ela “treme” e “chora” de alegria na cabeceira da pista. Existe uma diferença muito grande em ser uma foliã que confecciona sua fantasia e vai para a avenida e ser uma carnavalesca que ajuda a realizar o desfile da escola. Esse é o caso de Ana Marilda dentro do Império. “Ali vivi bons e maus momentos por quase toda a minha vida, e, quando chega o grande dia do desfile oficial, é como se fosse uma prova em uma universidade, em que você sabe que estudou muito e precisa tirar uma boa nota para poder passar de ano, ou como por um filho no mundo: você espera por nove meses e, no dia do nascimento, torce para que o parto tenha êxito e a criança seja perfeita e com saúde. É mais ou menos assim que consigo descrever a emoção de entrar na avenida com a Império. É uma emoção tão grande que com palavras não conseguiria traduzir”, conclui.

pura emoção Desde sempre, ouvimos dizer que o coração de uma escola é a bateria. Flavio desfilou a sua vida inteira na bateria. “Não sei fazer outra coisa, a não ser tocar. É pura emoção poder estar ali dentro tocando cuíca e me divertindo com a gurizada”, ressalta. Marli começou como puxadora, depois passou a desfilar como destaque de luxo de carros alegóricos e há mais de 25 anos é diretora de Destaques da Império da Zona Norte. A filha, Ana Marilda, já percorreu diversos setores da escola. Depois de ter sido Rainha Mirim, foi Destaque Mirim. Já na fase adulta, foi Rainha da Império da Zona Norte em 1985, e, em 1988, começou a carreira como primeira passista da Escola. Desempenhando essa função por 20 anos, obteve 15 estandartes de ouro. Foi no ano de 2008 que passou à função de coreógrafa e dançarina da Comissão de Frente. Para o Carnaval de 2011, sua função será a de diretora artística geral da escola. “Serei responsável pela coreografia das alas e das alegorias, além de desenvolver um trabalho social muito importante com as crianças carentes da periferia da cidade, ensinando dança dentro da quadra da escola.” Na sua vida, Flavio conta que vários desfiles foram importantes, mas o que não consegue esquecer é o de 1996, quando a escola iria pedir licença do Carnaval, pois não tinha a mínima condição de colocar o desfile na rua. “Fizemos um mutirão e conseguimos por a escola na rua em apenas 60 dias e, o mais importante, não fomos rebaixados e ficamos em sexto lugar.” Devido aos ensaios e à agenda de compromissos da escola, que inicia seus trabalhos no começo do mês de abril, o casal e a filha têm a vida bem atribulada, pois tudo é feito ao mesmo tempo. A correria diária é grande para fazer com que os afazeres do dia a dia deem certo. Flavio e Marli já são figuras conhecidas dentro do mundo carnavalesco, pois figuram nessa história há 50 anos. Ana Marilda já participa há 30 anos do Carnaval e há 29 anos está no Império da Zona Norte. Essa família de sambistas não tem somente histórias boas para contar. Durante todos esses anos, já passaram por bons 108 | PRIMEIRA IMPRESSÃO | JULHO/2010

e maus momentos, mas o ano mais difícil e trágico foi quando a Império foi rebaixada para o grupo 1B, em 2001. O mais glorioso foi em 2004, quando subiu do grupo 1B. No ano de 2005, a escola subiu novamente para o grupo 1A e foi vicecampeã do Grupo Especial em 2006, culminando em 2008 com campeonato do Grupo Especial de Porto Alegre. Essa história mostra que, apesar do tempo que essas duas gerações têm de Carnaval, a entrega e a emoção dos foliões continua a mesma, e tudo isso é revivido cada vez que recordam o muito que já passaram ao longo desses anos dentro do mundo carnavalesco.


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difícil não se emocionar com histórias como as da família Bellos. A princípio, nos pareceu que seria mais uma matéria feita sem muitas novidades. Foi quando demos início à entrevista para a Primeira Impressão que sentimos o amor que pulsa dentro do coração desses três sambistas. Pessoas simpáticas e receptivas, que se sentem felizes pelo puro prazer de estarem envolvidas de corpo e alma dentro deste mundo

do samba e do Carnaval. São apenas 60 minutos que a escola possui para realizar o seu desfile dentro da avenida, mostrando o que foi trabalhado arduamente durante os 365 dias do ano. Isso significa muito para quem está ali participando e dividindo todas as dificuldades e superações que a cada dia vão surgindo pelo meio do caminho. Encantamento e felicidade fazem parte desta grande festa popular brasileira chamada Carnaval!

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EXPEDIENTE Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Endereço: Avenida Unisinos, 950. São Leopoldo, RS. Cep: 93022-000. Telefone: (51) 3591.1122. Internet: www.unisinos.br. ADMINISTRAÇÃO REITOR: Marcelo Fernandes de Aquino VICE-REITOR: José Ivo Follmann PRÓ-REITOR ACADÊMICO: Pedro Gilberto Gomes PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO: João Zani DIRETOR DA UNIDADE DE GRADUAÇÃO: Gustavo Borba COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO: Edelberto Behs

pi primeira impressão

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