Sépsis – A Resposta do Organismo à Infecção Definições e Conceitos
Diagnóstico e Estratificação da Gravidade da Sépsis
A uniformização dos conceitos associados à sépsis (do grego, putrefacção) ocorreu em 1991 na Conferência de Consenso realizada pelo American College of Chest Physicians (ACCP) e pela Society of Critical Care Medicine (SCCM) (1). Estes conceitos foram revistos em 2001 na SCCM/ ESICM/ACCP/ATS/SIS International Sepsis Definitions Conference (2).
Diagnóstico de sépsis: infecção (documentada ou suspeitada) e alguns dos seguintes critérios (2,5):
Trauma
Bacteriémia
Queimados
Fungémia
INFECÇÃO
Parasitémia
SÉPSIS
Indicadores de Disfunção de Órgãos: - hipoxemia arterial (PaO2/FIO2 <300); - oligúria aguda (débito urinário <0,5 mL/Kg/h durante pelo menos 2 horas); - aumento da creatinina >0,5 mg/dL; - alterações da coagulação (INR >1,5 ou aPTT >60 segundos); - íleus (ausência de ruídos hidroaéreos); - trombocitopenia (plaquetas <100.000/mm3); - hiperbilirrubinémia (bilirrubina total >4 mg/dL).
SIRS Pancreatite
Virémia Outros
Variáveis Hemodinâmicas: - h ipotensão arterial sistémica (PA sistólica <90 mmHg, PA média <70 mmHg, diminuição da PA sistólica >40 mmHg no adulto ou >2 DP abaixo do valor normal para a idade); - Saturação de oxigénio no sangue venoso central (SvcO2) <70%; - Índice cardíaco >3,5 L/min/m2.
Variáveis Gerais: - febre (temperatura central >38,3ºC); - hipotermia (temperatura central <36ºC); - frequência cardíaca >90 pulsações por minuto (ou >2 DP acima do valor normal para a idade); - taquipneia (>20 ciclos/min); - alteração do estado de consciência; - edemas significativos ou balanço hídrico positivo (balanço hídrico >20 mL/Kg em 24 horas) - hiperglicemia (glicemia >140 mg/dL ou 7,7 mmol/L , na ausência de diabetes).
Outros
Colonização: presença de microrganismos na pele, membranas mucosas, feridas abertas, excreções ou secreções que não causam sinais ou sintomas clínicos adversos. Infecção: processo patológico causado pela invasão de um tecido, fluído ou cavidade corporal, normalmente estéril, por microrganismos patogénicos ou potencialmente patogénicos.
Variáveis Inflamatórias: - leucocitose (contagem leucocitária >12.000/mm3); - leucopenia (contagem leucocitária <4.000/mm3); - leucocitos normais com >10% de formas imaturas; - Proteína C-Reactiva plasmática >2 DP acima do valor normal; - Procalcitonina plasmática >2 DP acima do valor normal.
Indicadores de Hipoperfusão Tecidular: - hiperlactacidémia (lactato >1 mmol/L); - diminuição do preenchimento capilar ou pele marmórea.
A sépsis grave é caracterizada pela presença de hipotensão arterial, hipoperfusão (que inclui a hiperlactacidémia, a oligúria e a alteração aguda do estado de consciência) e/ou disfunção de órgãos. A persistência de ácido láctico elevado (>4 mmol/L) mesmo com PA normal traduz hipoperfusão tecidular grave (choque críptico). A disfunção de órgãos pode ser definida pelos critérios “Indicadores de Disfunção de Órgãos” (ver tabela anterior) ou pelo Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) Score (6). No choque séptico, a hipotensão arterial não responde à reposição adequada de volume, havendo necessidade de fármacos vasopressores.
Bacteriémia: presença de bactérias viáveis na circulação sanguínea. SIRS (Systemic Inflammatory Response Syndrome) a síndrome de resposta inflamatória sistémica diagnostica-se na presença de ≥ 2 dos seguintes critérios: - temperatura >38ºC ou <36ºC; - frequência cardíaca >90 pulsações por minuto; - frequência respiratória >20 ciclos/min ou PaCO2 <32 mmHg; - leucócitos >12.000/mm3, <4.000/mm3 ou >10% formas imaturas. Sépsis: presença das manifestações de SIRS causadas por infecção (SIRS + infecção). Sépsis Grave: sépsis associada a disfunção de órgão, hipotensão arterial ou hipoperfusão; a hipoperfusão pode incluir acidose láctica, oligúria ou alteração aguda do estado de consciência. Choque Séptico: hipotensão arterial secundária à sépsis, que não responde à reposição adequada de volume, e com hipoperfusão. (adaptado de 1-3)
A mortalidade associada à sépsis mantem-se elevada, com valores em UCI de 32% para a sépsis grave e de 54% para choque séptico (4). Merck Sharp & Dohme Rua Quinta da Fonte, Ed. Vasco da Gama, Qta. da Fonte, 2770-192 PAÇO DE ARCOS Copyright © MERCK & CO., www.msd.pt Inc., Whitehouse Station, N.J., E.U.A., 1998. www.univadis.pt Reservados todos os direitos. INFC-1023186-0000
SOFA Score (0-24)
0
1
2
3
4
>400
≤400
≤300
≤200 (com suporte ventilatório)
≤100 (com suporte ventilatório)
Cardiovascular (PA ou vasopressores1)
sem hipotensão
PA média <70 mmHg
dopamina ≤5 ou dobutamina (qualquer dose)
dopamina >5 ou nora/adrenalina ≤0,1
dopamina >15 ou nora/adrenalina >0,1
Renal (creatinina mg/dL ou débito urinário mL/dia)
creatinina <1,2
creatinina 1,2-1,9
creatinina 2,0-3,4
creatinina 3,5-4,9 ou débito urinário <500
creatinina >5,0 ou débito urinário <200
Hematológico (plaquetas x 103/mm3)
>150
≤150
≤100
≤50
≤20
Hepático (bilirrubina total mg/dL)
<1,2
1,2-1,9
2,0-5,9
6,0-11,9
>12,0
Neurológico (Glasgow Coma Score2)
15
13-14
10-12
6-9
<6
Respiratório (PaO2/FIO2)
1. Fármacos vasopressores administrados durante pelo menos 1 hora e doses em µg/Kg/min; 2. Se o doente estiver sedado, utilizar o GCS estimado (se não houvesse sedação) e não o observado.
Este documento não dispensa a leitura dos artigos originais. Selecção e adaptação do texto por Pedro Póvoa, João Gonçalves Pereira e Filipe Froes – 2011
Guia da Sépsis – Definições e Conceitos Agentes Comuns das Infecções Graves da Comunidade
Abordagem Inicial da Sépsis Grave e do Choque Séptico
Infecções Graves da Comunidade (adultos imunocompetentes)
Nos doentes com sépsis grave e choque séptico devem ser tomadas, nas primeiras 6 horas, as seguintes medidas terapêuticas e de suporte denominadas Sepsis Resuscitation Bundle (5).
Antibioterapia
Reanimação Inicial (as primeiras 6 horas)
Meningite Pneumonia (7)
Strep. pneumoniae Staphylococcus aureus Legionella spp Bacilos Gram-negativo Haemophilus influenzae
1ª linha: [b-lactâmico (não antipseudomonas) + macrólido] ou fluoroquinolona. Risco de resistências: b-lactâmico (antipseudomonas) + [cipro/levofloxacina ou (macrólido+aminoglicosídeo)].
Endocardite
Streptococcus viridans Outros Streptococccus Staphylococcus aureus Enterococcus spp
1ª linha: flucloxacilina (12g/dia) + gentamicina (1mg/Kg 8-8h) ± penicilina G (24.000.000 UI/dia) Risco de resistências: vancomicina (níveis de 20-25 µg/mL em perfusão) + gentamicina (1mg/Kg 8-8h).
Escherichia coli Outras Enterobacteriaceae Enterococcus faecalis
1ª linha: amoxicilina/clavulanato, ceftriaxona ou cefotaxima. Risco de resistências: ertapenem, pip/tazobactam, imipenem ou meropem.
Na sépsis, a hipotensão é secundária a hipovolémia (relativa e/ou absoluta). Os doentes com lactato >4 mmol/L (36 mg/dL) estão em risco de evoluir para choque séptico, independentemente do valor da pressão arterial. Os vasopressores iniciais (norepinefrina ou dopamina) devem ser administrados por via IV central e, logo que possível, colocar cateter arterial. Além da PA média ≥65 mmHg, é importante atingir a pressão arterial que permita a retoma do débito urinário. Não usar doses baixas de dopamina para protecção renal. Não usar bicarbonato para tratar a acidose metabólica.
Peritonite primária ou perfuração acima do ângulo de Treitz: Enterobacteriaceae Enterococcus spp
1ª linha: ceftriaxona, cefotaxima ou amoxicilina/ clavulanato. Risco de resistências ou peritonite 2ª grave: imipenem, meropenem ou piperacilina/tazobactam.
Diagnóstico (investigação etiológica): - colher duas ou mais hemoculturas (≥20 mL cada), através de punções venosas em locais diferentes; - outras colheitas em função do foco primário; - as colheitas não devem atrasar o início da antibioterapia.
Perfuração abaixo do ângulo de Treitz: Enterobacteriaceae Enterococcus spp Anaeróbios
1ª linha: [(ceftriaxona ou cefotaxima) + metronidazol], amoxililina/clavulanato ou ertapenem. Risco de resistências ou peritonite 2ª grave: imipenem, meropenem ou pip/tazobactam.
Strep. pyogenes grupo A Staph. aureus (oxacilina ou meticilina sensível) Anaeróbios (C.perfringens)
1ª linha: penicilina G + clindamicina ± flucloxacilina. Risco de resistências: (vancomicina ou linezolida) ± imipenem.
Pele+TM (9)
Peritonite (8)
Strep. pneumoniae Neisseria meningitidis Listeria monocitogenes H. influenzae tipo B
1ª linha: (ceftriaxona ou cefotaxima) ± vancomicina ± ampicilina. Risco de resistências: meropenem (6 g/dia) ± vancomicina (níveis 30-35 µg/mL em perfusão).
Pielonefrite (9)
@ Agentes prováveis
Factores de Risco para Microrganismos Multirresistentes Strep. pneumoniae resistente à penicilina Staphylococcus aureus resistente à meticilina Enterobacteriaceae produtoras ESBL Pseudomonas aeruginosa Acinetobacter baumannii
doença crónica, diabetes mellitus, alcoolismo, imunossupressão, antibioterapia recente. toxicodependência IV, terapêutica parentérica recente, cateter central, antibioterapia recente. antibioterapia (p. ex., cefalosporinas 3ªG ou quinolonas) < 1 mês, co-morbilidades múltiplas. doença estrutural pulmonar, corticoterapia, desnutrição, antibioterapia largo espectro. internamento prolongado, co-morbilidades múltiplas, material invasivo, antibioterapia.
Avaliação inicial: - estado de consciência, - pressão arterial; - oxigenação (PaO2), - pH, lactato (sangue arterial) e BE; - diurese.
Sinais de alarme: - obnubilação, estupor; - PA média <70 mmHg ou PA sistólica <90 mmHg; - PaO2/FIO2 <300, SaO2 <90%; - lactato >2 a 2,5 mmol/L, acidose metabólica; - oligúria aguda (débito urinário <0,5 mL/Kg/h);
Suporte hemodinâmico: Se hipotensão arterial e/ou lactato >4 mmol/L: - iniciar medidas imediatamente, não esperar por transferência para UCI; - ponderar algaliação e cateter venoso central; - administrar bólus de 1000 mL de cristalóides ou 300-500 mL de colóides em 30 minutos (fluid challenge); - se hipotensão persistir após reposição de volume (ou PVC nos valores alvo), instituir vasopressores para manter PA média ≥65 mmHg.
Objectivos da reanimação: - pressão arterial média ≥65 mmHg; - p ressão venosa central (PVC) 8-12 mmHg (11-16 cm H2O), se ventilado com pressão positiva PVC 12-15 mmHg (16-20 cm H2O); - débito urinário ≥0,5 mL/Kg/h; - SvcO2 ≥70%; - outros: frequência cardíaca <110/min, descida do lactato. Limites de segurança da reposição de volume: - não ultrapassar os 60 mL/Kg de cristalóides; - não ultrapassar a dose recomendada de cada colóide (de acordo com o RCM); - não provocar edema pulmonar.
Antibioterapia: - administrar antibioterapia de largo espectro para os agentes prováveis (ver tabela), o mais cedo possível e na primeira hora do reconhecimento da sépsis grave ou choque séptico; - dose inicial máxima; ajustar depois em função das falências orgânicas.
Reavaliação (≤ 1 hora) Se valor SvcO2 não for alcançado (SvcO2 <70%): - considerar a administração de mais fluidos; - considerar transfusão de concentrado de eritrócitos para obter hematócrito ≥30%; - e/ou considerar perfusão de dobutamina até 20 µg/Kg/min (após reposição da volémia). A diminuição da SvcO2 traduz um défice do transporte de O2 em relação ao consumo de O2.
Identificação e controlo do foco: - o local da infecção deve ser estabelecido o mais depressa possível e nas primeiras 6 horas do reconhecimento da sépsis grave ou choque séptico; - avaliar a possibilidade de existir um foco de infecção drenável e promover controlo do foco com a maior brevidade (após reanimação inicial); - remover cateteres e corpos estranhos endovasculares potencialmente infectados.
Após estas medidas existe um segundo conjunto de intervenções (Sepsis Management Bundle) a serem realizadas nas primeiras 24 horas e cujo âmbito de aplicação são essencialmente os Cuidados Intensivos: - manter controlo glicémico (<150 mg/dL), profilaxia da úlcera de stress e da trombose venosa profunda; - iniciar alimentação entérica quando hemodinamicamente estável; - no choque séptico refractário (bem preenchido e sob vasopressores em doses adequadas) considerar corticóides (hidrocortisona ≤300 mg/dia); - nos doentes ventilados manter a pressão de planalto ≤30 cm H2O. Referências bibliográficas: 1. Bone RC et al. Definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepsis. Chest. 1992;101:1644-55. 2. Levy MM et al. 2001 SCCM/ESICM/ACCP/ATS/SIS International Sepsis Definitions Conference. Intensive Care Med. 2003 29:530-8. 3. Horan TC et al. CDC/NHSN surveillance definition of health care-associated infection and criteria for specific types of infections in the acute care setting. Am J Infect Control. 2008 36:309-32. 4.Vincent JL et al. Sepsis in European intensive care units: results of the SOAP study. Crit Care Med. 2006;34:344-53. 5.Dellinger RP et al. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2008. Crit Care Med. 2008;36:296-327. 6.Vincent JL, et al. The SOFA (Sepsis-related Organ Failure Assessment) score to describe organ dysfunction/failure.Intensive Care Med. 1996;22:707-10. 7. Mandell LA, et al Infectious Diseases Society of America/American Thoracic Society consensus guidelines on the management of community-acquired pneumonia in adults Clin Infect Dis.2007;44:S27-72. 8. Solomkin JS et al. Guidelines for the selection of anti-infective agents for complicated intra-abdominal infections Clin Infect Dis. 2003 ;37:997-1005. 9. Cohen J et al. New method of classifying infections in critically ill patients.Crit Care Med. 2004;32:1510-26.