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Bibliografia

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dor, não tendo mais soldados suficientes, deva pedir aos ricos os escravos como soldados.47

Outro sintoma do estado endêmico do Império era a deplorável situação das finanças públicas. O fisco havia esgotado tudo, os ricos estavam sem recursos, os arrendatários sem dinheiro para pagar o proprietário, a terra, que havia sido sempre um manancial de riquezas, não era mais que um motivo de despesas.48

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Todos esses sintomas eram graves. Símaco os percebia, os anotava, mas não o alarmavam. O mal já vinha de longe e crescia intensamente. Como Roma continuasse vivendo apesar das razões que tinha para morrer, havia-se acostumado a crer que necessariamente viveria sempre. Assim viveu nessa ilusão até o último instante, e a catástrofe final, o saque de 24 de agosto de 410 pelo exército de godos chefiado por Alarico, que teria sido fácil de prever, foi para ele como para muitos, uma surpresa.

2 — Principais expoentes contrários ao cristianismo

O quadro que viemos esboçando da sociedade romana do fim do século IV concerne, naturalmente, antes aos pagãos que aos cristãos. Todavia, tem muitos traços comuns aos membros de ambos os cultos. Não há duvida de que, no fundo, os Anicii, o Probi, os Gracchi, os Bassi, ilustres senadores que abraçaram a religião do imperador, levassem vida semelhante à de tantos outros nobres pagãos.49

47 Símaco. Epistola, VI, 64. 48 Símaco. Epistola, V, 63; IX, 136; I, 5. 49 Prudêncio. Contra Symmachum, I, 545-575. O autor enumera nesses versos as grandes famílias da época. Os Anicii eram os representan-

Durante o século IV, e mesmo depois, o paganismo recrutou seus mais enérgicos defensores entre os nobres letrados. Santo Agostinho anota, em sua obra Confissões, a propósito do retórico Vitorino e de sua conversão, que “até então ele havia participado da adoração dos ídolos e de seu culto sacrílego, pelo qual se entusiasmava quase toda a nobreza romana, como em delírio [...]. O velho Vitorino, que por tantos ano defendera as divindades com eloqüência impressionante, não se acanhou de tornar-se servo do teu Cristo”.50

Na segunda metade do século IV, principalmente no último decênio, muitas famílias nobres se converteram ao cristianismo; mas outras tantas permaneceram obstinadas ao anúncio da Boa Nova e “se recusaram a abrir os olhos à luz da verdade”.51 A nobreza pagã, exceto as conversões a que aludimos acima, se manteve forte e impermeável durante muito tempo.

Até 408, o “Estado cristão” adotou uma política extremamente liberal com relação aos membros do antigo culto.52

tes mais expressivos. Imensamente ricos, com um notável patrimônio na Tripolitânia e um palácio, todo de mármore, em Roma. A descendência masculina havia-se extinguido na metade do século IV, mas o nome foi retomado pelos descendentes em linha feminina: Anicius Anchenius Bassus, prefeito da cidade em 382, e Sextus Petronius Probus abraçaram o cristianismo e foram, no Senado, os líderes da “minoria” cristã. Os membros dessa nobreza senatorial ocupavam os mais altos cargos do Império na época do declínio, como bem o provam as numerosas inscrições. Formavam uma aristocracia fechada, casando-se quase só entre si. A essas famílias nobres estavam ligados também os Paulinii. Paulino de Nola, bispo e poeta (†431), é o representante mais expressivo. 50 Agostinho. Confissões, VIII, 2. A conversão de Mário Vitorino ocorreu entre 353-357. 51 Prudêncio. Contra Symmachum, I, 592ss.; I, 574ss. Cf. Jerônimo. Epistola, 66. 52 CTh. XVI, 5, 42 (14 de novembro de 408).

Houve épocas em que quase todos os postos importantes do Império eram ocupados por funcionários pagãos. Muitos filósofos, sofistas, gramáticos e retóricos perpetuavam nas escolas o cultivo da antiga literatura e da velha religião, arrebatados pelo êxtase diante do “gênio do paganismo”.53 O ensino permaneceu nas mãos dos pagãos até praticamente o fim do século V, e foi esta certamente a razão da sobrevivência das crenças pagãs nas classes mais cultas apesar de tantos editos imperiais e medidas rigorosas.

É muito vago afirmar que parte da sociedade permaneceu fiel ao antigo culto, pois havia muitas maneiras de alguém ser pagão. Uma religião, como o paganismo, sem dogmas precisos nem credo definido, oferecia grande liberdade para seus adoradores e permitia infinita multiplicidade de expressões da fé quanto às diferentes divindades.

Mais cautelosos que seus antepassados, os pagãos do tempo que estamos analisando compreenderam que o emprego da violência não oferecia vantagens aos interesses do culto tradicional ameaçado. Forçados por sua própria debilidade a adotar aparente moderação, voltados aos seus princípios por necessidade, à tolerância pela lembrança dos insucessos no passado, os pagãos mostraram nesse processo de transformação uma apatia e resignação não comuns face à nova religião. O paganismo, para inspirar sentimentos adequados à situação do momento, incentivava seus partidários a inundar com obras literárias aquela sociedade cuja direção já não lhes pertencia mais.

Durante muito tempo o paganismo do Ocidente não havia mais produzido escritor de renome. No fim do século IV,

53 No século XIX, Chateaubriand, extasiado diante do esplendor da civilização cristã, escreve sua imortal obra Le Génie du Christianisme.

porém, apesar da decadência e do cansaço de toda uma estrutura tradicional, surgem alguns autores ilustres, tais como Amiano Marcelino, Aurélio Victor, Eutrópio, Símaco, Lucélio, Macróbio, Vegécio, Sérvio, Ausônio, Claudiano e outros. Esses homens eram profundamente religiosos. Podiam competir com os cristãos em sua sólida fé nas recompensas e punições depois da morte. Não eram conservadores obstinados e isolados: eram o centro de uma vasta intelectualidade que se espalhava por todas as províncias do Ocidente. Todos eles haviam-se formado nos últimos anos do reinado de Constantino, época de paz e de trabalho profícuo em que o Império parecia preparar-se, por um repouso não habitual, para enfrentar um novo e último combate. Causa admiração que esses renomados escritores tenham permanecido tão indiferentes em relação aos graves problemas de sua época. Eram os homens, por suas luzes e talento no falar ou no escrever, responsáveis por exercer legítima influência nos espíritos de seus concidadãos. O cristianismo, atacando a religião que professavam e a tradição política que veneravam, introduzia na sociedade valores novos capazes de minar as antigas estruturas. A elite pagã, responsável pelo cultivo e manutenção dos costumes tradicionais, não soube ou não quis armarse adequadamente para a defesa. Os únicos recursos que ofereceram ao culto moribundo foram alguns poemas, resumos históricos ou escritos literários de cunho pagão, onde, por motivos táticos ou por menosprezo, o cristianismo nem sequer é citado.

Do lado cristão, a atividade literária era muito mais profícua. Enquanto Ambrósio, Jerônimo, Agostinho, Paulino de Nola, Prudêncio inundavam o Ocidente com seus escritos, no Oriente se destacavam Atanásio, Basílio o Grande, Gregório de Nazianzo, João Crisóstomo, Cirilo de Jerusalém, Dídimo o

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