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a) Vécio Agório Pretextato

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tos da religião tradicional: uns eram mais devotados ao ideal religioso e outros de propensão puramente política. Queremos caracterizar os três mais dignos representantes desses amigos dos deuses.

a) Vécio Agório Pretextato

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O primeiro grande luminar da religião pagã que, durante o reinado de Valentiniano II, exerceu incontestável influência, chamava-se Vécio Agório Pretextato. Os historiadores calculam que nasceu durante o governo de Constantino. 80 O imperador Juliano, que conhecia seu zelo pelo paganismo, nomeou-o procônsul da Acaia. No tempo de Valentiniano, valendo-se da influência junto a este imperador, obteve a permissão de se celebrar novamente os mistérios de Elêusis, cujas práticas haviam sido proibidas por imperadores precedentes bem como pelo próprio Valentiniano.81 Entre os membros da liderança pagã ocupava um dos primeiros lugares: assim o testemunha Macróbio pelo destaque com que é tratado nas Saturnais. Na sua casa reuniam-se os mais ilustres senhores de Roma sob sua presidência e direção. Ninguém melhor do que ele, conhecia a razão dos costumes religiosos; todos escutavam com respeito as explicações que prestava, por ser grande conhecedor e intérprete do paganismo, o princeps religiosorum, o sacrorum omnium praesul, como diz Macróbio.82 Foi, durante muitos anos, o representante infatigável dos interesses do antigo culto. Beugnot admite que, quando o imperador Graciano recusou o sumo pontificado, Pretextato te-

80 Segundo alguns autores, Pretextato nasceu por volta de 325 e morreu no fim de 384 ou início de 385. 81 Boissier, G. Op. cit., t. II, p. 278. 82 Macróbio. Saturnalia, I, 17.

ria assumido este importante cargo.83 Em torno dele, reuniase aquela plêiade de cidadãos que via com grande pesar a destruição dos costumes nacionais. Boa parte da correspondência de Símaco é dirigida a esse amigo íntimo.84 Tais cartas refletem a simpatia e a admiração que todos sentiam por Pretextato. Disso é testemunha Macróbio: “Quando Pretextato terminou de falar, todos os ouvintes, de semblante imóvel, traíam com seu silêncio o reconhecimento que por ele alimentavam. Em seguida, começaram a louvá-lo: um sua ciência, outro sua memória, todos celebravam sua piedade. Afirmavam ser o depositário dos segredos dos deuses; que somente ele seria capaz, pelo poder de seu espírito e encanto de sua eloqüência, de compreender e tornar compreensíveis as coisas divinas.85 Como o depoimento que saiu da pena de Macróbio foi escrito muito tempo depois da morte de Pretextato, aufere-se que seu prestígio era conseqüência do esplendor de sua vida pois o pontífice não publicou nenhuma obra.

Pretextato exerceu muitas magistraturas políticas. Além de procônsul da Acaia, foi enviado sete vezes, pelo Senado, aos imperadores, e numa dessas missões, como já foi frisado, obteve de Valentiniano a permissão para a celebração dos mistérios de Elêusis. Os áugures não tinham ninguém melhor que ele para assumir a defesa de seus interesses, pois o próprio Pretextato dedicava-se a essa arte.86

Durante o consulado de Valentiniano II, em 387, Pretextato foi homenageado com uma estátua e a inscrição

83 Beugnot. A. Op. cit., t. I, p. 442. 84 Símaco. Epistola, I, 44-45. 85 Macróbio. Saturnalia, I, 24. 86 Símaco. Epistola, 1, 51.

gravada no pedestal lembrava suas funções políticas e religiosas: Pontifex Vestae, Pontifex Solis, Quindecemvir, Augur, Tauroboliatus, Neocorus, Hierofanta et Pater Sacrorum.87 Pretextato era Pontifex major e, pode-se dizer, reunia, sob sua direção, todas as honras e funções sacerdotais. As dignidades gregas de Hierofante e de Neócoro, que recebeu provavelmente quando exercia o consulado na Acaia, mostram que não pertencia à classe de pagãos cuja piedade reprovava a não distinção entre pontificados estrangeiros e pontificados nacionais.

Nomeado prefeito do pretório da Itália, em 384, dirigiuse a Roma onde entrou solenemente, acompanhado pelos magistrados; subindo ao Capitólio como triunfador, pronunciou, em presença do Senado e do povo, comovente discurso, exortando os cidadãos a alimentarem grande amor e respeito pelo príncipe Valentiniano II.88 Para o ano seguinte, foi designado cônsul, mas morreu antes de tomar posse. A morte de Pretextato fez Roma mergulhar numa grande aflição. O povo, que estava no teatro quando se espalhou a funesta notícia, saiu, consternado, pelas ruas, gritando de tristeza e dor.89 Tal era a veneração dos romanos por esse eminente defensor das instituições nacionais. Sua esposa teria declarado que Pretextato foi arrebatado aos céus e estabelecido in lactei coeli palatio.90 Aliás, a imortalidade na Via Láctea, aos homens que agissem com correção dentro do estilo tradicional, era uma crença generalizada entre os pagãos. Símaco, prefeito de Roma

87 Donati. Ad novum thesaurum veterarum inscriptionum Maratori supplementum, t. I, p. 72, n. 2. 88 Beugnot, A. Op. cit., t. I, p. 445. 89 Símaco. Epistola, X, 10 e 24. 90 Jerônimo. Epistola, IV, 56.

nessa ocasião, mergulhou num profundo abatimento ao saber que morrera seu mestre e amigo, aquele com quem partilhava suas preocupações e esperanças e cujas virtudes espargiam tanto esplendor sobre a religião nacional. Renunciando às funções de prefeito, dirige-se a Valentiniano e Teodósio nestes termos: “Quisera transmitir-vos somente notícias agradáveis, mas o dever do cargo exige que leve ao vosso conhecimento algumas notícias tristes. Vosso Pretextato, esse homem investido de tantas honras, o esteio das antigas virtudes, luminar de grandes qualidades públicas e particulares, a morte cruel acaba de arrebatar. Quanto será difícil para vossa majestade, que não quer chamar ao exercício das funções públicas senão os mais dignos cidadãos, encontrar um substituto que a ele se assemelhe. Pretextato deixa atrás de si o exemplo de um amor sincero à República e a dor que fere o coração dos cidadãos gratos. Logo que a triste notícia de sua morte se espalhou em Roma, o povo abandonou os solenes divertimentos do teatro e manifestou com clamores o quanto a memória de Pretextato lhe era cara, acusando o destino cruel de lhe haver arrebatado os benefícios dos piedosos imperadores. Parece não ser verdade, mas Pretextato não existe mais. Para mim, que era seu confidente e amigo, peço repouso como remédio. Silencio sobre outros assuntos que são motivo para não mais suportar a prefeitura. A perda do amigo, que tanto sinto, justifica suficientemente o meu pedido”.91

Mais tarde, escreve novamente nesses termos: “Ainda que Vécio Pretextato não exista mais, continua, no entanto, vivo na memória e no amor de todos os cidadãos. O Senado, desolado pela perda de que é acometido, procura consolo nas hon-

91 Símaco. Epistola, X, 10 (ano de 384).

ras que quer tributar à sua virtude. Suplica à vossa divindade que perpetue à posteridade por meio de estátuas os traços desse homem que foi objeto de admiração em nosso tempo. Não que Pretextato se tenha jamais envolvido nas honras terrestres, ele que durante sua vida experimentou tanto desprezo pelas alegrias externas, mas porque as honras tributadas aos bons cidadãos levam a imitar, e porque uma virtuosa emulação se alimenta com o espetáculo das recompensas concedidas a outro... É justo que os traços daquele que viveu em todos os corações estejam sempre diante dos olhos dos cidadãos. Ele foi superior às suas dignidades, indulgente para com os outros, severo para consigo mesmo, simples com a nobreza, respeitado sem inspirar medo. Quando recebia algum bem em herança, entregava-o aos legítimos herdeiros do defunto. A prosperidade não o corrompeu; não era insensível à desgraça alheia; jamais foi visto ostentar falsa magnificência, ele que palmilhou com tristeza o caminho do poder; ele com quem ninguém pôde igualar em eqüidade. Deveria, gostaria de dizer-vos mais, porém é preciso tudo reservar para o testemunho que Vossa Clemência prestará à sua memória. O louvor é mais belo quando procede da divindade...92

Os imperadores, longe de contestar tão magníficos elogios tributados com tanta pompa ao adversário mais notável de sua religião, apressaram-se em autorizar o que o Senado solicitava: duas estátuas foram erigidas em honra a Pretextato.

As vestais quiseram honrá-lo com uma terceira, mas tal desejo estava em oposição aos tradicionais costumes, pois a pureza que devia proteger e defender as sacerdotisas de Vesta não permitia que rendessem semelhante homenagem a um

92 Símaco, Epistola, X, 12 (ano de 384).

homem, fosse qual fosse a reverência. Símaco e outros pontífices se opuseram ao projeto das Vestais; mas o tempo em que tais infrações ao direito pontifical podia trazer conseqüências, havia passado. Além do mais, tratava-se menos de conceder a uma virtude ilustre nova glória, que tornar mais sensível aos cristãos um ato que os feria profundamente. 93 Existe a inscrição da estátua que a viúva de Pretextato fez erigir em honra à Coelia Concordia, representando as virgens de Vesta, em reconhecimento ao gesto de ela haver erigido uma antes em honra de seu marido.94

Pretextato havia unido à sua sorte Fábia Acônia Paulina, filha de Fábio Acônio Catulino Filomático, cônsul em 349. Esta mulher não era menos zelosa que seu marido na defesa da antiga religião. Acompanhou Pretextato em sua missão à Grécia onde foi investida de muitas dignidades religiosas as quais fez perpetuar na memória das gerações gravando-as em monumentos. Uma inscrição encontrada em Benevento mostra que ela havia sido iniciada nos templos de Elêusis, de Lerna e de Egina, nos mistérios de Baco, de Ceres e de Cora; que ela era hierofante de Hécate, sacerdotisa de Isis, e que, enfim, havia recebido o taurobólio. No monumento em honra dos esposos, Pretextato rende pomposa homenagem à pureza, à sabedoria e à piedade de Acônia; ele a chama de dicata templis e amica numinum. 95 Pretextato podia, sem dúvida, gloriar-se das honras sacerdotais concedidas à sua esposa, pois fora ele quem a havia iniciado no respeito para com as coisas divinas e preparado para cumprir entre as mulheres romanas o papel que ele mesmo desempenhava entre os patrícios.

93 Beugnot, A. Op. cit., t. I, p. 448. 94 Corpus Inscriptionum Latinarum, t. VI/1, 2145. 95 Beugnot, A. Op. cit., t. I, p. 449.

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