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b) Omnes qui sunt in Ecclesia, Deo militant
cluímos nossas considerações sobre o trinômio Imperador, Igreja, Estado, com as inspiradas palavras de Albert de Broglie: “O soberano político, inimigo da Igreja durante três séculos, tornou-se seu aliado com Constantino ao querer ser seu igual, pretendendo dominá-la com Constâncio, cedeu-lhe definitivamente o passo com Teodósio e se contentou com o segundo lugar no mundo. O próprio Ambrósio caracterizou, mediante incisiva expressão, esses contatos novos dos dois poderes que havia, mais que ninguém, contribuído para fazer prevalecer: “a Igreja, diz ele, não está no Império; o Império é que está na Igreja”.35
b) Omnes qui sunt in Ecclesia, Deo Militant
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O Bispo de Milão estabelece um princípio que é como um axioma categórico, cheio de graves e marcantes conseqüências: ”Todos os que estão na Igreja, lutam por Deus”.36 Este princípio, válido para todos os cristãos, diz respeito, de modo especial, aos imperadores, e Ambrósio o proclama e lembra, por isso, de modo claro e explícito: “Como todos os homens que são submissos ao poder de Roma, combatem por vós imperadores e príncipes da terra; do mesmo modo vós também, combatei pelo Deus todo-poderoso e pela santa fé”.37 Com essas palavras solenes e peremptórias, Ambrósio inicia sua tão notória carta ao imperador Valentiniano II, a propósito da questão do altar da Vitória no Senado de Roma. O que significa, qual o conteúdo e o alcance da expressão: militare Deo? Ambrósio esclarece os imperadores e, indi-
35 Broglie, A. de. L’Église et l’Empire Romain au IVe. siècle. t. II, p. 441. 36 Ambrósio. Epistola, 27, 15. 37 Ambrósio. Epistola, 17, 1.
retamente, também a nós o que significa e exige o militare Deo. Não é certamente combater no sentido literal e específico do termo; não é partir com armas em punho; não é lutar com a intenção de matar ou com o perigo de ser morto; não é guerrear armado para dilatar o reino de Deus ou defender suas fronteiras. O termo é usado por Ambrósio para indicar uma função, um ministério, um ofício que leva consigo um compromisso e uma prestação de contas.38 Isso muda a natureza da função, deixando, porém, o espírito na execução. Assim, na carta 17, quando admoesta o imperador sobre a obrigação de militare Deo, indica e esclarece a natureza desse combate: “Todo aquele que é soldado desse Deus verdadeiro e que guarda seu culto no fundo de sua alma, deve dar provas, não de dissimulação, nem de complacência, mas de zelo pela fé e pela religião”.39 Quem, portanto, combate pelo Deus verdadeiro e o recebe para adorá-lo com afeto íntimo, não usa de dissimulação ou conivência mas o zelo da fé e da devoção. Encontramos quase as mesmas palavras no parágrafo seguinte da mesma carta onde ele fala da obrigação que o imperador tem para com o verdadeiro Deus: “deveis testemunhar vossa fé no Deus verdadeiro, bem como vosso desvelo, vossa prudência e vossa devoção por essa mesma fé”.40 Portanto, o imperador deve manifestar não só fé no verdadeiro Deus, mas também dedicação e proteção a essa mesma fé. Essas afirmações do Bispo de Milão indicam explicitamente que a atitude do imperador cristão acerca da fé e da Igreja, não pode ser passiva, mas ativa, como o serviço militar cumprido com zelo e amor.
38 Cf. Ambrósio. Epistola, 40, 2 e 4. 39 Ambrósio. Epistola, 17, 3. 40 Ambrósio. Epistola, 17, 3.
Para explicitar ainda melhor as relações entre Igreja e Estado e os deveres do imperador em ambas as esferas, Ambrósio lança mão de termos carregados de significado. O termo studium indica esse cuidado interessado e, diria até, quase passional, pela causa de Deus e da Igreja. Já o termo devotio não significa simplesmente devoção, como se poderia facilmente pensar, mas indica também dedicação completa e generosa aos intentos e interesses da religião cristã.
O Estado pagão cumpriu uma função providencial preparando a difusão do evangelho e a dilatação da Igreja. Conforme Ambrósio, Deus difundiu o poder do Império Romano em todo o orbe, pacificou os povos rebeldes e uniu, mediante a paz, as nações para que os apóstolos pudessem atingir o maior número de povos e para que, assim, todos os homens sob o único e universal Império, aprendessem a confessar com espírito fiel a autoridade do único Deus onipotente.41 Sublinha, com insistência, a conversão interna, total e vital dos imperadores, porque como não é concebível para ele que um imperador seja cristão somente na sua vida particular, também não é admissível que algum o seja na aparência.
O êxito da ação político-religiosa de Ambrósio não dependeu tanto da força de suas idéias e da loquacidade com que expõe seus princípios, quanto da sincera e generosa religiosidade do povo e dos próprios imperadores. Estes, especialmente Graciano e Teodósio, fizeram tanto pela Igreja, pela ortodoxia, pela paz e pela unidade não só porque aconselhados e impelidos pelo zelo apostólico do Bispo de Milão, mas porque pessoalmente, como bons cristãos e filhos fiéis da Igreja, se empenharam na expansão e no triunfo da fé cristã.42
41 Cf. Morino, C. Op. cit., p. 172. 42 Cf. Ambrósio. Epistola, 13, 1; De obitu Theodosii oratio; De obitu Valentiniani oratio.