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b) A nova política religiosa de Graciano

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Bibliografia

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uma política de distensão em tudo que pudesse colaborar para a paz religiosa e para a segurança comum. Este edito de Graciano deve ser considerado como uma oportuna flexibilidade do poder diante de uma situação nova da qual era preciso acercar-se para atenuar as conseqüências desastrosas.

Em julho de 379, em circunstâncias pouco conhecidas, Ambrósio reconquistou sua influência sobre o imperador, consolidada na primavera de 380 mediante troca de correspondência e um encontro pessoal.62 De agosto de 379 em diante, Graciano seguirá progressivamente uma política intervencionista em favor da Igreja.

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b) A nova política religiosa de Graciano

A nova política religiosa de Graciano tomou consistência e se definiu entre 3 de janeiro e 3 de agosto de 379. Ainda as moedas postas em circulação a 3 de janeiro uniam a efígie do soberano reinante com a dos símbolos pagãos. Porém, a emissão de 3 de agosto daquele ano foi a última de caráter pagão, ou melhor, foi a última na qual a efígie imperial aparece associada à de símbolos pagãos. Chamamos a atenção sobre esse fato porque os círculos pagãos de Roma, ainda poderosos diante da fraqueza do poder central, obtiveram um parcial sucesso: a imagem do imperador não aparece mais sobre as moedas com os símbolos pagãos (tal associação Graciano tivera força e coragem de romper), mas os senhores de Roma, especialmente aqueles mais devotados ao culto das divindades isíacas, lograram a permissão para cunhar moedas em

62 Cf. Palanque, J.R. Op. cit., p. 64-69 e 501-502.

nome do Estado, com a efígie de Sarápis isolada, sem a figura do imperador.63

O rescrito de 21 de abril transformara o Estado em “braço secular” da Igreja. Para se compreender melhor a importância dessa afirmação, será preciso alargar o quadro de nossas considerações para analisar como inicialmente o próprio cristianismo era visto pelo Estado do ângulo do governo espiritual dos povos. Em todos os tempos do mundo clássico e pós-clássico, os chefes de Estado, ainda não cristãos, eram considerados como “pastores dos povos”. Não havia, portanto, súdito que pudesse celebrar atos de culto e, legitimamente, ensinar sem sua autorização. Isto em virtude do princípio superior de que a educação dos cidadãos pertencia ao Estado, indiferentemente monárquico ou republicano (pólis ou cívitas).

Depois do advento do cristianismo, os imperadores cristãos procuraram normalmente manter essa prerrogativa pagã, intrometendo-se em assuntos de âmbito propriamente eclesiásticos.64 Os césares cristãos consideravam-se naturalmente, como os predecessores pagãos, “pastores do povo”, exigindo muitas vezes que fosse ensinado ao povo sob sua tutela só aquilo que era do seu interesse. Por esse motivo, os cristãos nicenos (católicos romanos), não querendo submeter-se ao magistério ariano de Constâncio II e de Valente, foram perseguidos, assim como antes do reconhecimento de Constantino haviam sido perseguidos por Décio, Diocleciano e Galério.

63 Alföldi, A. “Festival of Isis in Rome under the christian emperors of the IVth. Century”, in: Diss. Pannon., ser. II, fasc. 7, 1937. 64 A intromissão dos imperadores no magistério eclesiástico já é perceptível em Constantino, e bem mais ainda em Constâncio e Valente.

Os cristãos, sentindo-se sempre perseguidos por motivos os mais diversos, chegaram à conclusão de que a única solução seria assenhorear-se do poder. O motivo era convincente: servir-se do poder como instrumento de formação, conversão, santificação e salvação dos homens. Dado que os homens devem ser plasmados espiritualmente, essa missão compete à Igreja porque para isso fora instituída pelo próprio Cristo: para tanto o Estado devia se adaptar à Igreja, transformando-a em “braço secular”. Germes de uma tal concepção já se encontram em Atanásio e em Basílio de Cesaréia, mas Ambrósio sintetizou de forma mais completa e explícita esta teoria,65 obtendo, inclusive, do imperador Graciano uma legislação baseada nesse princípio.66

Conhecemos os vínculos espirituais que uniam Ambrósio e Graciano, e sabemos também como Graciano foi, completa e definitivamente, influenciado por Ambrósio de julho de 379 em diante. Os efeitos desse relacionamento estão manifestos nas leis de 3 de agosto de 379, de 22 de abril de 380 e nas medidas contra o paganismo em 382.67 Com essas normas e medidas, a pars Occidentis renunciava definitivamente à política de neutralidade religiosa, dando-se início à organização da Igreja tutelada pelo Estado onde o imperador é o protetor da ortodoxia e o adversário declarado de toda e qualquer doutrina não cristã e não ortodoxa.

65 Ambrósio. Epistola, 11. 66 CTh. XVI, 5, 5 (3 de agosto de 378); CTh. XVI, 5, 4 (22 de abril de 376 ou 378). 67 Palanque, J.R. Saint Ambroise et l’Empire Romain, p. 119. O autor acredita que Santo Ambrósio é o promotor e o inspirador desses decretos imperiais. Prova-o com o ardor com que Ambrósio sustentou a contenda contra o culto pagão.

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