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Ana Paula Enes
LALEH SAYYID
Laleh Sayyid nasceu no Afeganistão em 2003. Estudava para ingressar na faculdade de Direito porque queria imergir nas leis e mudá-las junto às mulheres que lutavam, entre outras causas, pelo direito de dizer o próprio nome em público. Apesar de alguns avanços que a História lhe contava, sua identidade ainda era apagada, sentia-se um acessório na sociedade: a filha de Abdul, a irmã de Jamaa, a funcionária da loja de calçados de Homayoon. Quando ousava dizer que tinha um nome, era reprimida ou ignorada. Sua xará Laleh Osmany iniciou a campanha #WhereIsMyName, que lutava pelo direito de dizer seu nome em seu país. Gostaria de dizer aonde fosse que se chamava Laleh Sayyid e estudava Direito e não que era filha, irmã e funcionária de alguém. Além da História, sua mãe contou que era muito pior antes de 2001. Naquela época existia o Talibã e, se ainda existisse, Laleh não poderia sair de casa desacompanhada, nem estudar, nem trabalhar, nem sonhar em dizer o nome; teria de usar a burca, não teria como tomar sol, nem encontrar as colegas de sala para estudar antes das provas ou saborear ferni em algum
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restaurante. Então, naquele momento, reconhecia que tinha uma certa liberdade, agarrava-se a ela e tinha esperança em dias melhores. O Afeganistão tinha um presidente, mas seu governo era frágil e corrupto. Desde que nasceu via armas de todos os tipos, muitos homens fardados e ouvia dizer que os Estados Unidos da América estava ali para proteger a população afegã mesmo tendo matado mais de 47 mil civis no início da década de 2000. Soube também pela História que esses mesmos “heróis” foram responsáveis por armar e treinar rebeldes para lutar contra um governo socialista instaurado em 1978. Depois de 10 anos de guerra contra os soviéticos, fundamentalistas islâmicos subiram ao poder e, em 1996, o Talibã deu o golpe no governo vigente estabelecendo suas leis radicais e totalmente deturpadas da Sharia. Laleh preferia acreditar numa proteção americana seja lá qual fosse, afinal, foi educada ouvindo o quanto a sociedade afegã tinha evoluído nesses 20 anos, apesar dos mortos, apesar de permanecer muito pobre. Mas há tempos percebia uma movimentação estranha no país, lia as notícias, assistia aos telejornais, acessava a internet e soube do Acordo de Doha: os “heróis” tinham cumprido a missão de acabar com a Al-Qaeda (organização abrigada no Afeganistão) há muito tempo e mataram Osama bin Laden (chefe da Al-Qaeda que
explodiu as torres gêmeas do World Trade Center em Nova York em 11 de setembro de 2001, matando quase 3 mil pessoas) há 10 anos, portanto, o governo estadunidense, na voz do presidente Donald Trump, considerava razoável a paz com o Talibã e retiraria as tropas internacionais do país. O frágil governo afegão que se virasse para conter a onda fundamentalista que retornava como um tsunami.
Tudo aconteceu muito rápido naquele dia. Só teve tempo de ir à escola pegar alguns livros na biblioteca que, em seguida, foi incendiada. O Talibã tomou tudo e grande parte da população entrou em pânico. Laleh, assim como as outras mulheres, foi demitida da loja de calçados do seu Homayoon sob um olhar resignado. Ao retornar para casa, encontrou sua mãe colocando suas roupas numa pequena mala. Disse, aos prantos, que não permitiria que a filha vivesse o pesadelo que ela já conhecia. A despedida foi breve para não ser mais doida. Seu pai a esperava no carro que saiu em disparada em direção ao aeroporto. O destino foi impossível de ser alcançado, então Laleh precisou ir andando o restante do caminho em meio a uma multidão desesperada para sair do país. A partir dali estava só (e não), tinha apenas uma mala pequena e uma bolsa a tiracolo com seus documentos e o livro que
conseguiu levar consigo. Sentiu medo, mas precisava prosseguir sem olhar para trás. Juntou-se aos milhares de compatriotas, seu povo aflito, triste, enfraquecido, que preferia deixar tudo para trás a voltar a ser refém de um governo maldito e ainda pior com as mulheres. Laleh conseguiu entrar em um dos aviões estacionados no aeroporto. Não sabia qual o destino dele, mas se sentia menos vulnerável em companhia de tantos que, como ela, não sabiam para onde iam, mas se sentiam aliviados em sair. Ela só conseguia pensar que, seja lá para onde fosse, poderia dizer seu nome.