A falecida Vapt-Vupt Prêt-à-Porter (coletânea 2)
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A falecida Vapt-Vupt Prêt-à-Porter (coletânea 2)
Apresentação Nuno Carinhas O Teatro Íntimo Danilo Santos de Miranda Sobre o CPT O método Sobre o Grupo Macunaíma Sobre Antunes Filho A Falecida Vapt-Vupt A Falecida Vapt-Vupt Antunes Filho O Menino e o Buraco da Fechadura Rodrigo Audi Videoarte e A Falecida Vapt-Vupt Natalie Pascoal Um Turbilhão de Imagens Natalie Pascoal Ficha Técnica A Falecida Vapt-Vupt Prêt-à-Porter (coletânea 2) Movimentos Ficha Técnica Institucional
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Cabe-nos agradecer ao Mestre Antunes Filho e a todos os colaboradores do Centro de Pesquisa Teatral do SESC por este voo de São Paulo ao São João. O TNSJ é o nosso e vosso “espaço vazio”, bom lugar para a partilha de “insólitas relações” transatlânticas que se consumam na troca das infindáveis variações da Língua comum. A caminho do Brasil vai Turismo Infinito – criação da dupla António M. Feijó/Ricardo Pais sobre textos de Pessoa –, ao abrigo do protocolo estabelecido com o SESC, nosso parceiro para o intercâmbio de espectáculos. Ligar povos e culturas é o desígnio do Teatro, com mais prazer e pertinência quanto se trata de falantes que dispensam tradução, já que os corpos dos intérpretes transportam a legendagem. Se a nossa arte é arte urgente, que os espectáculos circulem é o nosso voto de “despachantes” empenhados. Trocar, é condição de desejo e permanência. Sejam bem-vindos. Nuno Carinhas Director Artístico do TNSJ
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O TEATRO ÍNTIMO O devaneio é um estado inteiramente constituído desde o instante inicial, desde a primeira contemplação. Gaston Bachelard
Gaston Bachelard remete o devaneio à figura do sonhador, em sua imensidão íntima, mas também ao instante único que perpassa o teatro, no reencontro que oferece entre o ser humano e o mundo, com abertura para a imaginação, desejos ou mesmo frustrações, que comporta a dúvida e a crítica, idealismos e utopias. Eis, então, as trilhas que o SESC SP propõe ao público: caminhos de estímulo à reflexão e ao devaneio para a contínua disseminação de um teatro vivo e audaz, por meio de um universo de ações socioculturais no qual se insere a história do Centro de Pesquisa Teatral do SESC, coordenado pelo diretor Antunes Filho. Em seu método de trabalho, Antunes Filho, reconhecido tanto pelo seu rigor técnico quanto pelos seus pressupostos humanísticos, objetiva o estudo e as práticas da arte cênica no desenvolvimento e revelação de profissionais, por meio da pesquisa por novos textos, novas linguagens e novas montagens, inquirindo, desvelando e reinventando as tendências do teatro. As montagens de seus espetáculos A Falecida Vapt-Vupt e Prêt-àPorter (Coletânea 2), no Teatro Nacional de São João, representam o significado das possibilidades constantes que o teatro guarda. Assim, numa confluência de saberes, o intercâmbio com a instituição portuguesa do Porto, que apresenta, no Teatro Paulo Autran do SESC Pinheiros em São Paulo, o espetáculo Turismo Infinito, propicia uma busca análoga: a essência do teatro, que se perpetra não apenas no momento em que o ator representa no palco, diante de uma platéia, mas, sobretudo, pelo modo com que ele representa o mundo, graças ao palco e à platéia. Nessa relação, a experiência teatral é algo da ordem da criação do incomensurável, assim como cada espectador é um mundo em si, plural e único. Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do SESC São Paulo 7
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_Sobre o CPT
Em 1982, face à seriedade da proposta do Grupo de Teatro Macunaíma, sob o comando de Antunes Filho, o SESC SP criou o CPT - Centro de Pesquisa Teatral, promovendo a continuidade tanto das pesquisas estéticas do Grupo Macunaíma quanto das suas atividades no campo da formação de atores, de técnicos e de outros criadores cênicos. Centenas de jovens atores estagiaram no CPT, desde então, aprendendo novas técnicas interpretativas, contribuindo para a pesquisa de meios que, sistematizados, resultam agora em um novo método para o ator. Também cenografia, figurino, iluminação e design sonoro têm no CPT núcleos, que unem a pesquisa de meios e de materiais à formação de artistas e técnicos dessas áreas. A dramaturgia é, igualmente, objeto de pesquisas e estudos no CPT. O repertório do Grupo de Teatro Macunaíma (que mantém sua autonomia de empresa), constituído a partir de 1982, foi totalmente elaborado a partir das pesquisas efetivadas no CPT do SESC. Obras de Nelson Rodrigues (“Eterno Retorno”, “Paraíso, Zona Norte” ou “Nelson 2 Rodrigues”, “Senhora dos Afogados” e “A Falecida Vapt Vupt”), de Jorge Andrade (“Vereda da Salvação”) e de William Shakespeare (“Romeu e Julieta”; “Macbeth - Trono de Sangue”) compõem esse repertório, que inclui a adaptação de obras literárias (“A Pedra do Reino”, de Ariano Suassuna; “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa; “Gilgamesh”, baseado no poema sumério) ou de fábulas universais (“Nova Velha Estória”, baseada no conto do “Chapeuzinho Vermelho”; “Drácula e Outros Vampiros”, inspirado nas histórias em quadrinhos e na literatura de terror) e de episódios históricos (“Xica da Silva”). Depois de sistematizado o método para o ator, o repertório recebeu importantes acréscimos: três tragédias gregas, duas de Eurípedes – “Fragmentos Troianos” (adaptação de “As Troianas”) e “Medeia” –, uma de Sófocles – “Antígona”. Enriqueceuse também com a revelação dos jovens dramaturgos Paulo Santoro, autor de “O Canto de Gregório”; e Sílvia Gomez, autora de “O Céu 5 Minutos Antes da Tempestade”, integrantes do Círculo de Dramaturgia do CPT coordenado pelo diretor, cujas peças foram encenadas pelo grupo. 10
Os processos criativos desenvolvidos no CPT, abrangendo os diferentes aspectos da manifestação cênica, provocam a desconstrução de velhos códigos e sua posterior transformação em novos códigos. A pesquisa se move não visando a constituição de novas formas, mas de meios que possibilitem o surgimento de novas formas. Os instrumentos teóricos da linguagem são colhidos em áreas influentes do pensamento contemporâneo, como a nova física (particularizando a mecânica quântica); a psicologia profunda; correntes filosóficas orientais (taoísmo, hinduísmo). Obras-primas do cinema, o trabalho de grandes intérpretes, imagens cênicas dos mais importantes encenadores contemporâneos são metodicamente estudados pelos atores, assim como artes plásticas e literatura. Depois de diferentes etapas, evidenciando de uma montagem para outra a evolução da pesquisa, o CPT realizou demonstração pública do método sistematizado, em 1998, com as jornadas de “Prêt-à-Porter”, nas quais a dramaturgia elaborada pelos intérpretes compõe o quadro dos procedimentos e técnicas desenvolvidos pelo CPT e Grupo de Teatro Macunaíma na busca de novos horizontes do teatro. Desde então, até hoje, realizam-se as jornadas de “Prêt-à-Porter”, com espetáculos formados por três peças curtas, criadas pelos atores no processo de trabalho. A cada ano substituem-se as três peças, mantendo o mesmo formato. A continuidade da pesquisa por mais de duas décadas, de um trabalho em permanente transformação; as técnicas descobertas e aprimoradas; o fato de funcionar como escola de teatro, são fatores que tornam o CPT Centro de Pesquisa Teatral do SESC - o principal núcleo de investigação teatral da América Latina na atualidade. Fato que a Casa das Américas, de Cuba, reconheceu, premiando Antunes Filho, CPT e Grupo de Teatro Macunaíma com o “Gallo de Habana” (2005) – honraria só concedida a personalidades, instituições ou grupos artísticos que tenham contribuído com relevância para a evolução estética do teatro na América Latina.
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_O Método
Mais do que um conjunto de recursos técnicos, o método desenvolvido por Antunes Filho, coordenador do Centro de Pesquisa Teatral do SESC, é um sistema ideológico que se fundamenta em princípios filosóficos não cartesianos, abrindo-se, todavia, para todos os movimentos humanos e seus sistemas de idéias, propondo sempre a reflexão sobre o homem e a sociedade. Um método baseado, portanto, na ética e no compromisso intelectual e social do artista. Para lá das questões espirituais, filosóficas e morais nele implícitas, o método se constitui por uma série de pressupostos teóricos e envolve rica gama de exercícios físicos e vocais, visando a habilitação do ator para uma atuação orgânica em cena. Enganosa a idéia de que o método corresponde a uma forma estética específica, pois na verdade ele visa a habilitar o ator a todo estilo interpretação, conforme a idéia do encenador ou a natureza do texto que interpreta. A proposta de Antunes Filho é no sentido de capacitar o ator a desenvolver trabalhos em qualquer linguagem, estilo ou gênero dramático.
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_Sobre o Grupo Macunaíma
A estréia do espetáculo Macunaíma, em setembro de 1978, marcou o início das atividades do Grupo Pau Brasil, mais tarde Grupo de Teatro Macunaíma. Com este nome, tendo por emblema o espetáculo da estreia, o Grupo se tornou conhecido internacionalmente. Macunaíma, o “herói sem nenhum caráter”, foi criado por Mário de Andrade na rapsódia literária que se tornou uma das obras centrais do Movimento Modernista Brasileiro. Narra as aventuras do herói mítico, suas viagens e sua vivência entre a selva e a urbe, entre uma era primitiva e o furacão da Modernidade. A transcrição cênica, dirigida por Antunes Filho, não só abriu novas perspectivas à narrativa dramática como atualizou os significados transgressores e críticos do original, resultando numa das obras mais importantes da história do teatro brasileiro. Nas muitas viagens por países das Américas, da Europa e da Ásia, sempre com aplausos da crítica e do público, “Macunaíma” foi um dos maiores sucessos artísticos do teatro internacional das últimas décadas. Abriu caminho para futuras montagens do grupo apresentarem-se em mais de 20 países. E abriu definitivamente o mercado internacional para o teatro brasileiro. O segundo espetáculo do Grupo de Teatro Macunaíma, “Nelson Rodrigues - O Eterno Retorno” (1980), reunindo quatro peças do mais importante dramaturgo brasileiro (o espetáculo depois foi sintetizado, ficando com duas peças, sob o título “Nelson 2 Rodrigues”, 1984), consolidou o prestígio internacional do grupo e deu continuidade à pesquisa estética que o caracteriza. O grupo ampliava as atividades, invadindo o campo da formação de ator, de técnicos e de outros criadores cênicos, sempre sob o comando de Antunes Filho. Face à seriedade da proposta, em 1982 uma das mais poderosas instituições brasileiras, o SESC - Serviço Social do Comércio, criou o CPT - Centro de Pesquisa Teatral, promovendo a continuidade tanto das pesquisas estéticas do Macunaíma quanto das suas atividades formativas. 15
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_Sobre Antunes Filho
Nascido em São Paulo, em 1929, Antunes Filho destacou-se em meio à primeira geração dos encenadores modernos do Brasil. Dirigindo grandes nomes da cena nacional, consolidou seu prestígio com espetáculos marcantes como “Yerma”, de García Lorca (1962), “Vereda da Salvação”, de Jorge Andrade (1964), “A Cozinha”, de Arnold Wesker (1968), “Peer Gynt”, de Ibsen (1971). Alcançou projeção internacional a partir de 1978 com a adaptação teatral do “Macunaíma”, de Mário de Andrade. No decorrer do processo de adaptação e criação de “Macunaíma”, Antunes passou a sistematizar uma série de recursos técnicos para o ator, que havia descoberto ao longo da sua trajetória, buscando atualizar e adequar técnicas criativas, de várias escolas, à realidade cultural e ambiental do ator brasileiro. Em 1981 realizou “O Eterno Retorno”, composto por quatro peças de Nelson Rodrigues, introduzindo como ferramentas teóricas do sistema a psicologia analítica, de Jung, e elementos da filosofia das religiões. Desse modo, o Grupo de Teatro Macunaíma desdobrou-se em companhia teatral e núcleo de estudos e pesquisas dramáticas, atraindo centenas de jovens atores sempre que se abriam testes de admissão. E assim uma importante escola de teatro começou a se configurar em São Paulo. Em 1982 o SESC - Serviço Social do Comércio criou na sua unidade da Consolação o CPT – Centro de Pesquisa Teatral, entregando a direção a Antunes Filho e abrigando como núcleo principal o Grupo de Teatro Macunaíma. A partir daí a pesquisa sobre técnicas de ator e estéticas cênicas se aprofundaram de modo surpreendente. Sempre inquieto, Antunes Filho buscou recursos em todas as áreas do conhecimento – incluindo a nova física – para fundamentar e consolidar seu processo criativo. Com o decisivo apoio do SESC, conseguiu sistematizar o método para o ator, enquanto criava repertório dos mais expressivos e brilhantes do teatro contemporâneo. Todavia, suas investigações estéticas continuam, como continua seu trabalho prospectivo sobre as técnicas já sistematizadas. 18
A concepção cênica de Antunes Filho capta um universo em contínuo movimento, correspondendo a um sistema interpretativo e criativo e buscando expressão nova, sempre à luz de novas teorias, além de orientar, desde 1997, o “Prêt-à-Porter“, cenas que os próprios atores do CPT/ SESC escrevem, dirigem e atuam. Recentemente a TV Cultura exibiu retrospectiva dos teleteatros realizados por Antunes Filho naquela emissora, na década de 1970. A retrospectiva revelou um momento de extraordinária criatividade, como poucas vezes a televisão brasileira viveu. Também no cinema Antunes Filho marcou presença, com a direção do longa-metragem “Tempo de Espera” (1975), obra sobre alienação e racismo. Entre os inúmeros prêmios recebidos em sua carreira figuram as mais importantes honrarias que destacam o talento do intelectual e artista brasileiro, entre os quais o Prêmio Multicultural Estadão, além de prêmios internacionais, como o concedido pela Associação Internacional de Críticos Teatrais, o prêmio de melhor diretor – Poeta da Cena – do Festival de Montreal e o Gallo de Oro, concedido pela Casa das Américas, de Cuba. Sebastião Milaré Crítico e Pesquisador de Teatro
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A Falecida Vapt-Vupt
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“A Falecida Vapt Vupt!” de Nelson Rodrigues
Sobre a porta de entrada na sala de ensaios do CPT há uma inscrição com as seguintes palavras de Kazuo Ohno: De maneira nenhuma, pode-se dizer que não haja nada num palco vazio, num palco que se pise de improviso. Pelo contrário, existe ali, um mundo transbordante de coisas. Ou melhor, é como se do nada surgisse uma infinidade de coisas e de acontecimentos, sem que se saiba como e quando. Não consigo ficar imune a devaneios com as palavras de David Bohm em seu livro “A Totalidade e a Ordem Implicada – Uma nova percepção da realidade”: “a ordem implicada é particularmente adequada para o entendimento dessa totalidade ininterrupta no movimento fluente, pois na ordem implicada a totalidade da existência está dobrada dentro de cada região do espaço (e do tempo). Portanto, qualquer que seja a parte, o elemento ou o aspecto que possamos abstrair no pensamento, ele ainda envolve o todo dobrado em si e, por conseguinte, está intrinsecamente relacionado à totalidade (totality) de onde foi abstraído. Assim, a totalidade (wholeness) permeia tudo o que está sendo discutido, desde o começo.” E conclui logo adiante: “Num organismo vivo cada parte cresce no contexto do todo, de modo que não existe independentemente, nem pode dizer que meramente “interage” com outras, sem que ela própria seja essencialmente afetada nessa relação.” Instintivamente, em escala bastante reduzida, mas de maneira, creio, não inadequada, sou levado, por extensão, ao dobrado, às sobreposições que o cinema desde Méliès e a televisão depois (novelas, publicidades nos intervalos, etc...) exploram há muito tempo. Isso sem falar das 24
notáveis imagens paralelas realizadas pela videoarte, manifestação que é considerada hoje a mais importante e contemporânea das artes. Como se isolar ou isolar qualquer coisa na situação em que vivemos, bombardeados por todos os flancos com acontecimentos e informações hiper-reais? Os esbarrões e cotoveladas que se leva numa cidade tão populosa como São Paulo, os trilhões de celulares com seus torpedos e musiquinhas personalizadas que tocam aqui, ali, a todo momento, o fax, a internet com seus sites e blogs, etc, o ônibus que passa bloqueando a visão, a velha que sorri num cartaz na traseira do ônibus, satisfeita com seu novo cartão de crédito, placas e outdoors coloridos com mil ofertas, alguém sendo assaltado que mal avistamos, as interrupções comerciais em meio à dramática novela da TV: o carro último tipo subindo no topo do Everest, o helicóptero que com seu vôo fantástico resvala uma antiguíssima caravela pirata e num estupendo corte vemos a bordo caixas de um tradicional rum, a criança chorando na cozinha. A nossa atenção, portanto a nossa consciência, é bombardeada por todos os lados. Não se consegue mais ter uma imagem isolada, pura, cristalina, sem todas essas interferências. O enamorado não consegue pensar em sua amada se não tiver um carro, um refrigerante em sobreposição. Vivemos absolutamente carregados de imagens e informações. “A Falecida Vapt Vupt!” de Nelson Rodrigues é um espetáculo que pretende experimentar alguns ângulos dessa nova percepção e tornar aquilo que parece improvisado, uma interferência sem sentido, feio, antiestético, numa componente fixa e significativa. Estar aberto a insólitas relações. Quando com dificuldade não conseguimos entender ou ver claramente um acontecimento, seja em lugar público, entre ombros e cabeças, ou num espetáculo teatral, a nossa imaginação vem sempre nos socorrer preenchendo os vazios. Antunes Filho
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O Menino e o Buraco da Fechadura
“Comecei a ser Nelson Rodrigues aos sete anos”. Assim definiu o maior dramaturgo e talvez, na mesma proporção, o mais polêmico autor brasileiro, ao relatar sua primeira experiência com a escrita, ainda criança, quando, em um concurso de redação no qual saiu vencedor, chocou a professora com a história de um flagrante de adultério seguido de assassinato e súplicas de perdão do criminoso à sua vítima. Já na infância, Nelson Rodrigues denunciava uma personalidade complexa, onde a mesma criança que tinha ojeriza a palavrões (disse o primeiro aos doze anos) e que se sentiu profundamente constrangido quando flagrado por uma tia enquanto tomava banho “dividia a mesma existência” com outro ser que “coabitava dentro dele”. “Não entendia as manifestações instintivas que começavam a surgir: coisas, pensamentos que achava abomináveis”. O menino que via o mundo pelo buraco da fechadura estava perplexo diante da complexidade da natureza humana. Sua trajetória, enquanto homem e artista, foi uma sonda que perfurou o poço fundo de nossa condição, e nesse percurso foi protagonista de uma história familiar marcada ao mesmo tempo por grandes tragédias – como o assassinato do irmão que mais admirava, do qual foi testemunha – como por uma forte relação de união e amor, condição para a sobrevivência do seio diante dos não poucos revezes. “Eu era apaixonado pela minha família. Eu queria morrer em primeiro lugar. Acreditava que a morte não chegaria para minha família”. Morte. Vida e morte: tema que continuou a assombrá-lo mesmo depois de trabalhar como repórter policial, aos 13 anos, no jornal do pai. “Não adquiri a insensibilidade profissional de meus companheiros”. Sobre essa passagem, decretou: “Três meses de reportagem policial diária dão ao ficcionista uma experiência de Balzac. O ficcionista que não foi repórter policial sofre um desfalque. Aí foi que conheci o cadáver. Antes havia distância entre mim e eles”. O autor ousou devassar a Caixa de Pandora da existência humana na tentativa desesperada de mostrar ao homem que ele “só se salva se reconhecer a própria hediondez”, o que o levou, como um pensador e 28
crítico feroz da realidade brasileira, ao conjunto de uma obra que o fez ser considerado a vanguarda da modernidade do teatro do país, através de uma dramaturgia que questionava, de maneira nunca antes vista, “a tessitura psicológica do indivíduo, primeiro nos limites da consciência e, a seguir, promovendo o mergulho no subconsciente”, se deslocando, posteriormente, para o inconsciente coletivo, para as forças ancestrais que definem o ser humano, como definiu o crítico Sábato Magaldi. “Não conheço nada no teatro mundial que se pareça com isso”, depôs Ziembinski, grande ator e diretor polonês, sobre o texto que encenou e que foi responsável por fazer nosso teatro ultrapassar a soleira da modernidade: “Vestido de Noiva”, segunda peça de Nelson, que causou estarrecimento na platéia do início dos anos 40. A obra, que era centrada no drama do indivíduo, revolucionaria a noção que se tinha de teatro, através de um texto enxuto, com um naturalismo nunca antes visto, a ação simultânea e os cortes cinematográficos que radicalizaram a linguagem feito impressionante já que estávamos diante de um escritor que pouca intimidade tinha com o gênero. Tão impressionante quanto que Vestido de Noiva tenha sido escrita em pouquíssimos dias, em exauridos fins de noite quando Nelson chegava da redação do jornal. “Deixei de ser Raskolnikov depois de ‘Vestido de Noiva’”, contou, ao revelar que só se aventurou pelo teatro por apuros financeiros. E se se livrava temporariamente desses apuros encontraria outros a partir de “Álbum de Família”, ao escrever com o objetivo de ir ainda mais longe, “partir para as últimas conseqüências” da perfuração desse poço, rompendo com a legião de admiradores que ele conquistara, o que “me pôs na posição extremamente válida para o artista que é a do autor maldito”. A partir daí, a legião de seres que povoou seu universo, anjos caídos, expulsos do paraíso, buscaria desesperadamente a redenção, a sublimação de suas terríveis angústias, através do excesso, da radicalidade, da obsessão – mesmo lançando mão de artifícios condenáveis, já que a moral reinante deixou de ser seu guia para assumir a sua real condição de algoz, responsável pelas suas misérias. Nessas tentativas fracassadas a tragédia torna-se inevitável e acaba servindo como uma espécie de expurgo – um acerto de contas entre Nelson e sua história. Um acerto de contas entre Nelson e todos os homens para com a vida, pela vida. Um Nelson cético e sombrio que contrasta com a realidade de um Nelson romântico também ansioso por respostas: “Eu sou um pierrot do Meyer, acredito no amor eterno”. Pierrot que não foi poupado pela Censura e pela violenta resposta da sociedade 29
retrógrada que o acusou de imoral, tarado, quando na verdade o que ele fazia era trazer à luz nossos impulsos primitivos, regentes de nossas ações, trazendo ao palco, em desvario poético, os arquétipos do homem, sua essência. Alcançada a essência, feito de poucos, Nelson Rodrigues fez de sua obra uma voz que fala a todos os homens de todos os tempos. Essência obsessivamente buscada pelo artista e a quem recorremos hoje, desesperadamente, para nos salvar da barbárie dos tempos do hiperconsumo em que vivemos, barbárie essa que nos afasta de nossa condição primordial e, se não consegue nos transformar em objetos de fetiche dada a nossa condição animal, nos faz aproximar dos seres hediondos da obra do autor por criar sérios distúrbios na tentativa de um processo de desumanização, despersonalização, banalização da vida humana. Recorremos a eles na tentativa de ouvir o que eles nos tem a dizer. Pra nos salvar? Pra tentarmos nos salvar? Lembrando um depoimento do “tarado de suspensórios” sobre qual era o seu único ideal, se possível fosse: “ser um santo”. Faço um link com as palavras da atriz Fernanda Montenegro sobre o gênio: “Nelson Rodrigues é um norte, uma estrela-guia”. Rodrigo Audi Ator do Grupo Macunaíma de Teatro e integrante do Centro de Pesquisa Teatral do SESC SP
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Breves sobre nelson rodrigues Nascido em Recife, capital pernambucana, em 23 de agosto de 1912, quinto filho de quatorze irmãos, Nelson Falcão Rodrigues mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro, manancial e palco para sua obra, onde definitivamente viveria. Cidade essa cuja vasta experiência jornalística possibilitou tão precisa autópsia. Muito antes da consagração como dramaturgo seu talento como escritor percorreu as redações dos jornais – desde os pertencentes à sua família a importantes empresas como O Globo - ora como repórter policial, cronista esportivo e crítico de cultura, ora romancista e contista desse veículo. Se o teatro surgiu “acidentalmente” em sua vida, nela permaneceu até o fim – gênero que o referencia. Foram 17 peças ao todo, quase todas sucedidas por escândalos e perseguidas pela censura. Faleceu numa manhã de domingo, em 1980, aos 68 anos de idade, de complicações de uma saúde debilitada há muitos anos. Como a linha que dividia sua vida de sua obra sempre fora tênue, ironicamente, no fim daquele mesmo dia ele faria treze pontos na Loteria Esportiva, num “bolão” com um irmão e alguns amigos. Passados dois meses, a esposa atendia ao pedido do marido de, ainda em vida, gravar o seu nome ao lado do dele na lápide de seu túmulo, sob a inscrição: “Unidos para além da vida e da morte. E é só”. TEATRO Obra dividida seguindo critérios do crítico Sábato Magaldi, que as agrupou conforme suas características: Peças Psicológicas A mulher Sem Pecado _ Vestido de Noiva _ Valsa nº 6 _ Viúva, Porém Honesta _ Anti-Nélson Rodrigues Peças Míticas Álbum de Família _ Anjo Negro _ Dorotéia _ Senhora dos Afogados Tragédias Cariocas A Falecida _ Perdoa-me Por Me Traíres _ Os Sete Gatinhos _ Boca de Ouro _ Beijo no Asfalto _ Bonitinha, mas Ordinária ou Otto Lara Rezende _ Toda Nudez Será Castigada _ A Serpente 31
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videoarte e a falecida vapt vupt
A Videoarte é uma arte visual que tem como base essencial o vídeo. Esta surgiu na década de sessenta tendo como pioneiro o coreano Nam June Paik com o trabalho TV Magnet, no qual dispôs televisores por todo o espaço e utilizou imãs para alterar ou distorcer as imagens. Outro artista que é considerado um marco para a Videoarte é o alemão Wolf Vostell, também conhecido por ser figura importantíssima para os movimentos artísticos Hapenning e Fluxos, surgidos também na década de 60. A Década de 60 foi um momento histórico de grandes transformações e revoluções, nela estão compreendidos movimentos como: o feminismo, o movimento hippie, a luta dos direitos dos negros e homossexuais, a descolonização da África, protestos contra a Guerra fria e a Guerra do Vietnã, a Revolução Cubana. Os Anos 50 já havia sido uma época de decepção para com o grande sonho americano impregnado de moralismos e ilusões, gerando desta forma, na década de 60, uma crise em toda a estrutura vigente. Imediatamente isto é refletido nas artes, em que nascem grandes manifestações: Minimalismo, Arte Cinética, Novo Realismo, Tropicália, Pop Arte. Esta última foi a de maior repercussão e baseava-se no repertório do cotidiano do consumo e da cultura de massa. Tinha como frente uma atitude positiva e ativa, segundo a visão de seus realizadores, que faria o espectador participar da obra e criar sua própria obra artística, ou seja, para eles, com essa nova postura, a arte não seria apenas de poucos e para poucos, mas sim de todos e para todos. Dentro de seus conceitos e para os que a ela aderiram, era uma arte espontânea e extrovertida que questionava a própria arte da mesma maneira que questionava a situação político-social consumista. Porém esta acabou por tornar-se o produto do próprio consumo demasiado. É em meio a este cenário que a Videoarte aparece e cresce também como uma proposta de inovação e quebra de valores antigos em relação à expressão artística. A partir de então, a projeção não estaria mais confinada a um formato narrativo e às salas de cinema, onde o espectador apenas assiste ao que é projetado em um ambiente escuro, 34
sentado em uma poltrona confortável, sendo levado a focar toda sua atenção no que o filme lhe quer mostrar, quase como se fosse obrigado a ter uma única posição diante do que vê e escuta. Da mesma forma, aconteceria com as imagens geradas pelos aparelhos televisivos, que não estariam mais presas aos televisores domésticos, que criam uma situação na qual a família inteira só recebe as informações vindas destes e de seus programas, absorvendo-as sem questionamentos. A Videoarte não deixa de ser uma desconstrução da forma utilizada de vídeo e das artes plástica, uma nova visão, agregando as duas artes. Sua maior função e objetivo é colocar o espectador em relação com a obra despertando-lhe a criatividade e todos os seus cinco sentidos. Ela não busca como princípio o significado imediato e objetivo do que é exposto, mas sim as sensações causadas que irão fazer o espectador refletir de diferente aspecto, de modo mais perceptivo. O ponto de vista do observador no espaço é fundamental para a realização das exposições deste tipo de arte, como se qualquer um que fosse assisti-la fizesse parte dela, assim como o espaço em si. O público da Videoarte terá de ter, então, uma nova postura, será impossível permanecer em uma posição de conforto mental diante das exposições, pois serão atingidos de todos os lados. A encenação da peça A Falecida Vapt Vupt, dirigida por Antunes Filho, teve como inspiração inicial exposições de Videoarte como o “Festival Internacional de Arte Eletrônica SESC/Videobrasil” exibida uma vez por ano desde 1992 no SESC Pompéia e recentemente a exposição do Itaú Cultural ocorrida nos últimos meses do ano de 2008, “Cinema Sim - Narrativas e Projeções”. Nesta última, novas concepções de imagem em movimento foram apresentadas por dezoito trabalhos de onze artistas de diversas localidades do mundo. A exposição trazia tecnologias de distorção, repetição e sobreposição de imagens, que discutiam a própria imagem, criada pelas câmeras, pelas lentes do cinema, como consumo. A peça, que teve sua estreia em 27 de março de 2009 em Recife, é uma tentativa de diferente linguagem teatral. Nela são colocadas realidades paralelas convivendo no mesmo espaço, criando, às vezes, uma sensação de sonho, no qual nada faz muito sentido. Há uma grande sutileza e riqueza de detalhes e um jogo infinito de imagens provocadas durante o espetáculo, que diante do público podem formar muitos símbolos significativos para a peça. É uma obra extremamente atual e brasileira, com toda a raiz e fervura da Zona Norte do Rio de Janeiro. 35
Nesta releitura de A Falecida de Nelson Rodrigues, Antunes busca algo diferenciado dentro de seus trabalhos e dentro do Teatro como um todo, como se esta fosse um grande experimento. Não é uma “guerra” ao formato mais clássico, mas sim uma discussão do fazer artístico e da nossa vida cotidiana. Para esta renovação, a encenação utiliza-se principalmente de sobreposições, elemento importante da Videoarte, portanto ela pode ser considerada uma transposição da Videoarte para os palcos, mas ao invés da tecnologia maquinal são usadas pessoas, atores. Assim como na Videoarte, o público terá de ter um outro olhar perante a peça, pois esta, a princípio, poderá causar perturbação por sua agitação sonora e visual, ou seja, não o deixará assisti-la confortável e passivo. É um espetáculo que poderá ser visto repetidas vezes, pois acreditamos que não causará enfadamento, mas ao contrário, a cada sessão, a plateia encontrará algo novo, podendo fazer novas leituras. Natalie Pascoal Atriz do Grupo Macunaíma de Teatro
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Um Turbilhão de Imagens
Assim como os textos de Nelson Rodrigues quebram com o entendimento comum da realidade, contendo uma diferente noção de tempo, espaço, causa e efeito e buscando o homem no macro, na sua essência, a encenação de Antunes Filho para a peça “A Falecida” não poderia ser diferente. Ele coloca a vida caótica e entrecortada como o fulcro da estética da peça, que vem como inovação de todos os seus trabalhos já realizados. A proposta traz misturas de tempos e espaços, fazendo com que aos olhos do público se transforme em um verdadeiro holograma, como se fossem folhas de transparências sobrepostas umas nas outras. Personagens dividem o palco sem interagirem: se cruzam e não se olham, falam ao mesmo tempo e não se escutam, uma cena imbrica na outra e como pano de fundo, um bar , assim como um visto nas ruas, cheio de clientes, especialmente em um dia de calor, é mantido em cena durante toda a peça indicando uma teia temporal e espacial. Cada integrante deste bar traz consigo uma história e um caráter não desenvolvido e devidamente exposto, mas que está, de alguma maneira, presente o tempo todo e apenas a indicação destes seres já proporciona à peça um universo de realidades múltiplas convivendo juntas num mesmo espaço, o palco. Em meio a este bar, surgem os ambientes da peça demarcados somente pelas ações das personagens que transitam se destacando do mesmo modo que uma estampa colorida em um tecido preto e branco, podendo ser elas, desta forma, uma representação de todos que nele estão, como se Zulmira, Tuninho, Timbira, fossem uma daquelas pessoas sentadas naquele e em tantos outros bares. Diante de tantas informações sonoras e visuais, o público como expectador, ou até como parte integrante de todo o cenário, terá sua atenção “sacudida” e será levado de um acontecimento ao outro sem que perceba e sem que tenha tempo de análises. Ao mesmo tempo em que aparentemente tudo se coloca de forma simples e corriqueira, feito apenas com algumas mesas, cadeiras e atores, um turbilhão de imagens, sensações e movimentações ocorre na encenação que aparece como imagem da vida cotidiana onde somos 40
bombardeados por tanta informação: seja na rua, quando estamos andando e milhares de coisas estão acontecendo a nossa volta como um assalto, uma pessoa gargalhando, carros passando, criança chorando; ou, seja em ambientes fechados, onde temos a televisão que é uma fonte de informações rápidas que podem mudar com um simples toque no controle remoto ou por um corte de comercial. Somos rodeados por tantas coisas que não temos tempo de aprender e olhar para nenhuma delas, quando focamos em algo logo somos interrompidos, cortados. Vivemos viciados em um dia-a-dia frenético, percebemos tudo e nada ao mesmo tempo, não se tem mais caminhos a percorrer, não se tem mais tempo nem distância, tudo acontece ao mesmo tempo, tudo está pronto e ao nosso alcance em um “piscar de olhos”. Participamos muitas vezes de ações que não são de vontade própria, que não são nossas, mas sim de interferências que acabam sendo incorporadas e que dão a ilusão de uma autenticidade. Comemos à frente da televisão, falando ao telefone e anotando algo sem perceber que estamos picotando nossa vivência de sensações. A completude de cada momento não existe mais, até mesmo nossos sonhos, nosso poema, são entrecortados e viciados pelo que vivemos, não temos mais espaço para criar e voar em nossa imaginação e nem sentir o que está tão próximo de nós. Natalie Pascoal Atriz do Grupo Macunaíma de Teatro
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A Falecida vapt-vupt de Nelson Rodrigues DIREÇÃO Antunes Filho ELENCO Adriano Bolshi (Dr. Borborema / Pimentel) Andrell Lopes (Pai / Torcedor) Angélica Colombo (Madame Crisálida / Mãe) Bruna Anauate (Zulmira) Eloisa Costa (Crente Teofilista) Erick Gallani (Torcedor / Cunhado / Chofer) Fred Mesquita (1º Funcionário) Geraldo Mário (2º Funcionário) João Paulo (Garção) Lee Thalor (Tuninho) Marco Biglia (Torcedor / Crente Teofilista) Marcos de Andrade (Timbira) Maria Aparecida Rodrigues (Vizinha / Crente Teofilista) Michelle Boesche (Glorinha / Vizinha) Tatiana Lenna (Cunhada / Vizinha / Torcedora) Ygor Fiori (Torcedor / Crente Teofilista / Mordomo) ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO Michelle Boesche e Erick Gallani
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CENÁRIO E FIGURINOS Rosângela Ribeiro ASSISTÊNCIA DE CENOGRAFIA Daniel Maeda, Eliane Pincov, Luara de Paula, Rober Caligari e Carla Massa COSTURA Noeme Costa ILUMINAÇÃO Davi de Brito ASSISTÊNCIA DE ILUMINAÇÃO Edson FM e Ederson Duarte OPERAÇÃO DE LUZ Davi de Brito e Edson FM FUNDO SONORO Raul Teixeira HINO TEOFILISTA André Araújo PREPARAÇÃO DE CORPO E VOZ Antunes Filho PRODUÇÃO EXECUTIVA Emerson Danesi assistente Rodrigo Audi
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A Falecida Vapt-Vupt Teatro Nacional S達o Jo達o 14 | 24 Maio 2009
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Prêt-à-Porter (coletânea 2)
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Desde que foi criado, o Prêt-à-Porter posicionou-se com o sentimento de amor desinteressado, kantiano - de antigas gravuras guardadas em gavetões recônditos que só poderiam ser vistas à luz de vela. As cenas, os atores, deveriam ter em mente um sentido franciscano, minimalista (as cenas quase sempre vazias, sem nada, só com os elementos que fossem realmente necessários e correlatos à ação), fugindo à poluição visual da sociedade de consumo - isso já como uma permanente filosofia em quase tudo que o grupo encena. Procuramos nos espetáculos Prêt-à-Porter resgatar muitas e muitas significações já quase esquecidas nos seres humanos de hoje: a sensibilidade, o sentimento, o paciente fazer do homem, o gesto perdido, a palavra esquecida, o encontro fortuito - tudo tão simples e significativo, coisas que o homem traz dentro de si. Tudo isso está se tornando, para nossa infelicidade, sopro de coisas deixadas, voláteis, por causa da violência dos tempos que vivemos. Uma de nossas muitas metas é tentar resgatar momentos fujidos, migalhas da vida que um dia foi. Numa alusão bem distante, longínqua, a Leonardo da Vinci, podemos dizer que a sensação do inacabado é a própria condição do acabado em Prêt-à-Porter. Os homens parecem se cansar das formas e cores das obras dos grandes artistas, em busca sempre de novidades - mas uma rosa - com suas formas e cores - sempre será uma magnífica rosa. Voltar à respiração simples, mas fundamental da natureza. Antunes Filho
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“...Prêt-à-Porter, criada pelos próprios atores, é uma coleção de textos diretos movidos à informalidade, com apenas dois personagens por cena, naturalismo levado ao requinte. Talvez porque o objeto de investigação sejam os pequenos dramas do cotidiano (...) Os elencos de Antunes Filho exibem uma naturalidade em cena que é fruto de muita técnica (...) O recado é claro: fazer teatro é dominar a técnica para que a emoção possa fluir livre.” Renato Mendonça Zero Hora, Segundo Caderno, Porto Alegre 24 de setembro de 2007
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“O Prêt-à-Porter talvez tenha um princípio, talvez tenha um meio, mas não tem um fim. É uma dança de fótons. É uma sensação semelhante àquela de antigas fotografias amarelecidas: houve um momento que se fez e desfez em si. Mas fez e desfez o quê? É um espectro. Um rizoma. Uma passagem. Uma nebulosa inútil, mas significativa, não se sabe por quanto tempo. É você despertar e não saber o que sonhou.” Antunes Filho Extrato do texto: “Prêt-à-Porter: Mais ou Menos Dez Anos de Devaneio”
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Movimentos
Coordenação Antunes Filho Produção Executiva Geraldo Mario e Emerson Danesi Figurinos e Objetos de cena Núcleo de Cenografia do CPT-SESC 59
(Prêt-à-Porter 6)
Movimento 1
Estrela da Manhã com Emerson Danesi e Kaio Pezzutti
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(Prêt-à-Porter 9)
Movimento 2
Bibelô de Estrada com Emerson Danesi e Marília Simões
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(PrĂŞt-Ă -Porter 5)
Movimento 3
Poente do Sol Nascente com Emerson Danesi e Suzan Damasceno
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Prêt-à-Porter (coletânea 2) Teatro Nacional São João 19 | 23 Maio 2009
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TEATRO NACIONAL Sテグ JOテグ Praテァa da Batalha 4000-102 Porto T 22 340 19 00 F 22 208 83 03 www.tnsj.pt geral@tnsj.pt 68
TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO, E.P.E. Conselho de Administração Francisca Carneiro Fernandes (Presidente), Salvador Santos, José Matos Silva Direcção Artística Nuno Carinhas Relações Internacionais José Luís Ferreira Coordenação de Produção Maria João Teixeira Assistência de Produção Mónica Rocha Direcção Técnica Carlos Miguel Chaves Direcção de Palco Rui Simão Direcção de Cena Pedro Manana Cenografia Teresa Grácio (coordenação) Guarda-Roupa e Adereços Elisabete Leão (coordenação) Luz Filipe Pinheiro (coordenação), José Rodrigues Maquinaria Filipe Silva (coordenação), Adélio Pêra, Jorge Silva, Lídio Pontes Som Francisco Leal (coordenação), António Bica
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SESC São PAulo Avenida Álvaro Ramos, 991 CEP: 03331-000 T 55 11 6607-8000 São Paulo - Brasil www.sescsp.org.br 70
Serviço Social do Comércio Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor do Departamento Regional Danilo Santos de Miranda Superintendências Técnico-social: Joel Naimayer Padula Comunicação Social: Ivan Giannini Gerências Ação Cultural: Rosana Paulo da Cunha Adjunto: Flávia Carvalho Assistentes da Ação Cultural: Sidnei Martins, Maria Thereza Bosi de Magalhães Estudos e Desenvolvimento: Marta Colabone Adjunto: Andréa de Araújo Nogueira Artes Gráficas: Hélcio Magalhães Assistente: Fabio Pagliuca Pinotti Consolação: Felipe Mancebo Adjunto: Patrícia Piquera Coordenador do Centro de Pesquisa Teatral: Antunes Filho
fotos de Lenise Pinheiro originalmente publicadas no livro “Prêt-à-porter 1, 2, 3, 4, 5...” ricardo muniz fernandes (org.) SESC SP, 2004 Foto/capa: Lenise Pinheiro Projeto Gráfico: Érico Peretta
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Este material foi desenvolvido por ocasião da temporada portuguesa no TNSJ dos espectáculos A Falecida Vapt-Vupt e Prêtà-Porter (coletânea 2), montagens do CPT - Centro de Pesquisa Teatral, sob coordenação de Antunes Filho. Essa programação é parte de um projeto de intercâmbio teatral entre o TNSJ e o SESC São Paulo que permitirá a apresentação naquela cidade brasileira de Turismo Infinito, de António M. Feijó, a partir de textos de Fernando Pessoa, com encenação de Ricardo Pais. Com estes dois programas cumpre-se o primeiro passo de uma parceria que se pretende regular nos próximos anos.
Teatro Nacional São João Porto - Portugal 10 a 12 de maio de 2009 Workshop com Antunes Filho 14 a 24 de maio de 2009 A Falecida Vapt-Vupt 19 a 23 de maio de 2009 Prêt-à-Porter (coletânea 2) Teatro Paulo Autran - SESC Pinheiros São Paulo - Brasil 19 a 28 de junho de 2009 Turismo Infinito 23 de junho de 2009 Master Class com Ricardo Pais
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