Na Selva das Cidades

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co-realização TEATRO CASTRO ALVES GOETHE-INSTITUT SALVADOR SESC FORTALEZA FESTIVAL DE TEATRO DE GUARAMIRANGA theatro josé de alencar CASA DE CULTURA ALEMÃ DE FORTALEZA CENA CONTEMPORÂNEA - FESTIVAL INTERNACIONAL DE TEATRO DE BRASÍLIA GOETHE-ZENTRUM BRASÍLIA apoio




“Os lucros são muito grandes, ninguém quer abrir mão, mesmo uma pequena parte já seria a solução. Mas a usura dessa gente já virou um aleijão.” Gilberto Gil Ministro da Cultura

“Os que gostam de lutar são aqueles que trabalham com cultura no Brasil e pelo mundo afora.” Danilo Santos de MIranda Diretor Regional do SESC São Paulo

“A rigorosa disciplina brasileira com o jeitinho tão flexível alemão - e assim teremos um resultado como essa produção.” Wolfgang Bader Diretor Regional, Goethe-Institut São Paulo



Frank Castorf Clássicos O diretor fala em São Paulo sobre o seu teatro, no dia da eleição do Parlamento alemão Ainda não sabia bem qual era o tema, mas agora acabo de ouvir que é “Nós e o classicismo.” Muitos comentaristas de cultura da Alemanha ficariam contentes com o tema. Para mim, no entanto, esse tipo de discussão causa torcicolo e preciso tomar uma aspirina. Pedem-me para dizer algumas palavras sobre a Alemanha, já que hoje é um dia importante: é dia de eleições. No Afeganistão. E na Alemanha também. Não é bem a mesma coisa que está em jogo. Está em jogo o rosto de nossa democracia ocidental, tanto no nosso país quanto no Afeganistão agora esclarecido, graças aos americanos. Hoje todo mundo pode votar em quem quiser, e sabemos o que isso quer dizer. Na Alemanha está acontecendo nesse momento uma coisa muito interessante. Havia uma república oriental e uma ocidental, e essa divisão ganha agora também sua expressão política na medida em que o leque de partidos se diversifica a tal ponto que já não se sabe como vai ser no futuro: essa Alemanha continuará governável como antes? A maioria dos que são políticos estão radiantes – são políticos, mas agora passaram a ser sobretudo atores. Transformaram-se em estrelas da mídia. Olhamos para eles e nos perguntamos: de qual deles eu compraria um carro usado? É uma observação que não tem nada a ver com classicismo, ou será que tem?


Não sei se viram alguma reportagem sobre nossa campanha eleitoral, na CNN ou num outro canal desse tipo. Tínhamos uma candidata a chefe de governo que se chama Ângela; e existe essa famosa canção dos Rolling Stones que é também um clássico e se chama Angie. A campanha dos cristãodemocratas, ou seja, dos conservadores, vinha acompanhada dessa música. Graças a Deus, Mick Jagger acabou se interessando por política pelo menos essa vez, e observando a campanha eleitoral proibiu o uso dessa canção. Foi uma boa reação com que deu o recado: Não violentem meu clássico! Depois de 1989 se estabeleceu em algum momento: Castorf é um violador dos clássicos, um estuprador dos clássicos. Como se estupra um texto literário? Como é que se faz isso - com um livro? Tecnicamente falando! É uma acusação recorrente na crítica alemã: violação! estupro! O termo evoca certos fatos jurídicos e biológicos. Mas é bom tomar cuidado para não equiparar levianamente a violação de um ser humano ou de um grupo social ou racial com a de um produto mental. Mas isso costuma acontecer na Alemanha. Portanto, sou um violador. Por quê? Gosto de falar sobre isso porque tem muito a ver com classicismo, antes e depois de 1989. Durante a ditadura oriental que podemos chamar de moderada, mas que era ditadura, e durante o tempo em que vivemos agora, na Alemanha, na Europa, com as mudanças ocorridas desde 1989. Existe um pensamento do sociólogo Jean Baudrillard que considera o mundo dividido em três esferas: ele é politizado, estetizado e sexualizado. A campanha eleitoral confirma isso. Ela é teatralizada. Mas, se tudo é teatralizado, desde a propaganda, passando pela maneira de lidarmos


uns com os outros, até todo o nosso trânsito público, nossa superestrutura – o teatro então torna-se marginal, torna-se supérfluo. Encontramos nos grandes jogos, nos eventos esportivos, no futebol – tudo é teatro! Corresponde até à exigência de Brecht: Queremos mais futebol bom no teatro! De Brecht é também essa outra frase: Em questão de propriedade intelectual sou bastante displicente. Ele perguntava pelo valor material daquilo que se encontra de aproveitável na propriedade intelectual dos outros, inclusive dos clássicos. Esse foi para mim sempre um ponto de partida. São tradições que já podem ser encontradas no culto proletário russo-soviético, nos “Novii Lev” futuristas moderníssimos, nos Novos Esquerdistas que queriam colaborar com o surgimento de uma nova consciência, inclusive com a ajuda da arte, do trabalho artístico com literatura, para que pudesse desenvolver-se, enfim, algo como um “ser humano novo”. Este deveria assumir então a nova arte, a nova literatura. Sabemos que Stalin acabou liquidando essa idéia, não apenas pela polêmica, mas de maneira bem direta. Essas tendências já existiam na época de Piscator. Também depois da Segunda Guerra Mundial surgiram vez por outra lá onde se tentava fazer mais do que representar e formar estruturas, para que o teatro não fosse apenas algo a ser contemplado passivamente, mas que interferisse e abordasse diretamente. É outra maneira de pensar. E é com ela que me sinto comprometido. Foi dessa maneira que tentei perceber o teatro. Na antiga Alemanha Oriental dava-se muita importância ao valor de utilidade dos clássicos. Foi lá também que surgiu


a controvérsia entre os tradicionalistas e os vanguardistas dos mais diversos movimentos de esquerda: Posso fazer isso com a literatura? Não é correto contar uma história para destacar nela o núcleo crítico desse classicismo, respeitando o direito de propriedade do autor, seja ele Shakespeare ou Aristófanes ou Brecht? Ou posso usar seus textos como material, para obter por meio deles um outro efeito? Nessa ditadura antes de 1989 tentava-se aproveitar a literatura e o teatro como cavalos de Tróia. Peguei, por exemplo, o “Otelo” como embrulho para outras idéias. Eram idéias que poderiam eventualmente agradar o governo comunista de então: relações simples entre as classes, um conflito entre preto e branco, as relações de classe predominam sobre as relações de raça – tudo de acordo com a ciência histórica marxista e comunista. Mas quando se passa a analisar essa situação sob o aspeto antropológico, vendo toda essa gente jovem e a oportunidade que eles poderiam ter nessa ilha de Chipre se convivessem pacificamente – foi isso que tentamos mostrar naquela época -, aí surge de repente uma pergunta do tipo: se os seres humanos são vivos e inteligentes, por que acabam se destruindo mutuamente? Qual é a razão disso? Naturalmente, naquela época, essa pergunta antropológica era tachada de heresia na Alemanha Oriental, porque a resposta não se enquadrava nos padrões de classe. Dessa maneira se introduziu uma polêmica no público que partilhava de determinadas experiências próprias: de um lado havia a identidade imposta com uma sociedade socialista que dizia mais ou menos assim: somos todos feitos do mesmo barro, temos a sociedade dos iguais, conseguimos realizar isso. Por


outro lado se percebia de repente que se tratava de uma mentira. Nesse sentido, o teatro era um embuste baseado na troca dos rótulos: estava escrito “Otelo”, mas dentro havia outra coisa muito vital. A vantagem de trabalhar num país como a Alemanha Oriental era que cada segunda encenação era proibida. Cada proibição era recebida como uma espécie de distinção que nos fortalecia, desde que não nos destruísse. Esse fato chama a atenção para algo que fazemos sempre quando interpretamos, isto é, quando tentamos assimilar os clássicos de uma maneira bem prática: tentamos interferir numa realidade que é muito mais poderosa do que nós. Na Alemanha Oriental fizemos essa tentativa muitas vezes. Naturalmente deixamos também de fazê-la inúmeras vezes, porque nas ditaduras os artistas têm sempre o desejo de receber a distinção dos poderosos. Não que hoje seja diferente, só que agora podemos forçar portas escancaradas e cada um pode afirmar o que quiser. Depois de 1989 ganhei fama na Alemanha Ocidental como destruidor de clássicos, só que os críticos da imprensa viam nisso uma espécie de Coca-Cola: uma marca registrada. Nem analisavam mais o que eu pretendia com meu trabalho, a sua percepção limitava-se à grife. Com isso se perde o grande privilégio que se tem num sistema totalitário: o de ser um político. Realmente era possível fazer política com meios artísticos. Éramos percebidos dessa maneira, mesmo que isso implicasse algum tipo de perseguição. Claro que essa é uma idéia hipócrita: devemos querer de volta as estruturas totalitárias porque nelas é mais fácil trabalhar como artista? É uma opção que não se pode querer para a maioria das pessoas.


Mas é verdade também que na democracia se trabalha com muito menos precisão, com mais narcisismo e com menos efeito. Clássicos – não simpatizo com esse termo porque acho importante encontrar o valor de uso atual, o elemento paradoxal que está presente no texto. Suponho que eles partam do princípio de que o mundo pode ser conhecido. Como marxista remanescente deveria partilhar dessa mesma convicção. Quase todos os dramas, todos os clássicos, partem do princípio de que o mundo é cognoscível, que ele pode ser representado e explicado. E no sentido de um processo posso apresentá-lo geralmente como algo dominável. Mas, trata-se de uma abordagem correta? É melhor optar pelo enfoque agnóstico? Ou é melhor dizer: não sei, é complicado conhecer o mundo, e deve ser mais complicado ainda dominá-lo? A teoria do conhecimento marxista parte do princípio de que o mundo pode ser conhecido e dominado, conforme diz a frase famosa das teses de Marx sobre Feuerbach: Os filósofos apenas divergiram na interpretação do mundo, chegou a hora de transformá-lo. Ora, para transformar algo, preciso conhecêlo e dominá-lo. Hoje, os melhores teóricos do conhecimento marxistas são os executivos do Deutsche Bank. Eles acreditam realmente que tudo seja cognoscível por meio de nossos sistemas de comunicação e que possamos dominar tudo, o que não é verdade, porque excluímos, por exemplo, de nossa comunicação global todo um continente, ou seja, a África. No fundo sou cético em relação a tudo o que recebo pronto. Peças, isto é, peças clássicas, descortinam diante de mim uma ampla rodovia com o destino preestabelecido. É o que Brecht faz com uma determinada fábula que fala da moral


da história. Por isso sinto simpatia pelo jovem Brecht, antes do didatismo. Nos últimos anos levei ao palco cada vez mais peças de Dostoievski, também ele um clássico. Dostoievski é um agnóstico, cada momento descrito por ele é concreto, é verdadeiro do ponto de vista antropológico. Isso consigo entender. É um mundo que saiu dos eixos. Estamos vivendo num mundo assim. Dostoievski sabe desmanchar as pegadas como nenhum outro, ele é o gênio antecipatório por natureza. Ele escreveu frases e pensamentos de uma modernidade contundente, que só voltei a encontrar em Beckett. Aí se levanta a questão do que é moderno e do que é modismo. Só existem temas modernos, descritos há quase 150 anos. Crianças que vivem sob as pontes de São Petersburgo, que se prostituem com doze anos porque não têm dinheiro para comprar comida, mas que tentam ajudar aos outros e a suas famílias. É gente entre São Petersburgo e São Paulo que já não pode ter consciência do que seja dignidade. Aí começa algo que tem o direito de crescer – um ser humano. Mas essa é a nossa prática hoje: com doze anos, esses seres se encontram num estado de autodestruição. O ser humano colocado à disposição, por demais individualizado, e por isso incapaz de botar algo no mundo, nem que seja apenas uma outra idéia. Encontramos essa situação em Hans Christian Andersen ou em Dostoievski. Trata-se de uma grande esperança, formulada negativamente, mas que deve ser refletida em sentido positivo. Esquecemos freqüentemente que as grandes cidades, inclusive Berlim, estão repletos de movimentos sociais que, em grande parte, nem se comunicam mais entre si. Aí


estão por exemplo o teatro, a literatura, o conhecimento das universidades, cada vez mais recolhidos em seus guetos, sem comunicação entre si. Romper esses guetos auto-impostos – isso deveria merecer pelo menos uma tentativa por parte do pensamento paradoxal, literário e artístico. Quando me aproximo de um clássico trata-se de um processo que parte de muitos elementos distintos, inclusive de uma atitude diante do mundo, e esta diz que não considero o estado do mundo em que vivemos o melhor de todos os imagináveis. É o que Brecht exigia: pensamento histórico. Valho-me do material para provocar um choque, pelo menos nesse momento em que estamos fazendo teatro. O que ele quer dizer com isso? Será provocação, será uma quebra de tabus? Essa questão talvez leve à convicção de que se deveria, pelo menos, refletir de uma outra maneira sobre esse estado das coisas. Não se trata mais de uma abordagem política como aquela que era possível numa ditadura. O que importa é voltar a tornar essas coisas conscientes. Max Frisch formulou a expressão da ineficácia contundente dos clássicos. Todos os clássicos são açambarcados, seja pela sociedade e pela convenção, seja pelos herdeiros. Sabemos disso nos casos de Brecht e Weill, e eu tive essa experiência com os herdeiros de Tennessee Williams. Fazem de tudo para eliminar qualquer resquício que faça desse homem um ser especial, no caso de Williams, um americano que certamente não seria o preferido de George W. Bush – um viciado em drogas, homossexual, precursor dos beatniks e um batalhador por uma nova América. É o caso também de O’Neill, de Hemingway, gente que pegou no fuzil e foi pra Espanha. Tenho a obrigação de


destacar nos clássicos novamente essa sua potencialidade anárquica, também em Dostoievski, que teve que enfrentar o cadafalso porque tinha sido acusado de libertinagem; estava para ser executado, a guilhotina já estava preparada, quando alguém lhe disse: Serás levado ao desterro. No último instante! Nunca terá esquecido esse momento. Percebe-se isso em sua literatura. Ele o traduz para suas obras. Hoje talvez tivesse se transformado num Soljenitsin que diz: Precisamos resistir à inundação por idéias liberais ocidentais, por meio de algo que se chama “sangue” e “terra”. Sei que se trata de um pensamento que deve causar horror a um alemão. Mas ele afirma: Só a nação que sabe de onde vem é uma nação forte, do contrário se transforma num mero acento da história universal. Esse pensamento perpassa toda a obra tardia de Dostoievski. Não é a única coisa que o move, mas ele pensa constantemente em paradoxos, em quebra de tabus, até o fim, quando diz, com sua barba enorme: Mas eu sou um bom russo, sou um bom cristão ortodoxo. É verdade que ele foi atacado, escarnecido, ridicularizado – e foi canonizado! Quando coloco, hoje, essa literatura no palco, quero mostrar também essa biografia. Penso que o teatro, ao retomar a literatura, precisa de algo que ajude a romper com esse gueto para o qual nos retiramos voluntariamente. Como na boa velha Commedia dell’Arte, que é também um clássico, um clássico da arte de representar. Ela foi sempre corajosa. Quando foi proibida, na França do século XVII, pela Comédie Française, porque esta detinha o monopólio do teatro falado, ela passou a expressar-se por meio de outra linguagem, a do corpo, exprimindo algo que animava as pessoas nas praças


de mercado. Ela se sentiu instigada a ser desobediente, insubmissa. Creio que esse caráter simples e político de instigação é importante no teatro como eu o concebo. É claro que aquilo que estou dizendo aqui tem muito a ver com a análise da história alemã. Esse aspecto é relativamente fácil de abordar quando se está no Brasil, mas em Belgrado, Moscou ou Tel Aviv é muitas vezes bem menos agradável. Nem sei quantos representantes do Instituto Goethe ou do Ministério do Exterior já me disseram: Mostre-lhes a imagem de uma outra Alemanha. É verdade, muita coisa mudou nesse país. Mas o que acontece realmente quando certas coisas vão pelos ares? O que fica debaixo do invólucro? Será que a massa genética estropiada continua lá? Ou ela sumiu? Tudo é possível pela educação. Os russos tentaram ensinar-me de uma maneira maligna e penosa, e mesmo assim sou grato aos bolcheviques. Os americanos foram mais moderados. E assim muita coisa mudou. Mas não foi um ato de autopurificação, foi uma imaculada conceição que recebemos de presente. Para mim, a situação é essa: quando apresento algo, quando faço teatro aqui ou em Tel Aviv ou em Moscou no dia 22 de junho, dia da invasão da União Soviética, faço questão de mostrar que não sou apenas o alemão moderado, quero mostrar como as pessoas se tratam mutuamente, o que dizem, o que pensam, partindo da base de um Bulgakov, de um Williams, de um Dostoievski – mas também de um Goethe, quando as pessoas pensam que essa não é a maneira de tratar os outros, que deve haver mais uma coisa que era vislumbrada como fanatismo e falta de humor. Como lidar com isso? Para mim, é isso que constitui uma boa parte da política externa no campo cultural.


O Instituto Goethe fica mais feliz quando chega a Pina Bausch. Isso é que é cosmopolitismo puro. Que legal, tem um brasileiro, tem uma suíça, e todos tão bem integrados! E isso na Alemanha! O teatro de Pina Bausch até que me educou! Eu o amei porque mostra que é necessário escutar a sua própria voz interior, que a biologia que é colocada em movimento é muito importante, que acontece uma verdadeira explosão. Mas não partilho de sua visão equilibrada do mundo, por mais que aprecie sua arte. Pode ser que seja autoflagelação. Muitos dizem: você não tem culpa direta individual, Castorf, esqueça essa coisa da política! Mas claro que sou filho de um pai que também é filho de um pai, isso está ligado a uma história. Tem aquele exemplo da zoologia que fala de moscas e abelhas. Existem associações ligadas a esses insetos. Quando se pensa no vôo das abelhas surge a idéia de mel, ou seja, de um processo qualitativo de produção e da inteligência de uma sociedade, a sociedade das abelhas. Quanto às moscas, não queremos nem saber para onde elas voam e muito menos ainda de onde vêm. É melhor matá-las logo. Elas não merecem viver, são nojentas. Se pegarmos uma abelha numa garrafa e fizermos o mesmo com uma mosca, deixando aberto o gargalo e levando o fundo da garrafa para perto de uma fonte de luz, veremos como é que a abelha voa. Ela reflete e sabe: preciso chegar a essa luz. E ela fará repetidamente a tentativa de livrarse, até morrer, sem encontrar a pequena abertura do outro lado. A mosca, pelo contrário, voa em todas as direções, sem plano, desordenadamente. Diríamos: parece a África, isso não é o nosso sistema puritano de ordem como está na cabeça de muito político norte-americano. Mas essa mosca encontra


a pequena abertura do outro lado e sai voando. Quero dizer com isso que às vezes é bom aprender com as moscas, com aquilo que é sujo e anárquico, que é diferente. Trata-se se de aprender, como abelha, das moscas. Em lugar de nossos princípios de ordem que aplicamos também à literatura e à maneira de interpretá-la, é muito importante, numa época que me parece cada vez menos identificável e analisável, abrir-se para aquilo que não conhecemos. Trata-se de uma questão que sempre me agradou: preciso envolverme com o processo. Quando analiso um clássico, interessome sempre pelo elemento mosca, ou seja, o imprevisível, o acaso, o momento que é um choque para mim mesmo. Quando leio um autor como Céline, me pergunto: O que é isso? É um psicopata que escreve? Um grande escritor? Será que se trata de um importante querelador anarquista? Que tipo de homem é este? Encontrar a verdade sobre alguém é mais do que a soma das informações. Nas ciências da literatura também juntamos informações e, no fim, pensamos que sabemos alguma coisa. Mas, o que nos falta é a capacidade de colocá-las em ordem, de apreender algo que fazia parte, por exemplo, como categoria essencial de esclarecimento, do classicismo alemão: a categoria da verdade. Acho que precisamos ser mais cuidadosos, precisamos lidar com as coisas assumindo uma atitude mais especulativa. Além disso, é necessário enriquecer a análise de um material com a inteligência do coração, em vez de pensar: isso tudo está concluído, o material é assim mesmo. Sempre me considerei um eclético forçado. Quando ando pelas ruas me interesso pelas coisas que acontecem simultaneamente.


Sou como um porco, um onívoro, que tenta assimilar tudo. Chega o momento em que tudo isso se aglutina para formar uma espécie de “conceito”. E quando algo se mostra importante num certo momento, tenho a sensação que é a verdade. Sempre detestei os artistas que colocam um xale vermelho sobre seu casaco preto, por se considerarem uma espécie de escol. Muita coisa que me inspirava uma grande esperança tinha nascido da sujeira dos anos sessenta, da anticultura, do Rock, que hoje, naturalmente, também foi integrado ao sistema. Hoje em dia, já não posso falar de Goethe, de Shakespeare ou de outro clássico qualquer, sem tomar em consideração as manifestações populares que nos influenciam a todos, que estão no nosso sangue, sem as quais não conseguimos nem mesmo pensar, que possuem uma grande inteligência cotidiana, que determinam nossa ação política e provavelmente também nosso contexto intelectual. Tudo isso é cultura popular. Estou falando de uma contradição lógica, não dialética, quando tento juntar num mesmo pensamento coisas que não combinam entre si, que estão lado a lado numa quase-autonomia, que não podem ser realmente sintetizadas e nada têm em comum. Encenei “As mãos sujas”, de Jean Paul Sartre, na época que precedeu a guerra do Kosovo. A luta em torno da Iugoslávia é um trauma, porque em 1941 caíram bombas alemãs sobre Belgrado. Não queria que isso fosse possível novamente. Sempre fui contra a guerra da Iugoslávia. Sabia que era uma grande mentira. Não apaziguou os Bálcãs, nem os tornou mais seguros, nem os melhorou, nem fez com que as pessoas ficassem mais felizes. A “Ilíria” da peça é a fase


final da Segunda Guerra Mundial; Sartre descreve a política de alianças entre os comunistas e os monarquistas, perguntando: Como é que tratamos uns aos outros? O importante para mim era voltar a essa origem, para depois emergir no Kosovo e perguntar, considerando também o que Karadzic então dizia e fazia: O que aconteceu com a grande esperança que a Iugoslávia era, sem dúvida, com essa sua grande coragem frente ao stalinismo? Tentei criar um espaço de transição entre o ano de 1944 e hoje, entre Sartre e as disputas com Camus e as lutas internas de orientação do Partido Comunista no início dos anos cinqüenta. Como pôde acontecer que até mesmo idéias de grande qualidade ética fossem acompanhadas de um espécie de racismo, que agora eclodia violentamente nos conflitos étnicos e que, durante muito tempo, fora reprimido de modo igualmente violento. Tudo isso já me interessava antes da guerra do Kosovo e da Bósnia. Esse tipo de antecipação é possível com um texto. E isso é importante para mim. Mas hoje é importante para mim também o fato de eu ser diretor de uma instituição de produção, ou seja, de um teatro. Tenho a possibilidade de dar trabalho a umas duzentas a trezentas pessoas, entre técnicos, iluminadores, câmaras, escritores, atores, encenadores ... Numa época em que já não é natural poder trabalhar na Alemanha e na Europa, é um privilégio poder dar emprego aos outros. E o curioso é que esse trabalho não representa para essas pessoas um mero ganha-pão, antes esse trabalho artístico os une de uma outra maneira, inclusive política: pessoas que antes eram de esquerda, de direita, velhas, jovens, feias e bonitas. Tratase, em última análise, do conceito um tanto incriminado da


comunidade. Idéias a esse respeito podem ser encontradas em Marx, mas também em Schiller, como por exemplo em suas “Cartas sobre a educação estética” e em “O teatro como instituição moral”. Numa época em que ainda não existia o estado nacional confiava-se, por exemplo, a um elemento tão fraco quanto era o teatro a tarefa de criar o novo alemão e o cidadão por meio de uma nova consciência nacional e pela educação. E uma das idéias fundamentais era incluir nessa tarefa necessariamente o elemento lúdico, presente por exemplo no teatro, porque o teatro era visto como algo não vinculado a um determinado fim. Ele não pode ter uma finalidade, exceção feita ao aspecto do assenhoreamento do mundo, que se encontra ligado também ao mito desde a antiguidade. Karl Marx afirmou que a produção intelectual, e de modo especial a produção artística, constitui um modelo de trabalho livre. Quando todas essas pessoas estão juntas numa instituição como o teatro, elas estão desvinculadas de um fim, podendo simplesmente produzir algo, externando a sua diversidade: elas não dependem de nada. É um enorme privilégio de liberdade. Estamos agora com um certo grau de liberdade política. Mas essa de nada adianta, se não a pudermos realizar e forrar também materialmente. Senão estaremos privados dessa liberdade. Justamente quando os nossos recursos financeiros vêm da sociedade, via impostos, temos a incumbência de ser subversivos. É necessário ser ingrato. Inclusive para encorajar as pessoas e dizer-lhes: Tente ser diferente! Nós funcionamos de qualquer jeito, mas não se deixe amesquinhar! Tente resistir! No meu trabalho parto do princípio de que, num primeiro


momento, me encontro diante de situações – e nesse ponto me sinto perfeitamente sintonizado com gente como Brecht. O homem reage diante da situação dada. O como depende naturalmente da interpretação e da pergunta: como encaro as pessoas? Pergunto: o que acontece no material que está diante de mim? Brecht descreveu essa situação certa vez diante do exemplo de uma cena de teatro de rua: Acontece um acidente de trânsito e todos ficam aí olhando. O ator europeu gosta de proceder assim: ele examina o texto, por exemplo o Otelo, que por acaso é negro, e em seguida descreve a figura como ele a imagina. Se, nesse momento, alguém gritasse “Fogo!”, ninguém pensaria em sua identidade, todos sairiam correndo. Fazemos parte de massas e de seu comportamento, pouco importa nesse caso o quanto sejamos eticamente conscientes e inteligentes. Saímos correndo, e nesse momento somos apenas seres biológicos que reagem. Os bons textos dramáticos também são sempre estados excepcionais de situações humanas. Importa identificá-los. E aí temos os atores, mas esses também são, em primeiro lugar, seres humanos. Tento colocá-los nessas situações, e depois a situação sofre um aceleramento que constitui a verdadeira figura artística. Mas, primeiramente, está aí o ser humano, e para mim importa muito pouco se ele é branco ou amarelo ou preto, feio ou bonito. A função da arte não é fazê-lo bonito e sim especial. No meu trabalho dificilmente se trata de pessoas feias ou bonitas, de um hedonismo puro; o que me interessa é que as pessoas ganhem um certo grau de originalidade, de singularidade: estar assim, e só assim, no palco, dizer assim, e só assim, o texto, acertando o ritmo


dos versos, por exemplo de um Racine. Mas a base de tudo é o que eu chamaria de biologia. Todo ser humano possui uma expressão de beleza. Mas ele só se torna realmente bonito depois que lutou. Esse é meu ponto de partida. Por isso posso trabalhar com todos. O resto decorre da situação básica, dos conflitos, do extremo que todos esses textos clássicos oferecem. A mim interessa o embate daquilo que é totalmente diferente e que não precisa misturar-se necessariamente, quando se diz: Você é diferente, não temos que amar-nos, mas precisamos respeitar nossa autonomia mútua. Assim não cedemos ao impulso de ter de matar sempre aquilo que é diferente, que é estranho, aquilo que não entendemos. Vendo, então, que podemos viver um ao lado do outro, o que é muito importante para a Alemanha, já vencemos uma primeira etapa. Isso se chama treinamento da tolerância. O teatro não pode mostrar a tolerância apenas no retrato da realidade que ela oferece, como se estivesse exigindo: Sejam assim! Ele pode praticá-la na própria produção. Peter Brook e Pina Bausch demonstraram isso. Com Pina Bausch aprendi essa forma de democracia em que não importava o fato de a dançarina ter envelhecido a tal ponto que já não conseguia dançar direito. Importava, isso sim, a soberania do indivíduo. É esse o meu ponto de partida, que é também não-verbal. A literatura é apenas um pano de fundo. Mas esse pano de fundo é também importante, porque me oferece constantemente um ponto de referência, senão eu me perderia – em pensamentos a respeito de algo que já não é receptível. Existe hoje na Alemanha uma tendência neoconservadora.


Querem reencontrar aquilo que conhecem desde sempre. Essa é a maldição da discussão em torno dos clássicos. Leram o Fausto I e o II há uns vinte ou trinta anos, e querem reencontrá-lo tal e qual o leram naquela época. Aí se sentem felizes. Valeu a pena ir ao teatro antes de procurar um restaurante para jantar. É uma atitude totalmente defensiva frente à arte e à literatura, mas é também uma humilhação diante daquilo que um dia se apresentou como uma abordagem totalmente diferente, vital – o que se pode afirmar certamente de Fausto I e II. Existe uma outra linha de interpretação dos clássicos na Alemanha, aliás muito cortejada atualmente pelo público e pela crítica. Aconselha-se aos artistas: façam uma peça de Lessing, talvez “Emilia Galotti”, de preferência numa versão condensada de uma hora de duração, e com uma idéia que eu, como crítico, possa compreender e assim ficar feliz. Algo assim: hoje as pessoas só conseguem comunicar-se em tom de histeria – ótimo, isso é crítica lingüística. Todos ficam contentes, e o crítico já pode começar a escrever seu artigo. Essa é a tendência que diz: Não trabalhem tanto pelo pouco que recebem! Antigamente, os políticos progressistas procuravam conhecer seus irmãos de espírito, ou seja, profissionais do teatro progressistas. Nos tempos da República Federal tratava-se de um ato de higiene político-cultural que varreu das cabeças os restos de um fascismo mental mofento. Eram revolucionários culturais e diretores de teatro ao mesmo tempo – Peter Stein, Peter Zadek, Luc Bondy, Claus Peymann. Foi um fator importante que mudou drasticamente a República Federal, tanto quanto o pessoal de 68. Chegaram a mexer com as


cabeças do pós-guerra. Mas hoje ouvimos declarações como essa de um Joschka Fischer: Sou tão vanguardista na política que já não preciso de uma arte vanguardista, deixem o vanguardismo comigo. E vocês, cuidem dos clássicos! – Isso é muito perigoso, porque assim o ser humano perde até o prazer do conhecimento enciclopédico. Texto da palestra proferida por Frank Castorf no Próximo Ato - Encontro Internacional de Teatro Contemporâneo de 2005, realizado pelo Instituto Itaú Cultural em parceria com a Agência Espanhola de Cooperação Internacional, British Council, Consulado Geral da França e Goethe-Institut São Paulo. Neste mesmo período Frank Castorf apresentou o espetáculo endstation in america no SESC Pinheiros.


FOTOS: R端diger Hecht



Deus não brinca Carl Hegemann 7 teses anacrônicas sobre a guerra no teatro 1 Com suas técnicas de estranhamento, Brecht pretendia criar a possibilidade de voltar a trabalhar com coisas e situações que pareciam evidentes demais, para mostrar um novo ângulo, quiçá doloroso, das coisas, tirando o marasmo das situações fossilizadas. Na medida em que os efeitos do estranhamento se tornam familiares no teatro vão perdendo sua eficácia. Quando são aguardados, transformam-se em ornamento ... e o próprio Brecht se torna um clássico do qual se sabe de antemão o que vai acontecer. Levar a sério a teoria do estranhamento significaria hoje, em relação a Brecht, abandonar o efeito de estranhamento. Assim talvez fosse possível levar ao palco um Brecht novo, estranho, que faz as pessoas refletir novamente, em vez de simplesmente confirmar aquilo que sabem há muito tempo. 2 No início de sua carreira, Brecht se viu envolvido em arriscados casos amorosos e em tumultuadas amizades e inimizades com homens, com as quais até ele próprio chegou a assustar-se por vezes. Na “Selva das Cidades”, ele descreve uma luta de vida e morte que gira em torno de nada ou, como poderíamos dizer também, em torno do nada. O tema dessa luta é o desejo da morte. Não se vislumbra nenhuma vitória,


seja de que lado for. O que predomina é a prática contínua da negação de qualquer vantagem positiva. Essa atitude perpassa toda a obra de Brecht, mesmo que assuma depois, nas peças didáticas e alegóricas, um caráter aparentemente mais racionalizado como “aprendizagem da morte”, adornada com categorias comunistas. Da convicção do indivíduo de que o próprio desaparecimento é algo desejável, passa-se à convicção do revolucionário de que “uma vida ruim é mais temível do que a morte”. 3 A percepção do nada faz de Brecht um precursor de Beckett e um sucessor de Schiller. Brecht afirma expressamente que pretende “melhorar” com sua “Selva” o drama “Os bandoleiros” do período “tempestade e ímpeto” de Schiller. Enquanto os personagens do jovem Schiller ainda se empenham – e fracassam – na realização de seus interesses, lutando por dinheiro, poder e mulheres, os personagens do jovem Brecht entram em conflito somente pela luta em si. Seu empenho tem um caráter “esportivo”, mas nem por isso menos mortífero. Enquanto, para Schiller, o “nada” é o resultado da luta, em Brecht e depois em Beckett este “nada” já é o seu pressuposto. 4 Na luta descrita por Brecht, tudo é possível. Não há necessidade de razões. A liberdade que Brecht detecta na selva das cidades é uma liberdade que se poderia chamar de cínica. Por quê? Porque Brecht é um cínico? Porque desistiu de si e do mundo? Não, é muito mais simples e inócuo: porque escreveu uma


peça de teatro inventando um jogo em que tudo é possível, sem maiores conseqüências, em que tudo é permitido enquanto for um jogo. Brecht não se limitou a ler “Os bandoleiros” de Schiller, ele aplicou coerentemente também o modelo estético do jogo desse dramaturgo. “Em meio ao império terrível das forças e em meio ao império sagrado das leis, o impulso estético da formação constrói imperceptivelmente um terceiro império divertido do jogo e das aparências, livrando o ser humano das amarras de suas circunstâncias e de tudo o que é coação, seja ela física ou moral.” 5 Brecht levou a sério essa libertação de toda coação física ou moral no jogo, e assim ele criou modelos de luta que são aplicados no palco de forma implacável. Aí Brecht deu a esse “terceiro império divertido” a forma da destruição e da autodestruição, sem se importar, por assim dizer, com as vidas humanas. A única coisa que ele exige do espectador esclarecido é que este não confunda os outros dois impérios. O jogo é anárquico, ou seja, ele obedece às suas próprias leis. Por isso não deve ser confundido nunca com o “império terrível das forças” ou com o “império sagrado das leis”, por mais vigoroso e coerente que seja. 6 As reações provocadas pelas chamadas caricaturas de Maomé demonstram até onde pode levar essa confusão. Parece que os nossos Institutos Goethe e todo o intercâmbio cultural no mundo não conseguiram legitimar a esfera da arte


e do jogo como um setor autônomo, como um sub-universo divertido que tem seu lugar num espaço que se estende além das esferas do profano e do religioso. Talvez porque esse império seja visto também por aqui como algo esquisito. Pode ser que lembre também a Gaia Ciência, de Nietzsche. A falta de um lugar para o exercício da arte – como Schiller o exige – nos Estados árabes ameaça transformar-se em desgraça para nós e para eles mesmos. 7 Mas, por que o jogo na selva da arte precisa ser tão desastroso? Por que não é possível aproveitar esse lugar, que se define pela ausência de coerção, para produzir beleza e harmonia? Por que o jogo da arte se compõe, na maioria das vezes, de luta, polêmica e tragédia? Por que a liberdade de imposições sociais se apresenta no teatro de maneira tão brutal e sinistra? Poderíamos responder a essas perguntas com as palavras do economista Johann August Schumpeter: “O ser humano aspira à harmonia, mas a natureza sabe melhor o que é bom para ele: o conflito”. Nesse caso fazemos justamente da arte a defensora da natureza belicosa, contra o anseio generalizado por tranqüilidade e sossego. Os conflitos fatais, talvez condicionados pela natureza (e, portanto, inevitáveis), são travados no campo da arte. Com isso, eles perdem a sua agudeza, porque a luta é travada apenas em forma de jogo. Com isso, o mundo fora da arte poderia permanecer em paz. Foi mais ou menos essa a idéia também na Grécia antiga. E por que não funciona? Ninguém o compreendeu até hoje. “Senhores, não se enganem, o ser humano só vive movido


pelo crime.” Esse hino cantado na Ópera dos Três Vinténs deveria aplicar-se tão somente a um lugar: ao teatro. E lá com toda pujança. Os atores se encarregam de toda a sujeira do mundo e a celebram no jogo. Desse sacrifício surge a beleza. Infelizmente tarde demais.


A arte da luta Tim Stüttgen Só quando a luta torna-se artificial fica empolgante. Um ritual sem sentido, uma luta em si, um acontecimento de troca radical de impulsos e de auto-representação exagerada, longe das condições reais da vida. Sublimação auto-explicativa e espetáculo, vir a ser e apresentar-se. Isso é luta. Peter Scheiffele, sociólogo e – como Brecht também – um aficionado do boxe, escreveu sobre essa modalidade esportiva: “Para uns trata-se de combinações de golpes vigorosos e precisamente sincronizados, de manobras de esquiva e de gestos de estilo, para os outros não passa de um surto do arcaico revestido de uma linguagem corporal primitiva e absurda. A maioria dos comentaristas do pugilismo, da nobre arte da luta com os punhos, esgota o assunto oscilando constantemente entre esses dois pólos. A tradição do boxe distancia-se de denominações intelectuais que a coloca solta dentre os mitos coletivos e de declarações de amor ao primitivo. O boxe sempre conheceu elementos da classe intelectual que entram no ringue para experimentar no próprio corpo o que não resolve com palavras e reflexões.” O palco como ringue e o ringue como palco – Brecht, o trabalhador intelectual, achava essa relação sexy. Hoje, 83 anos depois da estréia da peça “Na selva das Cidades”, a luta se transferiu, deslocando-se para outros níveis, onde é (re)produzida globalmente com significados antigos e novos. Um conflito semelhante ao da recepção do boxe se registra também em relação ao battle-rap, a briga padronizada da


cultura hip-hop, em que dois MCs (masters of ceremony), geralmente afro-americanos, sobem ao palco para se baterem simbolicamente. A vantagem criativa é essa: nesse caso, a linguagem e o movimento não ficam divorciados, o resultado deve ser produzido simultaneamente na cabeça e no corpo, caso contrário não funciona. As regras são estas: chega-se a um acordo sobre a extensão das unidades, para que cada um tenha o mesmo espaço para rimar seus versos; como música de fundo ouve-se um beat; os contendores se revezam, e assim tem início a luta de estilo livre. O MC passa a criar, então, uma linguagem, uma presença de palco, que deve ser maior do que a que tem vida no adversário, para que possa contar com a vitória. O público precisa ser conquistado, cativado pelas habilidades, pela energia, pelos estilos da performance do artista. É permitido o uso de qualquer arma verbal. O MC pode ser divertido ou, simplesmente, um entertainer melhor, mais poético ou um destruidor mais acachapante. É um circo de virtuosismo. O revezamento se nutre do entusiasmo do público que, no fim, deve decidir a disputa. Esta é a grande diferença em relação ao boxe, onde a decisão cabe a juízes pretensamente mais competentes: em sua estrutura, o hip-hop-battle possui base mais democrática, a audiência é o juiz. O aplauso puro e o entusiasmo crasso são soberanos. A questão decisiva é difícil de verificar de maneira dualista: Qual MC é mais verdadeiro? – é assim que se pergunta no hip-hop. Ser verdadeiro vem desde a desconstrução de gênero no discurso ocidental por Judith Butler. A exigência do hip-hop Seja verdadeiro pede credibilidade abstrata da auto-construção espontânea, ou


seja: Aceito essa sua performance (de sua linguagem, de seu corpo, de seu gênero, de seus conteúdos)? Esse tipo de pergunta é dirigida também aos atores, só que nesse caso – e isso Brecht deve ter achado também muito interessante no ringue de boxe – trata-se dessas estranhas formas mistas de sujeitos e objetos, que não permitem uma distinção clara entre o caráter de vida, de um lado, e da figura do palco, de outro. Os dois aspetos se interpenetram. Um não se realiza sem o outro, assumindo às vezes formas tão agressivas que são pertubadoras. Por isso não é de estranhar que os BatlleMCs mais bem sucedidos sejam, com freqüência, também os mais brutais: o choque é mais louco. Mas, os mais experientes entre eles respeitam sempre o outro, abraçando-o carinhosamente depois da luta, continuando a elogiá-lo mesmo anos mais tarde como um concorrente digno, desde que o tenha sido com virtuosismo e respeito. O que muitas vezes não entra nas considerações dos comentaristas desse espetáculo pós-gladiatório é o prazer causado pela troca de impulsos em si, a diversão que consiste não só em cuspir rimas fortes, mas de ser também cuspido. É aí que surge a empolgação, o desafio de superar as próprias habilidades, a criatividade espontânea que se dirige contra o contraente nesse instante. Por isso, os eventos luta são também eventos coletivos, palcos abertos para troca e festa coletivas, em que todos podem, devem e precisam participar. O processo esportivo está em primeiro plano, de preferência com pouca separação entre o performista e o público. O interessante em assistir a uma luta não é apenas saber quem ganha, mas captar a energia que todos os participantes produzem e compartilham.


O que fica, portanto, é mais do que uma hierarquia de ganhadores e perdedores. A história do evento sobrevive numa narrativa difusa: como a noite se desenvolveu, quem em que momento soltou uma rima irada contra quem, como o outro reagiu, e quem veio depois fazendo o quê, a surpresa que isso causou, a intensidade, a criatividade, o lirismo, e como os dois voltaram a enfrentar-se na final ... incrível. Essas histórias dos freestylebattles são os mitos orais do hip-hop. Não adianta procurá-las nos álbuns que depois viram discos de platina. Existe uma aura mágica que envolve os grandes battle-MCs, uma aura que não se pode comprar. Hoje em dia, esses reis da palavra improvisada já podem ser encontrados também na França e na Inglaterra, na Croácia e no Japão. Na Alemanha, seus reis têm nomes como Samy Deluxe ou MC Rene. Estes também conseguiram sair de seus contextos sociais locais, desenvolvendo um estilo de luta verbal diferenciado e individual. A tradição nasceu na Jamaica, nos primeiros tempos do reggae que fora, por sua vez, assimilado e transmitido a partir de antigos ritos tribais da África continental. O hip-hop afro-americano é o representante mais destacado dessa tradição devido à tensão histórica e geográfica entre os ritos afro-jamaicanos e as histórias dos escravos negros que se levantam contra a opressão assim como os sujeitos MCs performáticos recém-construídos. Diante deles está a cidade grande como palco e seu centro glamouroso como linha de fuga do gueto que, desde sempre, precisou ser percorrida por meio do corpo, porque as portas intelectuais das classes lhes eram fechadas. Quem sabia disso era também o boxeador Muhammad Ali que é visto até hoje pela comunidade como


talvez o primeiro rapper dos Estados Unidos. Sua gíria em forma de rimas aumentou extraordinariamente o teatro em torno dele, tornando sua aura tão sedutora que muitos de seus adversários já pareciam derrotados antes da luta. Mas, de onde tirar uma linguagem, se esta é a língua dos dominadores? Deslocando-a, suspendendo-a, redefinindo-a e reinterpretando-a. Apropriando-se num ato criativo da confusão lingüística produzida pelo hibridismo capitalista da metrópole, entre raça e classe, minoria e hegemonia, surge a assim chamada significação: a apropriação das formas lingüísticas dos dominadores sob novas condições. Um intertexto que viceja e prolifera, criado e entendido por iniciados, um antidiscurso dentro das estruturas de dominação adequado em poesia urbana realista que na violência e na opressão articula a lealdade, o amor e outras atitudes contrapostas. Pena que isso tudo se condense às vezes no machismo regressivo de um lúmpen-proletariado. Mas, quando não existe um espaço exterior ao poder, este é buscado drasticamente no centro dele mesmo. Quando tiram tudo da gente, restam apenas a língua e o corpo. Por isso, o hip-hop é uma cultura pop tão ambivalente, adequada às condições nas quais nasceu. Por isso, seus sonhos não param de falar em conquista do capital corporal e econômico. Não foi só o número crescente de homossexuais entre os fãs de 50-Cents ou Eminem que descobriu o grande potencial de homo-erotismo que se esconde debaixo dessa poesia de rua radicalmente auto-administrada, no início dos anos vinte Bertolt Brecht já se dera conta desse fato. Assim, também a sua luta de boxe acaba numa história (naturalmente) não realizada entre um homem e outro.



Um dia antes da morte Mario Vitor Santos “Livros. Para que serve isso? Por acaso as bibliotecas impediram o terremoto de São Francisco?” Assim, o personagem Verme, dono de um hotel, anuncia o tema dessa peça que se passa em Chicago, uma cidade-mercado, de gângsteres, mendigos, punguistas, prostitutas, golpistas, espiões, proxenetas e lutadores. No período de um ano, o diretor Frank Castorf e o Volksbühne apresentam no Brasil o segundo texto cuja “ação” tem por lugar os Estados Unidos. O anterior foi “Estação Terminal América”, baseado em “Um Bonde Chamado Desejo”, de Tennessee Williams. A fixação de Brecht nos EUA era tal que ele chegou a americanizar seu nome alemão Berthold para Bertolt, uma corruptela de Bert. Na abertura de “Na Selva das Cidades”, o texto introdutório de Brecht anuncia que o público presenciará a “inexplicável luta entre dois homens e assistir à decadência de uma família que veio do campo para a selva da grande cidade”. E já avisa: “Não quebrem a cabeça para descobrir os motivos dessa luta”. Voltando ao início: para que servem os livros? A peça de Castorf começa com personagens trazendo livros, buscandoos numa caixa, procurando linhas e falas. Lêem trechos das obras, recitam partes de Brecht. São ratos de biblioteca. Eles se confrontam, debatem, lutam entre si, linha a linha, folheiam para frente e para trás, consultam as notas no final e retornam ao ponto onde estavam lendo. Os atores movimentam-se enquanto lêem. São histéricos e


se contorcem. Lêem com os corpos ativos, se misturam, se orientam pelos livros, questionam. Comem os livros. Chafurdam. Garga, o “protagonista”, que trabalha numa loja de empréstimos de livros, se recusa a vender sua opinião, que o oponente malaio Schlink deseja a todo custo comprar. Garga se coça e repudia a busca de uma identidade e a necessidade de opiniões pessoais. “Palavras, palavras, palavras”, a expressão famosa de Hamlet é repetida por Skinny, o ajudante de Schlink. Vale lembrar que Shakespeare, em rara marcação de cena em suas obras, determina especificamente: “Hamlet entra lendo um livro”. Logo se vê que é sobre um terreno anárquico, caótico, espontâneo, movediço e etéreo que gostava de se agitar o “jovem Brecht”, antes de ele próprio ler Marx e desenvolver suas teorias sobre os objetivos do teatro e o didatismo. “Na Selva das Cidades” é uma peça sobre isso: seu herói é, de certa forma, um leitor. Ela fala de leitores, citações, empréstimos de livros, da inutilidade da busca por sentido. Gira em torno do cansaço da cultura e o fim de uma linguagem, que deseja radicalizar. Os personagens interagem fisicamente, em combates ferozes, matam e morrem. Gritam muito, mas não se comunicam. É a expressão de uma época, na Alemanha dos anos 20, de intensa descrença em relação a idéias e valores, do que resulta também uma aguda liberdade. O autor duvida de tudo que recebe está estabelecido e que recebe o carimbo de Kultura. Liberdade, decepção e miséria eram as marcas da Alemanha nos anos 20, depois da carnificina insana que teve a Europa “culta” como palco durante a Primeira Guerra Mundial.


Atualizada, essa “Selva” do Volksbühne radicaliza o original brechtiano. A luta não aparece mais tão centrada em Schlink, o malaio, e Garga, o atendente de biblioteca. Nem o anteparo do oponente parece tão firme no mundo do discurso único exibido na versão do diretor Frank Castorf. A “Selva” é uma reação à arte, essa marca da Europa, uma rejeição à ilusão da literatura, uma denúncia da falsidade da poética e uma reação à violência disfarçada que corrompe a sinceridade e a potência da manifestação espontânea e desregrada presente numa espécie de essência mesma da vida. O texto confunde, instaura o caos e extrai vigor dele, sem expor as motivações, numa sucessão e acumulação de “questões” cujas respostas são sempre suspensas, no limite do niilismo. Nessa lógica da falência da arte, um sebo não passa de uma coleção de obras mortas e vis, e o que é pior, inúteis. Pois, como diz Schlink, “um problema não tem nada a ver com papel impresso”. A peça de Castorf vai ao fundo das ambições de Brecht. Em meio ao estertorar dos personagens, com evidente desprezo pela necessidade de identificação e de busca das elevações, tão caras ao grande teatro, grandes temas estão no subsolo: a ética da arte, os meios de produção da glória, a cultura como engodo, a destruição da forma artística fossilizada, em meio à crise dos valores e da razão. Como substrato, emerge a noção de que a mente humana não é esse local que organiza, equilibra e contém a variedade infindável da vida, mas sim a cidadela precária de um monstro sem caráter, indomável e inacessível. É óbvio que o Volksbühne embaralha os personagens, agita mais suas evoluções estéreis de um modo tal que acaba


questionando o próprio Brecht e os fins (úteis e racionais) para os quais veio a produzir o seu teatro. Deste, no entanto, emerge uma coerência: seus textos mais relevantes nunca cederam a uma atitude confortadora, burguesa e mesmo unificadora, mas buscaram uma totalidade que em si tem a marca do vivo - desigual e feroz. “Na Selva” critica a linguagem estereotipada e estéril da arte e do pensamento. Rejeita a sociabilidade domesticada do teatro, implícita nas linguagens falsamente cultas. Nela, os pilares centrais do “teatro” estão em crise: não existe a construção da trama em torno de um centro, por exemplo, a sucessão e o progresso dos eventos, a relação entre causa e conseqüência. Vão-se pelo ralo todos os enfeites e filigranas, como os critérios do feio, o baixo e o ridículo. Junto com eles vai a busca das “alturas”, das elevações e dos temas nobres, uma vez que esses sufocam o princípio, a origem. O que surge disso é flagelo, degradação, confusão, vazio, tédio e náusea: uma espécie de dilúvio fértil. Desmoralizada a velha Europa, aristocrática e fechada em si, Brecht transfere a trama para o estrangeiro, a América que é sinônimo tanto de abundância, de espaços livres e da abertura às novas idéias. Pelas mesmas razões, é uma terra de ninguém. Ali, a carência (de cultura) é a própria condição da fala. Ratos de leitura, os personagens representam “lendo”, ou seja, a referem-se ao hábito de quem vai ao teatro para “ler”, para buscar mais refinamento, sutileza, para ir mais alto. Atores, afinal, decoram seus papéis lendo. Representam papagueando o que decoraram. Não “são” de verdade naquele momento.


Há um turbilhão de referências circulares que duvida de todas as atitudes tradicionais em relação ao espetáculo, tanto fora, no ambiente geral da cultura, como dentro, no palco e na platéia. A encenação de Castorf, ao contrário, chama para o informe, o imaturo, o mais pobre, desconexo e infantil. Para quem busca as alturas, a clareza e as essências, Brecht e Castorf oferecem uma dieta dura de baixeza incongruente. Em meio ao público, são os críticos, esses leitores especiais, que estão no foco. Nesse sentido, a peça age sobre as tramas sociais que a priori definem o que é ou não artístico, ocupando-se dos modos de produção da glória, as rotinas sociais que gerenciam uma economia e uma hierarquia do valor na cultura. Para Brecht, merece mais atenção o inculto artista-escritor próximo dos mendigos, dos falsários e dos grandes financistas e pequenos delinqüentes. Não é à toa que o texto se refere a Rimbaud, com sua biografia que visita o lampejo poético fulgurante e se radicaliza no tráfico de armas. Depois da ruína de todas as crenças, a encenação de Castorf questiona a última das amarras do chamado indivíduo contemporâneo, sua crença desesperada num saber que tenha em si um resíduo de valor individual e subjetivo. No plano do espetáculo, “Na Selva das Cidades” leva à ruptura o vínculo baseado na identificação ou rejeição entre espectador e protagonista. Os personagens são antes de tudo surdos, embora todos gritem num ambiente de falência da comunicação. Não há um centro nem uma linha de desenvolvimento coerente e evolutiva. Há digressões, apartes, repetições, desvios, solilóquios. Tudo baseado numa intensa


agitação desmotivada que se transforma num tédio, numa náusea, numa exaustão regressiva e infantil apresentada como uma névoa de falas e impressões. É a destituição da forma, a criação de uma carência de percepções, meios e argumentos, do absurdo sem voz em meio à estridência urbana das buzinas e dos marteletes, que insiste em adentrar o palco sem pertencer a ele e perturbar concentração, o prazer, a liturgia do envolvimento do público, a interiorização subjetiva proposta pela caixa dramática. Nada é oferecido ao espectador que possa desenvolver sua sensibilidade e fruição sonhadora. Numa peça que duvida da ilusão organizadora da linguagem, encena-se o próprio suicídio do teatro. É interessante notar que Brecht sempre foi um obcecado leitor da tradição clássica e Castorf faz o mesmo com o Brecht. Falando de livros, “Na Selva das Cidades” alude também aos de contabilidade, uma associação surpreendente entre ficção e capitalismo: na Chicago dos anos 10, na América de banqueiros e empreendimentos ainda não maculada pela crise de 29, numa casa de empréstimos (de livros), o que se negocia é a opinião. Existe aí uma relação entre arte e negócios sobre a qual vale a pena refletir, num ambiente cênico que mistura opostos, misturando escritórios e bordéis, incrementos e excrementos. A moeda, como o teatro, faz trocas, tem estranhas propriedades, uma metafísica peculiar. Pode aparecer como equivalente de tudo, máquina metafórica que sempre se transforma em outra coisa, como define Ricardo Piglia, citando seu conterrâneo Borges: “O dinheiro... pode ser uma


tarde no campo, pode ser mapas, pode ser xadrez, pode ser café, pode ser as palavras de Epicteto, que apregoam o desprezo pelo ouro...” É assim o teatro: uma ilusão a que se atribui crédito, um vínculo e uma convenção social baseado em crenças, como o dinheiro. No ápice da financeirização, em que até os operários viraram investidores nos pilares do capitalismo que são os fundos de pensão, essa “Selva” é remontada para mostrar, numa época de crise de todos os valores, que o contrato do teatro com o público está em xeque (sem trocadilho). O investimento globaliza-se, as classes se unificam e a barbárie se mundializa. Numa escala de descrédito, talvez seja a arte que esteja no ponto mais prejudicado. O teatro na Grécia surgiu junto com a invenção da fundição de moedas. É resultado do mesmo processo social que gerou pela primeira vez uma sociedade inteiramente monetizada. Será que resistirá ao seu poder absoluto, ao sacrifício de todos os vínculos no altar da moeda? Essa provocação premonitória lançada por Brecht do “futuro” de 1923 já levou o Teatro Oficina àquela que foi considerada, em 1969, como a mais fulgurante de suas montagens, depois seguida pelo esfacelamento e o exílio. “Na Selva das Cidades” é de novo exumada agora por Castorf e pelo Volksbühne para estender seu enorme manto lúgubre sobre um novo mundo em que a política é coisa do passado, sobrevivendo apenas como a biopolítica das cotas e das guerras raciais. Não é à toa que são tão insistentes as referências, típicas da Alemanha de 20, mas mais atuais do que nunca, ao malaio, aos amarelos e aos negros na peça de Brecht: ”Imperador, velha lepra, você é um


negro” ou “Eu sei que tenho pela amarela. A minha mão não vai tocar a sua”. Essa “Selva” chega para encarar uma sociedade cada vez mais apolítica, cada vez mais sem “classes”, pois elas se unificam mantendo a desigualdade enquanto os partidos em todo o mundo se fundem na indiferença de um consenso geral. Nesse novo mundo de espectros, todos lêem, mas os livros só têm palavras. Se o teatro consegue apregoar o desprezo pela falsidade do próprio teatro, porém, ainda há salvação. Como diz o herói Garga, [guardando o seu dinheiro,vale lembrar]: “É uma coisa boa ficar só. O caos está consumido. Foi o melhor tempo.” Nas palavras de José Celso Martinez Corrêa, que o encenou em 1969, “Na Selva das Cidades” é um espetáculo que deveria ser encenado apenas um dia antes da morte. Pois, talvez afinal agora ele esteja sendo exibido um dia depois.







O espetáculo NA SELVA DAS CIDADES de BERTOLt BREcHt com direção de FRANK CASTORF será apresentado em setembro de 2006 em seis cidades brasileiras: São Paulo 1, 2 e 3 de setembro - SESC Pinheiros Santos 5 e 6 de setembro - SESC Santos Salvador 9 e 10 de setembro - Teatro Castro Alves Guaramiranga 15 de setembro - XIII Festival Nordestino de Teatro Fortaleza 18 de setembro - Theatro José de Alencar Brasília 21 e 22 de setembro - Cena Contemporânea Festival Internacional de Teatro

textos extraídos do catálogo Prärie ein benutzerhandbuch publicado pelo volksbühne am rosa - luxemburg - platz o texto de Mario Vitor Santos foi escrito especialmente para este programa




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