Relações para e com os públicos plurais: a emergência do público afrodescendente e da gestão da dive

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UNIVERSDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO FAAC CAMPUS DE BAURU-SP

MARIA EDUARDA GOMES SILVA

RELAÇÕES PARA E COM OS PÚBLICOS PLURAIS: A EMERGÊNCIA DO PÚBLICO AFRODESCENDENTE E DA GESTÃO DA DIVERSIDADE NAS SOCIEDADES MULTICULTURAIS.

Bauru 2016


MARIA EDUARDA GOMES SILVA

RELAÇÕES PARA E COM OS PÚBLICOS PLURAIS: A EMERGÊNCIA DO PÚBLICO AFRODESCENDENTE E DA GESTÃO DA DIVERSIDADE NAS SOCIEDADES MULTICULTURAIS.

Trabalho apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP / Bauru - como pré-requisito para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas. Orientador: Prof. Dr. Juarez Tadeu de Paula Xavier

Bauru 2016


MARIA EDUARDA GOMES SILVA

RELAÇÕES PARA E COM OS PÚBLICOS PLURAIS: A EMERGÊNCIA DO PÚBLICO AFRODESCENDENTE E DA GESTÃO DA DIVERSIDADE NAS SOCIEDADES MULTICULTURAIS.

Aprovado em: ___/___/___

Banca examinadora:

______________________________ Orientador: Prof. Dr. Juarez Tadeu de Paula Xavier Departamento de Comunicação Social - FAAC- Unesp

______________________________ Prof. Dra. Caroline Kraus Luvizotto Departamento de Ciências Humanas - FAAC- Unesp

______________________________ Prof. Dra. Roseane Andrelo Departamento de Comunicação Social – FAAC - Unesp


DEDICATĂ“RIA

Dedico esse trabalho a todas as pessoas que acreditam e lutam incansavelmente por um mundo mais justo e menos desigual.


AGRADECIMENTOS Agradeço a minha família que sempre me apoiou me deixando livre desde sempre pra escolher e seguir meus caminhos. De tantas idas e vindas, são vocês meu porto seguro. Agradeço a Bauru, essa cidade estranha onde habitei tantas Marias. A Bauru do primeiro e do segundo Tubarão, meu lar querido que me traz tantas boas lembranças e saudades. A vocês Fabi, Na, Lau e Deza, todo meu amor de amiga irmã. A Bauru da Augusta, uma casa heterogênea cheia de gente linda nas suas particularidades excêntricas. Obrigada por aparecerem na minha vida e me surpreenderem nessa última etapa baurulinda. A Bauru de todas as outras casas que me adotaram, me aturaram, mas nos amamos, é claro. E aos meus fiéis companheiros de todas as feiras e finais de semana, a vocês Jaboto, Stella e Ruana o meu eterno amor, carinho e gratidão. Agradeço a todas e todos que me acompanharam no NeoCriativa, um espaço de tantas rupturas epistemológicas que me transformou e continua me transformando. Ao Juarez, meu orientador e amigo que me abriu tantas portas e janelas da mente e do mundo e à Patricia que me iniciou na eterna caminhada freiriana. Agradeço a FAPESP que financiou e acreditou nessa pesquisa e à Gisele, Nayara, Denise, Bernardo e Ítala que através das entrevistas ampliaram a reflexão do trabalho. Agradeço a toda equipe do Jardim Botânico Municipal de Bauru, que me recebeu tão bem e me proporcionou tantos aprendizados. Agradeço a todas e todos que cruzaram minhas andanças pela Bolívia, Espanha e Argentina. Três países, três momentos distintos da minha graduação, três experiências intensas que não seriam incríveis se não fosse pela gente linda que viveu e compartilhou comigo tantas histórias viajantes. A ustedes, hermanas y hermanos, mi amor brasileño y mi saudade de la buena! Agradeço, enfim, aos mistérios que essa vida não explica. Às incompreensões que me movimentam adiante. Aos olhares que brilham e me alimentam. Às chegadas e partidas que me despedaçam e me reconstroem. À todo esse mundo feito de gente, sorrisos, lágrimas, braços e abraços. À toda essa gente que não é preciso nomear porque estamos conectados. E se sente, e se sabe.


“É através de uma tentativa de retomada de si e de despojamento, é pela tensão permanente de sua liberdade que os homens podem criar as condições de existências ideais em um mundo humano. Superioridade? Inferioridade? Por que simplesmente não tentar sensibilizar o outro, sentir o outro, revelar-me outro? ” Frantz Fanon


RESUMO A presente pesquisa se propõe a realizar uma análise da cobertura jornalística do Jornal da Cidade (JC) e da Folha de S. Paulo referente a assuntos de relevância no universo afrodescendente. Os dados quantitativos da cobertura possibilitam uma visão mais ampla da construção midiática da identidade do afrodescendente e servem de base para o estudo das relações públicas e étnico-raciais nas organizações. As entrevistas feitas posteriormente com atores de diferentes organizações ampliam a reflexão e a visão sobre as relações para e com os públicos plurais e a gestão da diversidade. O conhecimento da construção histórica e midiática da imagem do afrodescendente contribui para a aplicação das relações públicas que consideram e valorizam o multiculturalismo em suas ações de comunicação organizacional. A pesquisa é fruto de um trabalho de iniciação científica financiado pela FAPESP. Palavras-chave: Racismo, afrodescendente, mídia, relações públicas, gestão da diversidade


RESUMEN La investigación se propone a realizar un análisis de la cobertura periodística del Jornal da Cidade (JC) y de Folha de S. Paulo referente a asuntos de relevancia en el universo afrodescendiente. Los datos cuantitativos de la cobertura posibilitan una visión más amplia de la construcción mediática de la identidad de afrodescendiente e sirven de base para el estudio de las relaciones públicas y étnico raciales en las organizaciones. Las entrevistas hechas posteriormente con actores de diferentes organizaciones amplían la reflexión e a visión sobre las relaciones para e con los públicos plurales y la gestión de la diversidad. El conocimiento de la construcción histórica e mediática de la imagen del afrodescendiente contribuí para la aplicación de las relaciones públicas que consideran e valoran el multiculturalismo en sus acciones de comunicación organizacional. La investigación es resultado de un trabajo de iniciación científica financiado por FAPESP. Palabras clave: Racismo, afrodescendiente, media, relaciones públicas, gestión de la diversidad.


LISTA DE FIGURAS Figura 1: Capa da Folha com o resultado da pesquisa Fonte: DATAFOLHA (1995) ... 17 Figura 2: Tabela com as classificações de relações sociais. Fonte: SROUR (1998, p. 113) ................................................................................................................................. 28 Figura 3: Exemplos ilustrativos da divisão dos jornais em unidades informativas ........ 44


SUMÁRIO Introdução ..................................................................................................................... 11 1.

O Racismo estrutural e a construção da identidade afro-brasileira ................ 12 1.1 O Racismo científico ............................................................................................ 14 1.2 A questão cultural e a mestiçagem ....................................................................... 15 1.3 O preconceito velado ............................................................................................ 17 1.4 A construção da identidade e os meios de comunicação ...................................... 18

2.

Relações para e com públicos plurais .................................................................. 21 2. 1 A inconsistência das relações públicas ................................................................ 22 2.2 A informação e o relacionamento com os públicos plurais .................................. 25 2.3 Análise de cenários e a participação como chave do planejamento ..................... 28 2.4 Multiculturalismo e Gestão da diversidade .......................................................... 32

3.

Um olhar sobre o multiculturalismo nas mídias e nas organizações ................ 36 3.1 Desinformação e simulacro na imprensa .............................................................. 37 3.2 Análise descritiva da cobertura jornalística da Folha de S. Paulo e do JC (Jornal da Cidade) ................................................................................................................... 41 3.3 Resultado do levantamento de dados .................................................................... 44 3.4 Diálogos transformadores ..................................................................................... 48

Considerações Finais .................................................................................................... 62 Referências Bibliográficas ........................................................................................... 67 Apêndices....................................................................................................................... 72


Introdução

As implicações do multiculturalismo no mundo atual são complexas e identificar a diversidade em uma dimensão unificadora, e não separatista, é um desafio. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO (2012) publicou um relatório mundial que ressalta a importância e a necessidade do investimento na diversidade e no diálogo intercultural. A diversidade cultural está diretamente ligada a criatividade humana (COLL, 2002), matéria-prima e inesgotável inerente a todos os seres humanos. Considerando a riqueza da diversidade cultural e da criatividade, o NeoCriativa (Núcleo de Estudos e Observação em Economia Criativa) trabalha com quatro vertentes da economia criativa: patrimônio histórico e cultural, mídias, artes e inovações técnicas funcionais. O percurso metodológico da presente pesquisa teve início em 2012, com a aproximação e o envolvimento da aluna bolsista com o projeto de extensão do professor orientador, o NeoCriativa. Nos grupos de estudos e reuniões os debates sobre diversidade cultural despertaram o interesse intelectual dando início a primeira de uma série de rupturas epistemológicas transformadoras. Durante a fase de releitura do pré-projeto e revisão bibliográfica percebeu-se o quão significativas eram as implicações da presente pesquisa na área de relações públicas. Problematizar as relações étnico-raciais e propor novas relações para e com os públicos são ações pertinentes e relevantes para a comunicação social e, mais especificamente, para a comunicação organizacional. Os reflexos do racismo institucionalizado no Brasil, na mídia e dentro das organizações, onde atuam as relações públicas, se tornaram mais evidentes e o debate a respeito do multiculturalismo e de suas implicações na sociedade, na mídia e nas organizações se fez necessário. Uma nova busca pela compreensão e valorização da pluralidade de públicos e de suas particularidades norteou as observações e reflexões desde a primeira etapa de execução da pesquisa até as considerações finais. Sendo assim, após as análises midiáticas foram feitas entrevistas em profundidade com membros de diferentes organizações do cenário bauruense. A análise realizada no jornal JC foi quantitativa pois o objetivo era quantificar a relevância dos temas pesquisados para depois compreender como o mecanismo da cobertura jornalística se replicava no âmbito organizacional. A 11


análise também foi feita no jornal Folha de São Paulo a título de comparação entre duas plataformas, uma de nível regional e a outra nacional. Após quantificar as construções narrativas em torno da figura do afrodescendente a busca pela compreensão dessas narrativas continuou no nível organizacional, já que a construção simbólica observada na análise midiática também se dá no meio das organizações (VIEIRA, 2002). A construção da imagem de uma organização, calcada em discursos, ações e representações, é um trabalho constante de relações públicas e essa construção e desconstrução também deve contribuir para a valorização dos diferentes públicos que interagem e se identificam com a organização. Entender o cenário multicultural e suas implicações nas relações públicas é um desafio para os novos profissionais em formação. A gestão da comunicação e da diversidade nas organizações pressupõe o respeito e a valorização da diversidade cultural através da construção de novos vínculos, novos planejamentos e relações públicas atuantes para e com seus públicos plurais. Sendo assim, a imersão bibliográfica, a análise midiática em duas plataformas analógicas e as entrevistas em diferentes organizações proporcionaram uma abertura para novas rupturas calcadas nas relações para e com os públicos plurais diante da emergência do público afrodescendente nas sociedades multiculturais.

O Racismo estrutural e a construção da identidade afro-brasileira

Historicamente, o racismo se fundou e se estabeleceu na sociedade brasileira. O sofisticado sistema de exclusão é considerado um “crime perfeito” (MUNANGA, 2012) e os negros são vítimas de um racismo velado que se esconde nos discursos sociais e nas páginas dos jornais, provocando profundas desigualdades e inibindo o reconhecimento da multirracialidade e da contribuição do multiculturalismo. A palavra “raça” foi inicialmente empregada na botânica e na zoologia para distinguir e classificar as espécies vegetais e animais e mais tarde, no século XVI, o termo raça também passa a ser utilizado para determinar a diversidade humana. (MUNANGA, sem data). No século XVIII, nos tempos iluministas, o debate sobre as raças se intensifica e os pensadores começam a separar a ideia de raça vinda das ciências naturais abrindo espaço para o surgimento de novas áreas que mais tarde viriam a desembocar na 12


antropologia atual. A busca por uma explicação científica da diversidade humana se apoiou no conceito de classificação por raças, porque o objetivo era encontrar uma explicação ou categorização. Porém, infelizmente, a abordagem feita trouxe consigo a ideia de hierarquização entre as raças, cedendo, assim, um espaço para o surgimento do racismo. Criado na década de 1920, o conceito de racismo possui várias explicações e o antropólogo Kabengele Munanga (sem data) esclarece que, dentre elas, pode-se caracterizar o racismo como uma ideologia, uma crença de que existem diferentes grupos raciais e que hierarquicamente um grupo é tido como superior ao outro no sentido físico, moral, intelectual e cultural. O racista cria a raça no sentido sociológico, ou seja, a raça no imaginário do racista não é exclusivamente um grupo definido pelos traços físicos. A raça na cabeça dele é um grupo social com traços culturais, lingüísticos, religiosos, etc. que ele considera naturalmente inferiores ao grupo ao qual ele pertence. (MUNANGA, sem data)

Ainda que pesquisas científicas já tenham comprovado a inexistência de raça no sentido biológico entre os seres humanos, a palavra se mantém viva no imaginário e no cotidiano popular carregada de ideologias que mudam de lugar para lugar. A doutrina científica que hierarquizou as raças nos séculos XVIII e XIX firmou suas raízes e até os dias atuais deixa algumas cicatrizes que continuam a perpetuar o racismo na estrutura da sociedade. Munanga (sem data) esclarece que o racismo hoje se expande no âmbito das diferenças culturais e identitárias e o antropólogo Stuart Hall (2014) explica que como a raça já não está mais associada a categoria biológica e sim a uma categoria discursiva, o papel que ela assume na construção dos discursos sobre identidade nacional é importante. Hall (2014) dedicou-se a reflexão acerca da identidade cultural nos tempos pósmodernos1. Segundo o pesquisador, a identidade se faz volátil e a ideia de identificação é válida para o sujeito pós-moderno que busca, em diferentes representações, sua identidade. Porém, os estados-nação buscam, em uma era globalizada e de culturas híbridas2, criar identidades políticas que se baseiam em identidades culturais 1

A pós-modernidade sucede, questiona e fragmenta os discursos universais modernistas racionais. Se inicia no contexto das reivindicações da década de 1960 que contestavam a contradição dos pensamentos iluministas. (HARVEY, 2006). Baumam (2007) se refere aos tempos modernos como “tempos líquidos” marcados pela insegurança já que na pós-modernidade nada é feito para durar e tudo está em constante transformação. 2 Hall (2014) cita a globalização como um fenômeno recente que se refere a processos que ultrapassam as fronteiras nacionais conectando diferentes comunidades, redefinindo as noções de espaço e tempo e interconectando, assim, o mundo. As culturas nacionais são consideradas pelo autor híbridas e não homogêneas desde o início da formação dos estados modernos.

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homogêneas descartando, assim, identidades representativas de algumas minorias. Em sua pesquisa, Muniz Sodré (2015) atenta para o discurso identitário proferido pela elite branca brasileira e suas consequências na estrutura social. O autor cita as instituições, como por exemplo a família, a escola ou a mídia, como reprodutoras desses discursos e de “significações que presidem à identidade legítima ou aos preceitos da ordem social” (SODRÉ, 2015, p. 49). Entender como se deu e como se dá o racismo na estrutura da sociedade brasileira e como ele, e outros aspectos, afetam a construção da identidade do povo negro é crucial para que se reflita sobre uma possibilidade de mudança de cenário político, social e organizacional (no campo das relações públicas), calcada nas múltiplas identificações e no respeito e na valorização da riqueza da diversidade cultural.

1.1 O Racismo científico As teorias raciais importadas da Europa no século XIX influenciaram diretamente na construção do imaginário sobre o negro brasileiro. Apesar de sofrerem algumas modificações interpretativas o caráter preconceituoso de tais teorias permaneceu imutável. O estudo de Shwarcz (1993) apresenta um histórico da apropriação brasileira das teorias europeias entre os anos de 1870 e 1930. Nos museus etnográficos, institutos históricos, faculdades de direito e de medicina os pesquisadores importaram as teorias raciais adequando-as ao cenário brasileiro. Os museus etnográficos foram importantes instituições no que se refere as pesquisas etnográficas e estudo das ciências naturais no país. Segundo Shwarcz (1993) o diretor do Museu Nacional, João Baptista Lacerda, foi um dos precursores do “branqueamento” no país como uma perspectiva de “esperança nacional” que, na realidade, contrariava os censos demográficos de um país de maioria negra3. O debate racial também esteve presente na pauta dos Institutos Históricos e Geográficos de São Paulo, Rio de Janeiro e de Pernambuco que apesar de discutirem isoladamente temas regionais se propuseram a escrever sobre a história do Brasil. Ao analisar as publicações oficiais dos três institutos, Shwarcz (1993) notou a presença do caráter 3

João Baptista Lacerda participou do Congresso Universal das Raças em Londres no ano de 1911 como representante oficial do Brasil. O diretor do Museu Nacional discursou a respeito da extinção da raça negra no país por conta do processo de branqueamento nacional. O discurso de Lacerda salientava que o Brasil se tornaria uma nação de mestiços e fazia um apelo aos países europeus ao afirmar que o país estava aberto para receber os imigrantes de nacionalidade europeia. (Hofbauer, 2006)

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classista que se fundamentava na raça para a construção de uma história brasileira contraditoriamente caucasiana e europeia. Enquanto os institutos se atentavam a história nacional as faculdades de direito debatiam sobre os problemas da atualidade e sobre a elaboração de uma Constituição compatível aos dilemas nacionais. As teorias de Silvio Romero, expressas no trabalho de Shwarcz (1993), foram reproduzidas por outros pesquisadores de Recife tomando, assim, grandes proporções no meio científico acadêmico. Influenciado pelas teorias evolucionistas e também pelo determinismo4, Romero identificou o mestiço como uma raça em formação e ao invés de abominar a mestiçagem encontrou nela uma “viabilidade nacional”. De acordo com Schneider (2011), tal otimismo ao elogiar a mestiçagem era hipotético, já que Silvio Romero acreditava e defendia a superioridade da raça branca. Apesar de algumas oposições teóricas e hegemônicas as faculdades de direito e medicina desempenharam juntas um papel decisivo nos rumos da sociedade brasileira no final do século XIX e início do século XX. Shwarcz (1993) expõe o cenário das escolas de medicina, na Bahia e no Rio de Janeiro, que enxergavam a sociedade como um verdadeiro “laboratório humano”. A escola baiana ocupou grande destaque no que se refere aos estudos de medicina legal e as pesquisas de Nina Rodrigues, que condenavam a mestiçagem e afirmavam a necessidade de aplicar diferentes penas para crimes de brancos e negros, influenciaram outros médicos da época. Em 1930, ocorrem mudanças teóricas na Faculdade de Medicina da Bahia. A publicação do artigo “A saúde e a raça” na Gazeta Medica da Bahia negava cientificamente a existência de raças humanas e fazia um novo apelo à questão cultural indicando o início de um novo paradigma, embora ainda calcado nas raízes preconceituosas do discurso eugênico5.

1.2 A questão cultural e a mestiçagem O racismo científico estava, até então, instaurado nas instituições brasileiras e se sustentava a partir de diferentes teorias estrangeiras e nacionais. Em 1933 Gilberto 4

O evolucionismo social ou etnologia social defendia a origem una do homem, mas classificava os negros e indígenas como sociedades inferiores e a sociedade europeia como o ápice da evolução humana e da civilização enquanto a escola darwinista social ou determinismo racial era adepta da teoria de que a raça humana tinha mais de uma origem e de que a mestiçagem provocava a degeneração racial. (SHWARCZ, 1993) 5 As práticas eugênicas, incorporadas aos projetos políticos e científicos da época, visavam a melhoria do aspecto físico, moral e mental da “raça nacional”. (SOUZA, 2008)

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Freyre publica o livro Casa Grande & Senzala, provocando mudanças teóricas no que diz respeito a questão racial. Segundo Borges (2003), desde o fim da escravidão até a publicação do trabalho inovador de Freyre o discurso político do país omitiu a escravidão e o projeto republicano foi construído por uma elite branca e conservadora que se apoiava no racismo científico para excluir os negros da formação nacional. Este vácuo histórico foi preenchido pela nova concepção de Freyre que considerou o negro como cocolonizador do país. Seguindo o mesmo pensamento Andrade (2003) afirma que Freyre também destacou o papel do colonizador português, que seria mais adaptável aos trópicos do que outros europeus além de não se preocupar muito com a miscigenação racial devido a sua anterior convivência com os povos mouros. De acordo com Strieder (2001) Gilberto Freyre constatou que a junção das três raças formadoras do país, africana, indígena e portuguesa, deu origem ao mestiço, a um país que não é nem de brancos nem de negros, mas sim de uma “nova raça” mestiça. O trabalho de Freyre foi muito bem recebido pelo público e, como mostra Skidmore (2003) outros acontecimentos contribuíram para o seu sucesso, como o financiamento das escolas de samba do Rio de janeiro pelo governo de Vargas, fato que comprova uma inversão de valores, pois até então a elite branca depreciava as manifestações da cultura negra, como o samba e o candomblé. Renato Ortiz (1994) caracteriza essa incorporação das manifestações populares ao discurso do Estado como um reconhecimento de brasilidade e de expressão da cultura nacional. Porém, o otimismo da obra de Freyre foi posteriormente criticado pelo fato de considerar que a formação racial brasileira foi pacífica, que o encontro dos negros, brancos e indígenas foi uma espécie de “carnaval social e biológico”, como afirma Damatta (1986). O pensamento de Freyre, expresso no trabalho de Strieder (2001), foi influenciado por seus estudos nos Estados Unidos, um país onde a segregação racial era evidente. Ao analisar comparativamente a situação nos dois países, Freyre identificou que no Brasil ocorria uma harmonia na relação entre escravos e seus senhores, dando origem ao mito da democracia racial6.

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Gilberto Freyre ficou conhecido como percussor da democracia racial, porém ele nunca utilizou esse termo em seus livros. (STRIEDER, 2011)

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1.3 O preconceito velado Os desdobramentos

do pensamento de Freyre influenciaram

outros

pesquisadores e fundamentaram o imaginário brasileiro de integração racial. Contudo, na década de 1950 o Projeto Unesco inicia no Brasil uma série de pesquisas com o objetivo de analisar o cenário das relações raciais, propagado no exterior através da representação otimista lançada por Gilberto Freyre. Maio (1999) esclarece que a Unesco escolheu o Brasil pois buscava uma referência mundial em relações étnico-raciais harmônicas. As pesquisas objetivavam o estudo destas relações inseridas no contexto da acelerada modernização do país. Em São Paulo, Roger Bastide foi o precursor do projeto juntamente com Florestan Fernandes e Octavio Ianni. Contrariando as expectativas da Unesco as pesquisas apontaram a existência do preconceito racial atrelado a estratificação social. Florestan Fernandes (2007) identificou no sistema escravocrata e na abolição altruísta forjada a herança dos dilemas raciais e sociais contemporâneos. Segundo o sociólogo a ausência de políticas de inserção dos ex escravos no novo sistema econômico provocou a marginalização dos negros impedindo, assim, sua integração na sociedade de classes. Os estudos do sociólogo contribuíram ainda para o entendimento do preconceito existente no país. Bastide; Florestan (1955) explicam que o preconceito no Brasil é velado pois fundamentou-se no país o chamado “preconceito de ter preconceito”. Mais tarde, o Datafolha (1995) lançaria uma pesquisa que comprovava o preconceito mascarado dos brasileiros. O mapeamento do racismo no país foi inédito e apresentou resultados que compravam a existência do racismo de forma velada no país.

Figura 1: Capa da Folha com o resultado da pesquisa Fonte: DATAFOLHA (1995)

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1.4 A construção da identidade e os meios de comunicação A construção histórica do imaginário social do negro, influenciada pelo racismo científico e pelo mito da democracia racial, produziu estereótipos e arquétipos que perduram e se fortalecem no discurso das elites dominantes. Apesar das transformações históricas, políticas e sociais a figuração do negro calcada na escravidão e na posição de subalterno persiste até os dias atuais e é constantemente reproduzida, ainda que de forma velada. Segundo Santos (2002) o pensamento racial foi repetido e refletido nas elites pré e pós abolicionistas. A autora salienta que o ideal de um Brasil mestiço se deu a partir da construção da imagem negativa e submissa do negro e na aspiração ao branqueamento e a mestiçagem. Kabengele Munanga (2012) explica que durante séculos a sociedade branca depreciou a imagem do negro e que a construção de uma identidade negativa dos afrodescendentes foi posteriormente interiorizada e naturalizada pelos próprios negros discriminados. Segundo Castells (1999) o processo de formação da identidade é um processo histórico que depende da biologia, das instituições, da memória coletiva, dos aparatos de poder dentre outros componentes. Entretanto, o autor afirma que todo esse conjunto de aspectos que compõe a identidade é ressignificado pelos indivíduos e pela sociedade de acordo com as “tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço” (CASTELLS,1999, p. 23). Em seu trabalho o sociólogo apresenta três tipos de identidades: a legitimadora, a de resistência e a de projeto. A legitimadora é aquela produzida e induzida pelos grupos dominantes, expandindo assim, sua dominação sobre outros grupos identitários. A identidade de resistência surge quando atores sociais estigmatizados pela ideologia dominante formam comunidades para reforçar sua própria identidade. A resistência é importante pois ressignifica conceitos e rompe com valores e padrões difundidos pelos grupos opressores. Já a identidade de projeto seria um passo adiante da resistência, quando os grupos promovem iniciativas que redefinem as identidades na estrutura social, quando os atores envolvidos se transformam em sujeitos de significado por meio da experiência de ruptura.

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Em seus estudos sobre a identidade pós-moderna Hall (2014) propõe uma reflexão acerca da identidade volátil no mundo globalizado. Na pós- modernidade as culturas nacionais pluralizadas estão sujeitas a contradições de identidade entre diferentes grupos étnicos e o debate a respeito do multiculturalismo se faz necessário. O autor sustenta a ideia de identificação e de representação no lugar da concepção de identidade fixa, considerando assim seu caráter mutável e tendo em vista o processo de formação identitária como contínuo e suscetível a constantes modificações e influências externas. Hall (2014) fala sobre como a cultura nacional utiliza as representações e a identificação para criar a identidade nacional. “As culturas nacionais, ao produzirem sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades” (HALL, 2014, p. 31). O autor explica que estes sentidos são representados pela história da nação, pelas memórias que conectam o passado ao presente. A narrativa que conta a história da nação está presente na história, na literatura, na cultura popular e na mídia. Imagens, símbolos, cenários, eventos históricos são parte dessa narrativa que busca representar e partilhar as vivências de um povo. Muitas vezes essa narrativa está baseada na ideia de um “povo original”, mas que na realidade é raramente esse povo que exerce o poder na nação. A questão contraditória da identidade nacional, contada através dessas narrativas simbólicas, se refere ao fato de que a unificação dessas representações não leva em conta o caráter heterogêneo das nações modernas. Mas seria a identidade nacional uma identidade unificadora desse tipo, uma identidade que anula e subordina a diferença cultural? Essa ideia está sujeita à dúvida, por várias razões. Uma cultura nacional nunca foi um simples ponto de lealdade, união e identificação simbólica. Ela é também uma estrutura de poder cultural. (HALL, 2014, p. 35)

Sendo assim, as identidades nacionais passam a desintegrar-se em um momento de globalização e pós-modernidade e novas identidades locais são reforçadas como um ato de resistência. O fortalecimento das identidades locais de grupos étnicos é visto pelo autor como uma defensiva a ameaça da cultura nacional baseada apenas em representações de uma cultura dominante. O autor ressalta ainda a influência da globalização ao pluralizar as identidades, possibilitar novas identificações e tornar as identidades mais políticas e posicionais. De acordo com as definições de Castells (1999) e Hall (2000) pode-se considerar a mídia como um dos aspectos que contribuem para o processo de formação da identidade. Os meios de comunicação reproduzem os discursos racistas estruturados pela elite (SODRÉ, 1998) e contribuem, dessa forma, com a afirmação e a naturalização de uma 19


identidade pejorativa do negro. Segundo o autor, o racismo midiático pode ser analisado a partir de quatro elementos: o da negação do próprio racismo, do recalcamento dos aspectos positivos de origem negra, da estigmatização que inferioriza o negro e da indiferença profissional que reduz o contingente de negros atuantes nos meios de comunicação. Em seu trabalho de pesquisa Joel Zito Araújo (2008) examinou a representação dos negros nas telenovelas brasileiras e identificou que os papéis dos atores negros se limitavam a escravos e serviçais. Apesar de uma lenta ascensão do negro nas novelas o pesquisador constatou que um terço das produções da Rede Globo até o fim dos anos 1990 não contavam com a presença de nenhum personagem negro. Araújo (2008) esclarece que a dramaturgia da teleficção não corresponde as definições étnico-raciais dos brasileiros e ressalta a persistência inegável da superioridade do branco. A mídia faz parte do conjunto de aparelhos ideológicos do Estado, como explica Stuart Hall (2003) ao analisar a contribuição dos pensamentos de Althusser para a redefinição do conceito de ideologia. O autor apresenta a ideologia como uma prática de reprodução das relações sociais através dos aparelhos ideológicos, sendo estes a igreja, a família, as organizações sindicais, a mídia e as demais instituições que reproduzem a ideologia do Estado mas não são diretamente controladas por este. No regime capitalista liberal a ideologia das classes dominantes é predominantemente reproduzida nos discursos sociais. O autor comenta que a reprodução dessa ideologia se dá por meio da linguagem e dos comportamentos, sendo estes a materialização do discurso ideológico, e que os sistemas de representação são os sistemas de significado que os indivíduos constroem para figurar o mundo para si e para os outros. Esta classificação do mundo em torno das representações e significados cria o “pensamento social” e o “senso comum” (Hall, 2003, p. 177). A complexidade dessa estrutura ideológica e materialista não é estática e a articulação dos discursos dominantes está sujeita a transformações. O autor conta como sua própria identidade foi questionada em países diferentes por conta dos distintos mecanismos de classificação e reprodução social. No caso do Brasil e dos meios de comunicação que fazem parte do aparato de construção ideológica nota-se um discurso prevalente no que diz respeito as categorias de raça, cor e etnia. Ao analisar as notícias veiculadas nos principais jornais brasileiros no final do século XIX, Schwarcz (1987) constatou que a construção do discurso em relação ao negro feita pelos brancos detentores da produção midiática era também a limitação da 20


identidade dos próprios emissores. No período de formação do Novo Estado republicano os jornais tinham grande importância na veiculação dos novos ideais da época e no suporte das teorias raciais para enraizar os discursos de superioridade dos brancos em relação aos negros. As análises feitas pela autora decorrem desde o período da escravidão até o pós-abolicionista e percebe-se uma mudança na representação do negro nas notícias. A figura do negro passa de escravo a “estrangeiro não desejável” e posteriormente, no início do século XX, ocorre uma diluição da questão racial nas páginas dos jornais. Acompanhando as transformações históricas e sociais, os jornais estampam a harmonização da cultura brasileira e o antigo discurso em relação a figura do negro já não é mais evidente. Contudo, a autora reforça a ideia de que até os dias atuais os preconceitos em relação ao negro estão implícitos nas páginas dos jornais e arraigados no aparato ideológico. Ao analisar um exemplar do jornal Folha de S. Paulo, Xavier; Xavier (2002) identificou a manutenção do discurso das classes sociais dirigentes e a dinâmica de exclusão dos negros. A pesquisa resultou na superexposição da figura do negro nos cadernos de esporte e cultura e na sua ausência nos cadernos de política e economia, evidência que reforça os estereótipos de inferioridade dos afrodescendentes ditados pelas teorias raciais do século XIX. Os autores esclarecem que esse tipo de cobertura jornalística naturaliza as desigualdades e dificulta a identificação e a superação do racismo. Em seu projeto de pesquisa Fernando Conceição (2005) analisou o papel da mídia na manutenção ou na ruptura do racismo brasileiro. Ao estudar a mídia impressa, mais especificamente o Jornal Folha de S. Paulo, o jornalista identificou um aumento de notícias relatando a questão do racismo. Porém a abordagem midiática ainda ressaltava os estereótipos negativos da figura do negro.

Relações para e com públicos plurais

Integrante da área do conhecimento das Ciências Sociais Aplicadas, as relações públicas causam controvérsias entre os teóricos e profissionais. Com um histórico conturbado e novas aplicações e possibilidades que foram surgindo de acordo com as necessidades dos novos tempos, as relações públicas ainda carecem de uma identidade 21


(KUNSH, 1997). Entretanto, alguns conceitos e algumas ferramentas de comunicação são essenciais para que se compreenda o universo das relações públicos. Este capítulo traz um breve histórico e apresenta um panorama geral da área além de conceituar alguns elementos importantes para a prática da profissão. Considerando a importância da diversidade cultural, da tomada de consciência grupal e da participação mútua dos públicos plurais a ideia de que as relações devem ser feitas para e com seus públicos é o eixo central no qual permeiam as demais reflexões. 2. 1 A inconsistência das relações públicas

Na busca por definições para as relações públicas é possível encontrar diversas abordagens que classificam a atividade ora como uma habilitação da comunicação social ora como parte do campo da administração e gestão. Independente da grande área em que se encaixa, a atividade de relações públicas está calcada na gestão da comunicação entre os diversos públicos que interagem com as organizações, sejam elas privadas, públicas ou do terceiro setor. Entendemos as Relações Públicas como parte integrante do subsistema institucional das organizações, cabendo-lhe o papel fundamental de cuidar dos relacionamentos públicos dos agrupamentos sociais que podem ser configurados a partir de diferentes tipologias e características estruturais, envolvendo das organizações públicas às empresas privadas e aos segmentos organizados da sociedade civil (KUNSCH, 2009, p. 54)

Em sua tese de livre-docência, Margarida Kunsch (1997), questionou profissionais da área de relações públicas considerados líderes de opinião e também profissionais que atuam na área de comunicação organizacional. Buscou nos sindicatos e associações de relações públicas e comunicação organizacional, nas empresas e agências de relações públicas, jornalismo, rádio e televisão e propaganda e em outras organizações depoimentos que abordassem a evolução e a importância das relações públicas nas organizações do Brasil. Existem muitas divergências no que se refere a prática das relações públicas no país e a pesquisa revelou esses contrapontos. Em suas conclusões a autora aponta as duas correntes distintas, uma dos que enxergam as relações públicas como parte integrante da macroárea da comunicação organizacional, juntamente com o jornalismo e a publicidade e propaganda, e a outra daqueles que acreditam que a profissão se vincule mais a área de administração. No geral, a pesquisa revelou que a profissão passa atualmente por uma crise de identidade, depois de cinco décadas no país passando por distintos momentos como o polêmico vínculo com os militares, a regulamentação da 22


profissão durante a ditadura e de forma prematura já que a profissão ainda não estava consolidada na prática, a substituição dos departamentos de relações públicas por comunicação entre outros acontecimentos que contribuíram de alguma forma para que a legitimidade e importância da categoria fossem tão discutidas nos dias atuais. Outro ponto importante destacado na pesquisa é o distanciamento da academia do mercado, o que resulta em uma formação incompleta e pouco alicerçada na área das ciências sociais aplicadas. Kunsh (1997) também ressalta que a pesquisa contribui para a área de produção científica das relações públicas, ainda muito escassa no país. A autora reforça a importância da formação humanística do relações-públicas e das ciências sociais como base não só na graduação, mas também na prática “no que diz respeito aos processos de integração, às relações de poder, às análises da cultura organizacional e a muitos outros fenômenos” (p.106). As contradições das relações públicas também se manifestam no que diz respeito ao seu exercício nas diferentes organizações. A prática da profissão é naturalmente associada aos interesses empresariais e como identificou Peruzzo (1986) em sua dissertação, as relações públicas no setor privado contribuem para a perpetuação do modo de produção capitalista. Ao analisar o panorama geral do surgimento das relações públicas nos Estados Unidos, no início do século XX, a autora caracteriza o posicionamento da atividade profissional, diante do evidente antagonismo de classes, a favor do capital. Isso se dá pelo fato de que o primeiro relações-públicas da história, Ivy Lee, transformou a imagem pública do empresário John D. Rockefeller Júnior, antes odiado pela opinião pública por suas atitudes desumanas diante da greve de seus funcionários e depois aclamado e considerado um grande filantrópico. No Brasil, as relações públicas ganham destaque nos anos 1950, em um contexto de avanço industrial e também de desenvolvimento dos meios de comunicação de massa. A profissão foi se estruturando, ganhando espaço nas empresas privadas e no setor público, e atuando no sentido da harmonização das relações entre públicos com interesses distintos. “(...) as Relações Públicas surgem em circunstâncias em que os conflitos de classe se tornam mais fortes nas democracias burguesas e que elas se explicitam como função persuasiva tentando fazer convergir os interesses de toda a sociedade aos interesses do capital” (PERUZZO, 1986, p. 33). A autora avança seu pensamento explicitando uma série de definições de relações públicas que buscam justificar a função harmonizadora da profissão. Relações públicas harmonizando interesses públicos e privados, interesses de trabalhadores e 23


patrões. Porém a reflexão é mais complexa e aponta a fragilidade das relações públicas, na teoria e na prática, por serem incoerentes com a realidade concreta. Na prática, as relações públicas dizem promover a igualdade e a compreensão mútua entre os públicos mas isso acontece em uma realidade de discrepantes desigualdades, diferenças de classe, privilégios e discriminações raciais, como foi documentado anteriormente nesta pesquisa. Por mais que se estabeleça em um determinado momento uma relação de harmonia entre antagônicos “a dinâmica da história da sociedade tende a fazer com que o compromisso se modifique e seja rompido” (PERUZZO, 1986, p. 52). Esta dinâmica propulsora de constantes mudanças está presente na obra de Marshall Berman (1986) intitulada “Tudo que é sólido desmancha no ar”, uma frase do pensador Karl Marx. Ao expor as implicâncias da modernidade o autor esclarece como a frase título da obra sintetiza o paradigma moderno: tudo é criado para depois ser recriado, é construído para ser desconstruído e, enfim, reconstruído. Luciane dos Santos (2007) escreveu o artigo “Tudo que é imagem se desmancha no ar” se apoiando na mesma ideia. A autora traz para o campo das relações públicas, assim como fez Peruzzo (1986), a ideia de que a atuação profissional deve acompanhar as constantes mudanças da sociedade, da organização e do relacionamento entre os diferentes públicos. A autora esclarece que a imagem institucional que as organizações buscam construir, principalmente se apoiando na publicidade, é desconstruída a partir do momento que os discursos propagados não condizem com as atitudes e posturas comunicadas na rotina de trabalho, através a cultura organizacional. A preocupação com a imagem se dá pois a sociedade do espetáculo valoriza os bens de consumo e seus valores simbólicos mas a preocupação com uma real mudança de posicionamento não ocorre e, segundo Santos (2007), o público interno é um dos mais afetados pois está mais distante dos olhares da mídia e é invisibilizado tanto nas ações publicitárias quanto na comunicação institucional. Dito de outro modo: se os parâmetros de produção não sofrem a mínima mudança, se comunicam as mesmas premissas de violência e dominação simbólicas na relação com os atores sociais, então a enunciação do contrário só destaca as linhas de força e ressalta as incoerências (SANTOS, 2007, p. 150)

Em seu artigo a autora traz exemplos que envolvem a questão do discurso social e sustentável que muitas organizações privadas fazem mas não cumprem na prática. Porém, a reflexão é importante e pode ser feita em outros âmbitos. A ideia de que as relações públicas, como um “eixo que sintoniza ação e discurso - gestão e comunicação” 24


(p. 162), podem identificar públicos vulneráveis instiga mudanças significativas na comunicação organizacional. Fazendo da comunicação um processo de transformação, podem ressignificar, buscando oportunidades nas brechas do sistema e nas inconsistências dos discursos falaciosos. As relações públicas, como um todo e não só pelo uso de suas ferramentas, podem “funcionar como manancial de soluções para mobilizar grupos heterogêneos e extrair, da convivência entre interesses divergentes, a condição da transformação social. ” (p. 173). Dessa forma, as ações de comunicação não pontuais e não isoladas ganham força, transformam-se em resistência dentro do sistema dominante.

2.2 A informação e o relacionamento com os públicos plurais Em seu trabalho Simões (1995) buscou ampliar os conceitos de relações públicas para que a área em questão não fosse reduzida as suas ferramentas e métodos de atuação. O autor explica que para o exercício da profissão é preciso levar em conta as questões culturais e políticas da sociedade em que se está inserido. Simões (2006) também esclareceu questões acerca da informação no exercício das relações públicas. Reunindo conceitos de diversos teóricos, o autor apresenta a informação como essência da profissão, como “matéria-prima” e como um meio para atingir os objetivos propostos. Essa informação se encontra nos canais de comunicação e é entendida de acordo com a percepção do receptor diante dos dados, pois os dados são apresentados e a informação é a forma que o receptor dá a esses dados. Da mesma maneira que os dados são a matériaprima da informação a informação é a matéria-prima do conhecimento. Essa cadeia gera, então, tomadas de decisões mobilizadas pelo conhecimento e é por isso que “quem tem informação tem o poder (de decidir corretamente ou influenciar a decisão de quem não a possui)” (SIMÕES, 2006, p. 61). Na busca por outros conceitos interligados ao da informação o autor expressa o pensamento de Katz e Kahn ao caracterizar a comunicação como um processo de troca de informação e repasse de significado. Sendo assim, o exercício das relações públicas consiste em buscar dados respectivos aos públicos da organização, compreender a informação e por meio do conhecimento planejar ações que evoquem melhorias na comunicação organizacional para e com todos os públicos plurais. Além da informação, públicos e relacionamentos também são essenciais para as organizações e para o exercício da profissão (FRANÇA, 2011). Para compreender as relações públicas é primordial conhecer a relevância dos públicos e suas 25


interdependências e a obra de Fábio França (2008) intitulada “Públicos: como identificalos em uma nova visão estratégica” traz uma ampla conceituação e reflexão em torno do assunto. O autor buscou, em primeiro lugar, conceituar e esclarecer a noção do que é público com base em estudos de outros teóricos, entre eles Gabriel Tarde, o primeiro a estudar o conceito de público. O estudo pioneiro revelou que a literatura da antiguidade e da idade média trazem apenas referências as multidões pois a ideia de público começa a nascer no século XVI, com o desenvolvimento da imprensa. O trabalho de Alvin Toffler, também expresso no livro de França (2008), avança na conceituação ao dividir em três momentos, chamados de ondas, o desenvolvimento da comunicação acompanhado de outras transformações sociais, políticas e econômicas. Na primeira onda, que se refere as sociedades agrárias, o autor afirma que a comunicação se dava de boca em boca e como não existiam meios de comunicação de massa a única forma de disseminar uma mensagem era reunindo uma multidão. A segunda onda, marcada pelo desenvolvimento industrial, apresenta outras necessidades de comunicação provocando o surgimento dos correios, do telefone para encurtar as distâncias e dos meios de comunicação de massa, jornais, rádio, televisão, para atender a nova estrutura urbana e fabril. A terceira e última onda é a pós-industrial e traz com ela uma segmentação de mercados, profissões, estilos de vida impulsionando uma comunicação mais individualizada. É justamente nessa última etapa que nasce a comunicação dirigida, específica para determinados públicos. Diferente da multidão da primeira onda e da massa da segunda, estes públicos são considerados grupos de pessoas que compartilham vivências e interesses comuns, não habitando necessariamente o mesmo espaço7. Tendo em vista os diversos públicos que interagem com a organização e suas especificidades é “da essência das relações públicas a multirrelação, a qual é estabelecida com os públicos, que podem ser chamados de pluripúblicos” (FRANÇA, 2008, p. 20). Diante da pluralidade de públicos o profissional de RP precisa classifica-los para direcionar as ações de comunicação dirigida. A classificação tradicional que divide os públicos em interno, externo e misto gera incongruências e opiniões divergentes entre os teóricos da área (FRANÇA, 2008). O mapeamento de públicos proposto pelo autor se baseia no grau de relacionamento, interdependência e participação dos públicos com a organização. As tipologias e classificações variam porém o mais importante é que se identifique e se estabeleça um

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Uma visão genérica do que é público, tendo em vista a multiplicidade de conceitos de diferentes teóricos apresentados na obra de França (2008)

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relacionamento com os públicos plurais e esta tarefa é um desafio para os profissionais da área. A comunicação é eficaz quando satisfaz as expectativas do público e como cada público é distinto as mensagens também são elaboradas e direcionadas de formas distintas. Portanto, o mapeamento de públicos se faz necessário. Definidos os públicos é preciso estabelecer e criar relacionamentos com os mesmos já que as relações públicas, segundo França (2008) são atividades de relacionamento. Um dos elementos importantes é a reciprocidade do relacionamento que o torna positivo por produzir vantagens para todas as partes (FRANÇA, 2011) e de acordo com Grunig (2011) esse tipo de relacionamento faz parte do modelo simétrico de duas mãos das relações públicas, considerado o modelo mais ético8 que garante, através de estudos, diálogos e negociações a compreensão mútua entre os públicos envolvidos. Ao identificar as relações sociais de forma mais ampla, França (2011) apresenta os relacionamentos corporativos se referindo as relações que envolvem o corpo da organização. Estes relacionamentos estão diretamente ligados aos valores e as diretrizes da organização, ao planejamento estratégico elaborado com base nas teorias de relações públicas. Além disso, são bem sucedidos quando prolongados, criando redes de relacionamento, diálogos permanentes, dando atenção aos feedbacks e não atendendo as necessidades evidentes com ações pontuais e isoladas. O autor apresenta ainda uma arquitetura relacional que estabelece os tipos de público, os tipos de relacionamento, os objetivos do relacionamento e os resultados esperados. A construção e manutenção de relacionamentos vem acompanhada com o monitoramento e mensuração dos mesmos, pois de nada adianta uma proposta que não é bem recebida pelo público alvo. Sendo assim, a identificação do público, através do mapeamento, e a compreensão de suas necessidades e expectativas é essencial para que o relacionamento seja, de fato, mútuo. Srour (1998) propôs uma classificação que considera que cada membro da organização se personifica como agente coletivo de classes sociais, categorias sociais e públicos. As classes sociais no sistema capitalista dizem respeito aos proprietários,

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Grunig e Hunt desenvolveram quatro modelos de relações públicas que sistematizam a atividade profissional de acordo com seus propósitos. O primeiro modelo de agência de imprensa/divulgação, que visa apenas publicidade favorável, o modelo de informação pública que funciona como uma assessoria de imprensa baseado na propagação de informações, e o terceiro modelo chamado assimétrico de duas mãos se assemelha a ideia de monólogo pois trabalha com a ideia de que a informação do emissor (organização/rp) é mais válida e importante do que as demais. O quarto modelo, simétrico de duas mãos, está contido no corpo do texto. (Grunig, 2011, p. 37)

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gerentes e trabalhadores. As categorias sociais são as distinções de gênero, raça e etnia, religião, geração entre outras enquanto os públicos se estendem desde os clientes de uma marca até eleitores de um partido ou beneficiados de um projeto social. A complexidade se dá a partir do momento que se identifica em um único individuo interfaces de todas as categorias. Em consequência um agente individual pode ser, ao mesmo tempo, trabalhador assalariado (pertencente a uma classe social), homem, branco, de origem italiana, jovem adulto, católico praticante, paulista, metalúrgico, heterossexual, sujeito economicamente ativo, além de deficiente físico (pertence à várias categorias sociais). Mas é também telespectador, amante de ópera, contribuinte, fiel da igreja do bairro, torcedor de um clube de futebol, motorista amador, correntista de um banco, cliente de um supermercado, simpatizante de um partido político entre tantas outras situações (faz parte de muitos públicos). (SROUR, 1998, p. 113)

Esses agentes individuais coexistem simultaneamente em diferentes categorias e se relacionam com outros agentes de distintas formas. Srour (1998) identifica essas relações como interpessoais, estruturais e de consumo. As relações interpessoais envolvem os agentes individuais e suas subjetividades enquanto as relações estruturais são internas as organizações e referem-se aos processos econômicos, políticos e simbólicos e as de consumo estão direcionadas ao público externo consumidor de produtos e serviços.

Figura 2: Tabela com as classificações de relações sociais. Fonte: SROUR (1998, p. 113)

2.3 Análise de cenários e a participação como chave do planejamento Para que as relações públicas sejam aplicadas de forma estratégica é preciso inicialmente uma análise do ambiente, tanto da organização quanto da sociedade em geral, levando em consideração os aspectos da cultura local. Para esclarecer melhor a relação entre organização e sociedade é preciso entender o conceito de organização nas 28


Ciências Sociais. Para Srour (1998) a distinção entre instituição e organização está no fato de que as instituições são um conjunto de normas estabelecidas e compartilhadas por um grupo com reconhecimento social, como por exemplo a instituição do casamento ou a instituição da igreja católica. Estabelecida essa diferença o autor expõe o conceito de organização como um sistema social que desenvolve sua própria dinâmica interna em torno de um objetivo final, seja por meio da produção de um bem material ou imaterial. “Representam fenômenos de ordem coletiva, entidades com vida própria e dinâmica específica e inscrevem-se no domínio da sociedade, qual seja, da história” (SROUR, 1998, p. 100). Dessa forma, as organizações, sejam elas privadas, públicas ou do terceiro setor, estão inseridas dentro de um contexto social mais amplo. Como denominou Srour (1998) as organizações são consideradas microcosmos sociais. O autor subdividiu estas organizações em três dimensões: econômica, política e simbólica, as que produzem respectivamente bens ou serviços, decisões imperativas e mensagens cognitivas. Ao mesmo tempo que diferencia as organizações, as três dimensões também coabitam na mesma organização. Em termos econômicos, as relações de haver (ou de produção) articulam uma espécie de praça em que se produzem e intercambiam bens e serviços. Em termos políticos, as relações de poder articulam uma espécie de arena em que se defrontam diferentes forças sociais. E, em termos simbólicos, as relações de saber articulam uma espécie de palco em que se elaboram e difundem representações imaginárias (discursos ou mensagens). (SROUR, 1998, 122)

O autor ressalta a ideia de que as organizações, como espaços de interação social, passam constantemente por divergências e conflitos tendo em vista a multiplicidade de interesses das diferentes classes sociais, categorias sociais e públicos. Ao considerar que a organização está inserida e, portanto, influenciada, por um contexto social a análise de cenários, ou análise do ambiente, se faz estratégica. De acordo com Grunig (2011) é por meio da análise que identificamos os públicos específicos e suas necessidades e também assuntos emergentes. A análise do ambiente é importante para que as relações públicas possam administrar as consequências das ações organizacionais. O autor apresenta ainda uma estrutura que permeia o processo de análise de cenários em sete etapas. Em primeiro lugar a análise deve monitorar as ações gerenciais estratégicas instigando a importância dos impactos para os diferentes públicos. Em seguida, a análise parte para os públicos em questão, envolvendo pesquisas, grupos e reuniões. Além disso, o monitoramento também deve ser feito com os públicos na web, através de mídias 29


sociais, sites e outras fontes. A quarta etapa consiste nas entrevistas com os funcionários, gestores e outros públicos de interesse. Feito isso, identifica-se os públicos que poderiam ser afetados pelo assunto emergente da análise e cria-se um banco de dados para ter todo o conteúdo da análise organizado, facilitando assim, as tomadas de decisões. Por fim, é preciso monitorar a mídia e realizar pesquisas para verificar a eficácia dos relacionamentos com os públicos e assuntos emergentes. O caminho percorrido pela análise de cenários permite uma visão macro do problema, contribuindo assim, para um programa de relações públicas mais coeso e preciso no micro ambiente das organizações. O planejamento de um programa ou uma ação de relações públicas pode ser elaborado com base em diferentes metodologias. Considerando que a pesquisa em questão visa a proposta de relações para e com públicos, em uma perspectiva mais humana e dialógica, a aplicação do planejamento participativo é a ferramenta mais adequada. Como o próprio nome diz, a chave do planejamento participativo é a participação e segundo Gandin (1994) a participação são se limita a uma contribuição, mas sim a uma real construção em conjunto. Diante de uma situação conflituosa o grupo se reúne para contrapor as metodologias teóricas com a realidade prática. Esse confronto é crucial pois cada realidade, e sua complexa mutação, apresenta suas especificidades e as teorias não são estáticas e totalizantes. Desse encontro surge o diagnóstico com as necessidades e, por fim, uma proposta de ação. O autor ressalta a importância da participação de todos os envolvidos nesse processo e identifica o participativo como uma tendência atual. Estamos passando de uma época, em que se reconhecia uma cosmovisão pronta e determinada, para um tempo em que é preciso construir a cada momento uma visão de mundo; mais ainda, firma-se a convicção de que não são só os poderosos ou os técnicos que têm capacidade de descobrir caminhos; todos temos esta sabedoria e este direito não pode ser subtraído das pessoas. (GANDIN, 1994, p. 55)

A participação plena é pouco vista na prática, mas quando executada permite o envolvimento de todas e todos no processo de transformação pois envolve seus próprios problemas, seus conhecimentos da realidade e suas próprias consciências. Para Paulo Freire (2005) a conscientização se faz importante como um ato de conhecimento, de aproximação da realidade e também como prática de liberdade. O autor cita o ato açãoreflexão em que a conscientização existe na práxis e é nela que ocorre a transformação. Esta transformação é constante e incessante e tem como objetivo a libertação dos seres humanos. O pedagogo propõe como uma das metodologias possíveis os círculos de 30


cultura que promovem a discussão em torno de temas geradores. A apresentação dos temas se dá pela projeção de uma imagem, uma situação da realidade, que o autor chama de objeto cognoscível, e a primeira fase consiste no distanciamento de todos os envolvidos para uma reflexão crítica conjunta. A partir de então os atores percebem suas relações, de acordo com seus contextos, com o objeto cognoscível, relações estas as vezes desconhecidas antes da descodificação e da reflexão. As fases de descodificação permitem que os participantes revelem suas próprias visões de mundo propiciando novos temas geradores, novas rupturas e novas transformações, retroalimentando, assim, o ciclo. “Pela ação e na ação é que o homem se constrói como homem.” (FREIRE, 2005, p. 43). As pesquisas de Freire (2005) foram realizadas no contexto latino-americano e a compreensão do processo de conscientização deve considerar, portanto, a realidade histórico-cultural do continente. Para o autor, a cultura do silêncio foi condicionada, nasceu com a dominação da consciência imposta pelos dominadores, a metrópole, sobre os dominados, o Terceiro Mundo. A cultura do silêncio não foi criada isoladamente pois é fruto da própria relação de ambas as partes, relação esta calcada pela dependência e pela dominação. O resultado é o de uma assimilação cultural que faz da sociedade dominada silenciosa, sem voz própria. O rompimento com o silêncio só ocorre com as transformações dos grupos oprimidos, das massas submersas e silenciadas, que abalam a “harmonia” e desvelam o simulacro da manipulação. O autor chama essa fase de transitória e identifica as inquietudes em todas as partes, inclusive nas dominadoras. Como as linhas dessa transição histórica desempenham-se mais nitidamente, esclarecendo as contradições inerentes a uma sociedade dependente, grupos de intelectuais e de estudantes, que pertencem eles mesmos à elite privilegiada, tratam de comprometer-se na realidade social, não aceitando os esquemas importados e as soluções pré-fabricadas (FREIRE, 2005, p. 80)

O autor Roberto Fonseca Vieira (2002) ampliou a discussão das relações públicas na perspectiva sócio-histórica considerando a influência das transformações sociais nos indivíduos e, consequentemente, nas organizações e no fazer das relações públicas. Sendo assim, as relações públicas devem se atentar as novas movimentações e exigências sociais. O autor questiona a prática convencional das relações públicas, harmônica e a favor da classe dominante e do capital, e ressalta que os objetivos da área vão além das táticas e estratégias e “Buscam um método de motivação para a mudança de mentalidade, no sentido de humanizar as relações de trabalho, minimizar diferenças sociais, transformando a própria sociedade” (VIEIRA, 2002, p. 20).

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2.4 Multiculturalismo e Gestão da diversidade Stuart Hall (2009), considerado o precursor dos Estudos Culturais e do multiculturalismo, apresenta conceituações para o multiculturalismo em suas diferentes perspectivas. Em primeiro lugar, o autor explica que muitas sociedades são naturalmente multiculturais pois apresentam um corpo social heterogêneo mesmo quando se reúnem em torno de uma identidade considerada “original”. A questão do multiculturalismo é mais contraditória pois o conceito envolve diversas doutrinas políticas que lidam de forma diferente com a questão multicultural. Dentre os tipos de multiculturalismo uma das vertentes é a do multiculturalismo crítico, também chamado de revolucionário. De acordo com Hall (2009, p. 51) esse multiculturalismo reconhece os movimentos de resistência que surgem da opressão, do privilégio e das hierarquias da sociedade multicultural. Sendo assim, a sociedade brasileira é multicultural e a diversidade cultural está presente desde o início de sua formação (RIBEIRO, 1995). A complexidade dessa diversidade se dá em vários âmbitos que extrapolam as fronteiras nacionais em um contexto de globalização e multiculturalismo. Coll (2002) reflete sobre como o colonialismo e o desenvolvimentismo se transformaram em

estratégias de

homogeneização cultural do mundo, motivada por um desejo de dominação ou de uma tentativa de salvar a suposta inferioridade de outras culturas, e como a globalização corre o risco de ser mais uma etapa desse processo que teve início com a modernidade ocidental. Tendo em vista essa realidade, A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO (2012) declarou a importância da diversidade cultural e do diálogo intercultural. Na declaração, a organização reconhece que as tensões interculturais carregam marcas de conflitos históricos e que o diálogo é a base para a resolução de tais atritos políticos e também pode ser o início de uma reunificação nacional calcada na diversidade. Coll (2002) também ressalta a potencialidade do diálogo intercultural como um reconhecimento mútuo entre culturas e a interculturalidade parte desse princípio. Sendo assim, a interculturalidade não é apenas o encontro de duas ou mais culturas distintas, não pressupõe a aculturação ou dominação e “não se trata apenas de uma interculturalidade que tenha como objetivo final a mestiçagem e a unidade num contexto homogêneo aceito por todos.” (COLL, 2002, p. 30). A proposta de uma interculturalidade libertadora parte do princípio de que há um pluralismo cultural que torna seres humanos cientes de seus limites, aceitando a realidade polar e as tensões de diferentes convecções não isoladas, já que no pluralismo uma realidade está aberta a 32


outra. Segundo Coll (2002, p. 51) a interculturalidade “nos permite perceber o caráter infinito e transcendente de nós mesmos, de nossas identidades e de nossos respectivos mundos. ”. Como as organizações são microcosmos inseridos na sociedade, a diversidade cultural também se reflete na população organizacional. O tema diversidade nas organizações é bastante abrangente pois também diz respeito a outros fatores como gênero, idade, religião, portadores de deficiências ou “pode se referir a quaisquer características que tornem as pessoas diferentes uma das outras” (Robbins, 2010). A presença da diversidade no interior das organizações traz implicações para os gestores já que é preciso reconhecer essas diferenças e valorizá-las em suas particularidades sem que haja discriminação. Robbins (2010, p. 53) apresenta uma definição para o conceito de gestão da diversidade: “O processo e os programas por meio dos quais os gestores tornam todos mais sensíveis às necessidades e diferenças dos outros”. O autor apresenta uma série de programas de gestão da diversidade aplicados em diferentes organizações e também dados que comprovam suas eficiências, como por exemplo uma pesquisa em uma empresa norte-americana que mostrou resultados positivos de maior comprometimento organizacional e menor rotatividade por conta da valorização da diversidade no ambiente de trabalho. Uma outra empresa identificou a necessidade de ter nos cargos de liderança representantes da diversidade e criou um programa de desenvolvimento de liderança aberto a todos, porém, as mulheres e os grupos étnico-raciais sub-representados eram incentivados a participar. O resultado foi um aumento de 31% de mulheres e 92% de mulheres não-brancas em níveis gerenciais. Além desse tipo de programa de treinamento existem também programas de recrutamento da diversidade que buscam diversificar o público interno desde a contratação. Esse tipo de seleção tem implicações na produção já que pesquisas comprovam9 que equipes diversificadas tendem a ser mais criativas, buscando alternativas e soluções de problemas inovadoras. Porém, Robbins (2010) também ressalta que em grupos diversificados podem surgir atritos e até discriminações e por isso programas que condenem esse tipo de atitude e incentivem a socialização e a sensibilização da diferença são necessários. Em seu discurso sobre o silêncio da mídia hegemônica diante do genocídio da juventude preta e pobre Hélio Santos (2015) fala de uma sociedade brasileira que possui aversão a diversidade e dificuldade de incluir e que

O estudo chamado “Hipótese da Diversidade Cognitiva”, realizado por Taylor Cox e Stacey Blake, é apresentado no trabalho de Robbins (2010) 9

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esse cenário mostra como a diversidade pede uma gestão estratégica (informação verbal)10. O Instituto Ethos de Responsabilidade Social e Empresas (2000) desenvolveu um manual de orientação para promover o tema da diversidade nas empresas. Com o objetivo de eliminar os preconceitos e valorizar a diversidade, o manual apresenta conceituações e práticas dirigidas ao universo empresarial. Ao considerar a diversidade um princípio básico da cidadania, o Instituto trabalha com a ideia de que é preciso valorizar as potencialidades das diferenças no ambiente no trabalho e promover a igualdade de oportunidades reconhecendo assim os valores individuais e caminhando rumo a uma sociedade mais justa. Como o público alvo do manual são as empresas privadas, são apresentadas justificativas de valor agregado, imagem organizacional, integração no mundo coorporativo globalizado, aumento na produtividade e na satisfação no trabalho, melhor desempenho financeiro e melhor adaptação e flexibilidade a mudanças e a novas demandas de públicos emergentes. Os impactos da globalização e das mudanças demográficas e culturais são visíveis nas empresas e a valorização da diversidade nesse contexto é uma atitude ética e um compromisso social. O Manual traz também um capítulo específico sobre a diversidade no Brasil e trata da questão histórica da discriminação racial. A escravidão, os cargos subalternos destinados a população negra e o racismo cordial são lembrados como herança de uma sociedade brasileira desigual e discriminatória. Além disso, o manual também fala da situação desfavorecida das mulheres no país. Leis e acordos são apresentados comprovando que mesmo com a regulamentação o preconceito e a discriminação não foram eliminados. As empresas interessadas em promover a diversidade e combater o preconceito devem estar prevenidas de que o discurso, isoladamente, tem sido ineficaz para mudar comportamentos discriminatórios. No Brasil, não é por falta de leis que o preconceito resiste. (ETHOS, 2000, p. 17)

Ao promoverem oportunidades igualitárias as empresas estão sujeitas a presenciarem ações discriminatórias. O manual apresenta dados que evidenciam o preconceito racial presente no ambiente de trabalho, principalmente no momento da contratação e da demissão. Quando uma empresa não é consciente e não adota políticas de promoção da diversidade ela se omite e replica os preconceitos e desigualdades arraigados na sociedade. Quando a empresa reconhece seu papel ético e de 10

Fala proferida na Conferência Inaugural na 10.ª Conferência Brasileira de Mídia Cidadã e 5.ª Conferência Sul-Americana de Mídia Cidadã, em Bauru, em 22 de abril de 2015.

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responsabilidade social promovendo programas de incentivo a diversidade ela abre espaço para que se estabeleçam novas relações entre os públicos, relações estas que promovem o respeito recíproco, o reconhecimento das singularidades e o fomento a cooperação e à criatividade. O manual traz em seu conteúdo um direcionamento que as empresas podem tomar para aderir à gestão da diversidade. Em primeiro lugar é preciso que fique claro para todo o corpo gerencial as novas diretrizes de posicionamento da empresa diante do tema e que as mudanças implicam em mudanças de comportamentos muitas vezes arraigados estruturalmente, e não só na mudança da imagem organizacional. A discriminação no processo educacional se reproduz no mercado de trabalho, portanto as empresas devem mapear demograficamente seu público interno e identificar os cargos ocupados por grupos minoritários desfavorecidos. Indicadores devem buscar, inclusive, se há diferenças salariais entre esses grupos. Outro passo é identificar conflitos ocasionados pela diversidade, por meio de pesquisas de clima organizacional e pesquisas qualitativas, e através do diagnóstico planejar possíveis soluções. Um ponto importante a ser destacado é o fato de que, sempre que possível, a equipe responsável pela coordenação do projeto deve expressar a diversidade em seu corpo de agentes. “Dessa maneira, uma equipe com características multiculturais tem maiores recursos para assegurar que o programa contemple os interesses e as necessidades dos vários grupos culturais presentes na empresa” (ETHOS, 2000, p. 40). Outro aspecto levantado na obra de Robbins (2010) é o fato de que a implementação dos programas, projetos e políticas a favor da diversidade são eficazes quando levam em consideração as perspectivas de todos os funcionários e se ocorrem de uma forma abrangente e não pontual. Por estarem inseridas nos processos de gestão estratégica (GRUNIG, 2011) as relações públicas estão diretamente relacionadas a gestão da diversidade, mesmo que não exista referências bibliográficas específicas sobre o potencial dessa relação. O mapeamento de públicos, a construção de relacionamentos, a análise de cenários e o planejamento participativo são ferramentas de relações públicas que podem fomentar e aprimorar a gestão da diversidade nas organizações. O teórico de relações públicas Krishnamurthy Sriramesh (2014, p. 218) afirma que “Se as organizações não alinharem seus valores e suas atividades com os valores e as expectativas de seus públicos culturalmente diversos, elas estarão fadadas a sofrer consequências, seja com a falta de apoio e até mesmo com a perda de sua reputação. ”.

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Um olhar sobre o multiculturalismo nas mídias e nas organizações

Os múltiplos discursos do multiculturalismo diluídos na seleta cobertura jornalística e nas imagens que as organizações buscam construir para seus públicos são contraditórios. Os jornais apresentam um espelho do mundo através de seus próprios olhares guiados por interesses particulares (ABRAMO, 2003) enquanto as relações públicas buscam construir a imagem das organizações com base em valores muitas vezes não integrantes da real cultura organizacional (SANTOS, 2007). Essa realidade implica em um simulacro da própria realidade, como define Marilena Chaui (2006). A busca por mais informações que considerem a historicidade e complexidade dos acontecimentos provoca mudanças e rupturas epistemológicas nesse simulacro. Considerando que o campo de atuação das relações públicas compreende as organizações e que as mesmas estão inseridas em um contexto social mais amplo, as problemáticas da sociedade, expressas ou não na mídia, influenciam na prática, e também na teoria, das relações públicas. É nesse sentido que um conhecimento acerca da cobertura jornalística e de suas correspondências e implicâncias com e na realidade interfere na abordagem das relações para e com seus públicos plurais. Bauru é uma cidade do interior do Estado de São Paulo que possui uma população de aproximadamente 343.937 habitantes. Os negros, pretos e pardos, compreendem 27% da população bauruense e a maioria deles ainda habita os bairros periféricos. Além disso, os negros ocupam em sua maioria a posição de trabalhadores empregados, sendo que apenas 285 negros são empregadores na cidade.11 Ainda que o município conte com um Conselho Municipal da Comunidade Negra a visibilidade é pequena. Porém, alguns representantes já estão ocupando cargos políticos importantes. No caso do campus da Unesp, Universidade Estadual Paulista, o número de estudantes negros tem aumentado, devido a aderência da universidade as políticas de ação afirmativa. Nos últimos tempos o coletivo de alunos negros chamado Kimpa e o NUPE, Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão, ganharam espaço para incentivar debates sobre a cultura negra e o racismo. Esse cenário revela um público emergente. Discutir sobre o racismo e suas consequências na sociedade e dar voz aos movimentos negros empoderados é crucial para a transformação da realidade desigual nas universidades, em Bauru e no Brasil, um país 11

Todos esses dados são do censo do IBGE 2010 e alguns estavam presentes em uma matéria do JC: http://www.jcnet.com.br/Geral/2014/11/27-da-populacao-de-bauru-e-negra.html

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que possui mais da metade da população negra12. É preciso compreender como os fatores históricos que sustentam o racismo no país e como a cobertura midiática e as ações de comunicação organizacional corroboram, ou não, para a superação da discriminação e da desigualdade.

3.1 Desinformação e simulacro na imprensa A imprensa busca todos os dias informações que possam ser narradas em forma de notícias, novidades que possam surpreender os leitores/consumidores. O trabalho de edição tem o objetivo de distribuir e organizar nas páginas dos jornais a grande quantidade de informações que chega diariamente na redação de acordo com certos critérios que supostamente satisfazem os interesses e a capacidade de compreensão dos leitores. (SERVA, 2008). Uma edição de um jornal diário contém muitas informações a serem lidas e compreendidas. Em seus estudos baseados na guerra civil da ex-Iugoslávia, Leão Serva (2005) apresenta dados que indicam a saturação de informações na mídia de hoje. Em uma edição do The New York Times é possível encontrar mais informações do que tudo o que um homem médio do século XV aprendeu em sua vida e em um ano um norteamericano terá lido uma média de 100 jornais e revistas, assistido 2.463 horas de televisão e ouvido 730 horas de rádio. O ponto crucial do trabalho de Serva (2005), que deu origem ao livro “Jornalismo e Desinformação”, é que a quantidade de informações emitidas não está diretamente relacionada à real compreensão das mesmas. O paradoxo da desinformação decorre da estrutura jornalística que busca novidades para saciar seus consumidores isolando e descontextualizando assim os fatos ocorridos. Para maior conceituação e aprofundamento da análise da cobertura jornalística dos fenômenos escolhidos nesta pesquisa, serão utilizados como base os componentes jornalísticos e as análises presentes nos trabalho de Serva (2005), Abramo (2003) e Chaui (2006). Em sua pesquisa, o jornalista Leão Serva (2005) explica como funciona o processo de edição jornalística baseado em classificações que selecionam quais notícias serão ou não publicadas, que posicionam as notícias escolhidas em determinadas editorias e páginas e que determinam o espaço ocupado por elas nas páginas ímpares ou pares do

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Dado do censo do IBGE 2010, considerando como negra a população declarada parda e preta.

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jornal. A importância desse processo se dá devido ao fato de que a edição interfere na posterior compreensão das notícias pelos leitores. Ou seja, a valorização ou a desvalorização dada a uma determinada notícia em uma edição de um jornal conota diversos critérios estabelecidos anteriormente pela linha editorial. Ao cobrir a guerra civil da ex-Iugoslávia, Serva (2005) observou que na tentativa de surpreender os leitores (que nesse caso são tratados mais como consumidores) os jornalistas narravam os fatos de maneira superficial e isolada. As pessoas que nunca haviam lido ou ouvido falar algo em relação aos conflitos étnicos da região dos Balcãs se deparavam com notícias da guerra que apresentavam fatos descolados da realidade e vazios no quesito historicidade. O mesmo caso se repete no atentado as torres gêmeas nos Estados Unidos em 2001. Marilena Chaui (2006) comenta a respeito da cobertura jornalística feita na época como se fosse algo novo e repentino, como se as relações conflituosas entre os Estados Unidos e os islâmicos do Oriente Médio não existissem antes da tragédia tida como “terrorismo”. A autora explica que a incompreensão se dá através de dois fenômenos chamados de atopia e acronia. A atopia está relacionada a ausência de um referencial de espaço e a acronia de um referencial de tempo. Em ambos os casos o leitor, expectador ou ouvinte não associa o fato narrado a um espaço geográfico e geopolítico e não compreende o acontecimento em si por ignorar os acontecimentos prévios e desconhecer as futuras consequências. Chaui (2006) faz uma análise da mídia atual e comenta que com as mudanças da comunicação por conta das novas tecnologias os meios de comunicação se transformaram e surgiram verdadeiros oligopólios (ou quase monopólios) midiáticos globalizados. Dentre essas mudanças a autora cita o caso do jornalismo impresso que antes era tido como um veículo noticioso e hoje exprime mais opiniões e funciona como um verdadeiro “formador de opinião pública”. Inserida no modo de produção capitalista, na lógica do consumo, a imprensa transforma os fatos em espetáculos de notícias e cria o que a autora chama de simulacro. Os jornais exercem seu poder político através desse simulacro do ponto de vista econômico e ideológico. Econômico porque as mudanças no cenário global da comunicação fazem do próprio modo de produção do capital o constituinte do poder em si, na figura de seus suportes que são os proprietários da indústria midiática, e ideológico pois a chamada ideologia da competência determina os agentes capazes de proferirem discursos por serem detentores de conhecimento e saber. “Em uma palavra, a ideologia da competência institui a divisão social entre os competentes, que sabem, e os incompetentes, que obedecem” (CHAUI, 2006, P. 77). O paradoxo do simulacro ilude os leitores que recebem muitas informações 38


mas não são informados de nada. O resultado evidente é a desinformação e a despolitização. O simulacro também é descrito por Perseu Abramo (2003) como manipulação, uma das principais características presentes na imprensa brasileira que não reflete mas distorce a realidade. O autor revela que o grau de distorção da realidade é tão elevado a ponto de se contradizer e até se contrapor a realidade “real”. Como o público é fragmentado no leitor ou no telespectador individual, ele só percebe a contradição quando se trata da infinitesimal parcela de realidade da qual ele é protagonista, testemunha ou agente direto, e que, portanto, conhece. A imensa parte da realidade, ele a capta por meio da imagem artificial e irreal da realidade criada pela imprensa; essa é, justamente, a parte da realidade que ele não percebe diretamente, mas aprende por conhecimento. Daí que cada leitor tem, para si, uma imagem da realidade que na sua quase totalidade não é real. É diferente e até antagonicamente oposta à realidade. A maior parte dos indivíduos, portanto, move-se num mundo que não existe, e que foi artificialmente criado para ele justamente a fim de que ele se mova nesse mundo irreal. A manipulação das informações se transforma, assim, em manipulação da realidade (ABRAMO, 2003, p. 24)

Abramo (2003) também explica a manipulação da informação a partir de dois pontos de vista: econômico e político. No primeiro, a manipulação se dá pelo fato de que a imprensa hoje no Brasil está em mãos privadas e os proprietários dos meios de comunicação são motivados a vender e buscar o lucro como principal objetivo, apropriando-se assim da manipulação. No ponto de vista político o ato de manipular entra no campo dos jogos de poder e os meios de comunicação passam a atuar como verdadeiros partidos políticos, que possuem suas próprias linhas editoriais e buscam conduzir em partes a sociedade de acordo com seus projetos de manutenção ou transformação das instituições sociais. O autor explica que a manipulação da grande imprensa ocorre em três diferentes padrões. O padrão da ocultação se refere a escolha e a classificação dos fatos como jornalísticos ou não. Se um acontecimento não é publicado no jornal sua ocultação revela o posicionamento do jornal, sua visão de mundo. O silêncio contínuo das “não notícias” fala por si só as características do órgão de imprensa que as excluíram. Fora do jornal a informação não chega até o leitor e, portanto, não existe para ele. “O fato real ausente deixa de ser real para se transformar em imaginário” (ABRAMO, 2003, P. 27). Outro padrão de manipulação é o da fragmentação, que ocorre por conta da descontextualização das notícias que foram consideradas “fatos jornalísticos”. Uma vez publicadas essas notícias não refletem a realidade por completo pois aparecem isoladas e desconectadas e muitas vezes reconectadas com outros fatos fictícios. A fragmentação também se dá quando a notícia traz apenas uma parcela do acontecimento real, 39


previamente selecionada no processo de edição já que dessa forma a imprensa determina quais informações vão e quais não vão chegar até o leitor. O terceiro padrão é o da inversão que ocorre de diversas maneiras como por exemplo quando a opinião toma o lugar da informação, quando a forma que é escrita a notícia chama mais atenção que o conteúdo em si ou quando a fonte considerada oficial ganha mais importância que qualquer outra. Por fim, Abramo (2003) descreve o padrão da indução que seria uma combinação dos outros três padrões resultando na crença do leitor em uma realidade artificial, criada e recriada pela imprensa, e na aceitação de impossibilidade de mudança. Assim como os padrões de manipulação determinam a cobertura jornalística Serva (2005) identificou alguns mecanismos que produzem a chamada desinformação, simulacro ou manipulação. O primeiro é o da omissão, que assim como o da ocultação, ocorre quando uma notícia não é publicada. O jornalista explica que a ausência da notícia pode ser justificada por conta do prazo da edição do jornal de determinado dia, porém essa justificativa não se aplica nos casos em que a ocultação se transforma em sonegação. Isto ocorre quando as informações se perdem ou quando são descartadas no processo de edição por motivos de seleção do editor ou porque a direção da imprensa acredita que a informação não é de interesse do seu público leitor ou não condiz com seus próprios interesses corporativos. Outro conceito chave da incompreensão dos leitores é o da submissão. O fato foi noticiado, porém foi editado de uma forma que impede sua real compreensão ou ainda foi confundido com outro fato presente na mesma edição se submetendo a este de modo equivocado. Serva (2005, p. 68) explica que: “A possível confusão de notícias provocada pela submissão está comumente associada a casos do que podemos chamar de ‘desinformação informada’: embora tendo tido acesso às informações, o consumidor não consegue compreender claramente o fato. O último mecanismo é o da redução que simplifica as notícias para facilitar a compreensão dos leitores, deslocando os fatos de seus reais antecedentes, esvaziando-se da historicidade que constrói o fato. Na tentativa de simplificar a compreensão os noticiários ficam ainda mais confusos impedindo assim a compreensão da totalidade dos fatos narrados. Em sua pesquisa, Serva (2005) analisou a cobertura jornalística de alguns acontecimentos desde o dia em que foi publicada a notícia até a as publicações da semana seguinte, a chamada suíte que desdobra os acontecimentos a partir da matéria principal. Ele observou um padrão de diminuição do destaque dado às coberturas dos fatos analisados. Sendo assim, o desentendimento dos fatos é proporcional ao volume de cobertura jornalística e como a imprensa não busca ampliar as informações acerca de um 40


fato a incompreensão tende a aumentar. Exemplificando através da semiótica peirceana, Serva (2005) esclarece que a interpretação de um signo, fenômeno ou, no caso, da notícia só é possível quando o leitor possui uma bagagem mais sofisticada acerca do tema, informações anteriores que sejam suficientes para lograr a compreensão. Porém, a forma como é feita a cobertura jornalística não permite que o processo de interpretação e compreensão seja completo. No momento em que o leitor de jornais consegue compor os signos interpretantes para a compreensão de uma notícia, ela já deixa de ser importante para os jornalistas (e possivelmente para o leitor mesmo, treinado a ser consumidor dos meios tais como são), pois deixa de ser surpreendente, nova, ‘quente’, etc. Deixa de ser ‘notícia’ para os jornais, e paulatinamente para os noticiários. (SERVA, 2005, p. 119)

O autor comenta que esse fenômeno ocorre porque o pressuposto dos jornais é de que a curiosidade do leitor anseia por novidades e não por textos que discorram sobre notícias passadas. O resultado é a falsa impressão de que há uma sucessão de acontecimentos quando na verdade os fatos são fragmentados e independentes e não acompanham o fluxo da narração completa. O sistema se mantém dessa forma criando diariamente fatos surpreendentes que possam satisfazer a demanda de novas informações deixando as “velhas” sem continuidade, sem importância e sem a reflexão crítica dos leitores.

3.2 Análise descritiva da cobertura jornalística da Folha de S. Paulo e do JC (Jornal da Cidade) Tendo em vista o panorama da imprensa e de suas influências, foi feita uma análise da cobertura jornalística para compreender como se dá a cobertura de assuntos relativos ao universo afrodescendente. A análise quantitativa para o levantamento de dados foi feita em duas plataformas analógicas: o jornal Folha de S. Paulo e o JC (Jornal da Cidade), sendo a Folha um jornal de âmbito nacional e o JC, regional. O lócus da pesquisa consiste na cidade de Bauru e por esse motivo o JC foi escolhido como objeto de análise. A cobertura da Folha de São Paulo, o jornal de maior circulação paga no país e também o mais lido no Congresso Nacional13, será analisada a título de comparação. O JC é atualmente o único jornal bauruense. No site oficial do jornal não há nenhuma área reservada para informações organizacionais como a linha editorial, a data 13

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/08/1667021-folha-e-o-jornal-mais-lido-entre-deputadosdiz-pesquisa.shtml

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de fundação, a história, missão, visão e valores. No site da Sucursal SP, um grupo de parceria estratégica que reúne o JC de Bauru, o Vale e o Diário da Região de São José dos Campos e o Jornal de Piracicaba, existem mais informações sobre o JC. Fundado em 1967 é reconhecido como um dos principais jornais regionais do Brasil e o melhor informativo da macrorregião de Bauru, que abrange 46 cidades totalizando uma população de mais 1.515.255 habitantes. Com uma tiragem de 23.000 exemplares em dias úteis e 32.000 aos domingos, é líder na preferência de leitura e investimentos publicitários. A missão do JC é “Promover a cidadania democratizando o acesso à informação”. A Folha de São Paulo, fundada em 1921 é o jornal mais vendido do Brasil. No site é possível encontrar uma variedade de informações relativas a organização Folha de São Paulo. De acordo com essas informações fornecidas online pode-se afirmar que sua linha editorial é crítica, apartidária e pluralista. Essa política editorial é a mais recente, publicada em 1997 e propõe uma seleção criteriosa dos fatos a serem tratados jornalisticamente com uma abordagem aprofundada, crítica e pluralista e texto didático e interessante. A média de circulação paga do jornal é de 320.741 e o site da Folha conta com uma audiência de 17 milhões de visitantes únicos e 173 milhões de páginas vistas por mês. O slogan da Folha é “Um jornal a serviço do Brasil”. Foram selecionados três acontecimentos recentes relacionados a temática afrodescendente e que possuem relevância de discussão no âmbito nacional e internacional. A divulgação do Mapa da Violência, estudo do sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz sobre a violência contra os adolescentes e jovens no Brasil, que ocorreu no dia 29/06/2015 durante uma audiência no Senado foi o primeiro acontecimento escolhido já que os dados do estudo revelam a alta taxa de vitimização dos jovens negros habitantes das periferias. O Mapa da Violência (2015) traz uma evolução histórica dos homicídios desde o ano de 2003 e os números comprovam que a taxa de morte de negros cresceu enquanto a de brancos diminuiu. As diferenças aumentaram com o passar dos anos e em 2013 os dados apontavam que para cada jovem branco morriam 2,8 negros. “Nada indica um possível processo de reversão dessa vitimização negra, o que está evidenciando a insuficiência de políticas destinada a superar essa seletividade extrema por motivo de cor” (Mapa da Violência, 2015, p. 34). O segundo evento foi o lançamento oficial da Década Internacional de Afrodescendentes no Brasil pela Organização das Nações Unidas (ONU) que ocorreu no dia 22/07/2015 em Brasília durante a abertura do Festival Latinidades. Com o tema “Reconhecimento, justiça e desenvolvimento” a proposta da ONU é 42


implementar nos países membros planos de ação que possam promover a proteção dos direitos humanos e liberdades dos povos afrodescendentes, reconhecer e difundir as contribuições da cultura africana na sociedade e tomar medidas políticas para acabar com as manifestações de racismo e xenofobia. O terceiro e último acontecimento escolhido ocorreu no dia 09/08/2015, e foram as passeatas nos Estados Unidos após um ano da morte de Michael Brown, o primeiro de uma série de jovens negros que foram vítimas do racismo e da violência policial no país. A morte de Brown e de outros negros ganhou destaque na mídia e desencadeou diversas manifestações nos Estados Unidos retomando as discussões sobre os conflitos étnicos no país. A análise foi feita a partir do levantamento de dados que utilizou a medida de unidades informativas para quantificar as ocorrências das matérias previamente selecionadas. No total foram analisadas 48 edições de jornal impresso, sendo 24 da Folha de São Paulo e 24 do JC (Jornal da Cidade). As edições correspondem as datas dos três eventos selecionados e dos sete dias seguintes a cada data, pois analisando a semana posterior ao evento é possível identificar a presença ou ausência de suítes das matérias principais14. A análise foi feita a partir de um de levantamento de dados que buscou as unidades informativas preenchidas por notícias relacionadas aos fatos analisados ou a ausência das mesmas. Para unidade informativa utilizou-se uma medida de 1/48 da página do jornal, resultado da divisão do jornal tipo standard15 em 6 colunas e 8 linhas formando unidades de 7 por 5 centímetros. A divisão foi feita sem considerar os centímetros que separam uma coluna da outra na diagramação dos jornais. Através dessa divisão é possível compreender melhor a disposição das matérias nas páginas do jornal e a quantidade de espaço que elas ocupam revelando, assim, a importância ou irrelevância dada a elas.

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Segundo o Manual de Redação da Folha de S. Paulo (1996) a suíte é caracterizada pelo desdobramento de fatos que já foram notícia em edições anteriores. 15 Existem vários formatos de jornal impresso como o standard, tablóide, germânico e berliner. No caso estudado, o modelo standard, tanto da Folha de S. Paulo quanto do Jornal da Cidade, possui em torno 32 por 56 centímetros.

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Figura 3: Exemplos ilustrativos da divisão dos jornais em unidades informativas

O Jornal Folha de S. Paulo está dividido basicamente em sete cadernos sendo eles poder, mundo, mercado, cotidiano, esporte, ciência+saúde e ilustrado. Algumas edições trazem suplementos como o de turismo ou a gazeta russa e cadernos especiais. Já o JC possui os cadernos de política, economia, geral, polícia, bairros, esportes, regional, cultura, nacional e internacional e algumas edições também trazem suplementos. Sendo assim, contou-se a quantidade de páginas específicas por dia e a quantidade total de unidades informativas presentes em cada edição para obter dados comparativos mais precisos. É válido ressaltar que a pesquisa foi feita utilizando os jornais impressos guardados no acervo da biblioteca do campus da Unesp de Bauru e que algumas edições, principalmente as da Folha de S. Paulo, trazem revistas e outros anexos publicitários que não estão presentes no material disponível na biblioteca.

3.3 Resultado do levantamento de dados Os dados gerados apresentados nas tabelas do apêndice revelam um baixo índice de ocorrências de matérias relacionadas aos três eventos analisados. No caso da declaração da Década de Afrodescendentes nenhuma matéria foi encontrada enquanto que na divulgação do Mapa da Violência apenas uma matéria foi publicada na Folha de S. Paulo e nenhuma no Jornal da Cidade. As passeatas em homenagem ao jovem Michael Brown ganharam maior cobertura, aparecendo nas páginas dos dois jornais analisados. Mesmo assim, a quantidade de unidades informativas que essas notícias ocupavam era muito pequena e pouco relevante. A análise dos dados gerados buscou identificar na cobertura feita, e também na ausência de cobertura, reflexões a respeito da importância ou irrelevância jornalística dada aos três fenômenos analisados. O primeiro acontecimento, referente a publicação do Mapa da Violência em sua versão atual, não ganhou muito espaço nas páginas da Folha de São Paulo e se ausentou da cobertura feita pelo Jornal da Cidade. A única matéria encontrada no dia 30 de junho no caderno cotidiano da Folha tampouco referenciava o acontecimento de modo direto. A notícia intitulada “Votação da idade penal deve começar hoje” ocupava apenas 8 unidades informativas em uma página par, na parte inferior do jornal. De acordo com 44


Ribeiro (1988) a diagramação que posiciona as notícias em certos lugares na página do jornal determina a importância dada a elas. É de acordo com o sentido da leitura, nas páginas ímpares da direita superior para esquerda inferior e nas pares da esquerda superior para a direita inferior, que os editores determinam a relevância das notícias por meio da sua localização nas páginas. Sendo assim, a matéria que ocupava 8 unidades informativas na parte inferior de uma página par, a segunda a ser visualizada pelo leitor no jornal de acordo com o sentido da sua leitura, possui pouca relevância. O fato central da notícia era a votação na Câmara da Proposta de Ementa à Constituição (PEC) que reduz a idade de maioridade penal de 18 para 16 anos. No final da notícia, com o subtítulo de “Estratégia” o texto traz informações sobre a divulgação do Mapa da Violência de 2015. Em pouco mais de uma unidade informativa, o texto relativo ao Mapa da Violência não fazia nenhuma menção aos homicídios de jovens negros, numericamente maior que o de jovens brancos. A única matéria veiculada entre os dois jornais teve pouco destaque e não aborda o tema do genocídio da juventude negra como pauta relevante. A publicação do Mapa da violência em 2012 e suas recentes atualizações demonstram dados quantitativos e qualitativos importantes para a revelação do genocídio da juventude negra do país. A respeito de políticas públicas e da questão racial, Hélio Santos (2015) pontua que o racismo institucional na área da segurança pública apresenta características de genocídio pois seus impactos já são visíveis pelos demógrafos, ainda que silenciados pela grande mídia16. O Mapa da Violência (2014) aponta que os homicídios são a principal causa de morte de jovens que compreendem a faixa etária de 15 a 29 anos no Brasil. Em 2012, 53,37% dos homicídios no Brasil eram de jovens e destes, 77% eram negros e 93,3% eram homens. O mapa revela um aumento significativo no número de homicídios de jovens negros enquanto o número de homicídios de jovens brancos reduziu. Entre os anos de 2002 e 2012 os homicídios de jovens negros aumentaram 32,4% e o de jovens brancos diminuíram 32,3%. As estatísticas reveladas no mapa indicam que para cada jovem branco que morre assassinado no Brasil morrem 2,7 jovens negros. O estudo ainda traça um perfil específico dos jovens que são mais vitimizados sendo eles negros do sexo masculino e moradores de periferias. O Mapa da violência mostra quem são as maiores vítimas da violência no Brasil, vítimas estas que seriam as mais afetadas com a diminuição da maioridade penal. A pouca relevância da publicação e a simplicidade com

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Fala proferida na Conferência Inaugural na 10.ª Conferência Brasileira de Mídia Cidadã e 5.ª Conferência Sul-Americana de Mídia Cidadã, em Bauru, em 22 de abril de 2015

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que o assunto foi tratado não permite a real compreensão dos leitores acerca da complexidade e relevância do tema. O segundo acontecimento, o lançamento oficial da Década Internacional de Afrodescendentes no Brasil pela Organização das Nações Unidas (ONU) não teve nenhuma cobertura em nenhuma das duas plataformas analisadas. Independente de justificativas para a ausência da publicação, ela implica no desconhecimento do público sobre o acontecido. A omissão reduz a compreensão da realidade dos leitores que tem os meios de comunicação como fonte de informação (SERVA, 2003). O fato ocorreu na realidade, mas não foi considerado um fato jornalístico pois não houve publicação, não dando chance aos leitores de conhecerem o acontecimento por meio daquele veículo de comunicação. Segundo Abramo (2003, p. 27) “O fato real foi eliminado da realidade, ele não existe.”. Ramos (2007) evidencia que a mídia é um espaço de reprodução dos

mecanismos de exclusão racial que contribui para a manutenção do racismo. A autora também afirma que essa mesma mídia possui papel importante no debate para a superação dos preconceitos raciais. Porém, ao não pautar as notícias, crimes, atrocidades contra a população negra no Brasil a mídia invisibiliza a questão, se ausenta e não supera o preconceito pois o retroalimenta. A Década Internacional de Afrodescendentes reconhece que o povo afrodescendente, que totaliza aproximadamente 200 milhões somente nas Américas, é o que mais sofre com o preconceito. Pautadas nos pilares “Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento” as ações propostas pela Década visam o acesso aos direitos básicos que muitas vezes são negados aos afrodescendentes assim como o reconhecimento da diversidade do patrimônio cultural e a da contribuição da cultura afro no desenvolvimento das sociedades. Ao não divulgar o lançamento oficial da Década realizado pela ONU (Organização das Nações Unidas) juntamente com o Governo brasileiro os jornais não corroboram com essas iniciativas que visam eliminar o preconceito e promover a igualdade. O terceiro e último fato analisado foi o que teve maior divulgação nas duas plataformas analisadas. Na Folha de S. Paulo as passeatas que lembravam a morte de Michael Brown ganharam espaço na primeira página do jornal no dia 11 de agosto, dois dias após o acontecimento. De acordo com Ribeiro (1998, p. 433) “É na primeira página que os editores procuram colocar o que de melhor o jornal dispõe”. Sendo assim, a foto que fazia chamada para a matéria e ocupava 6 unidades informativas ganhou destaque. A matéria completa estava localizada na parte superior de uma página ímpar e ocupava 16 unidades informativas o que caracteriza o tratamento de importância dado no processo de 46


edição. No dia seguinte, 12/08, a Folha voltou a publicar sobre o mesmo tema. Porém a publicação já não tinha o mesmo destaque ocupando 12 unidades informativas na parte inferior, no canto direito, de uma página par. No dia 15/08 ocorreram as últimas publicações sobre o assunto que totalizaram 13 unidades informativas. 1 unidade informativa fazia a chamada para a matéria principal na “Folha Corrida” e estava localizada no canto superior no centro-direita. Considerando que a Folha Corrida leva o slogan “Seu dia em 5 minutos” a chamada para a matéria que fazia alusão ao caso de violência policial contra os negros nos Estados Unidos possui relevância. Já a matéria, que totalizava 12 unidades informativas e estava localizada em uma página par no canto inferior do jornal, não ganhou tanto destaque. No JC, houve apenas uma publicação sobre o ocorrido no dia 11/08. A matéria de 15 unidades informativas estava na primeira página do caderno internacional, em uma página impar na parte superior, ganhando assim destaque na edição. Porém, foi a única publicada já que não houve nenhuma suíte das manifestações nos EUA. Serva (2005) ressalta que a não ampliação das notícias provoca a descontextualização. O autor também cita a ausência de historicidade das matérias no jornalismo brasileiro, que apresenta uma cultura “messiânica” e tende a desconsiderar fatores históricos imprescindíveis para a compreensão da atualidade. O JC não aprofundou e não deu destaque ao caso enquanto que a Folha, ainda que tenha ampliado mais as publicações, continuou a divulgação minimizando a importância do ocorrido. É importante destacar que os três acontecimentos analisados não são regionais e por isso o JC, um jornal de caráter regional, não realiza a cobertura por estar fora de seu alcance profissional. As matérias de nível nacional e internacional são feitas por agências de notícias e compradas e veiculadas pelo JC. A questão é que não há uma pluralidade de informações vindas de diferentes agências. Dennis de Moraes (2011) fez um amplo estudo sobre as iniciativas de democratização da mídia na América Latina e identificou a existência de um domínio neoliberal caracterizado por monopólios midiáticos que controlam a informação no continente. A democratização midiática é um impulso de esperança para pôr o fim na dominação existente na América Latina e para reconstruir os fazeres midiáticos e comunicacionais respeitando as vozes plurais. A presente pesquisa não visa discutir a questão do monopólio das agências de notícia nem as políticas públicas de democratização midiática mas o reconhecimento desse cenário é importante para que se compreenda porque as publicações do JC replicam alguns estigmas comunicacionais. As poucas ocorrências demonstram a falta de importância que os jornais deram aos três eventos que, na realidade, possuem grande significância a nível nacional e 47


internacional. A ausência de cobertura jornalística salienta a visão distorcida da realidade que os leitores têm ao interpretar o mundo com base no conteúdo estritamente selecionado e divulgado pela mídia brasileira (ABRAMO 2005, SERVA 2003).

3.4 Diálogos transformadores A pesquisa avançou no sentido organizacional, ampliando os olhares e reflexões para o âmbito das relações para e com os públicos plurais. Foram selecionadas algumas organizações de Bauru, de caráter privado, público e social, para a realização das entrevistas em profundidade. O JC e a Paschoalotto Serviços Financeiros foram as empresas privadas escolhidas. A entrevista com a Gisele, editora chefe do Jornal, visava uma ampliação da pesquisa de campo feita com a análise da cobertura jornalística e também a compreensão de como se davam as relações públicas dentro da organização Jornal da Cidade. A Paschoalotto é a maior empregadora privada de Bauru e Região e por acolher um grande corpo de funcionários e proferir um discurso de promoção da diversidade a entrevista com a Nayara, responsável pelo setor de marketing e com a Denise, ouvidora da empresa, tratou do tema da gestão da diversidade nas empresas, fazendo o recorte das relações étnico-raciais. No setor público, tanto a Coordenadoria de Comunicação e Imprensa da prefeitura de Bauru quanto a Secretaria de Gabinete foram contatadas para que a entrevista fosse viabilizada, porém os representantes nunca estavam presentes e não foi possível realizar a entrevista até o momento. No terceiro setor, a entrevista foi realizada com o Bernardo, presidente da ONG ACTABB – Associação Cultural de Tradições Afro-brasileiras de Bauru, para que fosse levado em consideração as perspectivas das ações sociais e culturais que valorizam a cultura negra e condenam o racismo na cidade. Para que o debate não se esvaziasse pela falta de profissionais de relações públicas nas organizações de Bauru, uma última entrevista foi feita com a Ítala Herta, profissional de relações-públicas proprietária da empresa Ítala Herta – Relacionamento e Cultura em Salvador, Bahia. Segundo Cremilda Medina (1995) a entrevista, de um modo geral, é uma técnica de interação social e informativa que rompe com os isolamentos de grupos e indivíduos na sociedade. A entrevista em profundidade é um método que objetiva o interrelacionamento entre os sujeitos, entrevistador e entrevistado, para que o diálogo se torne mais autêntico e humano. A autora crítica os modelos convencionais de entrevista que se pautam em questionários fixos pré-estabelecidos pois dessa forma o diálogo não flui e 48


não permite a pluralização das vozes. O processo de comunicação que se dá na entrevista caminha no sentido da tomada de consciência de ambas as partes envolvidas. “Tanto um como outro se modificaram, alguma coisa aconteceu que os perturbou, fez-se luz em certo conceito ou comportamento, elucidou-se determinada auto compreensão ou compreensão do mundo. Ou seja, realizou-se o Diálogo Possível” (MEDINA, 1995, p. 7). As cinco entrevistas em profundidade dessa pesquisa foram feitas pessoalmente e tinham como base pré-roteiros que sofreram alterações constantes durante os ciclos de debates retroalimentados pelos diálogos. A primeira entrevista foi realizada na sede do JC – Jornal da Cidade em Bauru com a editora chefe do Jornal, Gisele Hilário. O panorama geral da pesquisa e seu andamento até aquele momento foi apresentado para Gisele e quando questionada a respeito das suas compreensões acerca do racismo estrutural da sociedade brasileira ela falou sobre o desvelamento do racismo nas mídias sociais, onde as pessoas estampam outras facetas da sua identidade. Quando o público é produtor de conteúdo e eu falo público e não tiro nem RP nem jornalista desse público, né, apesar de em muitos momentos as nossas profissões acharem que a gente tá meio que acima do bem e do mal e que em nome da informação, em nome da produção da informação, de se levar a informação, você tem direito de fazer ou isso ou aquilo, uma coisa que eu não concordo muito em vários momentos, então você acaba se escondendo, você acaba sendo duas pessoas, duas identidades diferentes, quando o assunto é preconceito das mais variadas formas, o preconceito em relação ao negro, ou o preconceito em relação ao gay, ou o preconceito em relação a mulher assumindo coisas no mercado de trabalho (...) Porque quando a gente fala em racismo a gente vê muito essa questão do racismo do branco em relação ao negro, mas existe o contrário também, do negro em relação ao branco, do japonês em relação ao não japonês, do brasileiro em relação ao japonês, então eu vejo isso como uma coisa muito mais ampla do que se discute, do que se procura discutir e do que as pessoas realmente se colocam e se importam (GISELE)

A fala de Gisele mostra que o racismo a que ela se refere é na verdade uma discriminação que se dá por outros fatores. Discriminação por conta da classe social, gênero, orientação sexual e também por conta da raça e etnia, porém cada caso possui suas especificidades. Outra pergunta feita a Gisele pediu para que ela expressasse sua opinião em relação a postura do jornal impresso para falar de temas relacionados ao racismo. “Eu acho que os jornalistas eles são provocados a discutir determinados assuntos né. Então assim o que que é a notícia, que valor que a notícia tem, o valor-notícia depende do que aquilo que o cara que tá do lado de lá tá consumindo.” (GISELE). De acordo com os conceitos já esclarecidos por Perceu Abramo (2003) e Leão Serva (2005) a mídia

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controla o que é fato jornalístico/real e o que não é de acordo com sua visão de mercado pois o objetivo final é a venda da notícia, o lucro. Acho difícil você dizer que tá melhor ou tá pior, porque acho que aquilo, acho que o jornal impresso, ele, o jornalismo como um todo, ele acaba sendo um reprodutor, não estou falando que isso é certo ou que é errado, ele acaba sendo um reprodutor daquilo que a sociedade tá pensando naquele momento. (...) Porque eu acho que essa coisa assim de ser uma coisa muito velada e de você ter aprendido, porque as pessoas aprenderam a definir o que é politicamente correto e o que não é politicamente correto, então assim no seu grupo você diz que você concorda com isso ou com aquilo, quando você é chamado pra dar uma entrevista, que aquilo vai ficar impresso lá, que daqui vinte anos qualquer pessoa que ver aqui no acervo vai dizer que, vai ler o que a Gisele Hilário pensava sobre aquele assunto, o que que a Gisele Hilário vai dizer? Aquilo que ela quer que a sociedade escute. Entendeu? Então eu acho muito complicado dizer o que mudou e o que não mudou, eu acho que as pessoas estão mais cautelosas pra dizer o que elas pensam, e eu acho isso ruim. Eu acho que no momento em que você tem cautela pra falar sobre o seu ponto de vista você não espelha a realidade. Então eu acho que hoje a gente não tem um espelho da realidade do século XXI, sabe? Novembro de 2015... (GISELE)

Quando apresentada ao resultado da análise da cobertura jornalística, que demonstrou praticamente uma ausência de cobertura do JC nos casos analisados, Gisele explicou que o JC publicou o que veio das agências de notícias. A pergunta feita foi sobre a questão de que o JC acompanha o fluxo das agências de notícia e dos grandes jornais que, no caso, não deram a atenção devida aos fatos pesquisados. A resposta de Gisele foi positiva “Acompanha o fluxo. Não só o Jornal da Cidade todos os jornais regionais que lidam e que sobrevivem, né, de agências de notícia, que pagam agências de notícia pra veiculação de seu material nacional e internacional” (GISELE). A conversa continuou com o tema de publicação de pautas relevantes para a discussão do racismo e Gisele disse que o jornalismo gosta de datas, por isso no dia da Consciência Negra, por exemplo, existem pautas voltados ao tema. “Porque essas datas elas são lançadas justamente por conta disso, pra chamar a atenção das pessoas pra uma coisa que precisa ser discutida. Outubro rosa, novembro azul, dia da consciência negra, dia do índio, dia de um monte de coisa...” (GISELE). Sobre a presença de negros trabalhando na redação Gisele afirmou: “Nós não temos negros trabalhando na redação. Mas quantos negros tem na sua sala?” (GISELE). A conversa de estendeu para a questão do acesso à educação, de que a falta de negros jornalistas não é porque os negros não optam pela formação de jornalista mas sim porque a maioria não consegue chegar até o nível de formação acadêmica por uma série de barreiras sociais e Gisele, que também é professora em uma universidade particular e afirmou ter agora dois alunos vindos de favelas por conta dos programas de financiamento público.

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Tem uma questão muito de base, eu vejo isso muito mais, muito mais do que questão financeira e questão de entrar (na universidade), eu vejo isso muito mais como uma questão de base educacional. A gente teria que fazer uma ampla discussão em relação a que tipo de educação a gente tá oferecendo pra esses alunos, pra eles não terem condições de entrar na faculdade, então é muito complicado isso, acho que é uma outra discussão que a gente tem que fazer. (GISELE)

O novo direcionamento da entrevista pautou a questão da gestão da diversidade nas organizações e Gisele disse que no Jornal da Cidade trabalham vários negros, gays e que como o corpo de funcionários é grande, com uma média de 300 funcionários, a diversidade entre os trabalhadores é grande porém não há nenhum fomento a discussão do tema dentro da empresa. O JC tampouco possui uma política de incentivo a contratação para a diversidade, como é o caso de algumas empresas que estão promovendo o recrutamento da diversidade para pluralizar o ambiente interno, e consequentemente, expandir os olhares múltiplos propiciando mais criatividade e representatividade. Gisele foi apresentada a uma situação exemplo, da impossibilidade de se pensar em uma publicidade de absorvente em uma agência onde só há homens trabalhando, e a hipótese de que com jornalistas negros na redação do JC o tratamento das pautas envolvendo assuntos do universo negro seria distinto. Não, eu não vejo dessa maneira. Eu não vejo porque ai tem uma coisa que se chama inteligência emocional (...) Mas assim, eu acho que é muito simplista essa coisa assim de que o branco sabe fazer melhor a matéria do branco porque ele vive sobre isso, o negro sabe fazer melhor a matéria do negro porque ele vive sobre isso, uma mulher sabe melhor sobre uma matéria de absorvente do que um homem e o homem sabe melhor sobre camisinha, não acho que é assim sabe, essa diversidade que você tá falando inclusive que provoca a riqueza e que provoca essa coisa de você ter outros ângulos assim sabe. (GISELE)

A questão das mulheres produzindo um produto feito para uso exclusivo das mulheres foi colocada na conversa para que Gisele se identificasse com o assunto em questão. Você tem que tá preparada pra fazer aquilo, você tem que ter preparo pra lidar com a sua profissão, mas eu concordo com você que assim a diversidade na hora de discutir determinado assunto, que tenha homens e mulheres discutindo aquele assunto, vai gerar um produto melhor, agora eu não vejo essa coisa de que um é melhor pra fazer do que o outro... (GISELE)

As duas outras entrevistas foram feitas na organização Paschoalotto Serviços Financeiros. A Paschoalotto é uma empresa bauruense, de estrutura familiar, que atua no setor de recuperação de crédito há 17 anos. A empresa cresceu nos últimos tempos e é hoje a maior empregadora do setor privado de Bauru e região com uma média de 8000 empregados. Possui sete filiais no interior do estado de São Paulo e já ganhou vários prêmios nacionais de reconhecimento pela qualidade do serviço e da ouvidoria. Foi eleita 51


também uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil. No site estão a missão, visão e valores que ressaltam as palavras: ética, harmonia, profissionalismo, responsabilidade social, valores democráticos, excelência e transparência. “Nosso negócio sempre foi e sempre será relacionar pessoas, valorizando o que temos de mais valioso, que é o potencial humano. ”. Relacionar pessoas é o slogan da empresa. Em um espaço do site chamado “Responsabilidade Social” a empresa cita a diversidade existente entre os funcionários da organização. Somos destaque local e regional como uma das maiores empregadoras do interior do estado de São Paulo, oferecendo oportunidade de emprego sem exigência de experiência para jovens, aposentados e terceira idade. Promovemos e apoiamos a empregabilidade à diversidade, livre de qualquer tipo de preconceito. (PASCHOALOTTO)

Na aba “Gestão de Pessoas” ressaltam os benefícios que os funcionários recebem do programa de Qualidade de Vida que disponibiliza gratuitamente serviços de psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, médicos entre outros. Na parte da ouvidoria estão a missão e os princípios da ouvidoria que são respectivamente: “Representar e integrar o cidadão, atuando na defesa dos seus direitos, amparada pela legalidade, ética e imparcialidade, promovendo a melhoria contínua e perenidade da organização. ” e “Imparcialidade, ética, transparência, compromisso com a melhoria, garantindo a legalidade, confidencialidade e sigilo dos manifestantes. ”. Pelo fato de o discurso proferido pela empresa em relação a diversidade estar relacionado ao público interno da organização, aos funcionários, foi esse o direcionamento dado durante a entrevista. Como não havia o cargo de relações-públicas na empresa e tampouco uma área de comunicação a entrevista foi feita com a responsável pelo setor de marketing, Nayara Anzoli. Foi perguntado sobre o trabalho desenvolvido pelo marketing na empresa. Meu trabalho aqui na Paschoalotto ele envolve tudo de marca, desde endomarketing, que são campanhas pra motivar os funcionários, pra engajar eles a produzirem a não quererem sair da Paschoalotto pra ir pro concorrente e vai até anúncios de mídia nacional, pra apresentação da empresa pra conseguir novos negócios. E relacionado ao Basquete tudo que envolve a marca Paschoalotto, então uniforme, parte visual do ginásio, ações institucionais dentro do ginásio, eventos, tudo que envolve a marca Paschoalotto (NAYARA)

A empresa antes era conhecida como NP, Nelson Paschoalotto, nome do fundador e proprietário, porém Nayara explicou que o nome agora é apenas Paschoalotto e que o marketing está trabalhando a nova imagem do novo nome com o objetivo de desvincular a ideia de empresa familiar. Nayara foi questionada sobre o slogan da empresa: “Relacionar Pessoas” 52


Então nosso foco é gerar oportunidade mesmo, quem quer trabalhar, quem quer desenvolver, quem quer se desenvolver na carreira pode vir fazer uma entrevista, a gente dá as possibilidades de crescimento, porque nós queremos na verdade capacitar, esse é o nosso foco né? Relacionar pessoas (...) O nosso negócio ele é relacionar, é ajudar o próximo, é tentar fazer com que a pessoa regularize seu cadastro pra poder voltar com o nome no mercado, então assim a gente orienta bastante os nossos funcionários pra ter esse slogan com eles, porque eles estão ajudando, eles estão relacionando as pessoas, entendeu? (NAYARA)

Quando questionada a respeito das ações de comunicação voltada para os funcionários, que na empresa são chamados de clientes internos (CIs), Nayara explica que existem vários projetos motivacionais de endomarketing, como por exemplo sorteio de prêmios para aqueles que não tem reclamação na ouvidoria ou campanhas pontuais como o dia do recuperador de crédito. Também comentou sobre o programa de qualidade de vida e sobre o clube de vantagens, que oferece descontos exclusivos para os CIs da Paschoalotto em lojas que fazem parte do clube. “A gente assim tem um leque de opções pro funcionário ter qualidade de vida, entendeu? Porque assim, é um segmento difícil, não é um segmento fácil, é um segmento chato, porém a Paschoalotto ela oferece um leque de benefícios”. (NAYARA). Sobre a empregabilidade a diversidade, discurso feito no site da empresa, Nayara comenta que não há um recrutamento específico da diversidade. Não, a gente quer pessoas interessadas em trabalhar, pra gente não importa se ela é aposentada, se ela tem 18 anos, 20 anos, 50 anos, se ela é branca, se ela é negra, se ela é azul, se ela é amarela, pra gente não interessa, se ela é homossexual, se ela não é, o importante é que ela seja uma pessoa ética e que queira fazer parte da nossa empresa. Aqui não tem preconceito, se você perguntar pra qualquer funcionário nosso, não existe preconceito, aqui ninguém olha torto porque você é mais velho, não existe isso aqui dentro. (NAYARA)

Sobre o mapeamento demográfico do público interno, Nayara disse que não há estatísticas relacionadas a raça e etnia. “Olha, nós temos uma predominância de mulheres na nossa empresa de 20 a 25 anos, mas assim a gente não faz uma separação de qual porcentagem é negra, qual porcentagem é branca porque pra gente não faz diferença mesmo”. (NAYARA). Sobre casos de atitudes racistas dentro da empresa, Nayara disse não ter conhecimento e por isso passou o contato da ouvidoria, área responsável pela apuração de casos como esse. O direcionamento da entrevista foi então sobre o trabalho que o marketing realiza diante de possíveis conflitos que possam surgir por conta da diversidade no ambiente de trabalho. Olha, nós temos um código de ética onde todos os nossos funcionários eles são, quando eles entram pra fazer parte da empresa, todo mundo passa por um treinamento que chama integração e nesse treinamento todas as regras são

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deixadas as claras, as pessoas elas assinam esse termo concordando com isso. (...) a gente tem um portal onde esse código está lá estampado e o nosso gancho principal são os líderes porque como marketing eu consigo fazer uma comunicação mas eu não consigo fazer uma comunicação 100% assertiva se eu não tiver o apoio das lideranças. Então as lideranças são ali o carro chefe de cada equipe. Então assim, toda equipe tem um líder, esse líder ele sabe o código de ética de ponta a ponta e ele tá de olho no que que tá acontecendo com a equipe dele. (NAYARA)

Abordando o recorte étnico racial feito na pesquisa, Nayara foi questionada sobre o cenário do racismo no Brasil, já que os gestores que lidam diariamente com a diversidade precisam compreender as complexidades dessa diversidade. Eu acho que por o Brasil ser um país tão diverso é uma coisa tão antiga existir preconceito hoje, eu acho que é muito de valores, valores e educação de casa mesmo, pai e mãe sabe? Ou vó, tio, amigo, enfim. Eu sempre tive uma criação muito aberta pra isso, muito aberta. Então pra mim, não tem problema, não existe diferença, de cor de pele, de sexo, pra mim isso é, chega a ser ridículo eu ter que... presenciar meus amigos fazendo preconceito, entendeu? (...) Porque, por exemplo eu fui morar fora do país e eu senti preconceito de ser brasileira lá, porque o brasileiro é visto como quem rouba, como quem tem aquele jeitinho, então você se sente mal, é que não compara o nível de preconceito, é lógico, mas assim se um preconceito tão pequeno que foi o que eu senti, ser brasileira fora do país, imagina um negro ou um homossexual sentindo preconceito dentro do nosso país e onde a publicidade e a propaganda fala tanto desse país, dessa diversidade, desse país tropical e a gente sabe que não é assim, a gente vê a diferença em qualquer lugar. (NAYARA)

Como foi indicado pela Nayara, a entrevista seguinte foi feita com a ouvidora da Paschoalotto, Denise Bernardo, que explicou qual o trabalho da ouvidoria. A atividade da ouvidoria na verdade é um canal de comunicação legalista e imparcial e pra atendimento a todo público, seja ele cliente ou não, a gente caracteriza como todo público cliente cidadão, porque hoje a gente atende cliente interno, que é o funcionário, cliente externo que é o nosso parceiro, o nosso contratante, nós somos uma empresa de prestação de serviço, o cliente consumidor, que é o cliente do nosso cliente e toda a população que a gente caracteriza de cliente institucional, que é um cliente, pode ser um vizinho, pode ser qualquer tipo de pessoa que esteja sendo incomodada, ou afetada ou envolvida com a empresa de qualquer tipo de maneira. Aí a gente atua de forma absolutamente imparcial, legalista, ética, com o objetivo de identificar situações críticas pra promover a melhoria interna na empresa e dar o respaldo também e a atenção ao cidadão, pro solicitante que entrou em contato com a gente, basicamente é isso. (DENISE)

Sobre a divulgação desse serviço prestado pela ouvidoria Denise explicou que o canal de ouvidoria é divulgado por todos os meios de comunicação da empresa, tanto para o público externo quanto para o público interno. Além disso a gente tem um projeto aqui na empresa que é bastante bacana que é o prefeito do andar, nomeado de prefeito do andar. Nada mais é do que um representante dos funcionários pra empresa e da empresa pros funcionários e ele tá ligado diretamente a ouvidoria esse projeto, então a ouvidoria é a mãe do projeto digamos assim. E aí ele tem toda, recebe toda a informação e tem toda a liberdade, sabe do contexto, de onde ele pode procurar se ele identificar qualquer situação crítica ou até mesmo, a gente fala bastante de reclamação e

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de denúncia, porque reclamação é o maior entrante, porque hoje o público, hoje em dia o ser humano reclama de tudo né? Dificilmente ele elogia ou ele sugere, mas também é um canal pra qualquer tipo de sugestão ou elogio, é um canal de comunicação mesmo. (DENISE)

Sobre o projeto “Prefeito do andar” Denise contou que qualquer CI pode se candidatar, desde que esteja dentro de alguns requisitos pré-estabelecidos, e que a eleição ocorre por meio de votação dos CIs daquele andar. O projeto existe desde o final do ano de 2011 e, segundo Denise, tem um bom andamento e que foi por conta dele que a empresa ganhou um dos prêmios que a classifica como uma das dez melhores ouvidorias do país. Quando questionada sobre uma melhora no diálogo com o público interno por conta do projeto, Denise afirma que o diálogo melhorou. Melhorou bastante porque foi, é como se fosse um braço, ele nos auxiliou a levar o entendimento pras pessoa do que é o canal de ouvidoria. Porque assim, é diferente a gente divulgar e eu, o meu colega de trabalho, falar ‘Olha, fala lá com a ouvidoria, com a fulana da ouvidoria, que ela vai te ajudar, ela vai ser bacana’. E não só em relação a ouvidoria, mas ajudou pra que as pessoas soubessem por onde procurar, eu tenho um problema, qual departamento que eu posso procurar? (DENISE)

Sobre estatísticas do público interno e também desse projeto, “Prefeito do andar”, Denise disse que o RH fez uma pesquisa sobre isso mas que ela não sabia dos dados, só sabia que o número de mulheres na empresa é maior do que o de homens. Sobre a diversidade na empresa, Denise concordou que há uma grande diversidade na empresa, de todos os tipos, e sobre os conflitos que essa diversidade pode gerar, no campo das relações étnico raciais, ela afirmou que até então nunca houve nenhuma denúncia desse tipo de preconceito. Denúncia desse tipo de preconceito aqui na empresa a gente nunca teve. A ouvidoria ela existe desde 2005, na verdade ela começou atuante em 2006, ela iniciou a implantação em dezembro de 2005, então efetivamente ela começou em 2006, e eu entrei na ouvidoria em julho de 2007. Desde que eu estou lá a gente nunca recebeu nenhuma denúncia desse tipo e desse grau, nunca se deparou com alguma situação de gravidade nesse sentido. A gente é... reclamação de cliente interno, né, de funcionário o número não é tão alto em relação ao número de funcionário que a gente tem. A gente tem em média de 120, 140 demandas, solicitações mês de funcionários e na maioria delas, elas tão concentradas em questão estrutural, então ‘Ah! O ar condicionado deu problema, não foi arrumado ainda, a cadeira deu problema e não foi arrumada ainda’ ou alguma coisa relaciona a conflito entre pessoas, entre liderança e liderado mas bem pouco. (DENISE)

Sobre a ação pró ativa da ouvidoria Denise comentou que em alguns casos o canal de ouvidoria toma iniciativas, mas não sempre. A gente espera que chegue até nós. Contudo, eu não vou me deparar com uma situação que a gente identifique e eu vou ‘Ah, não, porque não chegou em mim, eu não vou tratar’ Não, a gente também age de forma pró ativa, mas a gente

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não é uma auditoria que vai e vai ficar buscando situações, entendeu? Eu não vou ficar agindo de forma investigativa no sentido de buscar se isso ocorre ou não, a gente vai esperar chegar, entendeu? O canal de ouvidoria ele é pra recepcionar as demandas, recepcionar qualquer tipo de reclamação, de denúncia ou de sugestão e não ele vai atrás pra identificar, ele vai atrás pra identificar sim se está ocorrendo a partir do momento que ele recebeu, então a partir do momento que você recebe uma situação aí sim começa o trabalho investigativo em cima daquilo e a ouvidoria tem absoluta imparcialidade de investigar (DENISE)

Ela explicou também que uma vez identificada a situação problema o caso não é tratado pontualmente, mas sim de forma mais ampla, evitando que se repita em outras áreas e com outras pessoas da empresa. Em uma situação hipotética de preconceito racial, que é previsto como crime na legislação brasileira, dentro da Paschoalotto, Denise comentou sobre a forma como a ouvidoria se posicionaria. A situação é bastante delicada, a gente parte do princípio que eu preciso orientar, nós não temos um perfil punitivo, né. Eu preciso orientar e eu preciso mostrar praquela pessoa que aquilo é sério, que aquilo não pode acontecer e que a empresa não está condizente com aquilo. Então é esse tipo de postura que a gente vai tomar, a não ser que seja um caso de extrema gravidade e aí vai ter que ser analisado pela nossa presidência, pelo nosso vice-presidente e até pelo jurídico comitê de ética, aí a gente vai passar pra uma outra instância, né, mas a gente parte do princípio que eu preciso orientar, eu preciso reforçar quais são os princípios que a empresa espera de mim como funcionário. (DENISE)

Denise foi questionada sobre a gravidade da situação, pois existem muitas formas de manifestação do racismo, algumas mais sutis e veladas, mas não é por isso que deixam de ser graves, já que retroalimentam o preconceito, além de naturalizá-lo. Eu acho, isso é Denise falando, opinião minha mesmo, a questão, até me coloquei em relação a gravidade, mas realmente fica subjetivo. Então eu acho que a gente precisa ver todo o contexto, se acontecer uma situação eu preciso ver todo o contexto e todo o histórico dessa pessoa aqui dentro. (...) Foi a primeira vez, não foi, foi numa brincadeira, não foi, porque eu entendo isso que você tá falando que a gente tá enraizado, e a gente as vezes não leva uma situação que pode ser racismo e a gente acaba falando “Ai, não, não é”. Então é por isso que eu acho que tem que analisar o contexto da situação, é difícil a gente falar de forma generalizada, eu acho que a gente precisa avaliar o contexto, todo o histórico que ela, daquela pessoa, ou daquela situação assim do que tá acontecendo, do quanto isso afetou a pessoa ofendida eu acho que isso também conta bastante, o quanto aquela pessoa se sentiu mal ou aquilo afetou ela, né. (DENISE)

Sobre projetos ou ações de comunicação voltadas para o público negro, Denise disse que todas as ações são voltadas para todos os públicos. Tendo em vista o princípio de não realizar ações de comunicação dirigida, mas possuir um público majoritário feminino, Denise foi questionada a respeito de projetos voltados para mulheres. Teve, isso teve. Pras mulheres a gente tem, por exemplo, na ação de qualidade de vida a gente tem uma ação que, voltada pra saúde da mulher, o outubro rosa, por exemplo, aí tem uma ação voltada pro novembro azul, teve uma ação

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voltada pra assistente de trabalho, algumas ações são dirigidas, mas muitas delas são de forma generalizada. (DENISE)

Novamente a conversa pautou ações voltadas para o público afrodescendente, considerando o propósito proferido pela empresa de promoção e respeito a diversidade. Eu lembro de algumas ações apartadas pra esse público feminino, tivemos até a questão da diversidade de gênero, uma única vez nós tivemos uma ação pra diversidade de gênero no dia da diversidade, nunca tivemos nenhuma ação. É uma coisa a se pensar, eu acho (...) Então assim, não que eu preciso fazer uma ação porque eu sinto que há uma diferenciação pro público negro, tá havendo alguma coisa que me induz a pensar em alguma questão relacionada ao público negro, então nunca se pensou nisso, pra gente tudo é muito natural, é pessoa igual a qualquer pessoa. (DENISE)

Sobre tratar as particularidades dentro da diversidade, Denise afirmou que o presidente da Paschoalotto fala sempre sobre tratar as singularidades de cada um, ainda que a empresa seja grande e que na maioria das vezes a comunicação seja massificada. A conversa caminhou abordando o trabalho de RH, que atua na parte de gestão de pessoas e que, segundo Denise, possui os dados demográficos do público interno que foram solicitados para aprofundamento da pesquisa. Sobre essa segmentação de trabalho, foi perguntado sobre um trabalho integrado das áreas. “A gente procura trabalhar de forma integrada como eu te disse nas necessidades. Então identifica-se uma oportunidade de melhoria, de ação, e aí a gente vai trabalhar de forma integrada, não só o marketing com RH mas com todas as áreas da empresa, mas existem as ações de cada área de forma apartada.” (DENISE). A pergunta feita foi sobre a existência de uma reunião estratégica dessas áreas para realizar um diagnóstico do público interno e Denise disse que não há. Não, o que a gente faz é passar os relatórios periódicos, a cada trimestre, do resultado da ouvidoria pras demais áreas, entendeu? Então assim, periodicamente a gente passa o resultado da área de ouvidoria pra todas as demais áreas, pra que eles tomem conhecimento, além do tratamento pontual, de forma generalizada qual foi o tipo de situação que chegou, quais dessas foram procedentes, quais dessas não foram procedentes, quais áreas são mais demandadas, quais os tipos de problema que a gente tá se deparando naquele determinado momento, isso existe, mas não uma reunião periódica entre todas essas áreas pra que a gente trabalhe, não, isso não, reunião periódica não. (DENISE)

No fim da conversa, Denise comentou que os CIs demonstram muito a diversidade através de suas roupas e seus estilos, já que a Paschoalotto aboliu o uso de uniforme há mais ou menos sete anos. Sobre o respeito das pessoas diante dessa realidade Denise disse que todos respeitam “naturalmente”. E qualquer tipo de traje, de personalidade, a gente não atua bloqueando. Porque a pessoa, tem diversidade de gênero, então a pessoa, o menino que é, atua do gênero menina, então ele vem vestido de menina, de saia, de vestido, ele pode vir, não tem problema nenhum, já tivemos vários CIs que vem vestidos, usam

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saias, salto, normal, desde que ele tenha, respeite as regras básicas de traje, normalmente... (DENISE)

No terceiro setor, o presidente da ONG ACTABB – Associação Cultural de Tradições Afro-brasileiras de Bauru, Bernardo Paixão foi o representante entrevistado. A ONG é relativamente nova, atua em Bauru há oito meses e, segundo Bernardo, até então não existia nenhuma instituição afro na cidade. A ONG não possui site, apenas facebook mas não há informações organizacionais. Sendo assim, Bernardo explicou o trabalho realizado. Nossa finalidade e objetivo é trabalhar na autoestima do negro na sociedade, essa é a nossa maior finalidade dentro da sociedade bauruense ou dentro da sociedade brasileira, nós temos, vamos fazer trabalhos também fora de Bauru. Nossa instituição atualmente fez uma base de três ou quatro eventos, esses eventos foram eventos pra dar conhecimento pra população de que nós existimos e que nós estamos aqui na intenção de reunir a comunidade negra pra fazer um trabalho. (...) O nosso projeto começou daí, disso aí nós criamos o projeto “Gera ACTABB”, que é um projeto que, é um projeto mais ou menos parecido, muito parecido com o que fala na universidade, projeto de extensão a comunidade, projeto móvel, e esse projeto móvel ele se desloca de dentro da instituição e vai até a comunidade. Na comunidade ele oferece oficinas, oferece artesanato, ele oferece como cuidar do cabelo, a parte da capoeira, o professor de capoeira, uma assistente social, uma parte de cidadania, então damos todas as informações dentro desse projeto móvel, dentro da comunidade carente. Esse é o nosso trabalho. (...) Então nós optamos pra dar esse seguimento justamente pensando em cuidar dessa parte uma vez que, vejam que a comunidade está praticamente sem um apoio com relação a essa parte de informações. (BERNARDO)

Bernardo também comentou sobre a necessidade da união para o combate ao racismo, citando a necessidade de uma fortaleza dentro da comunidade para reagir “do ponto de vista nosso” (BERNARDO). Sobre a falta informações comentadas por Bernardo, foi explicado um pouco sobre os resultado da análise da cobertura jornalística feita na pesquisa, que também revelou a falta de informação. Bernardo também comentou da falha na comunicação do próprio Conselho Municipal da Comunidade Negra e sobre o contato com da ONG com a mídia. Mas será que quando a gente manda pra lá a matéria e pede, manda um comentário, que que eles dizem? ‘Ah! Se a gente perceber que isso vale a pena nós colocamos’. Então eu digo pra você, os eventos que eu fiz, eu procurei a Unesp, procurei Jornal da Cidade, procurei a Rádio Câmara e TV Câmara e pedi a eles, mandei uma descrição do evento dizendo a eles o trabalho que eu tô fazendo e realmente tive um retorno e eles colocaram, quer dizer, encontrar a matéria sobre a ACTABB no Jornal da Cidade, vai encontrar na TV Câmara, Rádio Câmara, vai encontrar na Rádio Unesp. Então significa que nós começamos a avançar mas temos que catucar. Temos que ir lá e levar a matéria, temos que ir lá e falar que tá acontecendo isso na sociedade, porque se não eles não comunicam nada. (BERNARDO)

Bernardo também comentou sobre a ausência de negros em alguns segmentos de trabalho e a origem histórica dessa exclusão. 58


Então você encontra algumas pessoas importantes em alguns pontos mas não encontra não encontra elas nos pontos mais importantes do fator da sociedade, como você mesmo disse no Jornal da Cidade. Eu, por acaso, hoje tive no Jornal da Cidade com o diretor da cultura, o Amaral, e reparei no mesmo que você reparou, olhei pra dentro da sala da redação só tinha branco, não tinha um negro dentro... Eu falei: “Pô, que engraçado, né, será que falta gente pra tá dentro da mesma altura, pra trabalhar dentro do Jornal?”. (...)Mas o que falta? O que falta é a base, nós não temos base e o governo não tá preocupado com a base dentro da comunidade negra. Então a gente pode voltar lá atrás e falar um pouco da questão de que o negro vivia dentro da capital naquela época, quando houve a imigração da eurodescendente que que fizeram com o negro? Jogaram o negro pra periferia e deixaram os eurodescendentes na capital e que que fizeram com os negros na periferia? Eles tinham direito a ter... pegaram as, tiraram, vamo trabalhar pros eurodescendentes que hoje são os que mais mandam em questões de terras dentro do Brasil. Essa é uma questão que tá acontecendo lá e hoje você vai analisar, aquilo aconteceu lá, e hoje o negro continua na periferia e pra ele alcançar a chegar na capital ele tem que tá muito bem preparado e são poucos que conseguem chegar lá, na capital, que conseguem realmente demonstrar, então eu, por exemplo, estou aqui em Bauru venho de uma grande capital e vejo e me deparo de que a comunidade tá acuada, sabe?”. (...) Então eu acho que a gente tem que mudar essa história, a gente tem que buscar as pessoas, informar elas, preparar elas e trazer pra sociedade e dizer “Vocês podem chegar a muito mais”. (BERNARDO)

Sobre a transformação desse cenário social, Bernardo falou muito do trabalho de base nas comunidades periféricas, que muitas vezes são deixadas de lado pela questão da violência. Porém, Bernardo citou alguns exemplos de trabalhos que já estão sendo feitos em comunidades e que os efeitos são positivos e esperançosos. A última entrevista foi feita durante um evento realizado pelo Ministério da Cultura no Rio de Janeiro. O evento, chamado Emergências, consistia em um encontro global de cultura, política e ativismo com a proposta de discutir temas emergentes na sociedade atual, emergentes no sentido de que são problemáticas que estão surgindo e se mostrando aparentes e no sentido de que precisam ser tratadas com emergência. A questão do racismo na sociedade brasileira e da valorização da cultura afro-brasileira foi tratada de forma ampla em várias rodas de conversa e manifestações culturais. Ítala Herta, relações-públicas que possui sua própria empresa de consultoria Ítala Herta – Relacionamento e Cultura estava no evento representando o IME - Instituto de Mídia Étnica de Salvador, Bahia. Ítala fez parte de vários projetos do Instituto, que trabalha a questão da do direito humano à comunicação garantido a comunidade afrodescendente através de cursos de formação, monitoramento de meios de comunicação, campanhas, entre outros projetos. Hoje, Ítala presta consultoria de relações públicas para organizações e também atua em projetos paralelos de cultura e educação. Apesar de Ítala não atuar no cenário bauruense, lócus dessa pesquisa, a contribuição dela no âmbito das relações públicas, com um recorte étnico racial, foi essencial já que em Bauru não existem muitos 59


cargos de relações públicas nas organizações nem agências que prestam esse tipo de serviço e se os que existem são ocupados por profissionais negros ou profissionais que façam um trabalho voltado para o público afrodescendente são desconhecidos. A empresa é Ítala Herta – Relacionamento e Cultura. E aí, pensando muito, porque eu me confrontava muito com essa questão de tipo, dessa profissão que se justifica toda hora e que as pessoas não conseguem entender e na possibilidade de mostrar uma expertise, expertise no sentido de mostrar o quanto é importante o RP cuidar dos públicos de interesse de uma programação cultural, de fazer uma comunicação dirigida, de como é importante a gente pensar e mobilizar e sensibilizar as pessoas pra que, por exemplo, uma vez numa comunidade ou num projeto, tenha uma, um interesse realmente participativo com esses públicos. E aí comecei a cavar isso, construir isso (...) Isso foi em 2013, trabalhar produção cultural e também relações públicas. E aí as coisas foram se desenhando, e aí ao longo dos anos eu fui trabalhando muito isso com projetos pessoas e com parceiros também. Nos últimos dois anos, das experiências mais reais assim que teve realmente assim um retorno redondo efetivo de que um RP é importante, se faz necessário no processo, foi o da Bienal da Bahia. (ÍTALA)

Ítala explicou que para o projeto da Bienal da Bahia, realizado pelo MAM – Museu de Arte Moderna da Bahia ela realizou um trabalho de relações públicas de integração com a comunidade. Então lá eu propus um projeto que previa a ideia de expandir o museu para além do museu e ir em comunidade, né, então justamente pensar em trocas de saberes com o museu e essas comunidades, os artistas, os ativistas, enfim. Mesmo porque o Museu está localizado em uma comunidade, tem o entorno que é uma comunidade vulnerável e que não se relaciona, não se sente tão pertencida pelo museu porque eles acham que é um lugar hostil. (ÍTALA)

Ítala falou muito da importância do mapeamento, uma das técnicas propostas pelo pesquisador Milton Santos, para conhecimento da realidade, das necessidades e das contradições muitas vezes não visíveis. Ela realizou um projeto de mapeamento de comunicadores e artistas negros nas comunidades de Salvador, mas como o projeto era muito grande ele não foi finalizado durante a Bienal e ainda está em andamento, em conjunto com o IME. E aí eu resolvi cair pra cinco espaços expositivos que estavam, que tinham comunidades no entorno e desses cinco apenas uma eu resolvi focar que é no subúrbio de Salvador, um lugar que é uma outra Salvador, um lugar invisibilizado, que tem uma precariedade de infraestrutura, de saneamento, de transporte mas ao mesmo tempo é um lugar que tem uma beleza, mas uma beleza invisibilizada também. E lá eu fiz o mapeamento de artistas invisíveis do subúrbio. (...) Feito esse mapeamento depois a gente conseguiu construir ações da maneira mais participativa com a comunidade, e isso conseguiu dar um retorno de público, e de aproveitamento do processo bem bacana. (ÍTALA)

Ítala ressaltou que o conhecimento da realidade através do mapeamento propicia uma melhor ação de sensibilização com os públicos. Ela falou também do relacionamento do RP com os públicos, ressaltando a construção de vínculos e a responsabilidade que o 60


profissional assume ao estabelecer esses relacionamentos. Além disso, Ítala comentou sobe sua trajetória de mulher negra dentro das relações públicas. Eu penso assim, dentro da minha trajetória, de mulher negra que trabalha dentro da comunidade, a ideia é a gente estar em alguns lugares né, de permanecer, de ter atuação em alguns circuitos já é uma ação política, por exemplo trazer esse recorte das relações, como RP dentro de um museu pra mim já é uma ação política que faz com que a gente precise realmente compreender que estar nesses lugares é importante pra você desmontar uma série de coisas inclusive tocar em algumas feridas, entendeu? (...) Porque é muito difícil você abrir algumas frentes sozinha, então acho que a rede, a comunicação, o uso dela pra mim, disso que a gente tá construindo agora, as coisas que vão se desmembrar, isso pra mim é o lugar que o negro realmente tem que se empoderar dos meios, das formas, do seu fazer, seu modo de fazer tem que tá... Não existe, já tá dito, é o meu modo, você não queira me convencer do seu, você não queira me trazer sua solução porque há muitos anos a gente produz nossas soluções sem precisar de ninguém. (ÍTALA)

Ítala também falou sobre a invisibilidade e a representatividade desse público negro. Se você for pensar em palafita, se você for pensar em gambiarra, se você pensar no mototaxi, isso é inovação social o problema é que não existe oportunidade pros inovadores, você não conhece, você tem um conteúdo invisibilizado, você não consegue ver que as mulheres estão na tecnologia, que os negros tão na tecnologia, quem são essas pessoas representadas, né, na comunicação, quem fala por mim? Isso me preocupa muito. Essa memória digital que tá sendo construída ao longo desses anos, tem uma memória ruim sobre as mulheres, sobre os jovens, sobre os lugares que eu frequento, então se empoderar disso é justamente construir uma memória de coisas boas, é dizer “Ó, olhe praqui, ela tem uma fala” e não é a fala que você tá falando de mim, é a fala de como eu me sinto aqui. (...) Tem uma série de desdobramentos também que a gente tem que respeitar e aprender a conduzir, com as coisas que estão sendo discutidas na contemporaneidade, com aquele movimento negro que foi um movimento negro que abriu uma frente e que tem anos e como é que a gente se ressignifica, se reinventa, e como é que a gente discute não com os negros, mas com aqueles que realmente devem, não é só com esses né, como é que a gente faz essas fissuras. (ÍTALA)

Sobre a representatividade na mídia, Ítala comentou que fez um trabalho de identificação em comunidades quilombolas onde ela levou diferentes veículos de comunicação e pediu pra que as pessoas recortassem dessas revistas e jornais situações que gerassem uma identificação que fosse satisfatória mas apontar a insatisfatória também. E as mulheres e as crianças falavam que elas não se viam na propaganda, que elas não se viam na novela, tão cansadas de ver empregadas e outras pessoas negras com os mesmos papéis e que não a representavam, mas aquele é o meio que ela mais consome apesar de não representar, né. (ÍTALA)

E como contranarrativa, Ítala apresentou trabalhos como os realizados pelo IME, os projetos voltados para o empreendedorismo negros, os cursos de formação de

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comunicadores, as campanhas e sobre a construção e fortalecimento de redes online e offline. Ítala também comentou sobre o desvelamento e a superação do racismo. Acho que nas redes sociais ao mesmo tempo que a gente tem um mundo, um absurdo, mas a gente começou a entrar na cabeça das pessoas e viu que todo esse racismo velado, esse mito de democracia racial cai por terra a partir do momento que o cara vai lá e te chama de macaco, sei lá, critica seu cabelo, então é a realidade invadindo a virtualidade e mostrando que as coisas não estão bem resolvidas assim que a gente precisa realmente mexer em algo. (...) Então dentro desse profissional o que eu sempre faço é isso, quando eu mapeio um público eu procuro enxergar quem são esses âncoras que podem me dar uma força na mobilização, que podem sensibilizar com mais força, não é que ele vai representar mas ele vai fazer uma representatividade, vai fazer um caminho, uma interface com esses públicos de interesse. (ÍTALA)

Ítala falou da necessidade de construir relacionamento com o público da comunidade, de não invisibilizar esse público: “Não dá mais pra ficar dizendo que não existe as coisas, ela tão escondidas. ” (ÍTALA) A necessidade também está em construir esses relacionamentos, com os públicos invisibilizados, dentro das empresas, nas brechas do capital. Exatamente, é na fissura. Como é que eu ia chamar 15 comunicadores negros de periferia pra se reunir dentro do Museu de Arte Moderna da Bahia, um lugar que a maioria deles nunca foram, colocar uma mesa no meio, apresentar as suas atuações pros curadores, se eu não estivesse lá? Entende? Porque quando eu falo desse lugar do subalterno é porque esse outro quer que eu não esteja, ele quer me acionar quando ele precisar, só que quando ele me acionar eu vou dizer: ‘Não, amigo, quem precisa de mim é você’ Entendeu? Então tem um jogo político aí muito complicado (ÍTALA)

A junção de todas as entrevistas possibilitou uma visão mais ampla e múltipla do assunto. O desconhecimento, em alguns casos, não possibilita novas visões, novos diálogos e, consequentemente, mudanças no fazer da comunicação com o público afrodescendente. A tomada de consciência, por sua vez, abre os olhares e expande os limites de atuação integrando os públicos e incentivando a participação e o diálogo em busca de melhorias.

Considerações Finais

O discurso da diversidade cultural adotado pelo Brasil não se reflete na realidade da sociedade brasileira. A diversidade que se manifesta no perfil racial da população brasileira também não condiz com a estrutura histórico-social de um país governado por elites brancas. Um Brasil que possui maioria populacional negra, mas que exclui os negros das universidades, que não possui representatividade negra na política, que 62


fomenta uma política de genocídio da juventude negra, que desvaloriza o empregado negro, e mais ainda a mulher negra, que sofre dupla discriminação, de raça e de gênero. Um Brasil de desigualdade e falta de oportunidades não reconhece a diversidade e as necessidades latentes de sua população discriminada. O ponto de partida para a mudança desse cenário é o reconhecimento, um dos pilares da Década Internacional de Afrodescendentes da ONU. Reconhecer que, historicamente, o racismo se estabeleceu e criou suas raízes no Brasil. Arraigado nos aparelhos ideológicos do Estado, o racismo foi amplamente disseminado, mas de forma sútil e cruel. No Brasil não houve uma política como o aparthaid da África do Sul e o governo tampouco tomou medidas de segregação como as tomadas no sul dos Estados Unidos. Porém, houve uma abolição da escravidão tardia e forjada. Libertaram os negros, mas não ofereceram perspectivas de mudança ou ascensão social. Apartados, os negros foram para as periferias onde vivem, em sua maioria, até os dias de hoje. Toda essa trajetória foi acompanhada pela mídia. Os meios de comunicação também criaram e reproduziram representações de subalternidade para a população afro-brasileira. Nas novelas, nos jornais, na literatura, os discursos projetados em torno da figura do negro não incluíram a opinião dos próprios negros e durante séculos a dominação da elite branca estereotipou os dominados e silenciou suas vozes através de um mecanismo velado de segregação. As transformações inerentes à dialética que move a sociedade provocaram e estão provocando fissuras nessa estrutura. Por meio de políticas públicas de ação afirmativa que promovem igualdade e justiça, a população negra começa a ocupar espaços antes dominados pelas elites e pela classe média branca brasileira. Por meio da música, da arte e da cultura a população negra se manifesta e condena as atitudes racistas. A voz do público afrodescendente emerge nos mais distintos espaços, se constitui e se fortalece ecoando nas camadas mais elevadas e sinalizando as mudanças vindas. Escutar essa voz e reconhecer a historicidade que carrega consigo feridas abertas é o mínimo a ser feito. O mínimo que segue e avança no sentido máximo da reconstrução. O movimento de resistência dessa população excluída desmascara as hierarquias e os privilégios e incita um novo fazer político, econômico, social e comunicacional. O público negro emergente, nos dois sentidos da palavra, não se identifica com a construção simbólica histórica feita para e não por esse público. Os arquétipos que envolvem a figura do negro foram socialmente estabelecidos por brancos. Na busca por identificação os negros não se encontram nessas imagens. Nos jornais, na seção de esportes e cultura exaltam a figura do negro, mas seu valor não é reconhecido na política 63


ou na economia e nas notícias relativas a crimes o negro é sempre ressaltado na figura do meliante. A construção desses arquétipos pela mídia brasileira reproduz o mecanismo da segregação. Ao replicar esses conceitos a mídia retroalimenta o racismo que dificulta, inclusive, a participação de negros no mundo midiático. O baixo índice de comunicadores negros reflete na ausência de uma outra imagem do negro, construída por e para ele. A análise midiática proporcionou uma visão mais ampla dessa realidade. Os jornais impressos seguem a lógica da produção capitalista e produzem informação para consumidores acríticos e não para leitores e atores críticos. Ao não pautar importantes acontecimentos que possuem implicâncias significativas na vida da população negra e na luta contra o preconceito e a desigualdade os jornais se ausentam de uma discussão latente e não colaboram com as perspectivas de transformação social. O interesse privado prevalece em relação ao interesse público, ao interesse dos públicos que são plurais e anseiam pelo respeito e valorização de tal pluralidade. Nas organizações, microcosmos sociais, ocorrem as mesmas reproduções simbólicas, por influência da própria sociedade e da mídia. No âmbito da comunicação, as relações públicas se fazem ausentes diante desse cenário social de emergência do público afrodescendente e da gestão da diversidade. A aplicação de suas ferramentas básicas de trabalho, o mapeamento de públicos e o diagnóstico a partir da análise de cenários, revelam a necessidade da construção de um novo planejamento e de novos relacionamentos para e com os públicos plurais. É válido ressaltar que o mapeamento de públicos é essencial, mas que a metodologia empregada não pode generalizar e invisibilizar certos públicos. Diante das aparentes mudanças sociais, as relações públicas devem se atentar as novas necessidades, as novas particularidades latentes de seus públicos. As transformações que alteram a conjuntura social salientam novas emergências de públicos que buscam por mais justiça e igualdade. Através do diálogo as relações públicas rompem as barreiras do silenciamento e da invisibilidade do público negro. Ao propor a gestão da diversidade em um nível mais amplo, as relações públicas reconhecem as diferenças e particularidades de seus públicos, dando voz a eles e não somente construindo imagens, vínculos e discursos para os mesmos. Os programas de gestão da diversidade não devem atender apenas o público feminino, os portadores de deficiências ou a terceira idade mas também o público negro, que compõe grande parte da massa trabalhadora do país. A presença da população negra nos espaços de construção simbólica midiáticos e organizacionais traz, aos não negros, uma outra visão, provocando mudanças e novas 64


oportunidades. O encontro contrastivo revela as mazelas de um povo oprimido a seus opressores e é nesse sentido que o conhecimento implica no reconhecimento e na reconstrução. As entrevistas em profundidade realizadas em uma última etapa da pesquisa trouxeram importantes resultados no que diz respeito a visão das relações étnico raciais no ambiente organizacional. Os diálogos buscavam problematizar e aprofundar a ideia de relações para e com os públicos plurais mas em sua maioria caminharam para um outro lado, o das relações para e com a diretoria das organizações. Mais uma vez os interesses dos públicos plurais não são vistos como prioridade e os interesses privados prevalecem. No caso do discurso de empregabilidade a diversidade proferido pela empresa Paschoalotto foi identificado, nas entrevistas, uma ausência no suporte desse discurso. A empresa não disponibilizou, até o momento, os dados do mapeamento demográfico do público interno feito pelo RH. A ausência desses dados dificulta uma análise da representatividade e da posição que a população negra ocupa no corpo de funcionários da empresa. Também foram solicitados os dados referentes ao projeto da ouvidoria “Prefeito do andar” para que fosse observado o grau de representatividade e identificação do público com os prefeitos eleitos. Tanto a ouvidora quanto a chefe de Recursos Humanos responderam dizendo que solicitariam as informações, porém nunca o fizeram. Mesmo assim, as duas entrevistas feitas na Paschoalotto demonstram um posicionamento neutro da empresa em relação ao público negro. O discurso da boa convivência na diversidade é majoritário e a tendência de “naturalizar” as relações também. Ainda que a diversidade implique em conflitos a postura da empresa é a de promover a harmonia entre todas e todos. Assim como foi visto no JC, não existe um cargo de relações públicas e aparentemente tampouco existe um trabalho contínuo que promova o respeito e a valorização da diversidade entre os funcionários. Além disso o posicionamento do jornal se encaixa em um viés reprodutor da ordem e não contestador da mesma. As entrevistas com o Bernardo e com a Ítala, ambos militantes negros, mostram um outro lado da situação. Existem correntes abrindo espaços para debates sobre as questões que envolvem o racismo e suas perversas consequências. Esses debates se dão nos espaços públicos urbanos, nas universidades e também nas organizações, quando existe uma abertura. É justamente essa abertura que possibilita as relações para e com esse público. Ainda que em alguns casos não exista posições de liderança de cargo negra, o que seria o mais ideal para promover a igualdade e a diversidade, a gestão deve reconhecer e buscar apoio nas representatividades desse público. A comunicação 65


assertiva ouve as vozes plurais e clama pela participação engajada. As metodologias de planejamento participativo e as contribuições de Paulo Freire possibilitam um caminho de reconstrução conjunta de um novo fazer comunicacional. A identificação é a chave do processo. Os públicos precisam sentir-se identificados para que a participação seja efetiva. Sendo assim, a construção de uma contranarrativa de novos símbolos de representação qualifica o discurso da valorização da diversidade. O discurso vazio é composto apenas por palavras que não preenchem a verdadeira cultura organizacional, que não reconhecem e não valorizam o potencial criativo humano calcado na diversidade cultural. Humanizar as relações é tarefa das relações públicas que nadam na contracorrente. Infelizmente a incomunicação não possibilitou o fomento das discussões pautadas nessa pesquisa no âmbito das organizações públicas. A dificuldade em estabelecer contato com a prefeitura reflete problemas comunicacionais internos e externos da organização. As entrevistas com atores de organizações públicas visavam a problematização em torno de políticas públicas voltadas para a população afrodescendente, um dos objetivos específicos inicialmente propostos, porém como os diálogos não foram estabelecidos não houve aprofundamento nesse quesito. As mudanças organizacionais, que contradizem e não replicam os estereótipos da sociedade, provocam uma inversão de influências. As novas ações de comunicação transformam as relações estruturais e de consumo que afetam nas relações interpessoais dos sujeitos em sociedade. Ao não replicar os preconceitos arraigados na sociedade e reproduzidos pela mídia as organizações criam novas formas de relacionamento mais respeitosas e justas. É nesse sentido que a mudança de postura nos relacionamentos dentro das organizações, microcosmos compostos de seres humanos diversos, são essenciais no que se refere a mudanças estruturais no âmbito macro da sociedade. Assim como a sociedade e a mídia tem influência nos comportamentos organizacionais a cultural organizacional também afeta a vida em sociedade e os fazeres midiáticos. Para atuar com e na realidade as relações públicas precisam compreender as dinâmicas da sociedade. Os mecanismos de segregação históricos, as vezes não evidentes, impedem a reflexão e a superação do racismo na sociedade brasileira. Sendo assim, a invisibilidade e a falta de representatividade e identificação retroalimentam esse sistema. Porém, diante de um cenário de lutas e conquistas emergentes, as ferramentas de relações públicas podem e devem auxiliar no processo de transformação social. É nesse aspecto que as relações para e com os públicos plurais transcendem os limites das 66


organizações e se aproximam um pouco mais de um horizonte de mudanças pela construção de uma sociedade multicultural mais humana. As constantes rupturas epistemológicas provocadas por essa pesquisa possuem desdobramentos no campo acadêmico. Pretende-se dar continuidade aos estudos voltados para a valorização dos públicos plurais e da diversidade cultural em um programa de mestrado. Os programas de pós-graduação do IHAC – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Milton Santos da UFBA – Universidade Federal da Bahia e da UNILA – Universidade Federal da Integração Latinoamericana já foram cogitados para ingresso no fim desse ano e início dos estudos no primeiro semestre de 2017. O grupo NeoCriativa continua crescendo e alimentando o espírito da produção acadêmica nos alunos da comunicação social e novos projetos de extensão e integração para e com a comunidade estão sendo desenvolvidos. Os impactos do despertar se multiplicam e caminham no sentido da transformação pedagógica e da desconstrução dos muros que separam o saber científico da sociedade como um todo.

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Apêndice 1: Tabela com o resultado da análise da cobertura jornalística da Folha de S. Paulo – Divulgação do Mapa da Violência.

Folha de S. Paulo – Divulgação do Mapa da Violência Edições/Dados

Número de páginas

Número total de unidades informativas

Unidades informativas relativas ao fato analisado

29/06

40

1920

-

30/06

36

1728

8

01/07

36

1728

-

02/07

52

2496

-

03/07

44

2112

-

04/07

84

4032

-

72


05/07

88

4224

-

06/07

38

1824

-

Apêndice 2: Tabela com o resultado da análise da cobertura jornalística da Folha de S. Paulo – Lançamento da Década Internacional de Afrodescendentes no Brasil Folha de S. Paulo – Lançamento da Década Internacional de Afrodescendentes no Brasil Edições/Dados

Número de páginas

Número total de unidades informativas

Unidades informativas relativas ao fato analisado

22/07

40

1920

-

23/07

50

2400

24/07

42

2016

25/07

72

3456

26/07

100

4800

27/07

44

2112

28/07

36

1728

29/07

36

1728

-

Apêndice 3: Tabela com o resultado da análise da cobertura jornalística da Folha de S. Paulo – Passeatas de um ano da morte de Michael Brown nos EUA. Folha de S. Paulo – Passeatas de um ano da morte de Michael Brown nos EUA Edições/Dados

Número de páginas

Número total de unidades informativas

Unidades informativas relativas ao fato analisado

09/08

92

4416

-

10/08

40

1920

-

11/08

42

2016

21

12/08

40

1920

12

73


13/08

66

3168

-

14/08

46

2208

-

15/08

74

3552

12

16/08

90

4320

-

Apêndice 4: Tabela com o resultado da análise da cobertura jornalística do Jornal da Cidade – Divulgação do Mapa da Violência Jornal da Cidade – Divulgação do Mapa da Violência Edições/Dados

Número de páginas

Número total de unidades informativas

Unidades informativas relativas ao fato analisado

29/06

16

768

-

30/06

32

1536

-

01/07

28

1344

-

02/07

40

1920

-

03/07

28

1344

-

04/07

36

1728

-

05/07

68

3264

-

06/07

16

768

-

Apêndice 5: Tabela com o resultado da análise da cobertura jornalística do Jornal da Cidade – Lançamento da Década Internacional de Afrodescendentes no Brasil Jornal da Cidade – Lançamento da Década Internacional de Afrodescendentes no Brasil Edições/Dados

Número de páginas

Número total de unidades informativas

Unidades informativas relativas ao fato analisado

22/07

28

1344

-

23/07

44

2112

24/07

32

1536

-

74


25/07

36

1728

26/07

68

3264

27/07

16

768

28/07

32

1536

29/07

28

1344

-

Apêndice 6: Tabela com o resultado da análise da cobertura jornalística do Jornal da Cidade – Passeatas de um ano da morte de Michael Brown nos EUA. Jornal da Cidade – Passeatas de um ano da morte de Michael Brown nos EUA Edições/Dados

Número de páginas

Número total de unidades informativas

Unidades informativas relativas ao fato analisado

09/08

72

3456

-

10/08

16

768

-

11/08

32

1536

15

12/08

28

1344

-

13/08

40

1920

-

14/08

32

1536

-

15/08

36

1728

-

16/08

72

2456

-

Apêndice 7: Entrevista – Gisele Hilário17 Organização: JC – Jornal da Cidade Cargo: Editora chefe Entrevistadora: Maria Eduarda Gomes Silva Data: 09/11/2015 Local: Sede do Jornal da Cidade

17

A entrevistada permitiu que as informações concedidas fossem utilizadas na pesquisa.

75


Maria: Bom, Gisele você pode começar então se apresentando, explicando qual é seu cargo aqui, quais são suas responsabilidades no Jornal da Cidade. Gisele: Meu nome é Gisele Hilário eu sou editora chefe já tem um tempo, assumi esse cargo de 97 pra cá. De 97 pra cá a gente teve até outros editores também então deu uma mudada no perfil de trabalho de todos nós. Eu basicamente hoje trato mais do, em alguns momentos do ano eu fico mais focada em produtos especiais porque a gente tem também um editor executivo que acabou assumindo um pouco das minhas funções e a gente tem também um editor de redação que também acaba participando muito de todo o processo produtivo e construtivo da matéria. Maria: Então, entrando no tema do meu trabalho quando eu falo de racismo não tem como não pensar no histórico do Brasil. O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, só em 1888, depois a gente importou teorias racistas da Europa e depois de ter feito tudo isso, de não ter inserido o ex-escravo negro na sociedade a gente estampou pro mundo inteiro uma imagem de que o nosso país era acolhedor e miscigenado. Gisele: Até hoje. Maria: Até hoje. Mas o fato é que o racismo existe, apesar dele ser velado. Como você compreende essa realidade? Gisele: Eu acho que... concordo muito assim que o racismo é muito velado no Brasil e hoje o que eu vejo em diversos níveis sociais inclusive é que as pessoas elas escondem esse racismo. Elas escondem aquilo que elas consideram. Existe hoje assim aquela coisa do politicamente correto e do politicamente incorreto, é uma coisa muito arraigada na sociedade como um todo, e as pessoas, até por uma questão de sobrevivência, elas acabam por esconder aquilo que elas necessariamente são, principalmente quando elas estão cara a cara. Então com as mídias sociais, no Brasil de 90 pra cá, aquela coisa muito forte da entrada da internet, foi de 90 pra cá que no Brasil começou a entrar um pouco mais forte, como a gente tá falando sobre mídia vamos fazer um recorte aí pras mídias, principalmente com as mídias que começaram a usar isso muito mais fortemente isso na década de 90, então as pessoas elas meio que matreiramente aprenderam a usar a mídia pro bem e pro mal, a mídia, internet. Maria: Você diz quando o público é produtor de conteúdo? Gisele: Quando o público é produtor de conteúdo e eu falo público e não tiro nem RP nem jornalista desse público, né, apesar de em muitos momentos as nossas profissões acharem que a gente tá meio que acima do bem e do mal e que em nome da informação, em nome da produção da informação, de se levar a informação, você tem direito de fazer ou isso ou aquilo, uma coisa que eu não concordo muito em vários momentos, então você acaba se escondendo, você acaba sendo duas pessoas, duas identidades diferentes, quando o assunto é preconceito das mais variadas formas, o preconceito em relação ao negro, ou o preconceito em relação ao gay, ou o preconceito em relação a mulher assumindo coisas no mercado de trabalho, eu não consigo dividir muito isso quando você coloca uma frase na internet, no seu facebook, quando você usa a internet, antes o Orkut, o twitter, agora o twitter ta renascendo de novo, agora mais fortemente facebook, whatsapp, os grupos fechados, então você é uma pessoa antes e depois da internet, das mídias sociais, dessa 76


coisa forte das mídias sociais. Mas assim, nesse momento você acaba se mostrando um pouco né, aquela coisa do que você é de verdade, de você achar que negro tem que ter cota ou negro não tem que ter cota, porque que negro deve ter cota, porque que negro não deve ter cota, e por uma série de coisas. Então eu acho que é extremamente velado, em vários níveis sociais, e eu não coloco isso como o cara que mora na favela ou o cara que mora na zona sul, mais preconceituoso ou menos preconceituoso, mais racista ou menos racista, porque quando a gente fala em racismo a gente vê muito essa questão do racismo do branco em relação ao negro, mas existe o contrário também, do negro em relação ao branco, do japonês em relação ao não japonês, do brasileiro em relação ao japonês, então eu vejo isso como uma coisa muito mais ampla do que se discute, do que se procura discutir e do que as pessoas realmente se colocam e se importam, não sei se eu respondi a sua pergunta. Maria: É, a pergunta é ampla porque vai da sua compreensão do que é o racismo no Brasil. Gisele: É quando a gente fala de racismo a gente fecha muito em relação a essa questão do negro mas eu acho que são, que a coisa é muito mais ampla que isso, hoje a gente enfrenta por exemplo racismo, porque não, em relação aos imigrantes, em relação a essas pessoas que estão em uma situação extremamente complicada, que vem, e eu acho que isso é uma coisa que a gente acaba muito deixado de lado, eu acho que a gente tem, teria que fazer uma discussão em relação ao racismo muito mais ampla do que a gente se faz em alguns momentos quando tem algum, alguma coisa que mexe um pouco com a sociedade, com a sensibilidade, quando alguém leva uma tijolada de algum jeito e fala “Opa! Pera aí. Que eu tô fazendo com isso, que que eu penso, que que meu colega pensa em relação a isso” Você da uma... Mas ai depois acalma de novo, então eu acho que é uma discussão muito mais ampla e que não diz respeito apenas ao negro, mas a uma série de outras coisas que eu acho que vai, que é muito complicado, que a gente tá indo pra um rumo muito, muito complicado. Maria: Bom, você citou algumas mídias, quando você falou dessa mudança, das pessoas começarem a desvelar o racismo, e no caso você falou de internet, mas pensando agora no impresso, já que a gente tá no JC e o meu trabalho também foi voltado pra uma análise do jornal impresso, você acha que mudou a postura do jornal impresso pra falar de racismo, nesse caso em relação ao negro? Gisele: Eu acho que os jornalistas eles são provocados a discutir determinados assuntos né. Então assim o que que é a notícia, que valor que a notícia tem, o valor notícia depende do que aquilo que o cara que tá do lado de lá tá consumindo. Então eu acho que a gente é muito provocado por quem tá do lado de lá. Eu acho que, eu acho que mudou mas eu não sei dizer pra você eu não estudei sobre isso seria até uma coisa interessante pra se estudar eu não sei se mudou pra melhor ou pior. Porque eu acho que essa coisa assim de ser uma coisa muito velada e de você ter aprendido, porque as pessoas aprenderam a definir o que é politicamente correto e o que não é politicamente correto, então assim no seu grupo você diz que você concorda com isso ou com aquilo, quando você é chamado pra dar uma entrevista, que aquilo vai ficar impresso lá, que daqui vinte anos qualquer pessoa que ver aqui no acervo vai dizer que, vai ler o que a Gisele Hilário pensava sobre aquele assunto, o que que a Gisele Hilário vai dizer? Aquilo que ela quer que a sociedade 77


escute. Entendeu? Então eu acho muito complicado dizer o que mudou e o que não mudou, eu acho que as pessoas estão mais cautelosas pra dizer o que elas pensam, e eu acho isso ruim. Eu acho que no momento em que você tem cautela pra falar sobre o seu ponto de vista você não espelha a realidade. Então eu acho que hoje a gente não tem um espelho da realidade do século XXI, sabe? Novembro de 2015... Maria: Você se refere ao próprio jornal impresso, no caso? Gisele: Me refiro ao próprio jornal impresso, porque o que que o jornal impresso faz? Ele reproduz aquilo que vem da sociedade. Aí muitas você, você sabe, numa conversa em off você sabe qual é o pensamento do cara, do entrevistado, aí quando você liga o gravador o pensamento dele difere daquilo que vocês estavam discutindo anteriormente, vocês estavam discutindo em off, e você aperta, e você questiona e você não consegue tirar aquele pensamento original do cara porque ele sabe que ele pode ter problema com aquilo por uma série de coisas. E aí como é que você faz pra reproduzir aquilo? Você fala “ó, o fulano de tal falou que ele pensa assim mas antes a gente tava conversando e não é bem assim que ele pensa” Você não tem como fazer isso, então eu acho que há uma maquiagem provocada pelo politicamente correto ou politicamente incorreto que é uma proteção que as próprias pessoas tem em relação as outras, em relação aquilo que a sociedade espera das outras pessoas em relação a vários tipos de assunto, determinados assuntos. Então outro dia tavam perguntando, por exemplo, saindo até um pouquinho dessa questão de racismo mas só pra reforçar esse exemplo, eu tava conversando com um rapaz aqui e ele tava falando da questão da maioridade penal, da diminuição ou da manutenção Maria: A gente nem precisa sair do tema racismo se a gente entra nesse caso Gisele: Não, então, assim ele tava falando sobre a questão da maioridade penal, em que momentos ele é contra, em que momentos ele é a favor, um cara muito inteligente, muito conhecedor daquilo que ele tava falando, um advogado, vamos fazer uma matéria sobre esse assunto, vamos, vamos fazer uma matéria! Ai o que que ele foi, a hora que liga o gravador parece que a pessoa se, ela se transforma, então assim, muito do que ele tinha comentado comigo e que eu tinha passado pro repórter na hora dele fazer a entrevista, o briefing que eu dei pro repórter, ficou de fora, e ai eu fui questionar o repórter “Mas por que que ele não falou isso, não falou aquilo, esse ponto de vista daquilo? ” “Ué, mas ele falou que não” Eu ouvi a gravação eu fiquei abestalhada com a gravação, porque as perguntas que eu tinha sugerido o repórter tinha feito, tinha insistido em algumas, mas quando ligou o gravador ele pensou duas vezes naquilo que ele tinha pra falar. Eu acho que com o racismo é a mesma coisa, se você tá num grupo, na sua casa, num grupo de amigos, tomando uma cerveja, falando sobre amenidades, você expõe facilmente o seu pensamento, na hora que alguém liga o gravador e fala: “Vamos falar sobre isso? ” Ai você inconscientemente, ou não, conscientemente você fala: “Pera aí, o que que a sociedade está pensando neste momento sobre este assunto? ” E aí você responde aquilo que a sociedade está pensando nesse momento sobre este assunto. Então eu acho que não dá, quando você fala em como o jornal impresso trata sobre esse assunto, ou tratava no passado, eu acho que se você for fazer uma avaliação, se você pegar desde que o jornal foi fundado, você vai conseguir identificar claramente o que que a sociedade pensava naquele momento sobre aquele assunto. Acho difícil você dizer que tá melhor ou tá pior, 78


porque acho que aquilo, acho que o jornal impresso, ele, o jornalismo como um todo, ele acaba sendo um reprodutor, não estou falando que isso é certo ou que é errado, ele acaba sendo um reprodutor daquilo que a sociedade tá pensando naquele momento. Maria: Bom, pegando esse gancho da sua fala eu analisei essa “reprodução” do Jornal da Cidade e da Folha de São Paulo... Gisele: Mundos completamente diferentes. Maria: Sim, mas peguei os mesmos assuntos, né, eu peguei três acontecimentos desse ano. Gisele: Nacionais ou não? Maria: Dois nacionais e um internacional. Minha pesquisa começou em agosto, então eu peguei um acontecimento de junho, um de julho e um de agosto, acontecimentos importantes que discutem, que tem relevância na discussão do racismo. O primeiro foi a divulgação do mapa da violência, não sei se você chegou a acompanhar isso Gisele: Um pouco só, não profundamente Maria: Porque quando foi divulgada essa edição do Mapa da Violência, a ideia era que os dados ajudassem a discutir justamente no Congresso quando tava rolando o projeto de lei de diminuição da maioridade penal, porque o Mapa da Violência ele revelou que as maiores vítimas de homicídio no Brasil são os jovens negros das periferias. Mas isso realmente acabou sendo pouco discutido, não foi tomado como relevante. Depois o segundo acontecimento que eu analisei o lançamento oficial da Década do Afrodescendente pela ONU no Brasil e o último acontecimento foram as manifestações de um ano de aniversário da morte do Michael Brown, que foi o primeiro jovem negro assassinado por um policial branco nos Estados Unidos, isso em agosto agora de 2015. Eu analisei 24 edições do JC, porque eu peguei o acontecimento e analise uma semana, pra acompanhar as suítes desses três acontecimentos e das três a única que eu achei matéria sobre foi do Michael Brown, das manifestações por causa da morte dele e dos outros dois acontecimentos não teve matéria nenhuma, e a minha pergunta é em relação a isso, por que não houve? Gisele: Aí eu vou ter que desconstruir um pouco sua pesquisa, não sei se vou te ajudar ou se você vai ter que refazer algumas coisas. Quando você faz uma avaliação de assunto nacional pegando um jornal, vamos chamar de “jornalão”, a Folha de São Paulo, que é um jornal de nível de circulação nacional né, e aí você compara um assunto nacional de um jornal de circulação nacional com um jornal de circulação regional fica meio complicado, bem complicado. Porque mesmo que você tivesse, mesmo essa única matéria que você falou que você encontrou, é a mesma matéria que foi veiculada pelo jornal de circulação nacional, seja Folha, seja Estadão. Por que? Porque os jornais regionais, pra veiculação de matérias nacionais e internacionais, eles trabalham com agências de notícias, que é o nosso caso. Então seria, se você desse azar entre aspas de pegar a mesma agência que veiculou então assim seria a mesma matéria que foi veiculada pela Folha, foi veiculada pelo JC, a mesma coisa, porque a gente trabalha com agência de notícia. Se você tivesse avaliado, por exemplo, o episódio que envolveu o professor Juarez, aí você veria que o tratamento era diferente em relação ao nacional, em relação ao jornal de 79


circulação nacional com o jornal de circulação regional. Por que que acontece isso? A gente é um jornal regional, pra gente que que tem mais valor? A notícia regional, a notícia local primeiro, Bauru, depois a notícia regional. O noticiário nacional e o noticiário internacional ele ganha uma outra conotação, ele tem um outro peso pra gente, então qual é o peso que ele tem? O que tá circulando de, o que tá mais circulando na mídia, aquilo que vem se batendo mais, então assim, é importante essa discussão, essa veiculação de que o jovem negro da periferia é o que mais morre? É importante, mas aí o que atrelaria a isso pra gente, que outro tipo de importância que ele ganharia, se a gente tivesse essa pesquisa, se alguém tivesse essa pesquisa aqui em relação a Bauru e região também. Então aí ela ganharia outro peso, ela ganharia outro valor, um valor completamente diferente daquilo que é descolado. Nesse caso que que tem, tem projeto que vai pra câmara dos deputados, depois vai pro Senado pra ver que tipo de valor que ele vai ter lá, que eles não deram muita bola, que não gerou nenhum projeto, não gerou nada, e aí a gente trabalha com uma quantidade limitada de página e aí na hora de fazer a edição o que que o editor avalia? Aquilo que tá pesando mais naquele momento pra população, que seja a discussão do Cunha, seja o dólar alto, o aumento da energia, seja o aumento do valor da gasolina e isso as vezes acaba ficando, acaba tendo um outro valor. Então vai muito da avaliação do editor, lógico que vai, e vai muito assim do, de você ter coisas por ser um jornal regional que diz respeito aquele mundo que a gente vive porque essa é a nossa realidade então poderia tá no jornal? Lógico que poderia, mas aí depende de uma série de outros fatores. Maria: Mas aí como é que funciona, por exemplo, quando vocês vão selecionar, escolher esses assuntos e essas matérias dessas agências que serão publicados no JC? Gisele: É aquilo que tá em pauta da semana, então qual que é a pauta de meses pra cá, por exemplo? A lava jato, agora recentemente as denúncias envolvendo o Cunha, um acidente de grande repercussão como foi esse de Minas, em Mariana, então é isso que a gente avalia, alguma coisa que causa uma grande repercussão. É dessa maneira que a gente separa, um acidente com um avião, em Mianmar teve eleições 25 anos depois, então assim é esse tipo de matéria. Maria: Entendi. Então, pelo que você tinha comentado antes é importante a população saber, por exemplo, desses dados do mapa da violência, que hoje em dia a maior vítima de homicídio no Brasil é o jovem negro da periferia. Gisele: Sim. Maria: Só que o jornal de grande circulação e essas agências de notícia não deram a devida atenção, houve matéria, mas não deram a devida atenção, então no caso o Jornal da Cidade acompanha esse fluxo? Gisele: Acompanha o fluxo. Não só o Jornal da Cidade todos os jornais regionais que lidam e que sobrevivem, né, de agências de notícia, que pagam agências de notícia pra veiculação de seu material nacional e internacional Maria: Pensando então no trabalho do editor chefe, que você falou que é o editor que vai acabar selecionando e escolhendo quais são esses assuntos... Gisele: Não necessariamente, porque assim a gente é dividido por editorias, então assim o editor chefe, imagina um guarda-chuva aí tem ali todas as outras coisinhas penduradas 80


pra sustentar aquele guarda-chuva. Então o editor chefe ele tem um geral do que tá acontecendo, agora não é o editor chefe que define 100% do que vai ser publicado na edição do dia seguinte. Então todos os jornais, do porte do nosso, pelo menos, ele é dividido por editorias e cada editoria tem o seu editor de área. Então o editor geral define, decide, durante uma reunião de pauta com a participação de outros editores aquilo que vai ser publicado no dia seguinte, aquilo que vai ser manchete, aquilo que vai ser submanchete, qual é a pauta que vai merecer destaque no dia seguinte, qual é a pauta que vai pro pé, isso ele decide já na reunião de pauta com a participação de outros editores, aí há um editor de nacional e um de internacional que define o que ele vai dar no jornal do dia seguinte, algumas vezes com a participação do editor chefe mas na maioria das vezes não, e a mesma coisa vale pro editor de cultura. Então há uma grande discussão que já começa de manhã na reunião de pauta, né, e vem se estendendo ao longo do dia, a prioridade sempre pro local e pro regional, depois pro nacional e internacional, isso também em relação a esportes e cultura, então vale aquilo que, a gente sempre valoriza aquilo que diz respeito aqui ao nosso quintal. Agora eu chego aqui de manhã, eu trabalho das sete as sete, as sete horas eu vou embora com a edição azeitada, mas ela pode mudar, porque as coisas vão acontecendo Maria: Mas quando ela muda, se não é você que é a editora chefe tem os outros Gisele: Tem os outros editores, é um outro editor Maria: Então pensando no trabalho de todos os editores no geral, o Leão Serva, um autor de jornalismo, ele fala de alguns fenômenos se referindo a ideia da desinformação e do trabalho do editor. E ele fala de dois fenômenos, um é a omissão e o outro é a sonegação. Então ele fala que a omissão é quando não há informação porque não houve cobertura, por algum motivo o jornalista não chegou lá, porque algum motivo o jornal não ficou sabendo daquele acontecimento. O outro caso, que é o caso de sonegação, é quando há cobertura, o jornal tem a informação, mas não há publicação, e não há publicação por vários motivos, pode ser porque não cabe no jornal ou porque essa pauta não é relevante Gisele: Tem a questão da angulação que você quer dar também, porque o que que é a angulação? A angulação mais do que você definir de que jeito que você vai trabalhar aquela matéria, é uma coisa mais ampla, muitas vezes você fala num curso de jornalismo ou de RP “Que tipo de angulação você vai dar na matéria? ” Então você tem que prestar atenção como é que você vai trabalhar esse assunto, é muito mais do que isso a angulação. E depende exclusivamente do editor que tem que tá completamente afinado com a linha editorial do jornal porque a angulação ela depende de uma série de fatores, você vai dar uma angulação praquela matéria de acordo com interesses do veículo de comunicação, não vamos ser hipócritas também, né? Maria: Sim, é justamente essa a minha pergunta, nesses casos quando há, por exemplo a sonegação, não a omissão, quando o jornal tem conhecimento de um acontecimento mas ele não é publicado, usando as palavras de Leão Serva, quando essa notícia é sonegada. Gisele: Porque não coube mesmo ou porque a linha editorial define que aquilo não merece esse tipo de, um tratamento tão intenso, aí é uma série de fatores, como o próprio Serva diz.

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Maria: A gente não precisa pensar nessas notícias que eu falei, já que não houve um tratamento pra elas no jornal, mas notícias no geral que tratam do racismo ou que discutiriam o racismo na sociedade a linha editorial do JC ela condiz com isso ou essas notícias acabam sendo sonegadas? Gisele: Não, eu acho que assim, volto a dizer pra você a gente é muito provocado pelo que acontece, né, aquilo que acontece, então eu vou voltar naquele assunto que rolou com o professor Juarez lá na Unesp né? Maria: Que é um assunto regional? Gisele: Que é um assunto regional. Então se você for avaliar aquela matéria por exemplo a gente cobriu em vários momentos, teve mais de uma suíte em relação aquele caso, então porque aquilo merece ser discutido, envolve uma universidade, envolve um professor super gabaritado, super conhecido na cidade, então merece uma ampliação daquela discussão. Agora eu não vejo, na maioria das vezes quando a matéria não sai ou porque não houve cobertura, em nível nacional, ou porque uma agência não mandou, ou porque a gente corta e não coloca a matéria inteira por questão de espaço mesmo. Eu não vejo o JC como... não há nenhuma orientação em não publicação de qualquer tipo de matéria em relação ao jornal, não há. Maria: No caso do professor Juarez mereceu atenção, como você disse, porque realmente foi um caso sério, mas... Gisele: E não foi o primeiro que a gente publicou, tô puxando pela memória e não lembro, mas não foi o primeiro que a gente publicou em relação... teve um outro caso que a gente publicou, bem anterior, há muito tempo, que tinha um senhor negro também, o filho dele se formou em medicina, e de vez em quando aparecia pixado no muro da casa dele: “Aqui mora um preto” e a gente fez várias matérias também em relação a isso, então eu volto naquela coisa da questão da provocação mesmo Maria: Sim, o caso do professor Juarez ou desse senhor são casos em que a gente personifica o racismo em uma pessoa, só que o racismo existe na estrutura, ele tá arraigado Gisele: A gente acaba fazendo essas discussões muito em relação ao racismo, principalmente ligado aos negros, em momentos, em datas, porque jornalismo adora datas. Então data da consciência negra, em datas que são assim entre aspas propícias pra chamar atenção das pessoas sobre o assunto. Porque essas datas elas são lançadas justamente por conta disso, pra chamar a atenção das pessoas pra uma coisa que precisa ser discutida. Outubro rosa, novembro azul, dia da consciência negra, dia do índio, dia de um monte de coisa, tirando as datas comerciais de dia da avó, dia de não sei o que, mas assim, então a gente costuma fazer essas discussões mais em... Maria: Datas pontuais? Gisele: Em Datas pontuais mesmo. Maria: Entrando agora num outro âmbito, não de publicação mas da organização, tem um outro autor jornalista o Muniz Sodré que ele fala do racismo midiático, e aí uma das

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vertentes do racismo midiático que ele trabalha é a da ausência de negros trabalhando nos meios de comunicação... Gisele: Tem mesmo. Maria: Você concorda que esse dado condiz com a realidade do JC? Gisele: Completamente, condiz. Nós não temos negros trabalhando na redação. Mas quantos negros tem na sua sala? Maria: Talvez dois, três. Gisele: Eu dou aula pra duas turmas de jornalismo na USC eu não nenhum um aluno negro. Maria: Mas aí no caso da Unesp a gente sabe que não é por escolha, que os negros não escolhem estudar comunicação... Gisele: Mas no caso da USC que é uma faculdade particular, por exemplo, seria e eu não tenho aluno negro. Maria: Seria, mas se a gente pensar que grande parte da população negra não tem condições de pagar uma universidade privada eles não estão lá porque eles não têm condições de pagar e não estão na Unesp porque não tem condições de entrar, por conta da meritocracia que seleciona no vestibular. Gisele: Mais ou menos né, porque agora com FIES, PROUNI, eu tenho aluno que mora, não sei se você conhece uma favela que chama Parque Jaraguá, tenho dois alunos do Jaraguá lá. Maria: Mas dois é muito pouco. Gisele: Eu sei mas assim eu concordo que tem uma questão muito de base, eu vejo isso muito mais, muito mais do que questão financeira e questão de entrar, eu vejo isso muito mais como uma questão de base educacional. A gente teria que fazer uma ampla discussão em relação a que tipo de educação a gente tá oferecendo pra esses alunos, pra eles não terem condições de entrar na faculdade, então é muito complicado isso, acho que é uma outra discussão que a gente tem que fazer. Agora realmente não há, eu conheço um jornalista, dois jornalistas negros, dois, um trabalha na assessoria de imprensa da prefeitura, Ademir Elias, até você pode entrevista-lo se você quiser, o Ademir inclusive eu acho que ele é jornalista diplomado, e conheço um outro jornalista, que não é jornalista diplomado, que é o Pedro Valentim, mas ai o Pedro Valentim conseguiu a carteirinha dele porque ele foi lá no sindicato naquele período que tava e registrou e recebeu agora a carterinha de jornalista dele , acho que seria muito interessante, são duas pessoas que você pode falar um diplomado e um sem diploma, que entrou na profissão e que tipo de problemas eles enfrentam. O Ademir Elias, inclusive foi repórter de tv, pode render uma discussão interessante pra você. Maria: Bom, tem algumas organizações hoje em dia que estão sentindo a necessidade de trabalhar esse tema da diversidade e não só trabalhar com o tema mas ter em si, ter na organização, as pessoas que compõe a organização elas precisam refletir a diversidade do nosso país, porque é fato que grupos homogêneos não representam a sociedade brasileira. 83


Gisele: Claro que não. A sociedade brasileira é composta por muitos negros, muito mais inclusive, né. Maria: E aí, falando de diversidade, negros, mulheres, homossexuais, enfim, então algumas organizações, também da área da comunicação estão pensando nisso. Um exemplo é o New York Times, já que a gente tá falando de jornal, eles tem essa preocupação, eles tem uma política de contratação que condiz com a diversidade cultural do país deles, da cidade deles. Existe algum projeto ou ação de comunicação aqui no JC que pensa nisso, que valoriza a diversidade cultural ou então que condena atitudes racistas? Gisele: Nós não temos assim nenhum grupo formado, a organização tem vários, a organização como um todo, o Jornal da Cidade tem vários negros, tem gays, tem uma diversidade grande de trabalhadores, nós somos em quase 300 funcionários né, então assim é muita gente, então há uma diversidade, agora não existe nenhum grupo que fomente assim essa discussão mas a gente não tem muito essa coisa assim de pegar o currículo de uma pessoa que mandou pra cá e falar assim “Ah! É negro, não vou chamar” ou então “Ah, é gay! Não, também não vou chamar” “Ah! É evangélica, católica, espírita...”. Esse tipo de pergunta, esse tipo de percepção, a gente não tem no Jornal, não existe... Maria: Vocês não têm uma política de contratação? Gisele: Não, não existe. Nós não temos assim negros na redação, nós temos negros, gays, evangélicos, católicos, Seicho-No-Ie, espírita, é incrível é muito bacana inclusive isso de você sair lá no refeitório, em alguns momentos na hora do almoço e ver pessoas diversas conversando sobre pontos de vistas diferentes né, em alguns momentos da até confusão porque as vezes um quer impor um pouco aquilo, o pensamento dele pro outro e aí vira um coisa meio complicada e chega num acordo, mas assim nós não temos nenhuma política em relação a contratação ou a não contratação. Maria: E pensando não em contratação mas em clima organizacional, vocês tem uma equipe de comunicação interna, um relações-públicas, que trabalha com isso aqui? Gisele: Não, relações-públicas não. Maria: Não tem cargo de relações-públicas aqui? Gisele: Não, nós temos a nossa chefe de RH que pontualmente faz assim algumas coisas mas nada muito específico em relação a isso Maria: Você comentou que não há negros na redação Gisele: Na redação não. Maria: Os negros estão onde? Gisele: Tem no TI, no setor de tecnologia da informação, tem na gráfica, tem no comercial, o menino do comercial pediu demissão, tem no telemarketing, tem vários setores, tem no departamento comercial, tem na encadernação, praticamente todos os setores... na cozinha

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Maria: Você disse então que não há um trabalho de comunicação voltado pra diversidade cultural, mas voltando pra publicação, a linha editorial do Jornal da Cidade ela pensa nisso? Em valorizar a diversidade cultural? Gisele: A gente valoriza a diversidade, a gente publica muita coisa assim voltada pra diversidade, principalmente assim no cultura, né, que a gente recebe muita demanda em relação a isso. Mas assim não é uma coisa de caso pensado não é uma coisa que a gente vai falar assim: “Olha, obrigatoriamente essa semana nós vamos publicar 10 matérias focadas exclusivamente na diversidade cultural” Não, não é uma coisa assim de caso pensado, a gente obedece entre aspas a pauta do dia, a pauta da semana, os acontecimentos da semana aquilo que tá, que vai acontecer, não tem nada... não há uma pauta específica pra determinado assunto mas isso não é só em relação a diversidade cultural, é em relação a todo tipo de assunto. Ontem por exemplo, eu trabalhei ontem e a manchete não era essa que saiu hoje era uma outra coisa, uma outra manchete, mas assim como a edição ficou mais quente, por conta da polícia, mudou-se não há uma coisa que a gente... Maria: Preestabeleça? Gisele: Preestabelece, porque nem dá pra fazer isso, é uma coisa que não dá pra fazer. Maria: E voltando pras relações públicas, vocês já tiveram o cargo de rp aqui? Gisele: Não. Maria: E já pensou-se em ter? Gisele: Não que eu saiba. Maria: Então no caso quem faz esse trabalho você comentou que é a chefe de RH, do setor de RH, que faz o trabalho de relações públicas? Gisele: De relações públicas entre os funcionários. Maria: De comunicação interna? Gisele: De comunicação interna é a chefe de RH. Maria: Mas não há um trabalho intenso, voltado em relacionamento de funcionários, de valorização da diversidade cultural entre os funcionários. Gisele: Não, ela faz muito pontualmente, em alguns momentos assim, de datas comemorativas, aquilo que eu te falei, mas não há nenhum... festa de fim de ano, a gente faz, tem umas coisas assim, mas não há nada muito específico, focado pra isso não. Maria: Bom, é isso então Gisele... Gisele: Espero que eu tenha te ajudado... (Com o gravador desligado começamos a conversar sobre diversidade nas organizações e como a conversa fluiu a entrevista voltou a ser gravada) Maria: Não sei se você chegou a ver uma matéria que saiu esses tempos e o pessoal tava discutindo, o CEO da Pepsico, que é uma empresa gigantesca, ele foi dar uma palestra e falou um negócio muito interessante, já que a gente tá falando de diversidade nas 85


organizações, ele falou assim que ele tá cansado de ver como as organizações lidam e tratam isso porque, por exemplo, você vai numa agência de publicidade e vocês querem lançar um produto, não sei, vamos supor um absorvente, um produto pro público feminino, e quem tá lá sentado pra discutir com você são homens. E isso acontece, a gente sabe. Os temas eles tem que ser discutidos por todas as pessoas, o machismo ele não é um problema da mulher ele é um problema da sociedade, o racismo não é um problema do negro, é um problema da sociedade, então a discussão ela tem que acontecer dos dois lados, tanto os homens quanto as mulheres, tanto os brancos, quanto os negros, mas especialmente agora que esses assuntos estão aflorando, eles estão sendo tratados com mais cuidado, eles estão sendo expostos, não só na grande mídia como na internet, você mesmo comentou, as pessoas tão falando disso, o tempo todo, machismo, racismo, homofobia, isso tá acontecendo... Então pegando esse exemplo do absorvente, com certeza um mulher saberia fazer melhor uma publicidade, ou explicar melhor, ou dar um tratamento diferente pra uma publicidade voltada pro público feminino. Então você concorda que alguma matéria ou algum assunto relacionado ao universo negro, ao racismo, seria um tratamento diferente se na redação existissem negros? Gisele: Não, eu não vejo dessa maneira. Eu não vejo porque ai tem uma coisa que se chama inteligência emocional e tem uma coisa em relação a preconceito que é muito forte em relação a própria pessoa, o que eu acho que existe hoje é que as pessoas elas não são honestas com elas mesmas, em relação a preconceitos, em relação a vários assuntos, nós já tivemos casos aqui na redação que repórter que já se recusou a fazer determinada matéria porque ela foi tão honesta com ela mesma que quando ela foi pautada, ela foi tão honesta com ela de já saber que ela tinha um pré conceito formado sobre aquele determinado assunto que quando ela foi pautada ela chamou o editor e falou: “Olha, eu não posso fazer essa matéria. Eu não posso fazer essa matéria porque eu tenho uma opinião muito formada sobre isso e eu não vou conseguir fazer a entrevista da maneira adequada, eu vou deixar escapar alguma coisa, então eu prefiro não fazer essa matéria” então eu acho que isso acontece muito, e ela não fez a matéria, ela não foi repreendida porque causa disso, ela não foi advertida por causa disso, a matéria foi passada pra uma outra pessoa e ficou super bem feita, ficou super bem elaborada a matéria. Mas assim, eu acho que é muito simplista essa coisa assim de que o branco sabe fazer melhor a matéria do branco porque ele vive sobre isso, o negro sabe fazer melhor a matéria do negro porque ele vive sobre isso, uma mulher sabe melhor sobre uma matéria de absorvente do que um homem e o homem sabe melhor sobre camisinha, não acho que assim sabe, essa diversidade que você tá falando inclusive que provoca a riqueza e que provoca essa coisa de você ter outros ângulos assim sabe. O homem por exemplo pode dar as impressões dele sobre o uso de absorvente pela mulher, se é nojento, se o interno é melhor, se o externo é pior, se ele sente cheiro, se marca, porque ele olha o bumbum de uma moça, né. Então se ele tiver um formato assim ele é melhor e a mesma coisa a mulher em relação a uma matéria sobre camisinha, por exemplo, o desconforto que ela tem... Maria: Mas a mulher participa do processo no caso da camisinha e o homem não usa o absorvente... Gisele: Mas ele participa se ele tem um relacionamento com uma mulher ele participa no momento em que ela tá menstruada e ela precisa usar o absorvente.

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Maria: Mas você, como mulher, concorda comigo que é muito diferente... Gisele: É diferente, mas eu acho que o fato de você ser homem ou de você ser mulher não diz que você faz melhor ou faz pior determinadas coisas. Você tem que tá preparada pra fazer aquilo, você tem que ter preparo pra lidar com a sua profissão, mas eu concordo com você que assim a diversidade na hora de discutir determinado assunto, que tenha homens e mulheres discutindo aquele assunto, vai gerar um produto melhor, agora eu não vejo essa coisa de que um é melhor pra fazer do que o outro, porque se não ai a gente cai naquela discussão que a gente tem também de que o homem é melhor mecânico do que a mulher, o homem é melhor no cargo de comando do que a mulher, o homem é melhor piloto de avião e de rali do que a mulher, ai a gente a acaba caindo nessa discussão também e não é. Quando tem muita mulher, muito mais preparada pra pilotar um boing, porque ela estudou mais, porque ela se dedicou mais, porque ela, até por conta desse preconceito que ela tem, pra executar aquele trabalho ela se preparou melhor, ela fez mais cursos do que o homem que já nasce com aquela coisa de que ele foi talhado pra isso e ela foi talhada praquilo. Então eu acho que depende do seu preparo emocional, do seu preparo físico, do seu preparo profissional pra desempenhar determinada função ou não. Maria: Mas aí você também acha que a discussão entre esses diferentes, que a presença... Gisele: É importante, é muito importante. Maria: E que isso vai gerar um produto final diferente? Gisele: Gera um produto final melhor, agora não adianta nada também você discutir isso e você pautar uma matéria, pautar uma pessoa pra fazer uma matéria ou pra fazer uma campanha voltada pra diversidade dentro de uma empresa, você pode ter toda a discussão, se a pessoa que ficou a cargo de fazer essa discussão ou a cargo de implementar aquilo que foi discutido entre um grupo diverso, se ela não tiver um trabalho diferencial pra preparar essa peça, não vai ficar bom, seja ela mulher seja ela homem, ela tenha participado de todo esse processo ou não. Então depende mais da sua preparação, do seu envolvimento, da sua... sabe, do que você simplesmente participar de uma discussão. Quantas vezes você não fez um trabalho, você participou de uma discussão de um grupo bastante diverso e ou você não tava bem naquele dia ou você percebeu que tinha alguém no seu trabalho, no seu grupo de trabalho que não deu, que por algum motivo, por não ter lido a peça antes, ou por não ter lido a pauta antes, ou por não ter dado uma lida antes em alguma coisa pra levar aquilo lá e ela tava ali só de corpo presente e ai se por uma circunstância essa pessoa que fica como o âncora pra implementar aquilo, você concorda que não vai ficar legal? Mesmo ela tendo participado de toda uma discussão de um grupo diverso. Então a discussão ela é interessante, mas é muito mais importante, é muito importante, o envolvimento e a dedicação em relação aquilo que você vai fazer... Maria: Você diz da pessoa, do indivíduo, e não do grupo? Gisele: Não do grupo.

Apêndice 8: Entrevista - Nayara Anzoli18 18

A entrevistada permitiu que as informações concedidas fossem utilizadas na pesquisa.

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Organização: Paschoalotto Serviços Financeiros Cargo: Coordenadora de Marketing Entrevistadora: Maria Eduarda Gomes Silva Data: 04/12/2015 Local: Café na matriz da empresa Maria: Bom, primeiramente eu gostaria que você se apresentasse, falasse seu nome seu cargo aqui na empresa e conta um pouquinho sobre seu trabalho aqui e sobre a empresa também. Nayara: Meu nome é Nayara Anzolin eu sou coordenadora de marketing da Paschoalotto Serviços Financeiros e eu cuido também da parte que envolve a imagem do Bauru Basquete que diz respeito a Paschoalotto. Meu trabalho aqui na Paschoalotto ele envolve tudo de marca, desde endomarketing, que são campanhas pra motivar os funcionários, pra engajar eles a produzirem a não quererem sair da Paschoalotto pra ir pro concorrente e vai até anúncios de mídia nacional, pra apresentação da empresa pra conseguir novos negócios. E relacionado ao Basquete tudo que envolve a marca Paschoalotto, então uniforme, parte visual do ginásio, ações institucionais dentro do ginásio, eventos, tudo que envolve a marca Paschoalotto. Maria: E sobre a NP? Nayara: Bom, a Paschoalotto ela não é mais chamada de NP, há um tempo já. Ela tá há 17 anos no mercado financeiro, nós atendemos todas as instituições financeiras que diz respeito a recuperação de crédito e há dois anos nós entramos no seguimento de callcenter que é a parte de relacionamento com o cliente, a parte de atendimento mesmo, então a gente tá abrindo os nossos serviços pra ter uma pluralidade maior de negócio. O ano passado nós tivemos um investimento da Gávea que é uma empresa muito importante de nível nacional, onde essa mudança vai transformar a Paschoalotto, deixar ela mais estruturada, mais séria. Então assim o nosso objetivo, eu como marketing falando, é tirar um pouco essa imagem familiar da Paschoalotto e transformar ela numa empresa de negócios a nível nacional. Maria: O nome dela agora é Grupo né? Nayara: Não, o nome da Paschoalotto, Nelson Paschoalotto que as pessoas falam, hoje é só Paschoalotto. Não é mais Paschoalotto Serviços Financeiros, não é Paschoalotto Contact Center, não é grupo NP, não é Nelson Paschoalotto, é Paschoalotto. E isso a gente vai, no ano de 2016 principalmente, bater muito forte na questão do marketing pra enraizar esse novo nome, porque as pessoas elas assimilam muito com a família, com o Doutor Nelson, com o Rodrigo, que é filho do Doutor, então a empresa por mais que ela tenha uma estrutura muito grande, a nossa empresa hoje ela é referência mundial de recuperação de crédito, de serviços financeiros, mas ainda ela tem essa pegada familiar e esse é o objetivo do marketing de 2016, tirar essa visão familiar e fazer com que as pessoas enxerguem ela como uma empresa de negócios, sem envolvimento de família. Maria: Entendi. Eu vi numa reportagem do JC, de 2011, e na época a empresa possuía mais ou menos 7000 trabalhadores e o objetivo era aumentar esse número e tinha uma estatística que dizia que era a maior empregadora de Bauru e região. 88


Nayara: Isso, e é. Maria: Eu queria que você me desse alguns dados se você tiver. Nayara: Tenho, olha, hoje a Paschoalotto ela tem 8000 funcionários, nós somos, depois da prefeitura, a maior empregadora de Bauru e região, tanto aqui de Bauru quanto de Marília, nós temos uma... Maria: Depois da prefeitura? Nayara: Depois da prefeitura, a prefeitura ela é a maior empregadora da cidade, depois da prefeitura vem a Paschoalotto, tando de Bauru quanto de Marília, Marília também temos a segunda maior empregadora, eu só preciso atualizar esse número porque já teve momentos que a Paschoalotto ficou a frente da prefeitura, mas é mais ou menos isso, ou é a prefeitura ou é a Paschoalotto. Então nosso foco é gerar oportunidade mesmo, quem quer trabalhar, quem quer desenvolver, quem quer se desenvolver na carreira pode vir fazer uma entrevista, a gente dá as possibilidades de crescimento, porque nós queremos na verdade capacitar, esse é o nosso foco né? Relacionar pessoas. Maria: É o slogan de vocês? Nayara: É o nosso slogan, Relacionar Pessoas. Maria: Quando vocês falam “Relacionar Pessoas” vocês estão justamente se referindo a esse público interno? Nayara: Olha nós temos hoje alguns públicos, o primeiro é nosso cliente parceiro, o segundo é a comunidade, o terceiro é nosso público interno e o quarto é nosso cliente prospect. Que é uma empresa que possa vir a ser cliente Paschoalotto. Então quando a gente fala em relacionar pessoas a gente amplia pra esse leque de público, entendeu? Então, por exemplo, o nosso cliente precisa tratar bem cliente devedor, cliente parceiro, a comunidade e um futuro negócio, então a gente tem que integrar todas as formas de relacionamento, porque aqui a gente dá essa possibilidade, entendeu? O nosso negócio ele é relacionar, é ajudar o próximo, é tentar fazer com que a pessoa regularize seu cadastro pra poder voltar com o nome no mercado, então assim a gente orienta bastante os nossos funcionários pra ter esse slogan com eles, porque eles estão ajudando, eles estão relacionando as pessoas, entendeu? Maria: Entendi. Eu vi nessa matéria também que falava que essa quantidade de funcionários que trabalha aqui eles trabalham num prédio muito grande né, dá pra ver, e citava alguma coisa assim do saguão, das pessoas passando pelo saguão o tempo todo, que existia esse negócio do café. Nayara: Isso, nós temos hoje seis prédios, o maior é a matriz que é onde nós estamos fazendo a entrevista, mas todos os nossos prédios têm o espaço do café, que é esse espaço que a gente tá conversando agora, por que? Porque se você olhar ao redor as pessoas estão batendo papo, tão sorrindo, tão se descontraindo um pouco, então a gente gosta de proporcionar esse momento pros nossos funcionários. Então eles tão lá, fazendo a cobrança, tem a pausa deles “Ah, eu vou descer pra tomar um café” Beleza, então vem aqui, toma um café com o seu amigo, as vezes não é do mesmo departamento, eles marcam um horário, se encontram. A gente tem uma entrevista e eu não preciso levar 89


você numa sala, eu posso te trazer no café, te oferecer um café, entendeu? E o outro átrio é onde a gente faz nossos shows, então por exemplo nós temos um projeto que é a sexta cultural onde toda sexta, algum funcionário que tem algum talento artístico ele se apresenta. Então a gente leva, a gente tenta levar esse entretenimento pros nossos funcionários, pra ele não ter uma rotina maçante, entendeu? O máximo de qualidade de vida que ele possa ter aqui dentro da empresa, a gente proporciona. Maria: Eu queria que você comentasse então como funciona essa política de tratamento do público interno, dos funcionários, quais são os projetos e ações que vocês fazem voltado pros funcionários. Nayara: Nós temos vários projetos, vários. Nós temos o marketing, né, que cuida do endomarketing, da parte motivacional, então por exemplo a gente tá, não sei se você viu duas motos na entrada da empresa, a gente tá sorteando pros funcionários, vão ser quatro motos onde as pessoas que não tiverem reclamação na ouvidoria, que não faltarem, que tiverem ali tendo a produção ok, elas vão concorrer a um sorteio pra ganhar as motos. Paralelo a isso o marketing faz campanhas motivacionais, dia do recuperador de crédito, dia dos namorados, dia das mães, dia dos pais, então assim a gente pega o calendário comemorativo e faz campanhas aleatórias, isso é o trabalho do marketing com foco em endomarketing mas nós temos uma equipe de qualidade de vida, a gente tem médicos, fono, psicólogo, nutricionista... Então assim “Ah! eu tô passando por um problema na minha casa” Então eu vou, a Paschoalotto oferece tratamento psicológico pra esse funcionário. “Ah! Eu preciso de uma dieta, sei lá, eu quero uma alimentação mais saudável” A gente oferece de graça um nutricionista que vai passar um cardápio pra esse funcionário “Ah! Eu faço aniversário” todo cliente interno, que é o que gente chama de funcionário, todo cliente interno que faz aniversário ele folga, ele tem o dia pra ele, ele não precisa vir trabalhar. “Ah! Eu tô grávida, vou ter meu filho” É seis meses de licença, hoje em dia normalmente algumas empresas só dão quatro, a Paschoalotto já dá seis, então a gente assim tem um leque de opções pro funcionário ter qualidade de vida, entendeu? Porque assim, é um segmento difícil, não é um segmento fácil, é um segmento chato, porém a Paschoalotto ela oferece um leque de benefícios, o marketing tem um projeto que chama clube de vantagens, onde nós entramos em contato com lojas, serviços, e as pessoas que trabalham aqui elas têm descontos exclusivos. Então por exemplo “Ai, eu quero ir na Miscelânea comprar um shorts” lá o cliente Paschoalotto tem 20% de desconto, mais ninguém tem 20% de desconto. “Ah, eu quero comer no Kozan com a minha família” cliente Paschoalotto tem 10% de desconto. Então assim a gente tenta oferecer um leque de facilidades pra ele ficar com a gente, entendeu? Maria: Entendi. Eu tava lendo sobre isso no site de vocês e eu achei uma frase que me chamou bastante atenção, que falava assim que a Paschoalotto é destaque local e regional como maior empregadora, oferecendo oportunidade de emprego sem exigência de experiência para jovens, aposentados e terceira idade. Aí essa parte que eu destaquei: “Promove e apoia a empregabilidade a diversidade, livre de qualquer tipo de preconceito”. Então nesse caso vocês citam especificamente a diversidade de gênero e também a diversidade de idade e eu queria saber como funciona essa empregabilidade a diversidade, se ela também se expande quando diz respeito a raça e etnia. Nayara: Com certeza. 90


Maria: E se é na hora do recrutamento que vocês fazem isso? Nayara: Não, a gente quer pessoas interessadas em trabalhar, pra gente não importa se ela é aposentada, se ela tem 18 anos, 20 anos, 50 anos, se ela é branca, se ela é negra, se ela é azul, se ela é amarela, pra gente não interessa, se ela é homossexual, se ela não é, o importante é que ela seja uma pessoa ética e que queira fazer parte da nossa empresa. Aqui não tem preconceito, se você perguntar pra qualquer funcionário nosso, não existe preconceito, aqui ninguém olha torto porque você é mais velho, não existe isso aqui dentro. Maria: Vocês têm alguma estatística, de quantas mulheres, negros Nayara: Olha, nós temos uma predominância de mulheres na nossa empresa de 20 a 25 anos, mas assim a gente não faz uma separação de qual porcentagem é negra, qual porcentagem é branca porque pra gente não faz diferença mesmo Maria: No meu trabalho, na primeira parte eu foquei especificamente no racismo, eu estudei o histórico do racismo no Brasil, fiz uma análise jornalística pra compreender como os jornais estampam ou velam assuntos de interesse do universo negro e agora eu tô indo pras organizações, pra entender como isso funciona dentro da organizações, porque existem estatísticas que comprovam que negros ganham menos, que mulheres negras ganham ainda menos, que sofrem preconceito em ambientes de trabalho e ai quando eu vejo que a Paschoalotto coloca isso no site dela, de que existe uma empregabilidade a diversidade a minha questão é justamente essa, saber como se dá isso aqui dentro, porque quando uma empresa fala que ela emprega a diversidade ela tem que saber gerir essa diversidade, então como é que vocês fazem a gestão disso aqui dentro? Nayara: Olha, aqui o salário é igual pra todo mundo da operação, lógico que tem as variáveis de comissionamento, cada departamento tem um piso de salário, mas assim a gente não emprega, a gente não deixa de empregar uma pessoa porque ela é negra ou porque ela não é negra, eu entendo deve acontecer algum tipo de preconceito que a gente não ve aqui dentro, com certeza, só que por exemplo a Paschoalotto é uma empresa que o sexo predominante é mulher, se você olhar aqui tem muita mulher, então assim a gente se preocupa, a gente quer que a pessoa tenha um benefício aqui dentro, que ela se sinta bem, então a gente orienta todos os níveis gerenciais, todas as lideranças, pra que qualquer atitude de racismo, qualquer preconceito que seja presenciado, seja de cor de gênero, de idade, que seja relatado a ouvidoria da nossa empresa. Nossa ouvidoria ela é uma das 10 melhores do Brasil e o que acontece, eu não tenho esse dado pra te dar porque pra mim nunca chegou nenhum relato de preconceito ou “Ah! Eu fui ofendido dentro da Paschoalotto”. O que acontece é que existem algumas mídias fora da empresas, mídias sociais mesmo, facebook, enfim, que fazem brincadeiras homofóbicas com a Paschoalotto. Isso se você der uma pesquisada você vai presenciar, você vai ver, isso pra gente assim é muito feio, é injusto na verdade, então pra ser sincera pra você o preconceito que eu presencio aqui dessas páginas, que são bem mal gerenciadas inclusive, é um preconceito de diversidade de sexo do que de cor, então assim eu vou ter muito mais base pra te falar desse preconceito que eu presencio, porque eu cuido da parte de mídias sociais, então eu estudo, eu analiso tudo que falam sobre a Paschoalotto na cidade eu sei. E eu te garanto que o preconceito que algumas pessoas têm com questões da empresa é muito

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mais sobre a Paschoalotto ser uma empresa da diversidade, de não ter preconceito de sexo, do que de gênero, mentira, muito mais de gênero do que de etnia. Maria: E aí você falou dessa ouvidoria que as pessoas vão e reclamam Nayara: Elas podem ligar, a gente deixa o canal aberto. Maria: Vamos supor assim, esse canal tá aberto mas muitas pessoas que são vítimas de preconceito elas não se sentem Nayara: A vontade... mas é um canal totalmente sigiloso, ela pode ligar, ela pode ligar a cobrar, ela pode colocar uma carta, se você olhar ali atrás tem uma urna que a pessoa pode fazer sem ser identificada, é que ela precisa deixar algum contato, vamos supor a gente orienta que se a pessoa sofreu algum tipo de preconceito a gente vai querer tratar a fundo, a nível assim se você ofender um cliente interno nosso, você trabalha aqui você pode ser desligado, a gente leva isso muito a sério. Respeito pra gente é a base e tudo, porque a gente tem uma diversidade de público imensa, olha aqui, tem um jovem de uns 18, um senhor de 50, 40 e pouco, por isso, assim, a gente precisa desse respeito pra empresa andar. Então assim a gente insiste muito pra que as pessoas procurem a ouvidoria, mas que elas se identifiquem pra gente poder tratar, porque se uma pessoa sofre um preconceito de, se sofre um racismo aqui dentro, colocar “Sofri racismo na Paschoalotto” é muito amplo, a gente não vai conseguir tratar. Então a gente deixa um canal aberto e é muito sério esse departamento, a pessoa não é exposta, inclusive a coordenadora desse departamento ela é queridíssima, todo mundo conhece ela Maria: Que departamento que é? Nayara: Ouvidoria, inclusive se você quiser dar um plus no seu trabalho eu te passo o email dela, você pode mandar um e-mail perguntando sobre essa questão pontual do racismo pra ela porque eu enquanto marketing eu não tenho o que te falar, porque eu não vejo isso acontecer aqui dentro, pelo contrário, nas nossas pesquisas de clima, porque é assim todo ano a gente faz uma pesquisa pra saber se a pessoa tá feliz de trabalhar aqui, o que que ela mais gosta, o que ela sugere melhorar, e uma dos pontos positivos que as pessoas mais colocam é que elas não sofrem preconceito aqui dentro. “Você sofre algum tipo de preconceito? ” 90% da empresa “Não” e eu falo 10% é mais de sexo do que de etnia. Maria: Você disse que nunca chegou no marketing nenhuma reclamação de caso de preconceito racial, mas eu queria que você comentasse como é que vocês fazem pra orientar essas pessoas, como você disse que existe uma orientação muito forte pra que elas se respeitem dentro do trabalho. No material que eu busquei que fala sobre esse assunto, fala que quanto mais diverso é um grupo mais tendência a ter conflitos esse grupo tem e isso é uma realidade. Então se a gente tem aqui na Paschoalotto uma diversidade tão grande existe uma tendência a ter conflitos, a gente virar e falar assim “Não, não existe” é praticamente utópico falar que não existe, porque se existe diferença, existe conflito e isso em qualquer lugar, na família, em uma república e quanto mais diferença, mais conflito. Então eu queria saber como é a orientação de vocês, como é que isso é feito, através de cartilha, através de jornal mural?

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Nayara: Olha, nós temos um código de ética onde todos os nossos funcionários eles são, quando eles entram pra fazer parte da empresa, todo mundo passa por um treinamento que chama integração e nesse treinamento todas as regras são deixadas as claras, as pessoas elas assinam esse termo concordando com isso. Então por exemplo preconceito, falta de ética, porque aqui a gente trabalha com informações de terceiros, eu não posso expor pra pessoa, por exemplo eu estou endividada, você não pode me expor, então assim a gente trabalha com muitas situações de segurança de informação mesmo. Então, por exemplo, esse código de ética ele é levado muito a sério aqui dentro da empresa, tem um conselho que faz os comunicados, a gente tem informativo, a gente tem sms, a gente tem um portal onde esse código está lá estampado e o nosso gancho principal são os líderes porque como marketing eu consigo fazer uma comunicação mas eu não consigo fazer uma comunicação 100% assertiva se eu não tiver o apoio das lideranças. Então as lideranças são ali o carro chefe de cada equipe. Então assim, toda equipe tem um líder, esse líder ele sabe o código de ética de ponta a ponta e ele tá de olho no que que tá acontecendo com a equipe dele, ele sabe assim que a mãe da Joana tá doente... Maria: E o líder do grupo... Nayara: É o coordenador Maria: E quantos líderes vocês têm? Nayara: Nós temos hoje uma média de 400 líderes Maria: E cada líder... Nayara: Tem uma equipe Maria: Lidera um grupo de quantas pessoas? Nayara: Depende, depende... isso varia. Tem líder que tem equipe de 200 pessoas, tem líder que tem uma equipe de 20, depende da área, eu tenho uma equipe de 8 pessoas, varia muito. Mas, por exemplo, eu sei tudo que acontece com a família, com a vida dos meus subordinados, nada escapa aos meus olhos. Então assim, pelo menos enquanto marketing, eu tenho uma família ali dentro, então se uma funcionária minha tá desmotivada ela vai me contar, se ela sofreu algum tipo de preconceito ela vai me contar e é isso que a gente espera aqui, que é essa gestão da diversidade e a gente faz isso muito bem porque não acontece conflitos nesse sentido, é muito difícil. A gente tem conflitos assim “Ah! A pessoa ganha mais que eu, por que que ela foi promovida e eu não fui promovido? ”. É outro tipo de conflito que a gente tem aqui dentro, porque assim o nosso líder ele sabe o código de ética então se ele vê algum racismo acontecendo, por exemplo, ele já vai intervir. Maria: E vamos supor que o líder não viu e que essa pessoa foi lá e relatou na ouvidoria... Nayara: A ouvidoria vai tratar. Maria: É a ouvidoria, não é o marketing. Nayara: Não é o marketing, é a ouvidoria porque ela é um canal sigiloso, não tem sentido o marketing tratar disso pontualmente. O que o marketing faz é, como você viu no site, eu coloco lá: “Paschoalotto livre de preconceito”. Por exemplo a nossa resposta a essas 93


mídias sociais que nos atacam, que acham que nos atingem, porque pra gente tem orgulho de ter toda essa diversidade de público aqui, na verdade o homofóbico é quem curte essa página, quem curte essas publicações, quem escreve isso, então assim a minha resposta enquanto instituição é colocar no meu facebook: “Nossa no ano de... é tão antiquado pensar em racismo para contratar” Por exemplo, depois você entra no nosso facebook e dá uma olhada nas postagens que a gente faz sobre diversidade. Maria: Vou entrar. Nayara: Então assim, enquanto instituição eu me posiciono dessa forma, na Paschoalotto não pode haver preconceito, por exemplo. Agora pontualmente tem que ser a ouvidoria, ela vai chamar o líder, ela vai chamar a pessoa que sofreu esse tipo de abuso, vai conversar, vai ver se ela quer denunciar porque a gente orienta, a gente é uma empresa legalista, a gente orienta, vamos até o fim com isso. Maria: Mas aí você não sabe me falar como funciona? Nayara: Não, tem que falar com ela. Maria: Pra terminar então, como meu trabalho foca nessa questão de raça e etnia e eu compreendo que um líder, ou um gestor, uma gestora tá em um ambiente em que ele lida com tanta diversidade é importante ele ter um conhecimento disso, dessas questões, e o nosso país apesar de fazer uma propaganda pra todo mundo que é um país de integração... Nayara: A gente sabe que não é. Maria: Que as pessoas lidam bem com a diferença, existe uma mistura racial e étnica e a propaganda é feita como se fosse um “carnaval das raças” a gente sabe que apesar de tentar velar, o Brasil é um país racista... Nayara: Sim. Maria: Então eu queria que você comentasse como você compreende esse histórico do racismo no Brasil e a situação atual, qual é a sua compreensão desse cenário? Nayara: Eu acho que por o Brasil ser um país tão diverso é uma coisa tão antiga existir preconceito hoje, eu acho que é muito de valores, valores e educação de casa mesmo, pai e mãe sabe? Ou vó, tio, amigo, enfim. Eu sempre tive uma criação muito aberta pra isso, muito aberta. Então pra mim, não tem problema, não existe diferença, de cor de pele, de sexo, pra mim isso é, chega a ser ridículo eu ter que... presenciar meus amigos fazendo preconceito, entendeu? Chega a ser... me ofende, me ofende. Porque, por exemplo eu fui morar fora do país e eu senti preconceito de ser brasileira lá, porque o brasileiro é visto como quem rouba, como quem tem aquele jeitinho, então você se sente mal, é que não compara o nível de preconceito, é lógico, mas assim se um preconceito tão pequeno que foi o que eu senti, ser brasileira fora do país, imagina um negro ou um homossexual sentindo preconceito dentro do nosso país e onde a publicidade e a propaganda fala tanto desse país, dessa diversidade, desse país tropical e a gente sabe que não é assim, a gente vê a diferença em qualquer lugar. Maria: Tá ok então, muito obrigada Nayara.

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(Após o término da entrevista a entrevistada começou a falar mais sobre o trabalho da ouvidoria, por isso a gravação voltou tratando desse assunto) Maria: Como você disse, é um canal aberto, vocês esperam que as pessoas denunciem, mas não existe nenhum tipo de campanha, alguma coisa pra incentivar as pessoas a denunciarem? Nayara: Sim, existe. A gente coloca em todos os nossos meios de comunicação, “mitos da ouvidoria”, porque assim as pessoas acreditam que as denúncias feitas na ouvidoria, isso não é só a Paschoalotto, tá? É todas as empresas que tem ouvidoria, acham que vão ser expostas e não é verdade, por lei você não pode expor. Então assim a gente comunica, a gente deixa claro que é um canal sigiloso pra pessoa falar, que a gente tá aberto, porque assim se a pessoa não falar a gente não vai ter como tratar. Maria: E quem faz esse material de comunicação é o marketing? Nayara: É, nós. Maria: Você tem esses materiais pra me passar? Nayara: Tenho Maria: Aí você consegue me passar por e-mail? Nayara: Consigo, te passo tudo.

Apêndice 9: Entrevista – Denise Bernardo19 Organização: Paschoalotto Serviços Financeiros Cargo: Ouvidora Entrevistadora: Maria Eduarda Gomes Silva Data: 16/12/2015 Local: Café na matriz da empresa Maria: Bom, pra começar, a título de apresentação mesmo, eu queria que você falasse seu nome completo, qual que é ter cargo aqui na Paschoalotto e quais funções você desenvolve dentro do cargo de chefe de ouvidoria, né? Denise: É, ouvidora. Maria: Como ouvidora quais são os trabalhos que você desenvolve. Denise: Meu nome é Denise Bernardo, eu trabalho aqui na empresa já há 13 anos e na ouvidoria há 7. É, eu sou ouvidora hoje da empresa eu iniciei como analista mas hoje eu sou ouvidora da empresa, na ouvidoria a gente já tá aí quase há 8 anos nessa atividade. A atividade da ouvidoria na verdade é um canal de comunicação legalista e imparcial e pra atendimento a todo público, seja ele cliente ou não, a gente caracteriza como todo público cliente cidadão, porque hoje a gente atende cliente interno, que é o funcionário, cliente externo que é o nosso parceiro, o nosso contratante, nós somos uma empresa de prestação 19

A entrevistada permitiu que as informações concedidas fossem utilizadas na pesquisa.

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de serviço, o cliente consumidor, que é o cliente do nosso cliente e toda a população que a gente caracteriza de cliente institucional, que é um cliente, pode ser um vizinho, pode ser qualquer tipo de pessoa que esteja sendo incomodada, ou afetada ou envolvida com a empresa de qualquer tipo de maneira. Aí a gente atua de forma absolutamente imparcial, legalista, ética, com o objetivo de identificar situações críticas pra promover a melhoria interna na empresa e dar o respaldo também e a atenção ao cidadão, pro solicitante que entrou em contato com a gente, basicamente é isso. Maria: Eu tava comentando com a Nayara sobre a comunicação interna se existe algum tipo de incentivo pra que as pessoas denunciem ou falem na ouvidoria Denise: Sim, sim Maria: E aí ela comentou que sim, mas a gente não aprofundou Denise: Exato, a gente tem sim e o que que a gente faz, o canal de ouvidoria ele é divulgado por todos os meios de comunicação da empresa. Então por exemplo, pro público externo através dos boletos que são encaminhados, através do nosso site, através de apresentações institucionais. Internamente a gente divulga através de e-mail marketing, através das apresentações, através de treinamento, através de qualquer tipo de abordagem que a gente tenha com o CI a gente apresenta o canal de ouvidoria. É, quando o CI, o CI que a gente fala é funcionário, quando o funcionário entra na empresa ele passa por uma integração, onde ele conhece de forma generalizada a empresa, nessa integração a gente já faz a abordagem com eles de apresentação do que é a nossa área, qual que é o nosso objetivo, e aí ele já conhece um pouco e tem a oportunidade de saber como ele pode procurar. Além disso a gente tem um projeto aqui na empresa que é bastante bacana que é o prefeito do andar, nomeado de prefeito do andar. Nada mais é do que um representante dos funcionários pra empresa e da empresa pros funcionários e ele tá ligado diretamente a ouvidoria esse projeto, então a ouvidoria é a mãe do projeto digamos assim. E aí ele tem toda, recebe toda a informação e tem toda a liberdade, sabe do contexto, de onde ele pode procurar se ele identificar qualquer situação crítica ou até mesmo, a gente fala bastante de reclamação e de denúncia, porque reclamação é o maior entrante, porque hoje o público, hoje em dia o ser humano reclama de tudo né? Dificilmente ele elogia ou ele sugere, mas também é um canal pra qualquer tipo de sugestão ou elogio, é um canal de comunicação mesmo, que atua de forma imparcial porque a gente tá ligado diretamente a presidência da empresa, então a gente atua, não tem subordinação com nenhuma outra gerência, ou outra liderança na empresa, a gente responde diretamente, então por isso que a gente consegue atuar de forma imparcial. Maria: E como é que funciona a eleição desse prefeito? Denise: O prefeito do andar ele pode se candidatar, se eleger a esse cargo, e aí tem uma votação entre os próprios CIs. Então assim, o prefeito do andar hoje ele tem por andar, então, por exemplo, a gente é dividido aqui por andar, então a gente elege um prefeito por andar. Qualquer CI ele pode se candidatar, existem alguns pré-requisitos, então eu preciso ter acima de três meses de empresa, que acima de três meses eu já fui efetivado na empresa né, passou do período de experiência, eu não posso ter nenhuma punição ou reclamação procedente nos últimos três meses, nenhuma medida disciplinar ou reclamação nos últimos seis meses. Ele tendo esse histórico, ele pode se eleger e aí existe a votação dentro 96


do andar dele, que ele trabalha, existe a votação com todos os CIs daquele andar e aí o mais votado assume essa representatividade porque num é um cargo num é uma função, é só uma representatividade, ele assume essa representatividade e fica no mandato por quatro meses. Passado os quatro meses existe uma nova eleição, uma nova votação, e aí começa o ciclo todo de novo. Maria: Faz quanto tempo que vocês fazem esse projeto? Denise: Desde o final de 2011, nós estamos... Maria: E tem funcionado? Denise: Muito, nós estamos hoje no nono mandato, inclusive nós, a nossa ouvidoria, foi premiada por dois anos ficamos entre as 10 melhores ouvidorias do país, o primeiro ano foi 2013 que a gente mostrou no case todo o trabalho que a gente fez, durante todos os anos de ouvidoria e também incluindo esse projeto, um dos destaques que fez a gente ganhar o prêmio foi o projeto prefeito do andar. Em 2015 a gente também ganhou com um projeto que chamava inovação Paschoalotto, que era o projeto onde a pessoa poderia dar sugestões sobre do que ela entendia que poderia ter na empresa, do que ela entendia que poderia mudar na empresa, tudo baseado em que poderia, esse projeto, essa ideia que ela ia dar, baseado no que traria de efetividade para a empresa, seja motivacional ou de retorno de efetividade financeira. Maria: E depois que vocês começaram com esse projeto do prefeito vocês sentiram que aumentou o diálogo entre os CIs e a ouvidoria? Denise: Melhorou, melhorou bastante porque foi, é como se fosse um braço, ele nos auxiliou a levar o entendimento pras pessoa do que é o canal de ouvidoria. Porque assim, é diferente a gente divulgar e eu, o meu colega de trabalho, falar “olha, fala lá com a ouvidoria, com a fulana da ouvidoria, que ela vai te ajudar, ela vai ser bacana”. E não só em relação a ouvidoria, mas ajudou pra que as pessoas soubessem por onde procurar, eu tenho um problema, qual departamento que eu posso procurar? O RH? Departamento pessoal? Ou a minha própria liderança, ou a área de infraestrutura, ou nós temos aqui assistente social, nós temos a psicóloga, tem uma área de qualidade de vida que tem nutricionista, psicóloga, assistente social, enfim, tem todo esse respaldo pros nossos funcionários e aí ele pode, ele sabe o caminho, ele sabe onde ele procurar. Maria: E vocês tem alguma estatística, do tipo “nós temos não sei quantos mil funcionários...” Eu lembro que a Nayara comentou que era um número muito alto. Denise: É, hoje a gente tá com quase sete mil. Maria: Exatamente. Então, se vocês tem alguma do tipo desses 7000 tantos são mulheres, tantos são negros, não sei, uma divisão demográfica dessa população que vocês tem aqui dentro. Denise: Foi feito um estudo disso, especificamente feito pelo RH, sobre isso, mas não sei te falar com precisão, mas eu sei que o maior número hoje que a gente tem na empresa é de mulheres, de negros eu não vou saber te dizer a porcentagem, mas a gente tem uma diversidade muito grande aqui na empresa, não só de etnia, mas diversidade de forma

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generalizada, de gênero, de cultura, de religião, a diversidade ela é muito grande aqui dentro da empresa, nosso público ele é bem diverso... Maria: Inclusive esse é o tema né, quando eu entro nas organizações pra fazer as entrevistas eu falo de gestão da diversidade, e foi isso que eu conversei com a Nayara, porque quando eu entrei no site da Paschoalotto, eu escolhi fazer com a Paschoalotto, porque vocês tinham uma frase que me chamava muito a atenção, que vocês empregavam a diversidade, né? Denise: Exato. Maria: Empregabilidade à diversidade. Denise: Inclusive, depois que a gente começou eu vi algumas empresas aqui em Bauru que é focar não somente no público jovem, mas também no público aposentado, naquele já encerrou entre aspas a sua carreira profissional, mas tá querendo se inserir de novo no mercado, a gente partiu também pra trabalhar com esse público. Então, assim, pra você ver como a diversidade é de forma generalizada mesmo, não só na etnia, no gênero, em cultura, mas sim na idade também. Hoje a gente tem um público que é a maioria de 18 a 23 anos, como tem um público acima de 60 anos e que se misturam naquele meio. E uma coisa bastante legal é a gente esse público se misturar e o depoimento das pessoas mais velhas falarem como elas se sentem bem com essa mistura, porque elas interagem com esse meio, com esse pessoal jovem e acabam descobrindo muitas coisas, aprendendo muitas coisas, então é uma troca de experiências, eles... é muito positivo isso, sempre que você conversa com eles é muito legal... Maria: Pelo que eu tenho lido, estudado, sobre gestão da diversidade uma das premissas básicas pra você compreender, que é lidar com a diversidade, é você compreender que quanto mais diversidade você tem mais conflito naturalmente isso gera Denise: Sim Maria: Isso é natural, você dizer que todo mundo se dá bem, que as pessoas são diferentes mas elas se juntam, elas se misturam, é quase uma utopia. Então eu queria saber, por parte da ouvidoria, como, se vocês têm um dado, uma estatística dessas reclamações, se vocês recebem muitas denúncias, e aí no caso eu quero fazer um recorte de denúncias específicas de preconceito étnico racial. Denise: Olha, denúncia desse tipo de preconceito aqui na empresa a gente nunca teve. Maria: Nunca? Denise: Não. A ouvidoria ela existe desde 2005, na verdade ela começou atuante em 2006, ela iniciou a implantação em dezembro de 2005, então efetivamente ela começou em 2006, e eu entrei na ouvidoria em julho de 2007. Desde que eu estou lá a gente nunca recebeu nenhuma denúncia desse tipo e desse grau, nunca se deparou com alguma situação de gravidade nesse sentido. A gente é... reclamação de cliente interno, né, de funcionário o número não é tão alto em relação ao número de funcionário que a gente tem. A gente tem em média de 120, 140 demandas, solicitações mês de funcionários e na maioria delas, elas tão concentradas em questão estrutural, então “Ah! O ar condicionado deu problema, não foi arrumado ainda, a cadeira deu problema e não foi arrumada ainda” 98


ou alguma coisa relaciona a conflito entre pessoas, entre liderança e liderado mas bem pouco, então a gente não tem muita incidência, e de preconceito, situações de preconceitos, nós... que eu me lembre nós pegamos duas situações, que na verdade foi caracterizado como... não conseguimos comprovar a veracidade daquilo, se aquilo realmente tava acontecendo, porque juntou a palavra de um contra de outro e o que a gente conseguiu foi conciliar, fazer com que as pessoas entendessem que se estava ou não acontecendo aquele tipo de atitude não era permitido pela empresa, não era conivente da empresa aquele tipo de atitude, mas era mais em relação a bullying, a eu brincar com uma pessoa, com meu colega de trabalho, isso entre colegas de trabalho, entre pares, então entre recuperadores de crédito, operadores, entre pares. Então “Ah, porque ele fica me chamando de cabeçudo” ou porque ele fica... Maria: Mas isso tava relacionado a questão racial? Denise: Não, não estava, não era, não tinha... não tinha nenhuma diferença gritante entre as pessoas de etnia, de racial, de nada, era pura brincadeira mesmo e acredito eu que por conta da idade mesmo, sabe? De molecagem. E aí a gente sentou, quando a gente se depara com esse tipo de situação o que a gente fala, a gente vai ouvir as duas partes, né, e entender o que tá acontecendo com as duas partes e fazer com que as duas partes se entendam, que independente de acontecer ou não aquele tipo de atitude, aquilo não era condizente com a empresa e aquilo não deveria acontecer, né. E aí a gente envolve também a liderança, pra que a liderança acompanhe e possa identificar se aquilo volta ou não a acontecer e como que tá a situação entre essas pessoas Maria: E no caso então vocês funcionam como um canal de comunicação aberto, mas vocês esperam que as reclamações cheguem até vocês, vocês não buscam isso Denise: Não, a gente espera que chegue até nós. Contudo, eu não vou me deparar com uma situação que a gente identifique e eu vou “Ah, não, porque não chegou em mim, eu não vou tratar” Não, a gente também age de forma pró ativa, mas a gente não é uma auditoria que vai e vai ficar buscando situações, entendeu? Eu não vou ficar agindo de forma investigativa no sentido de buscar se isso ocorre ou não, a gente vai esperar chegar, entendeu? O canal de ouvidoria ele é pra recepcionar as demandas, recepcionar qualquer tipo de reclamação, de denúncia ou de sugestão e não ele vai atrás pra identificar, ele vai atrás pra identificar sim se está ocorrendo a partir do momento que ele recebeu, então a partir do momento que você recebe uma situação aí sim começa o trabalho investigativo em cima daquilo e a ouvidoria tem absoluta imparcialidade de investigar e tem acesso a todos os temas, a todas... de forma livre, a todos os departamentos pra fazer o tipo de investigação que for necessária mas a gente não vai atrás pra identificar o que tá ocorrendo, mas claro, se a gente se deparar com uma situação “Olha, eu observei” ou “Ouvi comentários, ouvi dizer que em tal lugar tá acontecendo isso” a gente vai atrás sim, porque aí a gente não vai ser conivente, omisso de saber e não tratar... de forma nenhuma. Mas não vai atrás. Maria: Quando você usou a palavra omissão eu lembrei até de uma parte da pesquisa, quando eu fiz com o jornal, que eu fui investigar em dois jornais matérias relacionadas ao universo afrodescendente, algumas matérias, pautas importantíssimas pra serem discutidas a nível nacional e internacional e quando o jornal não põe ele se omite, quando o jornal sabe e não publica ele se omite. Então quando a gente vive num Brasil e que a 99


gente entende a realidade socioeconômica e cultural e compreende o recorte étnico racial, que existe um racismo velado, e de que negros e negras no Brasil são sim pessoas não privilegiadas em vários quesitos e a gente não leva isso em consideração a gente acaba se omitindo também... Denise: Sim, claro. Inclusive você falou disso eu lembrei de outra coisa. Que que a gente, a nossa atuação também tem, ela não é só pontual. Então, por exemplo, eu me deparei com uma situação, em um determinado departamento, ou na determinada operação, e aí eu vou tratar aquela situação pontualmente. Eu vou tratar sim pontualmente, mas eu vou disseminar isso de uma forma com que eu contribua, pra que eu evite que esse tipo de situação ocorra no contexto da empresa de forma generalizada e isso em qualquer caso, em qualquer assunto em qualquer situação. Vou verificar “Opa, pera aí, porque se aconteceu aqui porque que não pode acontecer ou já tem acontecido em qualquer outro lugar” então aí a gente atua de forma massificada também, a gente conta com as áreas de treinamento, com RH e tudo mais pra gente poder fazer essa orientação, entendeu? A gente tem aqui o nosso código de ética muito em relação a conduta, o respeito, a questão da diversidade, a gente prima pelo cumprimento desse código de ética e isso a gente divulga muito intensamente, principalmente pras lideranças porque o exemplo tem que vir de cima, né? E aí se o exemplo não vem e se essa cobrança por parte da liderança não ocorre é porque entende-se que eu posso fazer, né. Então a gente aborda muito isso com as lideranças pra que esse exemplo realmente venha de cima e se qualquer irregularidade identificada, mesmo que não chegue ou pro RH, ou pra ouvidoria ou pra qualquer situação, que alguma liderança se depare ou até mesmo qualquer tipo de pessoa se depare com esse tipo de situação que possa procurar a quem tratar, a pessoa de direito pra tratar esse tipo de situação e evitar que isso chegue num limite, enfim... Maria: Você disse que então todos os anos, pelo menos que você tá ouvidoria, nunca houve nenhum caso de preconceito racial aqui dentro... Denise: Que eu me recorde não, Maria. Maria: Mas se houvesse como vocês lidariam com essa situação sabendo que racismo é crime previsto na legislação brasileira? Denise: A situação é bastante delicada, a gente parte do princípio que eu preciso orientar, nós não temos um perfil punitivo, né. Eu preciso orientar e eu preciso mostrar praquela pessoa que aquilo é sério, que aquilo não pode acontecer e que a empresa não está condizente com aquilo. Então é esse tipo de postura que a gente vai tomar, a não ser que seja um caso de extrema gravidade e aí vai ter que ser analisado pela nossa presidência, pelo nosso vice-presidente e até pelo jurídico comitê de ética, aí a gente vai passar pra uma outra instância, né, mas a gente parte do princípio que eu preciso orientar, eu preciso reforçar quais são os princípios que a empresa espera de mim como funcionário. Maria: Quando você fala extrema gravidade você se refere a alguma coisa muito específica? Porque, por exemplo, o racismo no Brasil tem um histórico que tá tão enraizado que pequenas atitudes, pequenas palavras já são consideradas ofensivas mas por conta desse histórico os próprios negros já tem isso dentro deles e muitas vezes não se pronunciam no sentido de “eu estou ofendido com isso” ou “eu vou reclamar”, mas isso também é grave porque isso alimenta e retroalimenta o racismo dentro da instituição. 100


Denise: Eu acho, isso é Denise falando, opinião minha mesmo, a questão, até me coloquei em relação a gravidade, mas realmente fica subjetivo. Então eu acho que a gente precisa ver todo o contexto, se acontecer uma situação eu preciso ver todo o contexto e todo o histórico dessa pessoa aqui dentro. Porque foi uma única vez que aconteceu? Ou eu tenho indícios de que isso já aconteceu em outros momentos e isso não se disseminou, ninguém falou nada e isso ficou escondido, então eu acho que vai muito de avaliar o contexto da situação de forma generalizada. Foi a primeira vez, não foi, foi numa brincadeira, não foi, porque eu entendo isso que você tá falando que a gente tá enraizado, e a gente as vezes não leva uma situação que pode ser racismo e a gente acaba falando “Ai, não, não é”. Então é por isso que eu acho que tem que analisar o contexto da situação, é difícil a gente falar de forma generalizada, eu acho que a gente precisa avaliar o contexto, todo o histórico que ela, daquela pessoa, ou daquela situação assim do que tá acontecendo, do quanto isso afetou a pessoa ofendida eu acho que isso também conta bastante, o quanto aquela pessoa se sentiu mal ou aquilo afetou ela, né. Maria: E tendo em vista essa realidade do Brasil, nunca passou, não sei se pela ouvidoria ou pela comunicação, nunca passou por vocês a ideia de fazer um trabalho, um projeto voltado pra esse público aqui dentro? Denise: Na verdade, toda ação que existe ela é de forma, a diversidade de forma generalizada. Nunca pra um público específico então “Ah eu vou fazer hoje somente pra diversidade de gênero” ou “Eu vou fazer hoje só pra diversidade racial” ou “Eu vou fazer hoje só pra diversidade de diferença de idade” sempre as ações são pra atingir o público de forma generalizada. Maria: Vocês não trabalham então com o conceito de comunicação dirigida? Mesmo tendo um público em sua maioria feminina nunca foi feito nada voltado pras mulheres, por exemplo? Denise: Teve, isso teve. Pras mulheres a gente tem, por exemplo, na ação de qualidade de vida a gente tem uma ação que, voltada pra saúde da mulher, o outubro rosa, por exemplo, aí tem uma ação voltada pro novembro azul, teve uma ação voltada pra assistente de trabalho, algumas ações são dirigidas, mas muitas delas são de forma generalizada. Maria: Mas dirigida pro público negro, nunca? Denise: Que eu me recorde Maria, nunca tivemos não, nunca tivemos. Que eu me recorde não. Eu lembro de algumas ações apartadas pra esse público feminino, tivemos até a questão da diversidade de gênero, uma única vez nós tivemos uma ação pra diversidade de gênero no dia da diversidade, nunca tivemos nenhuma ação. É uma coisa a se pensar, eu acho. Maria: Como você disse, como vocês nunca encontraram nenhuma reclamação, nenhuma ação pontual vocês nunca sentiram a necessidade de trabalhar... Denise: É, exato, porque pra gente, pelo menos pra mim, por exemplo, e eu acho que pro RH que tá muito habituado a essas tratativas, o próprio marketing que tá muito habituado a essa tratativa, pra gente isso é tudo muito natural. Então assim, não que eu preciso fazer uma ação porque eu sinto que há uma diferenciação pro público negro, tá havendo alguma 101


coisa que me induz a pensar em alguma questão relacionada ao público negro, então nunca se pensou nisso, pra gente tudo é muito natural, é pessoa igual a qualquer pessoa. Maria: E no sentido de valorização? Porque quando você fala que você emprega a diversidade, falando agora na parte de gestão da diversidade, se eu tô lidando com um público tão diverso eu tenho que saber valorizar cada uma dessas particularidades. Denise: Sim, sim, a gente trabalha inclusive, isso é o que o nosso presidente prega muito, a gente precisa agir de forma singular, a gente precisa trabalhar a singularidade. Claro que numa empresa grande você vai ter regras e vai trabalhar em sua maioria, acredito que uma grande porcentagem, de forma massificada mas eu preciso pensar no singular e ver o que que eu posso atuar de forma personalizada. Maria: E depois que vocês receberam a denúncia você disse que vocês vão atuar não de forma pontual mas de uma forma geral, mas tem algum modelo que vocês seguem, tipo é um diálogo, depois a gente faz uma campanha, não sei, tem algum... Denise: Não, não tem uma regra, depende da situação. Tem situações que a gente identifica que a necessidade por exemplo é de direcionar um treinamento pra um determinado público, ou pra uma determinada área e aí a gente vai em contato com o RH pra mostrar essa necessidade, mostrar o que aconteceu ou a gente simplesmente solta um informativo falando, abordando sobre aquele assunto ou então a gente vai trabalhar com a liderança pra que a liderança faça um trabalho relacionado aquele assunto, então assim não tem uma receita de bolo, a gente vai atuar de acordo com a necessidade mesmo. Maria: E quanto as estatísticas que eu tinha te perguntado você falou que o RH tem esse número de quanto negros, quantos... Denise: Tem, tem sim. Maria: Eu consigo isso? Denise: Consegue, consegue sim. Tem a Juliana e a Natália, Juliana é gerente de RH e a Natália é gestora de RH, você pode falar com elas, eu te passo o contato. Maria: Então tá bom. Muito Obrigada Denise. (Desligado o gravador a conversa continuou, por isso voltei a gravar) Maria: Desculpa, você pode falar de novo? Existe um trabalho integrado entre RH, ouvidoria e marketing? Denise: Sim, a gente procura trabalhar de forma integrada como eu te disse nas necessidades. Então identifica-se uma oportunidade de melhoria, de ação, e aí a gente vai trabalhar de forma integrada, não só o marketing com RH mas com todas as áreas da empresa, mas existem as ações de cada área de forma apartada, entendeu? Maria: E no caso essas denúncias e reclamações vocês recebem quando vocês buscam uma solução vocês recorrem... Denise: Sempre as áreas. Maria: As áreas de RH e marketing? 102


Denise: As áreas de apoio, todas as áreas porque tem situações que são relacionadas ao RH, tem situações que são relacionadas ao marketing, com a área de infraestrutura, com o departamento pessoal, com a operação, com qualquer área que tiver a necessidade de fazer essa interação a gente vai fazer, mas existem, cada área tem a sua ação e cada área vai atuar de forma apartada nas suas ações, entendeu? Maria: E não existe, por exemplo, uma união dessas áreas com uma periodicidade pra fazer um diagnóstico, pensar me um planejamento em conjunto? Denise: Não, o que a gente faz é passar os relatórios periódicos, a cada trimestre, do resultado da ouvidoria pras demais áreas, entendeu? Então assim, periodicamente a gente passa o resultado da área de ouvidoria pra todas as demais áreas, pra que eles tomem conhecimento, além do tratamento pontual, de forma generalizada qual foi o tipo de situação que chegou, quais dessas foram procedentes, quais dessas não foram procedentes, quais áreas são mais demandadas, quais os tipos de problema que a gente tá se deparando naquele determinado momento, isso existe, mas não uma reunião periódica entre todas essas áreas pra que a gente trabalhe, não, isso não, reunião periódica não. Maria: Tá. Denise: Existe a reunião gerencial, enfim, pra tratar de vários assuntos e nessa reunião gerencial misturam todas as áreas mas nenhuma ação específica pra olhar e falar “olha, que tipo de ação a gente pode tomar nesse momento? ” Isso fica apartada de cada departamento e aí supomos que no departamento faça alguma ação, faça não, ele planeje fazer alguma ação e que entenda que pode ter algum impacto em algum tipo de área e aí eles passam pra gente “olha, Denise, a gente vai fazer uma ação assim, assim, assim, você acha que pode gerar algum tipo de problema? Você já se deparou com algum tipo de problema desse jeito? A gente pode melhorar...” enfim, que a gente não solte algum projeto e esse projeto seja problema, então essa interação existe pra que a gente possa atuar de forma preventiva. Eu solto uma coisa e depois eu espero vir o problema, não. Eu vou fazer um projeto assim, pode acontecer alguma coisa? Isso aí, a gente faz essa troca entre os departamentos essa troca existe Maria: Só uma dúvida que surgiu agora quando você tava falando das ações, do outubro rosa, e eu perguntei do público específico negro, nem agora no dia da consciência negra foi feito nada? Denise: Menina, você me pegou... não lembro. Eu posso tá falando mentira, mas eu acredito que não. Que eu me lembre não, mas era bom você confirmar com a Nayara mesmo se teve alguma ação no dia da consciência negra... Eu não lembro se no dia da consciência negra foi feito isso, mas, por exemplo, no dia da diversidade “Ai, você vem com uma camiseta branca pra mostrar que você é, que você adere aquela causa” entendeu? Então alguma data específica a gente pede pra que as pessoas venham vestindo uma determinada cor, entendeu? Por exemplo, outubro rosa teve um dia que veio todo mundo vestido de rosa, novembro azul teve um dia que veio todo mundo de azul. Eu lembro que em um dos dias da diversidade foi pedido pra vir de branco, entendeu? Então algumas ações nesse sentido também são feitas. Maria: E sobre o uniforme...

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Denise: Sobre o uniforme, a empresa ela praticava o uso do uniforme, bem no início, salvo engano, se minha memória me ajudar, seis, sete anos que a gente não pratica mais a utilização do uniforme. Justamente o objetivo disso foi o que? Pra que as pessoas possam se comunicar e se expressar através da sua vestimenta, porque é uma maneira de se expressar, né. Então a gente deu essa liberdade e as pessoas podem vir vestidas da maneira como ela se sentir a vontade, da maneira que ela gosta. Claro que existe a regra de traje, eu não posso vir com blusa curta, eu tô num ambiente coorporativo então eu preciso me vestir de acordo com um ambiente coorporativo, então blusa mostrando a barriga, saia curta, roupa transparente, esse tipo de situação a gente coloca nas regras dos trajes, o homem não pode vir de bermuda, mas a pessoa dentro desses padrões, a pessoa pode vir vestida da maneira que ela bem entender... Maria: Cabelo vocês não restringem? Denise: Não restringe, absolutamente nada, maquiagem, cabelo, piercing, tatuagem, qualquer coisa, tatuagem... nada, nada, nada. Tem pessoas tatuadas de todas... é piercing, seja em qualquer lugar, na orelha, no nariz, na boca, na língua, cabelo afro... aliás tem uns cabelos lindos por aí. E qualquer tipo de traje, de personalidade, a gente não atua bloqueando. Porque a pessoa, tem diversidade de gênero, então a pessoa, o menino que é, atua do gênero menina, então ele vem vestido de menina, de saia, de vestido, ele pode vir, não tem problema nenhum, já tivemos vários CIs que vem vestidos, usam saias, salto, normal, desde que ele tenha, respeite as regras básicas de traje, normalmente... Maria: E as pessoas respeitam... Denise: Sim, normalmente, naturalmente... isso aí é uma coisa bacana que a gente acabou aderindo e a gente vai conversando, vai lembrando de algumas coisas, mas isso foi uma forma da gente mostrar que as pessoas podem se expressar, não é porque elas estão vestidas, você não vai julgar ela por conta do estilo dela.

Apêndice 10: Entrevista – Bernardo da Paixão20 Organização: ONG ACTABB Cargo: Presidente Entrevistadora: Maria Eduarda Gomes Silva Data: 12/11/2015 Local: Museu Ferroviário

Maria: Então eu vou pedir pra você agora, antes de mais nada, se apresentar, falar seu nome, falar qual é o seu trabalho na associação e também explicar o que é a associação, qual é o trabalho dela, os projetos que ela desenvolve. Bernardo: O nome da associação, na verdade nós somos uma ONG né, a nomenclatura ONG é uma nomenclatura que sabemos que não é reconhecida no Brasil mas somos reconhecidos como associação e usamos a nomenclatura de ONG, a Associação Cultural 20

O entrevistado permitiu que as informações concedidas fossem utilizadas na pesquisa.

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de Tradições Afro-brasileiras de Bauru. Eu me chamo Justo Bernardo da Paixão sou o responsável, presidente da associação, e faço a parte jurídica também porque eu sou advogado e a parte disso nossa finalidade e objetivo é trabalhar na autoestima do negro na sociedade, essa é a nossa maior finalidade dentro da sociedade bauruense ou dentro da sociedade brasileira, nós temos, vamos fazer trabalhos também fora de Bauru. Nossa instituição atualmente fez uma base de três ou quatro eventos esses eventos foram eventos pra dar conhecimento pra população de que nós existimos e que nós estamos aqui na intenção de reunir a comunidade negra pra fazer um trabalho. Nós fazemos evento, que foi um evento direcionado com música samba rock, que uma das referências da comunidade, um workshop presente, nesse workshop nós colocamos aí algumas informações pra comunidade como, por exemplo, quadros de arte, mensagens de Mandela, de Luther King, de diversos artistas de pessoas que tem importância dentro da comunidade negra e a parte disso fizemos um workshop apresentando alguns profissionais da estética e da beleza que davam informações sobre, de como você pode cuidar do cabelo, da hidratação, criar a auto estima através da identidade. Então é justamente fazer com que o negro desde base, desde a comunidade, como criança, saiba que ele pode estar tão igual na sociedade sem precisar ter que mudar o cabelo porque a sociedade apresenta de forma diferente porque ele é negro e a pessoa de cor diferente poderia estar sem o cabelo liso, então não, a identidade ele tem que manter mesmo que ele seja negro e não tentar ser igual, não, ele tem que demonstrar a identidade dele como ele é desde como ele tenha nascido, da forma como ele nasceu. Essa informação tem que ser dada na base, na educação, lá na comunidade com a criança ainda na família né, passar essa mensagem pros pais pra saber como cuidar dos cabelos pra quando a criança chegar na escola não se sentir feia, se sentir ela mesmo, identificando que ela é a pessoa dela sem estar mudando essa imagem pra poder dizer “não, se eu não fizer isso eu não consigo entrar na sociedade, eu não consigo trabalhar” é mais ou menos isso. O nosso projeto começou daí, disso aí nós criamos o projeto “Gera ACTABB”, que é um projeto que, é um projeto mais ou menos parecido, muito parecido com o que fala na universidade, projeto de extensão a comunidade, projeto móvel, e esse projeto móvel ele se desloca de dentro da instituição e vai até a comunidade. Na comunidade ele oferece oficinas, oferece artesanato, ele oferece como cuidar do cabelo, a parte da capoeira, o professor de capoeira, uma assistente social, uma parte de cidadania, então damos todas as informações dentro desse projeto móvel, dentro da comunidade carente. Esse é o nosso trabalho. Maria: Faz quanto tempo que existe a Associação? Bernardo: Nós existimos faz seis meses. Temos seis meses de existência em Bauru, porque Bauru não tem nenhuma instituição Afro no momento. Maria: Entendi. Bernardo: Então nós optamos pra dar esse seguimento justamente pensando em cuidar dessa parte uma vez que, vejam que a comunidade está praticamente sem um apoio com relação a essa parte de informações. Mais ou menos isso... Maria: Acho legal você ter tocado no ponta da informação, porque como eu fiz a primeira parte do trabalho, eu comentei com você, foi uma análise jornalística, então eu fui atrás de informação na mídia, no jornal impressa no caso, que foi o meu objeto de estudo, 105


porque, em tese, é lá que a gente encontra informações da sociedade. Mas aí eu quero fazer uma pergunta pra você relacionada ao próprio racismo, porque a gente sabe que existe racismo no Brasil só que ele é velado, de diversas formas, então eu queria que você comentasse antes como você compreende essa realidade. Bernardo: Eu diria a você o seguinte, primeiro que tem uma falta de informação, que já começa por aí, o negro já entra na sociedade já pensando que vai sofrer o racismo, esse é um primeiro ponto que se analisa, de cara. O negro ele já tem receio de entrar na sociedade, se apresentar a sociedade, achando que ele vai sofrer já o preconceito e o racismo, por falta de informação. Digo a você que, por exemplo, quando nós falamos em 365 dias de consciência negra, branca, parda, eu creio que os 365 dias tem que ser de consciência humana, negra, parda, branca, pra que você saiba que sempre você tem que consciência de que você pode encarar a sociedade né, e que você tem que lutar contra isso, né. Um dos pontos em relação a questão do racismo é, a gente percebe que o próprio jornal quando dá uma informação, ele não dá uma informação completa, ele dá uma informação curta. Se você quer saber mais detalhes sobre qualquer situação você tem que pesquisar, você tem que procurar ou você tem que ir até onde está acontecendo. Então é isso mais ou menos que vem acontecendo e que a gente entende que no Brasil a gente tem visto muito e eu creio que também temos que desenvolver dentro da comunidade negra uma união, uma fortaleza, e que falta essa fortaleza dentro da comunidade negra pra poder realmente reagir contra a questão do racismo do ponto de vista nosso, porque a gente percebe que dentro da própria comunidade existe tipo uma divisão, tipo um individualismo, de que eu vou por aqui, tu vai por ali, eu acho que tá faltando mais união, pra que a gente possa enfrentar com mais força tudo isso que tá acontecendo dentro da sociedade e que vem acontecendo de forma diferente, se há trinta anos atrás era uma coisa, há vinte outra, e hoje você percebe que você encontra a questão do racismo, a questão do escravagismo, por falta de informação do negro. Porque, por exemplo, se eu vou trabalhar dentro de uma fazendo, ou dentro de uma chácara que recolhe frutas ou que tem gente trabalhando lá pra poder recolher cana ou pra plantar, eu teria que ter essa informação de que aquele senhor tem que me pagar, tem que me colocar dentro da altura, dentro da mesma situação de todos. Ah, não, eu vou pra lá na intenção de ganhar dinheiro, não cobro meu direitos por eu não conhecer os meus direitos e, claro, sofro escravagismo e sofro por desconhecimento. E outros sofrem por conhecimento mas porque falta força pra que eles possam encarar aquela situação. Ele não encara a situação porque ele tem medo e outros estão dentro por falta de informação, é essa a posição. Maria: No caso da minha pesquisa eu peguei três acontecimentos, desse ano, recentes, de importância, de relevância nacional e internacional, pra discutir o racismo. O primeiro acontecimento foi a publicação do mapa da violência, que foi em junho desse ano, e ele traz dados do genocídio da juventude negra no Brasil. O segundo acontecimento foi a divulgação, a ONU fez uma divulgação, o lançamento oficial da Década do Afrodescendente, foi em Brasília em um festival que teve e o terceiro acontecimento que eu pesquisei foi um acontecimento internacional que foram as manifestações dos EUA por cauda da morte do Michael Brown, que foi o primeiro menino que morreu, uma vítima inocente por causa de um policial branco. Então foram três acontecimentos, eu pesquisei tanto no JC, aqui de Bauru, quanto no jornal Folha de São Paulo, que é um jornal nacional, o mais lido no congresso. E pro meu susto, ou talvez eu já esperasse algo do tipo, no 106


Jornal da Cidade eu não achei nada, nenhuma notícia, só achei uma referente ao acontecimento dos EUA, aos outros dois acontecimentos não tinha nada, nenhuma matéria coluna de opinião, nada. E no caso da Folha de São Paulo o do Mapa da Violência tinha, tava dentro de uma matéria que falava da diminuição da maioridade penal. Uma linha, só falando que houve a divulgação, mas não tinha dados, nem nada. E no caso do lançamento da ONU, da Década Internacional do Afrodescendente, não tinha nada, nem falando do festival que foi um festival que chamava Latinidades e tema principal era mulher afro-latina e caribenha, esse era o tema. E quando eu me deparei com essa realidade eu falei “São informações importantes, que não foram publicadas” inclusive questionei a própria editora do jornal de porquê que essas matérias não foram publicadas e o que ela me diz, e que é real, é que o jornalismo é um reflexo da sociedade, então as pautas são produzidas porque as pessoas querem ler essas pautas. Então a minha questão é, quer dizer que a sociedade não quer ler essa informação ou é a própria mídia... Bernardo: Que não permite. Maria: Exatamente, que essa informação chegue até a sociedade. Porque a mídia escolhe, ela faz isso... Bernardo: E essa informação que você nos passa é muito importante porque nós tivemos uma experiência, pouco tempo de experiência, em que a gente ao criar a instituição e ao fazer contato, né, com o poder público nós chegamos a conclusão que não existe um conselho de comunidade negra dentro do pode... e o conselho de comunidade negra não tem nenhum trabalho junto aos jornais, ou junto a sociedade, pra poder fortalecer a comunidade negra. Você não encontra. E eu fiz um entrevista com a diretora, com a presidente do Conselho da Comunidade Negra, e ela simplesmente disse “Nós estamos aqui tentando fazer alguma coisa mas como eu sou presidente de uma outra instituição não posso tá muito a frente disso, então tenho que ter ajuda de outras pessoas pra poder...” Então você imagina a comunidade, a própria comunidade do conselho do município, não tem a capacidade de informar, ou de dizer o que tá acontecendo dentro da comunidade ou dentro das atividades que tão acontecendo de, por exemplo, doenças de negro, a doença de negro tem que ser vista de forma diferente porque, por exemplo, tem que tomar uma vacina diferente, porque, por causa dele ser negro, e o mesmo medicamento é dado a pessoa branca e é dado ao negro, teria que ter um outro tipo de medicamento. Isso é uma coisa que acontece hoje na sociedade e não há, não tem alguém tentando dizer “Gente, pra uma senhora negra que esteja esperando um filho ela tem que ter determinadas...” São mudanças. Os tipos de informação, ou de consulta, é diferente de uma pessoa... não é que ela seja diferente, mas é que ela apresenta situações diferentes de uma pessoa de cor branca. Então isso tem que ser visto porque automaticamente aquela pessoa toma uma vacina que não é pra ela, então isso tem que ser visto e isso não é visto e existe esse problema e já tá comprovado e ninguém fala nisso, ninguém toca, a própria comunidade, o conselho de comunidade não trabalha isso. Quer dizer, não trabalha, por exemplo, a educação dentro da escola, que é um dever da comunidade, do conselho de comunidade, trabalhar um projeto dentro da comunidade dizendo que a educação tem que ser informada a afrodescendência, tem que ser informado que existe inúmeras religiões e que qualquer pessoa pode seguir qualquer religião mas que afrodescendência dela foi devido a, de que forma aconteceu e uma criança hoje você pergunta sobre as pessoas mais 107


importantes que tiveram influência dentro da questão racial e a criança não sabe falar nada, então essas informações não chegam, e é um dever da comunidade, do conselho da comunidade. Agora, nós como instituição, pensamos que é o seguinte, vamos criar um projeto, vamo pra cima, vamo trabalhar, chamar os universitários pra sair de dentro da universidade e vamos pegar os alunos, dizer “Gente, vamo trabalhar voluntariamente e vamos a uma comunidade fazer um projeto, vamo trabalhar, vamo informar essa gente, passar as informações que vocês aprendem cada dia que tem a informação e evitar por exemplo que ocorra a situação que ocorreu dentro da Unesp, da questão do repúdio, com o próprio Juarez que aconteceu dentro da faculdade” Aí eu pergunto assim “Por que que aconteceu isso dentro da faculdade?” Será que não é porque a gente colocou demasiada informação para aquelas pessoas que estão ali dentro e não trouxemos ela pra prática da vida e dizemos assim: “Ó, gente, isso aqui acontece” E aí quem está dentro da universidade vão ver a verdade, nós precisamos ajudar a essa comunidade e ver de forma diferente porque quando você lê textos, comentários, que aconteceu, deixou de acontecer, não é o suficiente pra que você realmente possa demonstrar que na prática o que acontece dentro da comunidade não é igual. Muitos comentários são parecidos, mas você vai na comunidade você vê coisas que incrível, nós fizemos um trabalho dentro de uma comunidade em Bauru em que as crianças que viviam dentro da comunidade desconheciam fatores importantes pra que realmente a pessoa... é o conhecimento mínimo e não temos esse conhecimento. Então eu entendo que o que você com relação a isso, da questão da informação, da questão da falta de informação, por parte do jornal, do poder público é totalmente muito pouco. E claro eles dizem “Não, a mídia diz que eu posso fazer, que tem que ser assim”, Mas será que quando a gente manda pra lá a matéria e pede, manda um comentário, que que eles dizem? “Ah! Se a gente perceber que isso vale a pena nós colocamos”. Então eu digo pra você, os eventos que eu fiz, eu procurei a Unesp, procurei Jornal da Cidade, procurei a Rádio Câmara e TV Câmara e pedi a eles, mandei uma descrição do evento dizendo a eles o trabalho que eu tô fazendo e realmente tive um retorno e eles colocaram, quer dizer, encontrar a matéria sobre a ACTABB no Jornal da Cidade, vai encontrar na TV Câmara, Rádio Câmara, vai encontrar na Rádio Unesp. Então significa que nós começamos a avançar mas temos que catucar. Temos que ir lá e levar a matéria, temos que ir lá e falar que tá acontecendo isso na sociedade, porque se não eles não comunicam nada. Então eu vejo que é isso. Maria: Sim. Bernardo: Nós tivemos um contato com rede ABR de Boston que inclusive se você quiser contato pra fazer uma matéria sobre a questão do negro tanto em Boston quanto em conhecimentos, do que eles tem como referência do Brasil, porque a diretora, presidente da rádio é uma negra e ela é brasileira, é de Minas Gerais, e ela saiu daqui sem nada chegou aí conseguiu montar uma rádio, conseguiu hoje ser a dona de uma das rádios de maior frequência nos EUA, tem cinco frequências, e ela trabalha loucamente contra a questão racial e qualquer informação que queira ela te dá, inclusive ela abriu agora as portas, eu consegui trazer ela aqui pro Brasil pra poder visitar, teve em São Paulo, teve na Rádio Unesp, temos um contato com o Silvestre da Rádio Unesp e eu coloquei ela em contato e ela abre agora umas portas pra que a comunicação da Unesp, através da comunicação da Unesp, possa conseguir os alunos daqui terem conhecimento e estudar lá em Boston, possivelmente até inclusive na faculdade de Harvard, pra poder saber o que 108


é a questão racial lá fora e aqui, como eles entendem o que está acontecendo no Brasil. Essa é uma das lutas de nós, inclusive, nós temos uma parceria com a rede ABR em que todas as informações que nós tivermos a partir do projeto, que eles tão apadrinhando o projeto, né, tudo que nós fizermos dentro da comunidade vai ser transportado e informado pela rede ABR em Boston pra que a sociedade fique conhecendo o que o Brasil faz pelo negro. Maria: Entendi. Bernardo: É mais ou menos isso. Maria: Existe uma autor que ele fala sobre o racismo midiático e aí ele vai falar vários pontos, vários vieses né, desse racismo e um dos pontos que ele toca, legal você ter comentado dessa moça, é da falta, da ausência de negros produzindo conteúdo midiático, da falta de negros trabalhando no jornal, trabalhando nas rádios, e quando eu fui no Jornal da Cidade eu descobri que não existe nenhum negro na redação lá e aí que eu entro nesse ponto que eu comentei com você da diversidade nas organizações. Então como é que você vai debater, discutir um assunto sendo que você não tem a presença das pessoas... Bernardo: Que tem importância no fato Maria: Exatamente, então como você compreende isso? Bernardo: Na verdade isso é uma das coisas que é uma luta nossa, é uma luta incluso da instituição, da questão de não ver o negro em posições de reagir ou de passar a importância do negro na sociedade. Então você encontra algumas pessoas importantes em alguns pontos mas não encontra não encontra elas nos pontos mais importantes do fator da sociedade, como você mesmo disse no Jornal da Cidade. Eu, por acaso, hoje tive no Jornal da Cidade com o diretor da cultura, o Amaral, e reparei no mesmo que você reparou, olhei pra dentro da sala da redação só tinha branco, não tinha um negro dentro... Eu falei: “Pô, que engraçado, né, será que falta gente pra tá dentro da mesma altura, pra trabalhar dentro do Jornal?” Eu creio que aí vem a importância do trabalho na base, da importância da gente levar o projeto pra base, do trabalho, da gente trabalhar pra que daí saia o jornalista, daí saia o relações-públicas, o advogado, o médico, sem tá preocupado com as cotas porque as cotas é uma das preocupações que as vezes eu vejo que muita gente fala na questão das cotas mas será que as cotas, será que eu tenho que pensar nas cotas? Não, eu tenho que sair de dentro da favela, como eu sai, porque eu sou carioca, nasci dentro da favela da Cidade de Deus, sai de dentro da favela, consegui estudar na melhor faculdade do Rio de Janeiro, Cândido Mendes, me formei como advogado e consegui me transportar, vivi 20 anos na Europa fazendo trabalhos com LG, projetos sociais, tô de volta no Brasil e não perdi, não fiquei preocupado de que eu teria que ter alguém pra me ajudar a pagar a faculdade, não, não, eu lutei pra isso e fui junto com mil brancos, se lá dentro da sala de aula que estudei só tinham dois negros, era eu e outro, e consegui. Mas o que falta? O que falta é a base, nós não temos base e o governo não tá preocupado com a base dentro da comunidade negra. Então a gente pode voltar lá atrás e falar um pouco da questão de que o negro vivia dentro da capital naquela época, quando houve a imigração da eurodescendente que que fizeram com o negro? Jogaram o negro pra periferia e deixaram os eurodescendentes na capital e que que fizeram com os negros 109


na periferia? Eles tinham direito a ter... pegaram as, tiraram, vamo trabalhar pros eurodescendentes que hoje são os que mais mandam em questões de terras dentro do Brasil. Essa é uma questão que tá acontecendo lá e hoje você vai analisar, aquilo aconteceu lá, e hoje o negro continua na periferia e pra ele alcançar a chegar na capital ele tem que tá muito bem preparado e são poucos que conseguem chegar lá, na capital, que conseguem realmente demonstrar, então eu, por exemplo, estou aqui em Bauru venho de uma grande capital e vejo e me deparo de que a comunidade tá acuada, sabe? Como se tivesse assim não tem nada, ninguém vai, basta eu trabalhar como vendedor, como merceário, como pintor que tá, é bastante... não é que, não vamos menosprezar os cargos menores, nem o fator de limpeza, mas vamos valorizar de que as pessoas tem condições de ser tão igual, um médico, um doutor, um político, também pode chegar, é uma questão de luta, agora de união, de trabalho de base e esse, esse é o trabalho que a gente tem que fazer. Então a gente encontra aqui, na sociedade, encontra pessoas com posição de negro fazendo cartas marcadas, tipo, eu trabalho no município, mas não dou oportunidade pra um pobre. Ah, mas eu consegui montar um grupo e eu sou fulano de tal, vou ao município consigo porque eu consegui me encaixar e tal mas esqueceu que a comunidade tá lá também sofrendo e não pensa nisso. Então quando você chega de fora e vai fazer um trabalho institucional social, o cara vai buscar a comunidade, nós estamos aqui dentro da cidade e podemos fazer o trabalho, não, eu tenho que buscar o capoeira que é lá da comunidade, o pobre, capoeira que dá aula de capoeira, os pobres lá, esse merece que venha fazer um trabalho de apresentação aqui na plataforma ou no teatro municipal ou no vitória régia, esse não é buscado, esse fica lá, ninguém quer saber dele. Então eu acho que a gente tem que mudar essa história, a gente tem que buscar as pessoas, informar elas, preparar elas e trazer pra sociedade e dizer “Vocês podem chegar a muito mais”. É esse o ponto de vista da gente e é essa luta que a rádio, rede ABR tem, né, que ela incluso comentou com a gente na rádio Unesp numa reunião que a gente teve com a diretora e com o Silvestre, tava lá também o Paulinho Pepa também, e ela informou: “Eu quero ter negros estudando nos EUA em Boston, ou em Harvard, fazendo cursos de relações... Negros e brancos, seja qual for, mas não quero ver só branco, quero ver negros também na posição porque se eu consegui a posição de dona de uma rádio de alta audiência por que que um negro também não pode conseguir estudar lá fora?” Pode... Então acho que a falta de informação, você chega numa comunidade você pergunta pra uma criança, pra um adolescente que tá estudando, procurando se preparar pra fazer o vestibular, coisa e tal: “Você conhece aí o projeto Erasmus?” Que é o projeto da União Europeia, um projeto internacional e que você se inscreve por internet e você consegue uma bolsa de estudos lá fora... Mas ele não sabe, ele tá na internet ele trabalha com facebook, ele faz tudo mas o conhecimento não chega a ele. Quer dizer, todos na favela, se você chegar na favela todos tem telefone talvez melhor do que o seu, melhor do que o meu... Maria: Sim Bernardo: Então ali como internauta, direto, uma criança de 13 anos tá ali, porque não aproveitar essa situação e trabalhar informações, fazer com que eles aprendam que eles podem ter muito maior possibilidade com essa máquina, de alcançar coisas maiores... Maria: Você, quando você fala de informação, você falou de informação e conhecimento é legal porque a informação ela tá ali, quando você interioriza essa informação ela vira 110


conhecimento. Só que você precisa ter acesso a ela pra que ela vire conhecimento. Então vamos pegar por exemplo o caso que eu comentei do genocídio da população negra, principalmente do jovem negro da periferia. Existe um dado, esse dado tá lá, foi feito uma pesquisa, existem números. Esse dado vira informação a partir do momento que ele é publicado num jornal, ou que é feito uma matéria numa rádio e ela vira conhecimento quando eu tenho acesso a essa informação e compreendo essa realidade. E isso faz o que? Isso sensibiliza. Isso gera uma luta, como você falou, isso unifica as pessoas pra que elas lutem contra esse problema que tá acontecendo na sociedade. Só que qual que é o problema de todo esse processo que eu falei? A informação não chega... Bernardo: A informação não chega e se a gente não vai lá e diz: “Ó, gente, pega o telefone trabalha assim, vai utilizar essa informação, isso aqui vai te ajudar assim” Aí já muda. A informação que a gente tem é música, o cara passa um monte de baboseira, besteira por telefone e ele nem se que utiliza aquilo, alguns utilizam pra estudar outros não sabem utilizar. Então, o que falta? Falta informação, falta conscientizar os pais de que eles podem também aprender a utilizar a tecnologia pra poder ajudar seus filhos. Hoje uma pessoa de terceira, quarta idade não sabe utilizar uma tecnologia digital, só sabe utilizar aquele de teclado porque ele lembra que ele apertando ele... então ele toca mão no digital ele se assusta então porque não ensinar também aos pais essa tecnologia digital pra que eles possam aprender e dar informação pro filho que também tem a possibilidade de ter essa tecnologia na mão, né. Eu acho que isso é fazer o importante, não interessa a forma como ele conseguiu ter acesso a tecnologia, interessa que ele saiba usar a tecnologia, ele saiba usar para alguma coisa proveitosa dentro da comunidade dele e até mesmo pra ele. É mais ou menos por aí. Maria: Bom, pra terminar então, como eu comentei que a minha parte importante agora é entender como que essa realidade macro ela é refletida na micro, né, então nas organizações. A gente já comentou um pouco disso, mas eu queria que você falasse um pouquinho mais. A gente vê que existe racismo na sociedade, a gente vê que os próprios negros muitas vezes não têm acesso a essas informações pra lutar contra o racismo, pra lutar contra esse sistema hegemônico, e isso se reflete dentro das organizações, nas empresas onde as pessoas trabalham, talvez nas ONGs também, nas organizações públicas, então eu queria que você comentasse como você acha que dentro das organizações a gente pode também mudar essa realidade. Bernardo: Eu penso que pra mudar um pouco essa realidade dentro das organizações ou dentro das empresas, não adianta você abrir oportunidades pra tantos negros trabalharem, não creio que seja essa a forma de buscar uma forma de colocar um negro pra trabalhar dentro de uma organização, dentro de uma empresa. Eu creio que o importante tá é que você preparando a pessoa, um curso de formação, ensinando ele a fazer uma boa redação, ensinando a ele como se apresentar na sociedade, ensinando a ele de que forma ele pode alcançar um determinado cargo ou função dentro de uma empresa ou dentro do poder público é que ele, nós vamos começar a modificar esse quadro, enquanto nós não conseguirmos colocar na cabeça dentro da comunidade negra ou dentro da comunidade carente, onde existem negros e brancos vivendo, de que existe a possibilidade deles conseguirem um cargo dentro das organizações, dentro das empresas é grande e que só falta a reação deles, a gente não vai poder mudar muito esse quadro. A gente vai ter que 111


reagir, principalmente nós que estamos em uma posição e que lutamos por isso, né, pra uma mudança, pra mudança disso, é que nós temos que ir lá trabalhar, fazer isso, porque se nós não fizermos isso não vai acontecer, nossa sociedade vai continuar seguindo, gerações e gerações, e eles não vão sair dali de dentro pra mudar isso porque eles se sentem ali acomodados e vem que qual seria a forma de reagir ou de fazer que uma criança tivesse realmente interesse em participar da sociedade e encarar um concurso público, em ter uma posição, em estar dentro de uma empresa ou estra dentro de uma organização pública. Aquilo que você falou, levando o conhecimento, fazendo com o que os pais passem alguma coisa pra elas, começando pelos pais passando pros filhos e aí vamos modificar, conforme aquela criança ela vai tendo informação e ela aprende, ela consegue, os filhos delas já serão diferentes. Então eu percebo que a única forma, não digo única forma mas eu digo que uma das formas é trabalhar a comunidade, não ter medo da comunidade, porque o que acontece é que a sociedade tem medo da comunidade, a comunidade já aparenta violência, já aparenta que você não pode entrar, mas não, eu acho que é uma questão de você saber trabalhar com a comunidade. Se nós não podemos entrar, nós vamos buscar uma forma, nós vamos conseguir, como agora tá acontecendo o caso, por exemplo, foi relatado que determinados pais estão denunciando os traficantes dentro das comunidades pra que seus filhos não sejam traficantes. Olha aí, já é um primeiro passo, então que que nós temos que fazer, nós temos que correr pra lá agora e trabalhar essas mães e essas crianças pra poderem justamente elas entrarem na sociedade. Essa é uma forma interessante, que já tá acontecendo alguma coisa, e agora só falta a gente sair de dentro da sociedade, ir lá na comunidade e passar todas essas informações. Apêndice 11: Entrevista – Ítala Herta21 Organização: Ítala Herta – Relacionamento e Cultura Cargo: Relações-públicas Entrevistadora: Maria Eduarda Gomes Silva Data: 10/12/2015 Local: Fundição Progresso (RJ) – Encontro Emergências (Estava presente também Matheus Morais, um aluno do curso de Relações Públicas da Unesp que participava do encontro e participou da conversa) (Já estávamos conversando quando a entrevista começou a ser gravada) Ítala: A empresa é Ítala Herta – Relacionamento e Cultura. E aí, pensando muito, porque eu me confrontava muito com essa questão de tipo, dessa profissão que se justifica toda hora e que as pessoas não conseguem entender e na possibilidade de mostrar uma expertise, expertise no sentido de mostrar o quanto é importante o RP cuidar dos públicos de interesse de uma programação cultural, de fazer uma comunicação dirigida, de como é importante a gente pensar e mobilizar e sensibilizar as pessoas pra que, por exemplo, uma vez numa comunidade ou num projeto, tenha uma, um interesse realmente participativo com esses públicos. E aí comecei a cavar isso, construir isso... Maria: Quando foi que você criou essa... 21

A entrevistada permitiu que as informações concedidas fossem utilizadas na pesquisa.

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Ítala: Isso foi em 2013, trabalhar produção cultural e também relações públicas. E aí as coisas foram se desenhando, e aí ao longo dos anos eu fui trabalhando muito isso com projetos pessoas e com parceiros também. Nos últimos dois anos, das experiências mais reais assim que teve realmente assim um retorno redondo efetivo de que um RP é importante, se faz necessário no processo, foi o da Bienal da Bahia que depois de 46 anos a Bienal volta, ocorreu duas, durante o golpe militar, a ditadura, a bienal fechou e ela ressurge depois de 46 anos e esse ano pra fazer a parte de relacionamento comunitário e com o Museu de Arte Moderna da Bahia que era o museu responsável pra realização da bienal. Então lá eu propus um projeto que previa a ideia de expandir o museu para além do museu e ir em comunidade, né, então justamente pensar em trocas de saberes com o museu e essas comunidades, os artistas, os ativistas, enfim. Mesmo porque o Museu está localizado em uma comunidade, tem o entorno que é uma comunidade vulnerável e que não se relaciona, não se sente tão pertencida pelo museu porque eles acham que é um lugar hostil, e é um lugar incrível, perto do mar... Maria: Um lugar de elite Ítala: E o museu feito pela Lina Bo Bardi, uma ideia, um pensamento totalmente inovador, o pensamento dela era justamente de colocar os saberes de forma que uma artista visual, acadêmica produzia uma arte ela colocava um artesão do lado... aí esse meu lado B rolou e encaixou com a Bienal e ai eu propus um mapeamento de artistas. E aí o projeto da Bienal da Bahia foi um projeto inovador porque a Bienal ela queria também ser uma Bienal expandida, ela pretendia ocupar uma série de espaços, não só espaços expositivos, mas espaços em comunidades também, e aí trouxeram essa possibilidade e eu falei: “Olha, antes da obra chegar a gente precisa também chegar na comunidade, tentar entender a comunidade, é um processo...” Enfim, e aí eram muitas comunidades e a gente não tinha fôlego porque eu era sozinha... Maria: Era isso que eu ia falar... Ítala: Eu era sozinha pra mapear tudo isso em pouco tempo. E aí eu resolvi cair pra cinco espaços expositivos que estavam, que tinham comunidades no entorno e desses cinco apenas uma eu resolvi focar que é no subúrbio de Salvador, um lugar que é uma outra Salvador, um lugar invisibilizado, que tem uma precariedade de infraestrutura, de saneamento, de transporte mas ao mesmo tempo é um lugar que tem uma beleza, mas uma beleza invisibilizada também. E lá eu fiz o mapeamento de artistas invisíveis do subúrbio, essa beleza invisível do subúrbio que é um projeto de uma pessoa incrível que você tem que conhecer, que tem um Acervo da Laje, que era um espaço da Bienal também. E aí eu fiquei pensando muito nesse cuidado, como é que a gente vai chegar com essa galera, com essas obras, como é que a gente vai fazer que a comunidade participe e tal. E aí eu comecei a ir no Centro Cultural de Plataforma né, em uma reunião de sensibilização com a gestora, essa gestora a gente conseguiu fazer, organizar um cronograma de ações e a premiação era fazer uma convocatória desses artistas da rede e me interessava pra apresentar o que era a Bienal. A partir disso eu propus esse mapeamento cadastro e o meu objetivo era reconhecer as potencialidades do local pra saber, ai nutrir a curadoria, levar pro curador e falar: “Ó, dentro de isso...” (Nesse momento a entrevistada conversa com Matheus sobre um projeto de memória e a transcrição não foi feita pois não é relevante para a discussão do tema em questão) 113


Ítala: Feito esse mapeamento depois a gente conseguiu construir ações da maneira mais participativa com a comunidade, e isso conseguiu dar um retorno de público, e de aproveitamento do processo bem bacana. Aí acabou a Bienal e eu falei: “Ó, eu comecei esse mapeamento eu quero terminar” e perguntei pro IME (Instituto de Mídia Étnica) se ele tinha interesse em continuar, ele já tinha uma série de cadastros das seleções que eles faziam com jovens, uma série de contatos alí que eles não utilizavam, aí a gente resolver tocar esse projeto de mapeamento de comunicadores comunitários de Salvador e estamos tentando articular uma plataforma livre pra pôr o mapa... Maria: Você já viu o de Fortaleza? Ítala: Não Maria: Olha, você vai curtir Ítala: Mas é de comunicadores? Maria: Não, é de cultura... Ítala: É de cultura, a plataforma é bárbara. E aí a gente tá nisso, nessa construção, só que para além de mapear o Instituto me chamou pra pensar em ações off-line pra ampliar uma rede de comunicadores comunitários dentro dessa casa. Então que que eu faço, eu mobilizo eles e proponho atividades pra eles se reunirem lá e utilizar e se sentirem pertencidos por esse espaço, tentar mobilizar mais a juventude. E aí, enfim, eles têm esse projeto e tem um projeto chamado “Me comunique” que ta em processo de captação, escrevendo os editais pra gente realizar em 2016 pra potencializar essa galera e colocar eles juntos, não só on line... Maria: Sim Ítala: Porque isso faz a diferença Maria: Gente, eu acabei de entrar ali no teatro pra participar de uma discussão Ítala: De mídia? Maria: Não, América Latina: um futuro possível, você tava lá? Ítala: Não, eu tava no de mídia. Maria: Não, esse aí era de política, do cenário geral da América Latina, econômico, político, cultural, e um cara da Bolívia falou um negócio que eu preciso conversar com esse homem... ele falou assim dos corpos, que a gente esqueceu desse contato, que a gente esqueceu que um abraço, um olhar... Ítala: Exatamente Maria: Que essa é a revolução, e ele falou uma palavra indígena que eu anotei aqui em algum lugar que eles trabalham no projeto dele lá, Rai acho que era, que é quando você resgata isso, ele usou um término dizendo que era até irracional, que a academia não entende isso, que é quando nosso corpo sai e através do afeto, do abraço, da empatia a nossa alma volta...

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Ítala: E é o desafio de compensar esse comunicador negro comunitário dentro de um processo diaspórico e dentro de uma ancestralidade também, daquilo que os une, os comuns, o que é essa representativa circunstante dele... Maria: Você trabalha com Milton Santos também? Ítala: Sim... Maria: Então, deixa eu só te explicar rapidinho o trabalho que o NeoCriativa tá fazendo. O NeoCriativa é o Núcleo de Estudos e Observação em Economia Criativa, o professor Juarez é o orientador, e aí a gente vincula as pesquisas de iniciação científica, tem várias todas nessa área, e também temos o projeto de extensão que é levar pra comunidade, de intercambiar com a comunidade né, não levar, não impor... Ítala: Geralmente é assim né, eu tenho o que você precisa. Maria: E é justamente ao contrário, a gente trabalha com a noção de horizontalidade, de diálogo, de planejamento participativo, trazendo pro viés das relações públicas... mas enfim, o Juarez já faz um tempo que fala do mapeamento também, dos APLICs (Arranjos Produtivos Locais Intensos de Cultura), e eles estão espalhados pela cidade, trabalham esse conceito da Economia Criativa que é você ter o potencial de criatividade, que uma matéria prima inesgotável do ser humano, e que ele pode usar isso a favor dele, a favor da cultura dele, da comunidade dele, desse sentimento de pertencimento... E ele manifesta isso através da cultura e do trabalho, ele ganha dinheiro com isso, é cultura e trabalho e isso gera renda pra comunidade e pra cidade. E o nosso foco é trabalhar com a cultura não hegemônica, então é ir pra periferia e mapear esses APLICs e conectá-los porque eles podem trocar conhecimento... Ítala: O que acontecia era que sei lá um não sabia que existia um comunicador... Maria: Sim, e quando eles se encontram é aquilo que o Boliviano falou, e surge isso, essa transformação... o mapeamento é necessário. Ítala: Porque o mapeamento ele vai te dar um conhecimento da realidade Maria: Geopolítica Ítala: Exatamente, você vai ter um diagnóstico e vai conseguir sensibilizar de maneira mais eficiente Maria: Porque você mostra Ítala: Exatamente, tá aqui ó. E outra coisa, quando a gente fala de comunidade, pelo menos assim eu participei agora do Laboratório Iberoamericano de Inovação Cidadã foi aqui durante 17 dias no Rio de um grupo, eu e mais tinha gente da Iberoamérica assim... e esse grupo a ideia era trabalhar comunicação comunitária, a ideia era montar uma rede livre numa comunidade e a comunidade que a gente conseguiu envolver foi a Cidade de Deus tal, enfim, e uma das coisas que eu briguei muito nesse processo com mais outros comunicadores comunitários negros também é que não é que as pessoas as vezes, não é que elas são mal intencionas, mas as vezes a possibilidade de não encarar levar um projeto numa comunidade como levar uma luz, levar uma coisa que é indispensável pra eles, você tem que saber se as pessoas tem interesse primeiro... 115


Maria: Foi lendo Paulo Freire que a gente também chegou nessa metodologia, né, de como se acercar, ainda mais a gente lá no NeoCriativa que estamos na Universidade e as pessoas já olham com esse olhar de que a gente... Ítala: Porque se não fica parecendo que são ratos de laboratório, entendeu? Maria: Nós não temos objeto de estudo, não existe objeto na comunicação, existem pessoas, existem diálogos, trocas... Ítala: E aí milhares de conflitos de interesse, conflitos nas relações, conflitos, enfim... Porque eu me vi numa situação, porque, assim, eu sou de um bairro popular lá de Salvador, sou mulher negra, tem uma série de questões, eu não vou reproduzir... Maria: É o seu repertório Ítala: Exatamente, então eu não vou ser usada pra fazer uma relação com a comunidade, porque a minha contribuição foi de relacionamento comunitário, pra você chegar e testar uma coisa que não rola, cara. Entendeu? Eu sou essa pessoa chata que fala... e aí a gente consegui fazer uma coisa assim que envolvesse jovens, e aí conversei com eles, eles falaram que eles foram num encontro e aí se interessaram pelo protótipo, e a gente começou a construir uma relação, um vínculo, porque o RP ele constrói vínculos, ele se responsabiliza pelas pessoas, pelo público... Matheus: Uma coisa que a gente pensou no nosso TCC também foi que desde o começo a gente queria fugir dessa ideia de ter que encaixar os públicos Maria: Num quadradinho Matheus: Porque tipo assim parece que se a pessoa não estiver, não for de uma organização x ou de uma comunidade x a gente não consegue trabalhar a comunicação praquele público, sabe? Maria: Aquele público não existe Matheus: E o que você tá falando, realmente, trabalhar com as pessoas e as pessoas elas são diversas... Ítala: Exatamente, só pra vocês terem ideia, eu utilizei dentro do, a parte metodológica do meu mapeamento pra Bienal eu utilizei o Fábio França Maria: Porque ele mapeia públicos, né Ítala: Ele mapeia públicos e ele faz aquela coisa de públicos essenciais e eu acabei fazendo um estudo de caso da Bienal da Bahia no subúrbio. Só que eu peguei aquele negócio e deu uma... Eu falei “Ó, Fábio, me desculpe mas eu vou...” E aí? Essenciais e não essenciais? (Conversamos sobre o evento da Bienal da Bahia e sobre assuntos que não tem relação com a discussão desse trabalho) Maria: Então, Ítala, o foco é esse, voltado pra temática da diversidade cultural com o recorte étnico racial, então eu queria que você falasse pra mim como comunicadora, como relações-públicas, como mulher e como negra qual que é a sua compreensão desse universo do racismo estrutural do Brasil, pensando no histórico que o Brasil tem, na 116


tentativa de velamento do racismo e das implicâncias, de tudo que isso tem de consequência na sociedade atual. Ítala: Eu penso assim, dentro da minha trajetória, de mulher negra que trabalha dentro da comunidade, a ideia é a gente estar em alguns lugares né, de permanecer, de ter atuação em alguns circuitos já é uma ação política, por exemplo trazer esse recorte das relações, como RP dentro de um museu pra mim já é uma ação política que faz com que a gente precise realmente compreender que estar nesses lugares é importante pra você desmontar uma série de coisas inclusive tocar em algumas feridas, entendeu? Então eu penso muito que assim a minha atuação profissional ela tem que corresponder aos meus ideais políticos e o meu lugar de fala que é dessa mulher que tem que matar esses dois leões por dia pra se deslocar e conseguir me adequar, digo no sentido, acompanhar o mercado tão agressivo que não é só pra mulher, mas pra mulher negra é mais ainda. Enfim, então todo esse processo de construção de conteúdo, de articulação, de mobilização no campo profissional ele anda lado a lado com essa motivação política, com esse interesse, e isso faz com que eu consiga realmente atingir alguns lugares totalmente elitizados, totalmente centralizados e não participativos, sabe? Acho que dentro de todo esse racismo institucional de Salvador tem realmente hoje, há alguns anos, na verdade há muitos anos, a gente sofre muito com a polícia negra que infelizmente mata jovens negros e as mães desses jovens, enfim, dão conta de todo um não só um trauma psicológico mas de toda uma construção econômica da cidade porque as mulheres negras na Bahia elas são só pra uma série de coisas, no Brasil, né cara. Então eu procuro sempre me alinhar também a essas mulheres, o que elas pensam, as das coisas que ela tão tomando, assim pra nutrir a nossa rede também, pra eu conseguir me descolar com mais força, assim, sabe? Porque é muito difícil você abrir algumas frentes sozinha, então acho que a rede, a comunicação, o uso dela pra mim, disso que a gente tá construindo agora, as coisas que vão se desmembrar, isso pra mim é o lugar que o negro realmente tem que se empoderar dos meios, das formas, do seu fazer, seu modo de fazer tem que tá... Não existe, já tá dito, é o meu modo, você não queira me convencer do seu, você não queira me trazer sua solução porque há muitos anos a gente produz nossas soluções sem precisar de ninguém, entendeu? A gente tava discutindo sobre inovação e falando sobre isso, a inovação na periferia é uma coisa que não existe, você não encontra... Maria: É economia criativa. Ítala: Total, se você for pensar em palafita, se você for pensar em gambiarra, se você pensar no mototaxi, isso é inovação social o problema é que não existe oportunidade pros inovadores, você não conhece, você tem um conteúdo invisibilizado, você não consegue ver que as mulheres estão na tecnologia, que os negros tão na tecnologia, quem são essas pessoas representadas, né, na comunicação, quem fala por mim? Isso me preocupa muito. Essa memória digital que tá sendo construída ao longo desses anos, tem uma memória ruim sobre as mulheres, sobre os jovens, sobre os lugares que eu frequento, então se empoderar disso é justamente construir uma memória de coisas boas, é dizer “Ó, olhe praqui, ela tem uma fala” e não é a fala que você tá falando de mim, é a fala de como eu me sinto aqui, entendeu? O meu compromisso é esse, assim, é uma coisa que, é todo dia um aprendizado, porque ao mesmo tempo que você tem conflito com o homem branco, o pensamento branco, você tem conflito também dentro do seu circuito, a diversidade, não é só porque é negro que é todo mundo igual, entendeu flor? Tem uma série de 117


desdobramentos também que a gente tem que respeitar e aprender a conduzir, com as coisas que estão sendo discutidas na contemporaneidade, com aquele movimento negro que foi um movimento negro que abriu uma frente e que tem anos e como é que a gente se ressignifica, se reinventa, e como é que a gente discute não com os negros, mas com aqueles que realmente devem, não é só com esses né, como é que a gente faz essas fissuras. É mais ou menos isso, eu acho que o conteúdo, a comunicação ela vem justamente pra trazer essa... Maria: Vamos fazer uma ponte, já que você falou da comunicação, você falou eu me preocupo com quem faz essas pautas, na primeira parte do meu trabalho eu fui atrás dessas pautas e eu vi, quer dizer, eu não vi, porque essas pautas não estão lá. Tipo, na minha pesquisa eu queria saber que que tavam falando do mapeamento, do mapa da violência do Brasil, e foi justamente na época que tavam discutindo a maioridade penal no Congresso. E nessa época lançaram uma nova edição do mapa e isso não fui divulgado, tinha assim uma notinha dentro de uma coisinha na Folha de São Paulo, dentro de tudo que eu pesquisei. E isso foi uma coisa né, eu analisei outros e não achei, quanto mais você procura parece que menos você acha, porque realmente existe essa invisibilidade na grande mídia. Então eu queria que você comentasse nesse sentido, dessa invisibilidade na grande mídia e da necessidade de mudar, de ir contra isso. Ítala: Eu trabalho também com comunidades quilombolas né, já mapeei algumas comunidades quilombolas e trabalho como educadora de uma comunidade lá em Salvador, lá na Bahia, em Araças, interior da Bahia. E eu lembro assim, a última aula que eu tive com eles eu fiz questão de levar algumas revistas e alguns jornais pra eles se reconhecerem dentro de alguns processos, na verdade eu pedi pra que eles olhassem essas revistas e recortassem aquilo que tivesse chamado a atenção deles, tanto pra satisfação quanto pra insatisfação, do que os representavam. E tinham jornais e revistas com conteúdo só negro, pra você ter uma ideia a comunidade ela não conhecia a revista Raça, que eu posso dizer também que não, é uma revista legítima... Maria: É da Bahia? Ítala: Não, é uma revista paulista, ela existe há 19 anos, ela trata de assuntos com um recorte negro mas ela é de um branco, entende? E é legítimo, claro, tem conteúdos, trata da estética negra, você tem uma boa capa de revista com uma mulher negra, é um ato político, um homem negro também, e tem um cuidado também de produção de conteúdo. Então eles não conheciam essa revista e quando viram, foi uma reação, você precisava ver o rosto deles assim. E os jornais, aí assim... Maria: E os jornais que você levou eram o que? Ítala: Eram convencionais, um jornal que é um jornal da Bahia chamado Massa, é um jornal que é um caderno, ele é diferente, ele é colorido, ele traz uma linguagem muito mais direcionada pro público da comunidade, né, é um jornal é como se ele fosse um braço de um dos maiores jornais de Salvador, criado pra atender esse público. E esse jornal ele tem também, meninas também, mulheres negras na sua capa, notícias relacionadas a entretenimento, tem uma coluna participativa, ao circuito cultural da periferia e tal. E ele é discriminado por algumas pessoas porque o conteúdo é feio pra algumas pessoas, agride, enfim, essa invisibilidade de tratar alguns conteúdos é isso que 118


eu tô te falando, as pessoas no quilombo falavam ó, quando a gente falava das matérias criminais, que são as que mais tem negros e coisas de, enfim, coisas que ocorrem e ninguém sabe. E as mulheres e as crianças falavam que elas não se viam na propaganda, que elas não se viam na novela, tão cansadas de ver empregadas e outras pessoas negras com os mesmos papéis e que não a representavam, mas aquele é o meio que ela mais consome apesar de não representar, né. Mas ao mesmo tempo você tinha um recorte de alguns anos pra cá, eu acho que o IME (Instituto de Mídia Étnica) acompanhou muito isso, porque o IME começou com uma assinatura que nós vamos denegrir a mídia, nós vamos tornar negra a mídia, e a ideia era justamente aumentar o número de negros em propagandas, eles fizeram campanhas de vinho com negros, campanha de dia dos namorados com negros, e atos políticos na cidade também, esses estudantes. Então a coisa da invisibilidade do negro desse conteúdo direcionado, a comunicação comunitária ela vem suprir isso, ela vem trazer essa narrativa dessa pessoa que está na comunidade, que tem um circuito cultural, que tem, que posta suas fotos, né, da sua beleza, da sua estética... Maria: Que produz conteúdo Ítala: E que vem justamente fazer uma revolução virtual, eu acho assim, se a gente for pensar de alguns anos pra cá, da minha adolescência e pelo que eu tô vendo agora, os jovens que tô vendo aqui, as mulheres que tô vendo aqui, é um novo tempo. Há muito que se avançar, assim, mas muitas coisas mudaram. E esse racismo velado é uma coisa que compromete tanto a nossa saúde mental porque a coisa é tão agressiva as vezes, sabe. Porque você poder falar, porque antes você não falava né, você poder falar o que você tá pensando, isso... Maria: Quando você fala isso entra em um outro ponto que é o racismo midiático, o Muniz Sodré trabalha com essa ideia... Ítala: Ele é bahiano, né? Maria: É... e eles faz vários recortes do que é o Ítala: Tem o Fernando Conceição... Maria: Tem, eu trabalhei com ele também. Ele fez uma pesquisa com a Folha de São Paulo também... e aí o Muniz Sodré ele coloca vários pontos do que é o racismo midiático e um dos que ele coloca é o da ausência de negros nos meios de comunicação Ítala: Em todas as esferas... Maria: Sim, inclusive nas relações públicas. Ítala: Exatamente, porque, por exemplo, a minha pesquisa, eu participo de um grupo de pesquisa na UFBA que é Cultura e Subalternidades e agora eu vou submeter o mestrado e a minha pesquisa de mestrado é justamente tratar de uma marca de roupa que é tida como uma marca de ladrão, que a marca ciclone, é uma marca surfwear carioca que se expandiu no Brasil e que nas propagandas só tem branco mas os principais consumidores são os negros e eles tratam esse público como público desinteressado, entende? Maria: E você quer fazer seu mestrado...

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Ítala: Meu mestrado vai ser, eu vou fazer uma análise do discurso da marca né, só que aí tem uma série de outras questões também que se eu for entrar vai ser uma loucura... mas é justamente isso a marca é conhecida, principalmente na Bahia, tipo um negro que usa ele é ladrão, porque é uma marca pra eles que os ladrões consomem, e ao mesmo tempo você vê jovens comprando essa marca, jovens de periferia comprando essa marca, não só ela, mas outras né, tem uma série de marcas... e fazendo do seu corpo uma mídia, então eu vou tratar essa questão corpo/mídia nesse estilo subalterno... e aí eu como produtora cultural já contatei a ciclone pra patrocinar, apoiar um evento de hip hop e eles disseram que não, a gente não tem interesse, a gente só faz surfwear. Só que lá em Salvador eles se adequaram, eles não colocam fotos de negros mas eles colocam a linguagem. Ciclone é massa, entende? Mas não assume, eles não assumem que é o público negro que consome. E não é só a ciclone, a linha cosmética veio assumir a alguns tempos, começando a criar cremes pros nossos cabelos porque eles perceberam que é um nicho de mercado não porque eles gostam da gente... Maria: Porque vocês consomem. Ítala: Pois é, e nós somos a maioria, entende? E falta, as vezes falta esse despertar também da própria comunidade negra no sentido de compreender que essa maioria tem uma força absurda e se ela conseguir se reunir de uma forma plenamente virtual ela vai conseguir uma série de coisas e foi isso que ocorreu com a Maju, foi a partir dessa comunidade negra, por exemplo aquela jornalista que teve um outro viés... Vocês tem acompanhado né, algumas coisas, então quando a gente traz esses debates pra rede e começa a falar e denunciar, porque é sim crime, e que a gente tá insatisfeito as coisas começam a mudar de lugar, entendeu? Então todo esse racismo midiático que existe ainda ele pode sim ser combatido com essa comunicação, esse empoderamento da comunicação comunitária, de novas tecnologias em comunicação, de uma construção de rede tanto offline como online, dessas potências, porque eu vejo como potências, né. Maria: Desse trabalho de relações públicas... Ítala: Exatamente, se você for pensar por exemplo que você tá fortalecendo um ideal, encontros de professores negros, como esse cara, encontros de comunicadores negros, tudo isso tem desdobramentos incríveis... Maria: Você já ouviu falar do Alma Preta? Ítala: Não Maria: O Alma Preta é um site que surgiu em Bauru, são amigos meus inclusive, e eles se juntaram pra pautar coisas que a mídia hegemônica não pauta... Ítala: Pois é, a gente não tem uma novela, por exemplo, sabe, quer dizer que a gente vai ficar sempre nesse lugar invisível, amador e clandestino, sabe? É questão de representatividade, a partir do momento que eu pego um jornal eu quero ouvir boas notícias minhas também, o que vocês falam todo dia é o seu olhar sobre mim, eu tô cansada disso, eu acho que algumas coisas nem merecem ser mais discutidas, eu não vô ficar falando toda hora pro homem branco que ele é racista, muito pelo contrário, eu quero que ele pense antes de falar porque ele vai ser preso, ele pode até não deixar de ser mas ele vai ter que engolir. E acho que nas redes sociais ao mesmo tempo que a gente tem um 120


mundo, um absurdo, mas a gente começou a entrar na cabeça das pessoas e viu que todo esse racismo velado, esse mito de democracia racial cai por terra a partir do momento que o cara vai lá e te chama de macaco, sei lá, critica seu cabelo, então é a realidade invadindo a virtualidade e mostrando que as coisas não estão bem resolvidas assim que a gente precisa realmente mexer em algo... Maria: E é isso que eu coloco no ponto das organizações, das relações públicas, porque as coisas não estão bem resolvidas na mídia, na sociedade e nas organizações. Porque a gente vai pro micro, né, e eu queria que você comentasse como relações-públicas, quando você vai atuar dentro de uma organização, seja uma organização pública, seja uma organização privada, uma organização comunitária, como é que a gente, como relaçõespúblicas, atua na gestão dessa diversidade, no combate do racismo, no empoderamento negro? Ítala: Pois é, eu sempre penso no seguinte, eu participei agora desse evento que eu falei aqui no Rio e a gente fez o protótipo lá, conhecemos uma galera, tal, no dia da apresentação eu falei assim: “Ó, eu não me sinto confortável de apresentar o resultado desse trabalho sem que a comunidade compareça” E isso foi negociado e foi definido e eu falei pouco e passei o microfone pra eles, isso já é um posicionamento também político, porque é o lugar de fala, como eles tem que contar essa experiência, eu não vou ficar falando por você a vida inteira porque você fala, entendeu? Então a gente tem que ter cuidado com isso, o próprio militante também, o próprio acadêmico, entendeu? Como é que a gente envolve isso. Então dentro desse profissional o que eu sempre faço é isso, quando eu mapeio um público eu procuro enxergar quem são esses âncoras que podem me dar uma força na mobilização, que podem sensibilizar com mais força, não é que ele vai representar mas ele vai fazer uma representatividade, vai fazer um caminho, uma interface com esses públicos de interesse. E eu vou te dizer assim, eu tô falando tudo isso é lindo é maravilhoso, mas o meu projeto, dentro de uma instituição totalmente branca, assim, que a maioria dos meus colegas eram brancos, foi um projeto invisibilizado e depois as pessoas começaram a se atentar, eu comecei a virar uma fonte pra elas mas isso depois de cavar muito, porque eu fazia muito as coisas calada e veio uma outra pessoa sensível que se despertou a isso e eles começaram a entender as coisas bem depois e hoje em dia, a última vez que eu voltei lá, eu lembro da minha ex-chefe ela dizia: “Eu não entendo o que você quer fazer, eu não entendo” Mas ela entendia, ela não queria dizer o que eu estava fazendo era algo... porque as pessoas entendia, as pessoas de fora entendiam e falavam pra ela que era algo massa... e eu lembro que uma vez ela me chamou de menina de comunidade, você que é menina de comunidade você vai ajudar a gente, vem aqui pra você falar de não sei o que... E ela começou a me chamar pras rodas dos curadores pra falar sobre algumas comunidades, que eu comecei a pautar artistas de várias comunidades tão interessantes quanto aqueles que estavam sendo convidados, interessados na Bienal, então diminui essa distância, entendeu? Ficou aqui. Foi o que eu quis fazer e eu corrigia ela em várias coisas, não, menina de comunidade não, eu sou uma profissional eu trabalho com a comunidade, mas essa coisa de chamar os artistas de comunidade de meninos, então vamos pensar em mudar essas nomenclaturas, vamos pensar também que isso não é caridade, se você tá saindo daqui e se deslocando pra ir lá acredite que você está sendo privilegiada porque ele vai te receber lá, ele tá parando uma hora do dia dele pra te receber porque ele tem muita coisa pra fazer e você tem muito a aprender com ele também. Era toda uma pedagogia que tem uma hora que você, se você não tiver uma inteligência 121


emocional, porque ao mesmo tempo você tem que combater com toda aquele racismo velado e com todo esse contorno, se não cai no pessoal, entendeu? E quando cai no pessoal aí ela vai te chamar de vítima, entendeu? Maria: Mais uma vez colocando as vítimas... Ítala: Pois é, porque na verdade o que se quer o tempo inteiro é me colocar no meu lugar de subalternidade e eles não querem me tirar de lá, mesmo sabendo que o projeto pode ser bom, quando eu falo eu, eu falo eles não querem que os negros saiam de lá... Maria: Sim Ítala: Entendeu? Então ele vai achar lindo mas ele não vai dizer: “Que ideia incrível” ele vai “Ah! Legal te conhecer...” e vai falar “A fulana tá fazendo isso” e já tem uma... entende? Incomoda assim. Mas é importante pra mim saber também que eu incomodo, eu acho que aí que tá... Maria: A transformação Ítala: A transformação assim também, e também compreender que tem os outros lados também, porque a partir do momento que você tá numa comunidade você tem que ter os cuidados com a questão da domesticação do artista, a comunidade tem que entender também que não é um favoristismo, tem que ser uma construção porque a gente também tem que ter cuidado com essa indústria. Aqui no Rio de Janeiro eu vi muito isso, que é uma indústria e a gente também tem que entender que não é um lugar de passivo vitimado, eu não tô reclamando porque eu quero seu emprego, eu tô reclamando porque eu sei fazer também isso e você tem que entender que eu sei fazer e ponto. Eu não quero ser melhor que você, entendeu? Então, como RP eu me via muito nesse lugar delicado assim, porque as vezes a comunidade me procurava pra pedir apoio pra comprar um cimento.., Eu não, eu não sou vereadora, eu tô aqui pra construir uma relação, se você quer a gente vai construir, se vocês não quiserem a gente não vai avançar também, então entendam que isso aqui é uma construção, não é uma caridade. Então responsabilizar o outro também pelo seu potencial, eu não posso também ficar achando tudo incrível e não fazer com que as pessoas se sintam no trabalho também de correr atrás de algumas coisas... Essa diversidade, cara, ela é tão delicada, tão delicada, que você não pode descansar. Eu vejo muito assim, porque se não você perde a mão, entendeu? Você vira a menina de comunidade que está passando o telefone sem fio pra gestora branca. E eu não quero ser isso, entendeu? Me reconheçam como profissional, existe toda uma, pra eu explicar pra ela que existe uma metodologia de relações públicas, meu Deus, ela não entendia, mas ela entendia, entendeu? Ela dizia faça, faça, faça, só que teve uma hora que eu comecei a ir por outros caminhos, outros caminhos e parei no lugar que ela já estava, então eu falo ela é uma pessoa incrível mas é uma coisa tão embrenhada que eu acho que nem ela se dava conta Maria: Enraizada... e aí é esse tipo de trabalho, essa provocação, esse incômodo que você causa lá dentro como comunicadora, como negra, como menina da comunidade... Ítala: Porque se a gente for pensar por exemplo assim nos questionamentos que a gente vive ao longo de todos esses anos nesse momento crítico, pelo menos eu acho que é uma tendência de mercado, tanto do entretenimento, de ação publicitária, eu penso muito em 122


ações de evento de relacionamento, pensar em ações pra construção de redes, pelo menos esse serviço que me interessa oferecer e as vezes eu fico pensando, cara, as vezes eu faço produção executiva de show, tem projetos que as vezes quer cair pra comunidade, são projetos grandes, e na hora não chega antes pra conversar aí reclama porque foi assaltado, reclama porque teve um boicote de tal coisa, mas você chegou como, amigo? Você conversou com alguém? Você chamou a galera que vende lá pra vender lá ou você disse, não, a sua empresa vai vender? Se você não quer que ninguém poste nada depois, porque o seu cliente foi assaltado, dane-se, sacou? É, assim, as coisas são assim. Então, quando eu tô do outro lado também, apesar de ter uma série de contradições e conflitos, mas é um lugar de poder, empreender também. Eu fico pensando por exemplo que a galera quer construir as coisas nesse espaço, não traz a participação, quando rola os boicotes reclamam, não quer que seja divulgado, né, quando acontece qualquer merda, e continua invisibilizando e não dá mais, é uma bomba relógio, não dá mais. Não dá mais pra ficar dizendo que não existe as coisas, ela tão escondidas, entendeu? Maria: E elas estão aparecendo... Ítala: Exato, e se as empresas não se atentarem, já construir projeto na Boca do Rio, no Bate Facho, que a comunidade ela tá espremida por um bairro que foi planejado e o bairro da Boca do Rio, que é meu bairro de origem, ela fico no meio de um, era um rio, né, que se transformou em valão e a gente fez uma ação cultural durante o 2 de fevereiro que é a festa de Iemanjá, eu fui produtora, captadora de serviço desse projeto, só que aí, como produtora, quando eu cheguei lá me chamaram pra fazer eu falei beleza, vamos ver quem tá no entorno do Bate Facho, a gente precisava de recursos, e tinha algumas instituições, a Embasa , que é uma empresa de água e saneamento lá de Salvador passava gás pela comunidade e que por lei ela tinha que oferecer uma contra partida ambiental e cultural, só que isso não é reativado já muito tempo, entendeu? Ela fazia trabalhos pontuais, ao mesmo tempo tinha a Odebresht, tinha uma universidade, tinha um entorno espremendo a comunidade e eu tive que dizer pra comunidade: “Gente, é o seguinte, tão pensionando” As vezes a gente vai ter que pensionar pra precisar de dinheiro... o lugar é perigoso, a universidade reclama que os alunos são assaltados, porque as pessoas fazem um percurso pra ir pra universidade que eu estudava que passava pelo bairro Bate Facha, já tinha aluno que meu Deus do céu saia de dentro do carro parecia que ia voar pra dentro da universidade porque tinha medo de ser roubado. Mas tinha medo de ser roubado mas você não se faz conhecido nesse lugar, você passa e não dá bom dia, cara, entendeu? Você não habita o lugar, você não se relaciona, você invisibiliza esse público, a universidade sabe que tem uma comunidade do lado e não faz um projeto de extensão lá. E isso quer que pare a onde? Aí quando o cara vem assaltar, Ah, vem assaltar, vamos tratar disso? É sério, então eu acho ótimo que algumas coisas aconteçam pra dizer, essa maneira de assaltar é dizer “Ó, eu estou aqui, viu? Você tá passando pela minha rua todo dia, fique atento porque eu estou aqui” Entendeu? E a galera não entende isso. E aí rolou, a gente conseguiu o apoio da Embasa, apresentou a proposta, eles conseguiram financia a ação cultural, enfim, com uma galera, os artistas de lá, foi massa, eu queria dar continuidade mas com um recorte na área de responsabilidade social a Embasa também tinha interesse mas o artista que ele chamou não tinha tanto interesse, queria fazer uma coisa muito mais entretenimento eu falei “Ó, meu interesse é muito mais esse aqui se você quiser eu faço, se não...” Enfim, é só uma coisa pontual pra dizer que as vezes o RP, porque também vai ter muito conflito se você quiser ir por esse caminho porque se uma empresa te contratar, 123


tipo uma Vale da vida, ela vai implementar uma das unidades dela lá e você vai dizer, vai chegar pra comunidade e vai fazer uma série de discursos bonitinhos, vai adorar as crianças que estão lá e vai dizer “Gente, tudo isso aconteceu mas vai passar agora um trator aqui e vocês vão ter que sair” porque eles vão te contratar pra isso mesmo. Maria: Mas é aí que entra eu acho os nossos valores Ítala: Pois é, a ética, então eu pago um preço também por algumas escolhas, entendeu? Eu pago o preço por algumas escolhas, tipo, de não querer ser essa pessoa, entendeu? E ou então se estiver lá pensar em um outro caminho Maria: Outra estratégia Ítala: Porque a gente tem que tá lá também Maria: Meu professor de ética falava isso... ele provocava, colocava um discurso revolucionário e depois falava: “Mas é lá, nas empresas...” Ítala: Exatamente, é na fissura. Como é que eu ia chamar 15 comunicadores negros de periferia pra se reunir dentro do Museu de Arte Moderna da Bahia, um lugar que a maioria deles nunca foram, colocar uma mesa no meio, apresentar as suas atuações pros curadores, se eu não estivesse lá? Entende? Porque quando eu falo desse lugar do subalterno é porque esse outro quer que eu não esteja, ele quer me acionar quando ele precisar, só que quando ele me acionar eu vou dizer: “Não, amigo, quem precisa de mim é você” Entendeu? Então tem um jogo político aí muito complicado que eu fico toda hora reforçando na minha cabeça, porque tem hora também que você tem que ser profissional aqui, tem uma demanda aqui... é osso, mas é isso. Maria: Só pra ficar gravado aqui fala teu nome inteiro, onde você se formou e há quanto tempo você tá fazendo seu trabalho de relações públicas. Ítala: Meu nome é Ítala Herta eu me formei na Faculdade de Salvador eu trabalho com cultura e comunidade desde os 15 anos de idade, comecei de maneira voluntária no meu bairro, se expandiu na minha cidade e eu resolvi empreender aos 24, tô com 28, e hoje eu presto consultoria pra algumas organizações, trabalho com educação também em quilombo e faço alguns projetos pessoais com esse negócio de comunicação e cultura também e... Maria: E o IME Ítala: O Instituto de Mídia Étnica também que é um grande parceiro também, eu sou cria do Instituto, porque eu participei de formações também, o Instituto existe há 10 anos, o Instituto tem o foco muito na parte de comunicação, inovação e empreendedorismo então a gente compreende também que o lugar do empreendedorismo social é importante pro empoderamento e potencializar uma série de coisas, tem projetos tanto na parte do jovem empreendedor cultural, tem o VOJO que eu vou deixar uma cartilha pra vocês, que é uma tecnologia social de enviar conteúdos pra internet por meio de um celular analógico, isso pode ser empoderado por qualquer comunidade, se você tiver interesse da gente fazer uma oficina lá a gente pode ir, tem um cooworking só com empreendedores negros, tem o Portal Correio Nagô que já foi premiado, enfim, é um Portal que trata só com informação com foco em conteúdo negro tem o Emerge Salvador que é o mapeamento 124


também de uma norteamericana que é parceira sobre o empreendedorismo de Salvador, tem o AfroHack que trabalha a questão das tecnologias, intercâmbios entre comunicadores comunitários, tem uma série de coisas. A casa do Mídia Étnica fica em Salvador, ela foi inaugurada oficialmente de 21 de novembro desse ano mas a gente já tá há alguns meses lá, essa casa pretende... Maria: É um ponto de cultura? Ítala: É um ponto, se transformou agora com o edital, a gente ganhou o edital “Mídias livres” nacional, ficamos em décimo lugar e agora vai se transformar em um ponto de cultura e é um lugar que você tem toda a parte editorial da redação do Correio Nagô, você tem o ambiente Hack, você tem uma cozinha aberta, uma residência... Maria: Que massa, eu quero ir pra Salvador! Ítala: Você tem que ir!

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