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CARACH ANGREN

Nuno e CSA – Saudações, Clemens/Ardek! Obrigado pelo teu tempo. Ardek – Saudações. É um prazer!

Nuno – Passaram três anos sobre «Dance and Laugh Amongst the Rotten». Como é estar de volta? É bom estar de volta e apresentar o nosso sexto álbum intitulado «Franckensteina Strataemontanus». Tirámos algum tempo extra para planear e pôr de pé este álbum depois de termos viajado durante muito tempo pelo mundo inteiro.

Nuno – Ao longo dos anos, estabeleceram uma ligação forte com Portugal e os vossos fãs portugueses. Que recordações tens das vossas presenças em aqui e como nasceu esta relação? De facto, sempre tivemos um grupo de fãs entusiástico em Portugal e gostámos imenso de ir aí para espalhar o horror. Começámos por atuar no Vagos Metal Fest e foi uma experiência fantástica. Encontrámos muitos fãs dedicados aí e o apoio que recebemos tornou possível o nosso regresso e fazermos concertos em clubes durante as nossas digressões europeias. Esperamos regressar assim que for possível voltar a fazer digressões!

Nuno – «Franckensteina Strataemontanus» foi o vosso último lançamento com o Namtar na bateria. Estavam à espera de ele quisesse sair? Ele afirmou que estava descontente com a indústria musical. Não nos apercebemos de que ele estava prestes a tomar essa decisão, mas agora a situação começa a fazer sentido. Ele tomou essa decisão depois de ter gravado a bateria e quando começaram a aparecer novas oportunidades para fazermos digressões. Parece que foi isso que despoletou a sua decisão que foi comunicada em novembro. Mas foi realmente inesperado.

CSA – E como vês a partida do teu irmão e colega de banda Ivo/ Namtar? Nuno – Já têm um substituto para ele? De que forma poderá essa mudança afetar o som de Carach Angren? Bem, foi muito triste e conversámos muito para tentarmos encontrar uma solução ou uma forma de evitar que ele tomasse essa decisão. Mas logo do início ficou muito claro que ele queria mesmo sair e nós respeitámos a sua decisão. O Seregor e eu queríamos muito manter Carach Angren, sobretudo porque estávamos muito entusiasmados com o álbum que íamos lançar. Decidimos procurar um novo baterista e encontrámos o Michiel van der Plicht, que é um músico incrível e uma grande personalidade. Foi fantástico nos nossos concertos no 70.000 Tons of Metal. Com ele e com o Bastiaan Bohn na guitarra nos concertos, estamos ansiosos por voltar aos palcos!

Nuno – O álbum inspira-se em Conrad Dippel. Como é que esta ideia nasceu e qual era o desafio a enfrentar desta vez? Tanto eu como o Seregor já andávamos há um tempo a pensar no tema de Frankenstein, mas ainda não tínhamos encontrado uma boa forma de abordar essa história com Carach. Em dezembro de 2017, eu comecei a trabalhar em música nova e uma noite tive um pesadelo. No meu sonho, estava a flutuar através de uma casa velha que parecia datar de uma época clássica. Tinha todo o tipo de ornamentos e decorações. Ouvia sons de piano dissonantes, corria água e, de repente, fui puxado em direção a um quadro, onde se via o retrato de um homem velho e zangado. Depois despertei. Desenhei a cara que tinha visto e tentei recuperar as notas de piano que tinha ouvido. Depois esqueci-me daquilo tudo. Nos meses que se seguiram, decidi ler a versão original de Frankenstein, da autoria de Mary Shelley e fiquei arrebatado por essa obra. A profundidade, o detalhe e a viagem emocional retratada apanharamme desprevenido. Portanto, decidi investigar mais sobre o assunto e deparei-me com uma teoria segundo a qual Mary Shelley tinha sido inspirada por um homem chamado Johan Conrad Dippel, um alquimista que vivia na Alemanha, no castelo Frankenstein. Era muito conhecido por fazer experiências com cadáveres e também por ter uma visão crítica da religião. Por esse motivo, teve de fugir várias vezes para diferentes países. Durante as minhas pesquisas, encontrei um retrato de Dippel e vi que se parecia muito com o homem que eu tinha visto no meu sonho. Foi nessa altura que comecei a sentir-me pessoalmente motivado pelo tema. Precisava de estabelecer uma conexão pessoal com o tema. Aprofundei a minha investigação lendo livros, visitando museus de medicina, etc. O Seregor era um grande fã do filme original sobre Frankenstein, que viu quando era miúdo. Portanto, a partir desse momento, começámos a fazer experimentar e, pouco a pouco, construímos o álbum que lançámos agora. A história combina factos históricos e ficção. A ideia de base é que Dippel queria tornar-se imortal e tentou criar um elixir que lhe permitisse atingir esse objetivo. O álbum começa com a história fictícia de um rapaz que andava a brincar nos bosques perto de Darmstadt. Na minha cabeça, isto passava-se nos anos 1980. O rapaz fica doente depois de regressar da floresta, morre pouco depois e os pais enterram-no. Depois ele regressa da tumba e come a sua família. Isto corresponde à intro e à primeira faixa. Por conseguinte, é uma introdução semelhante à de «Death came through a Phantom Ship». Nas faixas seguintes, entras no mundo interior de Dippel, das suas experiências e do seu laboratório (“Franckensteina Strataemontanus” e “The Necromancer”). Em “Sewn for Solitude”, penetramos no mundo interior de uma das criaturas de Dippel, um monstro que tem de se esconder na floresta. Assim levanta-se a questão de saber quem

“O Seregor e eu queríamos muito manter Carach Angren, sobretudo porque estávamos muito entusiasmados com o álbum que íamos lançar. Decidimos procurar um novo baterista […]

é responsável pelo sofrimento. O monstro, o seu criador ou ambos? Na faixa “Operation Compass”, saltamos para a II Guerra Mundial e encontramo-nos no Norte de África. Descobri que Dippel tinha inventado um óleo chamado “óleo de osso”, que era feito de ossos de animais e cheirava muito mal. As forças britânicas tinham recebido instruções para usar esse óleo para envenenar os poços em caso de retirada. Encontrei esta informação em documentos oficiais do governo, portanto isto é informação factual. Fiquei fascinado por ela, porque isso significava que algo que Dippel tinha criado há séculos era usado como arma química. Na canção, aprofundámos esta ideia imaginando que os poços tinham sido envenenados e que isso tinha libertado as forças demoníacas de Dippel que ressuscitavam soldados mortos e encarnavam neles,

numa espécie de orgia de zombies. Depois seguimos para “Monster”, uma faixa que levanta o problema de qual é a verdadeira essência de um monstro, fazendo o ouvinte pensar nessa questão. “Der Vampir von Nürnberg” resultou da investigação feita pelo Seregor e conta a história de Kuno Hofmann, que foi condenado por ter matado duas pessoas há várias décadas. Acusaram-no de ter tido relações sexuais com cadáveres e de ter bebido o seu sangue. Relacionámos esta história com Dippel dizendo que ele tinha sido inspirado pelos seus escritos. Depois, regressamos ao laboratório de Dippel e às suas experiências. Ele consegue criar o elixir da vida, bebe-o e torna-se imortal. Mas há um problema: o seu corpo continua a corromper-se, logo a sua alma imortal fica presa na sua carne apodrecida. A única forma de escapar é invadir um corpo vivo. E assim ligamos a última canção à primeira. Dippel invadiu o corpo do rapaz e foi por isso que ele morreu e regressou da tumba. Portanto, as faixas que abrem o álbum acabam por ser as últimas da história e constituem um fim aberto.

CSA – E de que forma tiveste em conta o romance “Frankenstein” de Mary Shelley? Pareceu-me que muitos dos elementos do livro nunca chegaram à cultura moderna. Estou a pensar, por exemplo, na inteligência emocional da criatura, que se vai expandindo. Geralmente, o monstro é apresentado como um ser estúpido, desprovido de inteligência, mas eu fiquei mesmo fascinado com a entidade que aparece no livro de Shelley. Consegues compreender o que ele sofre e ela apresenta-o como muito vivo em todos os aspetos. As suas capacidades introspetivas estavam muito desenvolvidas. Apresentei esta ideia em “Sewn for Solitude”. Essa canção é provavelmente a que está mais diretamente relacionada com o material original do livro e, portanto, é uma espécie de homenagem a ele.

CSA – Foram influenciados por algum filme sobre este tema? Seregor é fã do filme original sobre Frankenstein. Viu-o quando era um miúdo e cresceu com ele. Foi para ele uma memória pesada e antiga. Por conseguinte, isto exerceu uma grande influência sobre ele enquanto estava a trabalhar neste álbum. Para mim, a maior influência foi o romance de Mary Shelley. Fez nascer imagens na minha mente que me foram levando a criar melodias incessantemente.

CSA – A capa do álbum de Stefan Heilemann/Heilemania é adequadamente sinistra. Podes contar-nos como foi concebida? Heilemann é um fotógrafo e designer extremamente talentoso. Eu senti que ele estava no

momento ideal para criar este artwork. Assim, enviei-lhe um mail em outubro do ano passado com a história concetual do álbum e ele teve logo uma série de ideias para a capa e o booklet. Ficámos imediatamente fascinados e vimos que não podíamos ter escolhido melhor para este álbum. CSA – Também têm fotos promocionais fantásticas (nomeadamente aquela em que vocês estar a operar um cadáver). Quem as fez e como as fizeram? Fizemos algumas fotos promocionais no castelo Frankenstein, na Alemanha. O castelo estava rodeado por uma névoa diáfana e essas fotos ficaram fantásticas. A foto de que falas foi também uma ideia de Heilemann. Ele tinha comprado algum gin tónico e luzes negras. Acontece que a tónica brilha no escuro, quando a expões a luz negra. Portanto, decidimos fazer algumas fotos experimentais usando esse processo. Mais uma excelente ideia!

CSA – Que papel desempenham os teus estudos musicais na composição da música de Carach Angren? Pode ser um cliché, mas eu acho que nunca devíamos parar de estudar. Tive a sorte de ter tido muitas aulas de teclados e de teoria musical, quando era criança. Isso acabou por ser importante. Quanto mais aperfeiçoas o domínio de um instrumento, mais fácil é criar música. Mas há um problema. Um bom domínio da teoria não

“Tanto eu como o Seregor já andávamos há um tempo a pensar no tema de Frankenstein, mas ainda não tínhamos encontrado uma boa forma de abordar essa história […]

te faz criar boa música. Conheço pessoas que não sabem nada de música e que fazem música fantástica e outras que sabem tudo sobre teoria musical e que não conseguem compor nada. No meu processo criativo pessoal, há momentos em que quero mesmo esquecer a teoria musical. Quando quero criar uma grande melodia, que seja mesmo memorável, não me apetece nada pensar nisso. Limito-me a sentar-me ao piano ou a trauteá-la mentalmente. A ausência de atividade mental ou racional é a melhor forma de criar algo interessante. Depois a teoria pode ajudar, quando se trata de fazer os arranjos, mas mesmo nessa altura não estou a pensar nela de forma consciente. É como um instrumento invisível. O que eu gosto mesmo de fazer é estudar o trabalho de outros. Costumo ouvir produções ou ler pautas. Aprendes sempre algo automaticamente, tiras sempre algo desse estudo. No fim contas, o que conta para nós é o som e a qualidade emotiva das canções e da história.

CSA –Por falar de música, como aconteceu a colaboração do violinista Nikos Mavridis? O Nikos foi-nos apresentado, quando estávamos a gravar com o Patrick Damiani no seu Tidal Wave Studio, na Alemanha, para o álbum intitulado «Lammendam». Tínhamos acabado de assinar contrato com a Maddening Media, dirigida pelo Philip Breuer, em 2007. O Patrick tinha acabado de ouvir umas partes de cordas que eu tinha criado nos teclados e disseme que conhecia um músico que vivia em Karlsruhe que fazia belos solos de violino. Telefonou-lhe e ele gravou partes de “Invisible Physic Entity” e “A Strange Presence Near The Woods”. Foi fenomenal e ficámos amigos desde essa altura. Assim, quando preciso de alguém para tocar solos de violina ou viola, conto com ele.

Nuno – Sentiram alguma pressão relativamente a este lançamento (sobretudo depois do sucesso de «Dance and Laugh»)? Sim. Há sempre alguma pressão. Principalmente, depois de cinco álbuns que as pessoas parecem apreciar. Há sempre esta “página em branco” para a qual tu olhas no início do ciclo de composição de um novo álbum. Sentimos que precisávamos de mais tempo para criar este, por isso demorou mais tempo a sair, mas parece que valeu a pena. O truque é fazeres de conta que é o teu primeiro álbum de sempre. Isto não é fácil, porque tens de procurar ativamente novas energias e inspiração. Quando gravas um álbum pela primeira vez na tua vida, é automaticamente uma coisa excitante e isso enchete de energia e paixão. Depois de muitos álbuns, tens de ter cuidado, para a coisa não se converter numa rotina. É por isso que eu, por exemplo, gastei algum tempo para investigar sobre o tema. Tive de ler livros, de visitar museus, de tentar ficar inspirado para ter uma nova visão. Mas penso que, no fim, correu tudo bem e valeu a pena o investimento.

CSA – Será que o COVID 19 vai inspirar o vosso próximo álbum? E tornar mais difícil a promoção deste magnífico álbum? As coisas não se passam assim. O que é estranho é que, de certa forma, este tema do COVID está relacionado com o álbum. Podia ser uma das invenções retorcidas de Dippel, mas está a acontecer de verdade, o que é um tanto assustador. Tínhamos precisamente acabado de compor e gravar o álbum, quando esta coisa apareceu. Tenho evitado ter uma visão egocêntrica desta questão mundial ligada a mim e à banda. Está a afetar toda a gente e muitas pessoas de forma muito direta. Temo-nos adaptado às circunstâncias e promovido o álbum da melhor forma possível. Tivemos de adiar o processo um bocado, mas estávamos tão excitados que o queríamos lançar tão cedo quanto possível. Obrigado pela entrevista. Estamos ansiosos por regressar a Portugal!

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