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GARAGE POWER A CONSTANT STORM

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PALETES DE METAL

PALETES DE METAL

GARAGE POWER

Uma tempestade musical

Daniel Laureano é a face do projecto A Constant Storm e, tal como indica o título, responsável pela tempestade creativa, sem limites ou géneros musicais. O Black/Death Metal de «Storm Alive» não passa, agora, de uma miragem e a evolução faz-se com novas influências e novas energias.

Entrevista: Eduardo Ramalhadeiro & Ivo Broncas

Eduardo & Ivo - Antes de mais espero que esteja tudo bem contigo e com aqueles que te estão mais próximos. Igualmente. Antes de mais, um enorme obrigado pelo convite e pelo interesse no projecto!

E - Uma pergunta que costuma ser da praxe: Quem são os A Constant Storm? Mais do que um projecto que já leva cerca de 7 anos de história e uma presença considerável no nosso meio musical, A Constant Storm é uma extensão da minha própria personalidade enquanto artista – representa as diferentes facetas de mim mesmo como criador de música, fotografia, vídeo ou qualquer outro tipo de arte que vou criando e acaba por ser uma extensão da minha pessoa. Essencialmente, A Constant Storm = Daniel Laureano.

E - Como é que te defines como músico e como defines a tua música? Julgo que a melhor maneira de definir a minha música é precisamente através da rejeição de limites impostos por géneros, estilos e/ou tendências. O meu objectivo primordial passa sempre por inovar o máximo possível, misturando ideias que vou buscar ao meu leque de influências, de Goth Rock a Black Metal ou de Reggae a Ambient, entre outros, e sempre visando fazer música que, antes de tudo o resto, me agrade e me pareça interessante. Isto não quer dizer, no entanto, que eu rejeite a capacidade de enquadrar os álbuns que fiz até hoje em certos campos, uma vez que é impossível fugir a 100% das etiquetas… Em suma, diria que o objectivo passa por não permitir que os géneros musicais limitem a minha criação, mas sinto que também é importante estar ciente dos locais de onde as ideias surgem. É importante saber o que é que fui ‘roubar’ aos Rotting Christ ou à Chelsea Wolfe, até para evitar fazer rip-offs demasiado evidentes!

E - Formaste os A Constant Storm em 2013 e, entretanto, já lançaste dois álbuns. Como é que está a ser o caminho desde o nascimento até 2020? Com franqueza, muito gratificante. Em 2013 tinha 18 anos de idade e criei este projecto como uma espécie de caixa de areia onde teria liberdade para explorar a música de uma maneira livre e sem amarras, agulhando o percurso por onde me parecesse bem e sem ter de

“Julgo que a melhor maneira de definir a minha música é precisamente através da rejeição de limites impostos por géneros, estilos e/ou tendências.

dar satisfações a ninguém. Dá-me muito gosto verificar que hoje, ao cabo de 7 anos, dois LP’s, um EP e um Live-EP, continuo com o mesmo entusiasmo por este projecto, senão mesmo mais do que nunca.

E - Julgo que ainda não tens editora – estás a desenvolver algum tipo de esforço ou contactos para que possas assinar um contracto discográfico? Efetivamente não tenho editora e é, em parte, por escolha própria, uma vez que durante a história do projecto já recebi algumas propostas, sendo que um bom número delas até surgiu na resposta a contactos que fiz antes de lançar o Lava Empire. Acabei por não aceitar nenhuma, uma vez que os negócios propostos foram todos bastante desvantajosos do ponto de vista financeiro. Além do mais, nunca consegui deixar de sentir que ao encetar relação com alguma das editoras em questão existiriam muitas pressões para que me fosse direcionando cada vez mais para um género musical mais específico e conservador. Ora, isso é o exato oposto da essência daquilo que sempre quis fazer com A Constant Storm.

I - Dado as bem evidentes dificuldades em conseguir contractos discográficos, achas que é possível viver da música em Portugal? Enquadrando a questão neste meio de música mais negra (metal/dark rock/goth, etc.) onde nos inserimos, parece-me extremamente improvável, senão mesmo virtualmente impossível. Basta verificar a distância que existe entre os Moonspell e todas as outras bandas deste universo no nosso país para nos apercebemos das extremas dificuldades em singrar financeiramente. Devo dizer que penso que isto também traz vantagens, sobretudo do ponto de vista criativo: se faço música por paixão e não dependo dela para sobreviver, posso fazer rigorosamente o que me apetecer e tomar todas as decisões exclusivamente pensando na minha satisfação artística, na vez de me preocupar com a aceitação que os meus trabalhos podem, ou não, ter.

E - Conta-nos um pouco mais sobre o vosso mais recente álbum - «Lava Empire». Musicalmente e estruturalmente mudaste alguma(s) coisa(s) relativamente ao EP «Storm Born» e ao álbum «Storm Alive»? Logo à partida, o disco é bastante menos virado para o Metal do que o Storm Alive, que a meu ver cabe claramente no rótulo Black/Death Metal, com algumas influências fora da caixa mas menos do que aquilo que gostaria – é um bom disco, que me faz recordar com saudade os tempos de 2016, mas com o qual já não me identifico tanto hoje em dia. Isto não foi tanto uma escolha consciente, contudo, senão o seguir de uma tendência que fui notando cada vez mais, uma que me parece bastante natural: ouço Metal desde os meus 11 anos de idade e foi, sem qualquer dúvida, o género que me fez apaixonar pela música e querer ser músico, mas com o passar dos anos fui descobrindo outras coisas que me fizeram crescer cada vez mais como ouvinte de música. Ao crescer cada vez mais como ouvinte de música também fui crescendo cada vez mais como criador e a exploração de novos campos tornou-se uma inevitabilidade.

E - Os A Constant Storm são um projecto só teu onde tocas todos os instrumentos – porque é que (ainda) não tentaste formar uma banda com mais pessoal? Sendo A Constant Storm uma extensão de mim mesmo, sinto que não faz sentido abrir o espaço criativo a qualquer outra pessoa. Isto não significa, porém, que não seja útil ir mostrando as coisas que vou compondo a amigos e outros músicos, para escutar os seus conselhos e eventualmente fazer mudanças que melhorem os temas. Isto é, de resto, algo que gosto muito de fazer. Apesar de preferir criar música sozinho, sou um bom teamworker para todo o tipo de trabalho adjacente, como divulgação, comunicação e organização de eventos, algo que deixa em aberto a possibilidade de

um dia, se decidir dar concertos Como aludi numa das perguntas Basta verificar a distância que existe entre os Moonspell e todas as outras bandas deste universo no nosso país “ para nos apercebemos das extremas dificuldades em singrar financeiramente. com o projecto, encontrar um anteriores, o meu espectro de grupo de pessoas que se tornem na influências é enorme e está em minha banda de apoio, à imagem constante expansão. Ainda assim, de algo do estilo Nick Cave & The é inegável que tenho uma clara Bad Seeds, por exemplo. Talvez A preferência por música mais escura Constant Storm & The… Ensemble e intensa: Darkwave, Goth Rock, of Lizards? Quem sabe! Post-Punk, Martial Industrial, Dark Devo dizer, ainda assim, que a Folk, mas também Black Metal, perspetiva de dar concertos, pelo Post e Sludge, Death-Doom… menos por agora, não me agrada Em termos de artistas costumo particularmente: Para mim, repetir mencionar nomes como Dead Can temas ao vivo é muito menos Dance, Ulver, Sopor Aeternus, interessante do que o próprio David Bowie, Paradise Lost ou processo criativo. Samael, entre muitos, muitos outros… No contexto específico E - Na minha mui modesta e do Lava Empire, juntamente com humilde opinião: gostei do que todos os que referi anteriormente, ouvi, um álbum independente, noto muito a presença de ideias muito diversificado, energético, que fui buscar a bandas como King pesado, melódico e… inteligente… Crimson, pelas texturas sonoras e julgo que é correcto pensar que diferentes que tentei incluir no A Constant Storm é um projecto disco; Queen, por alguma da em constante evolução. Além teatralidade presente; Fields of disso, não centras a tua música the Nephilim ou The Sisters of num só estilo. Mercy pelos piscares de olho - Podes-nos falar um pouco das ao rock apocalíptico de temas tuas influências musicais e de que como a “Hollow Days”; Daemonia forma se fazem sentir em «Lava Nymphe, Irfan e Into the Abyss Empire»? nos toques étnicos de músicas - Falando um pouco na tal como a “Pyramid at Sunset” ou a dita evolução e, sem beliscar “Babylonian Complex”; Katatonia minimamente o teu trabalho nas harmonias vocais e Billie Eilish como músico, não achas que essa nos sussurros com melodia em evolução poderia ser diferente se músicas como a “Blood Moon”, tivesses a contribuição de mais entre outras. músicos na banda? Ou é tua ideia Abordando a última parte da manter este projecto para sempre pergunta, se penso que a evolução como “one man band”? seria diferente se compusesse com Antes de mais, muito obrigado mais pessoas? Definitivamente. pela avaliação elogiosa. Fico muito Não sei é se seria algo que me contente por saber que o disco agradaria, uma vez que sempre continua a suscitar esse tipo de quis que a obra deste projeto reacção positiva em quem o ouve! construísse um mosaico daquilo que eram as minhas influências e ideias em cada passo da minha vida – e se possível gostava de morrer ainda a criar, como o David Bowie! Em suma, penso que A Constant Storm está muito bem sem mãos externas, até porque há outras bandas e projectos nos quais poderei vir a entrar no futuro e nas quais poderei criar música juntamente com outros.

E - O pináculo desta diversidade é o tema que encerra o disco – “Glory to the Sun” – não é o melhor nem o pior, é diferente. Podes falar um pouco mais sobre este tema acústico e melódico que encerra o álbum? Confesso que é um dos meus favoritos, sobretudo pela maneira como fecha o disco com chave d’Ouro, tanto musicalmente como em termos temáticos. Sem me querer alongar demasiado nesta segunda parte, uma vez que ainda vou abordar a temática lírica do disco em maior detalhe mais à frente, a “Glory To The Sun” representa o final da jornada que o explorador do império fez ao longo das 9 anteriores e, justamente, o figurativo pináculo do templo. Musicalmente tem um tom muito bright e de exaltação, em contraste direto com a “Pinnnboard”, faixa anterior e que denota o momento emocional mais negro de toda a história. Para revelar um dos easter eggs que incluí no disco, aquele gongo no final da faixa lembra-vos algo? Trata-se de uma referência direta à Bohemian Rhapsody, dos Queen - Também ela uma faixa cuja temática lírica lida com temas de aceitação pessoal e exaltação pós-dificuldades e também ela uma faixa que (virtualmente) fecha o álbum em que se insere.

I - Já falamos na diversidade de estilos que a tua música abarca e nas tuas influências musicais. Ao compores as canções, há esse cuidado bem pensado e estruturado para incluíres vários estilos dentro do mesmo tema, ou isso é algo que vem naturalmente?

É uma ótima pergunta, se bem que não tenho uma resposta muito definida para dar, uma vez que acho que aquilo que acaba por acontecer é uma espécie de mistura entre pensamento e inspiração momentânea: misturar vários estilos diferentes é algo que é inerente ao projecto e, como tal, tem muita influência nas decisões que acabo por tomar, mas ao mesmo tempo todas elas nascem de exploração sem rédeas. A título de exemplo posso mencionar a faixa “Atlantis”, cuja melodia principal me veio à mente quando tentei explorar algo tão vago como ‘música que soe a água’, misturando depois alguma soundscape abstrata que representasse as ondas do oceano e pautando tudo com baixo e apontamentos rítmicos de free jazz, ou a “Pinnnboard”, que nasceu da mistura entre uma nursery rhyme infantil com riffs inspirados em Post/Sludge Metal, muito ao estilo dos Amenra – uma influência que à primeira vista pode ser menos evidente mas que está muito presente no meu imaginário musical.

E - Reparei que há alguns convidados: Como é que surgiu esta ideia e oportunidade de contares com estas contribuições? Logo à partida, o convidado de luxo foi o Pedro Quelhas, um grande amigo e à data ainda companheiro de banda nos Moonshade, que tratou de todo o lado da produção, gravação e masterização do disco, mas que também fez algumas orquestrações e mapeamento de bateria adicional. A nossa colaboração nasceu da amizade e histórico de trabalho que temos como músicos, mas também da minha admiração pelo seu trabalho neste lado mais técnico da música, considerando-o mesmo um dos grandes produtores da nossa cena. Do lado da performance vocal, tive a ajuda do Ricardo Pereira e da Inês Rento, minha prima e com quem partilho uma relação praticamente fraternal, devido a termos passado grandes períodos da nossa infância e adolescência juntos. Ela é uma cantora excelente e penso que os seus talentos ficaram bem evidentes neste disco.

E - Há algum conceito subjacente às letras? A temática lírica do Lava Empire foi criada em torno de uma jornada exploratória, de altos e baixos, uma espécie de epopeia. Nela, tentei entrelaçar três aspetos fundamentais, que são a base de tudo o resto: 1. Como motivo da viagem, crise pessoal - a reflexão acerca das falhas de personalidade que fustigam cada um de nós. Isto nasceu dos períodos de bloqueio criativo com os quais me debati durante os anos que antecederam a criação do disco e que foram, de resto, a motivação principal para a sua origem; 2. Como forma da viagem, exploração de uma civilização antiga e/ou império perdido - o som quente do disco e todas as cores e texturas do seu lado visual enquadram esta jornada pelo interior da mente, paralela com a exploração das regiões do império; 3. Como referência literária, a ligação à Divina Comédia de Dante Alighieri, obra que explora também uma jornada – no seu caso através da vida após a morte –, e onde viaja pelos acontecimentos da sua vida. De notar que o número 3 – triângulo / pirâmide – é, também ele, uma peça estrutural que surge espalhada por todo o disco, nas letras, imagens e mesmo em algumas das estruturas musicais dos temas.

I - Dada a ecleticidade das tuas composições, acredito que consigas agradar a vários públicos diferentes. Sentes isso? Ou desagradar vários! (risos) Num tom mais sério, sinto que o ecletismo é sempre uma espada de dois gumes no que toca à apreciação por parte do público. Se por um lado é mais fácil que algumas partes agradem a certas pessoas, o simples facto das outras partes que não lhes agradam tanto existirem, é muitas vezes o suficiente para que essa pessoa descarte o álbum na sua totalidade. No final de contas, contudo, acredito que quem seja fã de música desafiante e diferente acabará por reconhecer o esforço que foi feito no Lava Empire, no sentido de criar um disco variado e exploratório, mas também coerente e fluído.

I - És daqueles artistas que já está a pensar e a estruturar os próximos discos ou EP, ou quando a altura chegar deixas a criatividade simplesmente fluir? Geralmente ando muito ao sabor daquilo que a minha criatividade intermitente permite, sendo que nos últimos tempos ela tem sido muito minha amiga (talvez seja para compensar o martírio da seca criativa que acabou por dar luz ao Lava Empire). Nesse sentido, neste momento posso partilhar que a composição do terceiro LP de A Constant Storm já vai num estado relativamente avançado.

E - Para terminar, o que podemos esperar de ti num futuro próximo? A selvajaria criativa de sempre. Diria que ainda mais do que antes até, uma vez que agora que os Moonshade já deixaram de ser uma parte do meu dia-a-dia, posso dedicar a totalidade da minha atenção a A Constant Storm, o que potencia a possibilidade de várias coisas novas, na música e além dela. Como disse anteriormente, avançar para concertos ao vivo não é algo que, em si, me atraia particularmente, a não ser que eu saiba que vou conseguir fazer deles algo especial e diferente – no fundo algo que não seja apenas subir ao palco e decalcar aquilo que já está gravado. Nesse sentido, um concerto com orquestra é algo que adorava fazer e que definitivamente me daria a motivação que neste momento não existe.

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