HISTÓRIAS DA FRONTEIRA

Page 1

IAGENS AO VIRAR DA ESQUINA

HISTÓRIAS DA FRONTEIRA

memórias de guerras e contrabando

HISTÓRIAS DA FRONTEIRA MEMÓRIAS DE GUERRAS E CONTRABANDO!

Acordei cedo e fiz-me ao caminho. Estava perto.

De raspão passei Portalegre e logo de seguida, Arronches.

Arronches

Já estiveram em foco nas Viagens ao Virar da Esquina em “A demanda pela Esperança” e por isso segui viagem.

Portalegre (ao fundo) A caminho de Campo Maior Rumo à fronteira

Numa hora cheguei ao Centro de Ciência do Café, na Delta Cafés, às portas de Campo Maior.

Sabemos as origens da Delta Cafés do Comendador Rui Nabeiro e temos a noção da sua importância económica e social para a região e para o País. De uma actividade ilícita nasceu uma indústria pujante que contraria a desertificação do interior.

Pelo caminho, naquelas reflexões de capacete habituais, 3 questões me interpelaram:

1. porquê o contrabando?

2. porquê o café?

3. porquê Campo Maior?

A CIÊNCIA DO CAFÉ
Entrada do Centro de Ciência do Café Homenagem a Rui Nabeiro

Esperava obter respostas nesta notável infraestrutura: muito mais que um museu (ou uma homenagem ao seu fundador).

Através de uma magnífica interactividade, percebemos a história da planta e da bebida, a importância histórica e actual, conhecemos as espécies e as regiões que produzem e como finalmente chega à chávena com a bebida que nos delicia.

A palavra “CAFÉ” provém da expressão turca “khave” que por sua vez deriva do árabe “qahwah” cujo significado é....”vinho”!

Não se sabe ao certo qual a origem do café, embora seja geralmente aceite que será oriundo do nordeste africano, da região que hoje designamos como “Corno de África” (Etiópia, Somália,Quénia, Eritreia).

Daqui terá “migrado” no Séc. XIV para a Península Arábica. E foram depois os Árabes, que nas suas deambulações pelo Oriente e Norte de África que foram disseminando o hábito de consumir esta bebida.

E daí para o mundo... Estima-se que actualmente sejam consumidas, em todo o mundo, cerca de 400 biliões de chávenas de café por ano!

Como em tudo cuja origem se perdeu no andar do tempo, nada como uma lenda para nos explicar como foi “descoberto” o café e, principalmente, o seu poder: a Lenda de Kaldi.

Acolhimento aos visitantes (palavras de Rui Nabeiro)

A LENDA DE KALDI

Kaldi era um jovem pastor que habitava nas proximidades de uma bela montanha. Aí, havia abundância de pastos e de vegetação que lhe davam um colorido onde o verde predominava.

Certo dia, ao acordar da sua sesta, Kaldi talvez pelo muito calor,estava um bocado desorientado. Principalmente, algo estranho se passava. Finalmente percebeu! Não ouvia o barulho das cabras do seu rebanho. Antes de adormecer tinha-as reunido junto à sua cabana e, agora, tinham desaparecido!

Naturalmente, foi à procura das suas cabras. Afinal um pastor sem rebanho...não é pastor!

Levou horas sem fim, debaixo de um sol abrasador, à procura....até que, finalmente, lá longe, lhe pareceu que via o seu pequeno rebanho junto a uns arbustos.

Algo estranho se passava, que o deixou espantado! As cabras estavam entretidas numa estranha dança, com imensas cabriolas, pulavam incessantemente! Kaldi estava estupefacto...

Observou que os seus animais comiam uma fruta vermelha de uns arbustos que por ali estavam. Seria essa a razão de tão estranho comportamento?

Depois de tão longa caminhada, com todo aquele calor, Kaldi estava cansado e com fome. por isso resolveu experimentar aquele fruto desconhecido...

Algumas horas depois, já a noite tinha caído, um monge muçulmano que por ali passava, ouviu uns estranhos ruídos, quase demoníacos: uma bizarra mistura de balidos de cabras e gargalhadas humanas.

Com algum receio, resolveu espreitar o local de onde provinham tão estranhos barulhos. E foi com muito espanto que uma cena inusitada se lhe deparou: um jovem pastor dançava freneticamente com as suas cabras!

Pulavam, saltavam, sem parar...

Quando finalmente tudo acalmou, o jovem pastor explicou ao monge o que se tinha passado.

E principalmente, falou-lhe das extraordinárias propriedades revigorantes daquela planta que as suas cabras tinham encontrado.

O monge resolveu levar algumas daquelas estranhas bagas para a sua mesquita e experimentou-as.

Logo comprovou a grande energia proveniente do pequeno fruto vermelho.

Por isso, de imediato resolveu partilhar com todos os membros da sua congregação para que tivessem mais energia e rezassem com mais fervor.

E assim se foi espalhando por todo o lado, o consumo dos frutos desta planta, com poderes quase milagrosos.

Esta é a lenda de um jovem pastor que, graças ao seu rebanho, descobriu a planta que se viria a chamar café!

A importância do café em Portugal e no Brasil

Entre 1707 e 1750 reinou em Portugal El-Rei D. João V, de alcunha “O Magnânimo”. Foi um dos nossos reis mais activos, por sua iniciativa mas também porque o seu reinado coincidiu com uma época de enorme prosperidade, devido ao ouro do Brasil.

Deixou obras relevantes como o Aqueduto das Águas Livres e a Igreja de São Roque em Lisboa ou o sumptuoso Convento de Mafra. O estilo barroco foi marcante, na arquitectura, na escultura, na pintura

A cultura, as artes e a ciência também tiveram relevo na sua governação: por exemplo, a criação da Academia Real de História. Foi ainda nesta época que surgiu o primeiro jornal periódico em Portugal: a Gazeta de Lisboa.

Aqueduto das Águas Livres

Privilegiou a produção vinícola, embora tenha sido no reinado seguinte, de D. José I e pela mão do Marquês de Pombal que foi criada a mais antiga região demarcada do mundo: a Região Demarcada do Douro.

Dinamizou o povoamento do Brasil (era a grande fonte de receita do Reino), criando uma estrutura administrativa, técnica e militar.

Naquela colónia portuguesa, dedicou especial atenção à cultura do açúcar e percebeu a importância que o café viria a ter.

El-Rei D. João V Convento de Mafra

Sabendo que o território era apto para a produção (primeiro no Suriname Holandês e depois na Guiana Francesa) e que a procura por esta bebida de grande poder estimulante na Europa e nas colónias americanas era grande, promoveu a sua introdução no Brasil. E aqui, de novo a verdade e a lenda cruzam-se!

Aqueles países controlavam com mão de ferro as poucas plantações existentes de modo a que as sementes não se espalhassem e não aparecessem novos produtores.

Dessa forma, seguindo as directrizes de D. João V, o Governador do estado do Maranhão, João da Maia da Gama, enviou o sargento-mor Francisco de Melo Palheta para Guina Francesa com a missão de restabelecer a fronteira daquela colónia francesa com o Brasil, tal como definida no Tratado de Utrecht de 1713 que os franceses estariam a violar. Corria o ano de 1727...

A missão era pacífica e o Governador da Guiana Francesa acolheu o enviado português para as negociações.

Mas a missão principal estava camuflada: o objectivo era mesmo adquirir mudas e sementes de café para que o cultivo se estendesse ao Brasil (e com a extensão territorial disponível, fácil é perceber a ameaça que era...).

Naturalmente que os franceses se negaram... mas, consta que no momento do regresso, a esposa do Governador, que a simpatia do sargento-mor havia cativado, ter-lhe-á oferecidoàs escondidas, claro - uma muda de cafeeiro (Arábica, no caso) para que ele a recordasse...

Assim, é a Francisco de Melo Palheta que é atribuída a introdução do cultivo do café no Brasil.

E com assinalável sucesso. Cerca de 100 anos depois, o café era já o principal produto de exportação! É (desde há muito) o principal produtor mundial de café e com larga distância para os concorrentes.

Sargento-mor Francisco de Melo Palheta A oferta da muda de cafeeiro...

Recriação: A esposa do Governador da Guiana e Francisco de Melo Palheta

O Centro de Ciência do Café recria vários momentos da história do café. Desde a evocação da história contada atrás sobre a forma como o café foi introduzido no Brasil até ao seu transporte até à capital do Reino nos navios da época.

Transporte do café

Passaram 300 anos!

A produção de café no Mundo

CURIOSIDADE: podemos observar nos mapas que a cultura do café é quase exclusiva das zonas com clima tropical.

O único local da Europa onde é produzido café é ... nos Açores.

É uma produção com reduzida expressão mas que origina um café com características muito especiais. Talvez o mais conhecido seja o da Ilha de S. Jorge, principalmente o que se pode saborear na Fajã dos Vimes.

A “memória” está lá: memorabilia dos primórdios da Delta até aos nossos dias, testemunhos dos que em meados do século passado passavam a fronteira “a salto” e a alusão ao espírito empresarial mas também social do seu fundador

Os maiores produtores mundiais Estufa com a planta do café A distribuição nos primórdios Lata de Café Delta Lata de Café “Rei da Selva” História do café (e dos Cafés) em Portugal Peças de colecção em exposição

CURIOSIDADE: Sabiam que um café deve ser tirado até 2/3 da chávena? E que deve ser saboreado em 3 goles? Que um café mais curto tem menos cafeína? Ou que o café tomado sem açucar tem apenas 3 a 5 kcal por chávena?

A Cultura do Café é uma Ciência que merece ser conhecida. Esta é uma visita que muito recomendo...

... que ajudou mas não resolveu as minhas dúvidas.

Fui até Campo Maior à espera de algo mais

Genuína terra alentejana, paredes alvas, espalhada pelo relevo do terreno e altivamente vigiada pelo imponente castelo. Estamos à beira da fronteira e o inimigo castelhano assombrou durante séculos. A primeira linha de defesa do território passava por aqui.

Entrei na vila e segui ao sabor do trânsito até estacionar junto ao Jardim Municipal perto da homenagem da terra ao Comendador Rui Nabeiro.

Jardim Municipal

Pormenor do Jardim Municipal Homenagem a Rui Nabeiro

Percorri a pé as ruas da vila que merece visita detalhada. Destaco o Castelo, mandado edificar por D. Dinis em 1310.

Também a Praça da República de planta rectangular e “fechada”. Chega-se por ruas estreitas ou por um arco por baixo do bonito edifício da municipalidade. No meio, o pelourinho. Perto, a Igreja Matriz, altiva em largo acanhado.

Sempre por ruas estreitas que lembram a antiguidade medieval de Campo Maiortomada aos mouros em 1219 - temos outros pontos de interesse: o Museu de Arte Sacra, a Capela dos Ossos, Igraja de S. João Baptista, o Museu Aberto, o Lagar Museu do Palácio Visconde d’Oliva ou o Convento de S. António.

Câmara Municipal Pelourinho da Praça da República Igreja Matriz Praça da República

Afastado, em zona mais moderna e ampla, o Estádio do Campomaiorense: clube que trouxe, há alguns anos, glória futebolística à vila alentejana (região parca nestes feitos), tendo o seu apogeu em 1999 com a presença na final da Taça de Portugal.

Igreja de S. João Baptista Casario e ruas estreitas Castelo

Campo Maior: Casario tipicamente alentejano

Não poderia faltar o destaque à Festa das Flores, também chamada de Festas do Povo. Realiza-se de 4 em 4 anos (a próxima em 2023). Acorrem milhares de visitantes por esses dias.

Não obtive esclarecimento adicional que deixei para posterior pesquisa. Viajar tem o mérito de nos obrigar a estudar...

O engano (da praxe)!

Preguiçoso em utilizar o GPS e confiança ilimitada no sentido de orientação levou-me, mais uma vez, ao engano! Queria ir para Elvas. Vi uma placa a indicar “Espanha” e supús que me levaria ao objectivo. Logo percebi que estava enganado. Não era aquela a estrada. Passou a ser.

Dirigi-me à antiga fronteira do Retiro mas não dei por ela. Soube que estava em Espanha ao ver a placa azul das estrelinhas europeias. Já tinha decidido que entraria em Badajoz e depois iria para Elvas. 8 km separam as duas cidades e chegaria pelo lado em que os estrangeiros o fazem.

No caminho percebi algo interessante: Campo Maior e Elvas situam-se em zonas de terreno acidentado; todo o espaço até Badajoz é práticamente plano.

Badajoz

As duas povoações portuguesas situam-se em encostas encimadas por fortalezas. Badajoz espraia-se na planície sem elevações que se destaquem.

Em Portugal imperava o espirito defensivo. Em Espanha, parece o contrário. Talvez explique as intenções de uns e outros...

Elvas: onde os santos dão nome à guerra

A abordagem a Elvas é interessante: a cidade ao meio, espraiada na encosta com o seu Castelo, ladeada à esquerda pelo Forte de Sª Luzia e à direita, pelo imponente Forte de Nª Sª da Graça.

Apelidada de “Rainha da Fronteira”, foi a mais importante praça-forte da nossa fronteira e a cidade mais fortificada da Europa.

A planície que já mencionei tornava esta a rota mais apetecível para a marcha dos exércitos invasores a pé ou a cavalo (e para os contrabandistas...).

Património Mundial da Humanidade, atribuído pela Unesco em 2012 este é o maior conjunto de fortificações abaluartadas do mundo: inclui três muralhas medievais, uma muralha do século XVII, o Forte da Graça, do século XVIII, o Forte de Sª Luzia, do século XVII, três fortins do século XIX (S. Mamede, S. Pedro e S. Domingos), o Aqueduto da Amoreira e ainda o centro histórico.

Planície entre Campo Maior e Badajoz

A primeira visita, antes de entrar em Elvas foi ao Forte de Sª Luzia.

Fiquei pela entrada...o tempo que iria demorar poderia impedir-me no final do dia de conhecer um dos pontos que me fez fazer esta viagem.

Todavia, este Forte merece visita e a perspectiva que temos da cidade de Elvas, com a presença imponente do outro Forte no horizonte, é magnífica.

Forte de Sª. Luzia Forte de Sª. Luzia - Muralha e fosso Panorâmica de Elvas vista do Forte de Sª Luzia

Depois desloquei-me para o centro da cidade onde entrei pela Porta de Olivença. Magnifica forma de entrar na cidade.

De um forte para o outro Aqueduto da Amoreira (do Forte de Sª Luzia) Porta de Olivença Entrada em Elvas pela Porta de Olivença

A hora de almoço tardia recomendava a ingestão de algum alimento. Com frequência, nas viagens, esqueço-me de comer!

Parei a minha companheira de viagem, a muito interessante Triumph Tiger Sport 660 na Praça da República.

Numa extrema, edifício cuidado e peculiar aloja o Posto de Turismo. Na outra extremidade, no cimo de escadaria, fica a Igreja de Nª Sª da Assunção.

O centro histórico de Elvas tem 3 características: a permanente presença das muralhas, as ruas estreitas e a respectiva inclinação Um permanente sobe e desce Fazê-lo com o equipamento motociclista...é duro!

Subida para a Praça da República Chegada à Praça da República Praça da República Praça da República: Posto de Turismo Praça da República: Igreja de Nª Sª da Assunção

Passei pelo Cine-Teatro (esta designação tão habitual na minha juventude - havia um cada terra - caíu em desuso por obsolescência). Depois, sempre a subir, o Pelourinho e atrás de si o Arco de Santa Clara.

Continuei até ao Castelo.

No miradouro da Parada olhamos para oriente. Vemos a muralha, os aquartelamentos militares, mais à frente o Forte de Sª Luzia e, ao fundo a magnitude de Badajoz. Tem 150 mil habitantes...10 vezes mais que Elvas

Cine-Teatro Pelourinho e Arco de Sª. Clara Igreja de Sª. Maria da Alcáçova A caminho do castelo Castelo de Elvas

Hoje irmanadas, as duas formam a Eurocidade Elvas-Badajoz, partilhando um caminho comum a nivel cultural, económico e turístico.

Quem diria que estiveram separadas por uma fronteira e que muito do comércio entre elas era clandestino?

Vista do Miradouro da Parada Castelo e Forte de Nª. Sª da Graça Forte de Nª Sª: da Graça

Passei pelo Politécnico e segui até ao Paiol de Nª Sª da Conceição (curiosa associação: um paiol com o nome da Padroeira de Portugal!).

Dali, vista magnífica para sul e para o monumental Aqueduto da Amoreira.

Passo pelo Castelo e reverto a marcha acompanhando o desenvolvimento da muralha seiscentista que é notável.

Rodeia o casco urbano, com um desenho geométrico característico da escola holandesa, projectada por jesuíta holandês, padre João Piscásio Cosmander.

Pela Rua da Cadeia e uma passagem pedonal por baixo do edifício do Turismo, eis de novo a Praça da República.

Interessante o percurso pela Porta da Esquina, mais uma entrada da cidade.

Comecei a descer e fui até à zona da Cisterna.

Pormenor da Muralha Seiscentista Paiol de Nª Sª da Conceição Porta da Esquina Fonte de 1650

Estafado mas satisfeito ainda me faltava “a cereja no topo do bolo”: o imponente Forte de Nª Sª da Graça.

Praça 25 de Abril D. Manuel I deu foral a Elvas em 1512 Regresso à Praça da República Passagem pelo Aqueduto da Amoreira

Tinha precisamente tempo para o percorrer em passo de corrida antes que encerrasse por esse dia.

O acesso faz-se por subida íngreme e revirada.

Antes chamado Forte Conde de Lippe por ter sido este Comandante do Exército Português no Séc. XVIII a propor a sua construção.

Para lá da localização deve realçar-se a sua presença e tem uma beleza arquitectónica cujo trabalho de recuperação feito em 2015 destaca.

Subida para o Forte da Graça Entrada no Forte de Nª Sª da Graça Porta do Dragão - Entrada na muralha exterior

Teve papel fundamental nas Guerras da Restauração (do lado de Espanha que a ocupou), na posterior Guerra das Laranjas (onde perdemos o domínio de Olivença) e nas Invasões Francesas (Soult cercou-a mas não a tomou). Mais recentemente, até à década de 80 do Séc. XX, serviu como Presídio Militar. Depois de terminada esta serventia ficou ao abandono e à ruína.

Forte Nª. Sª. da Graça: Casa do Governador

Excelente o trabalho de recuperação mas com pouco conteúdo museológico (poderia incorporar um acervo que recordasse o seu relevante passado militar), permite-nos percorrer o labirinto de corredores, escadarias, salas e salões, celas e camaratas. Convém ter algum sentido de orientação....

Entrada na muralha interior

Pormenor do Interior - Desenhos de instrução militar

Forte da Graça - modelo construido em fósforos Recomendação de 1961 (ainda actual)

Imagens do interior do Forte de Nª. Sª. da Graça:

Casa do Governador: Pormenores da muralha interior

Para lá da beleza intrínseca, a vista que desfrutamos das ameias ou, mais acima, da Casa do Governador, é magnífica.

Casa do Governador Casa do Governador - pormenor de um tecto Vista da varanda da Casa do Governador Aqueduto da Amoreira visto do Forte de Nª. Sª. da Graça

Lá em baixo Elvas, ao longe Badajoz. Mais adiante no horizonte, a Sierra de Fuentes.

Badajoz à vista...

Forte de Sª. Luzia visto do Forte da Graça

Sobre o contrabando, o café e Campo Maior. Finalmente as respostas?

Regressei a casa, com calma, ao sabor do Alentejo.

Mas não trazia as respostas. Por isso....mais um pedaço de viagem, esta pelos textos de livros e publicações

Li “Almoço de Domingo” de José Luis Peixoto. A habitual mestria no manuseamento da Língua Portuguesa e dos tempos da narrativa, está patente nesta biografia de Rui Nabeiro pelo seu 90º aniversário.

Contrabandistas de um passado longínquo (imagem: Centro de Ciência do Café)

Sabendo toda a importância que o Comendador tem na vida social e económica desta região, ainda assim achei a prosa demasiado encomiástica. Todavia conta muitos pormenores, factos e histórias de um percurso que vem desde os anos 30 do século passado.

Ajudou à minha demanda mas foi insuficiente.

Em textos avulsos consegui aproximar-me do meu objectivo:

Sabemos que o contrabando é uma actividade ilícita que consiste em passar uma fronteira com produtos sem pagar as respectivas taxas.

Não é todo igual: desde o acto “pessoal” (fui a Londres, comprei um capacete e não o declarei à chegada) até, no limite, ao “tráfico” quando os produtos são de venda e/ou consumo ilegal.

No meio situa-se a prática que durante décadas existiu na zona raiana de Portugal e Espanha, em ambos os sentidos.

Dizia-se que “em Campo Maior, as pessoas falavam português de dia e espanhol à noite”.

Enquanto os homens levavam café, as mulheres por outros caminhos e de outras formas traziam os caramelos, chocolates, bombazines e pirexes.... a antecipação do Mercado Único, quiçá.

Um testemunho (imagem: Centro de Ciência do Café)

No caso que nos interessa, começou por ser um “contrabando de sobrevivência”: era a forma de obter algum rendimento extra de quem vivia com o pouco que a agricultura dava. Geralmente homens, conhecedores do terreno, carregavam o produto às costas pela calada da noite até ao “lado de lá”. Assim foi desde o Séc XIX até meados da década de 50 do século passado. Com ênfase nesta região, no café.

O contrabandista (imagem: Centro de Ciência do Café)

O café, tradicional na alimentação dos dois lados da fronteira, era facilmente obtido em Portugal. A produção das Colónias - Angola, S. Tomé - assim o permitia. Já em Espanha, desgraçada em guerra civil e paz militar, era produto de difícil importação. Negócio próspero se tornou.

Nos finais dos anos 50, em Campo Maior, a “produção” com a criação de pequenas torrefações familiares, e o “comércio” cresceram. Chega o “contrabando organizado” .

Apareceram os “patrões”, donos dessas torrefações, com bons contactos do lado de lá, ajudados por “capatazes” que arregimentavam mão de obra e “guias” que conheciam o terreno como a palma da mão e conduziam grupos de dezenas de “transportadores” que carregavam o produto.

Levavam em cada viagem muito mais produto e chegavam mais longe. Não só a Badajoz, mas também Mérida ou Almendralejo.

O risco diminuia (o patrão tinha as suas influências...) mas o proveito individual de quem cruzava a fronteira também era menor.

O lucro distribuia-se na cadeia hierárquica e ao patrão cabia o maior quinhão.

Dessas pequenas organizações se chegou em 1961, à fundação da Delta: o lado visível e legal do negócio, antecipando já todas as mudanças económicas e políticas que viriam a acontecer no futuro.

Ainda assim, nos primórdios ainda existiu o “lado oculto”... A própria empresa não renega hoje esse passado. Comercializa um jogo de tabuleiro cujo nome é precisamente: “Contrabando - Rotas do Café”.

O contrabando faz hoje parte do património cultural desta terra, da sua iconografia, da sua história e das suas gentes. E também do seu sustento! Sem peias morais.

Saco de contrabandista (imagem: Centro de Ciência do Café)

Finalmente, de posse das respostas (possíveis) às minhas dúvidas, pude encerrar esta viagem. Com muita História, bastante leitura e outros tantos quilómetros...ao Virar da Esquina.

AGRADECIMENTO:

À Triumph Lisboa pela cedência da Tiger Sport 660 que tão bem se comportou durante o período em que andei com ela pelas estradas do Alto Alentejo.

Acompanhou-me na visita a Galveias, num périplo pela Serra de S. Mamede e também nesta procura de respostas em terras fronteiriças: Campo Maior e Elvas

Este texto foi publicado na edição de Julho da Revista Motociclismo

TRIUMPH TIGER SPORT 660 - A MINHA FIEL COMPANHEIRA DESTA VIAGEM!

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.