VIAGENS AO VIRAR DA ESQUINA
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda, Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram. Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Alberto Caeiro começa por dizer que o Tejo não é mais belo que o rio que corre na sua aldeia porque o Tejo não é esse rio. O seu é o mais belo. Porque é o seu.
Para mim, o Tejo é - de facto - o rio que corre pela minha aldeia. Daí, o mais belo!
Venham daí, conhecer um pouco deste rio e da vida nas suas margens.
Para mim, sendo o Tejo o rio que corre na minha aldeia, é mesmo o mais belo: tenho o privilégio de o ver da janela, na largura quilométrica do Mar da Palha atravessado pela elegância da Ponte Vasco da Gama.
Assim, fiquei surpreendido quando surgiram notícias que, algures mais acima, a falta de água era tal que se conseguia atravessar o rio a vau.
Quis ver com os meus olhos.
O RIO TEJO
Olhemos para o percurso do nosso maior rio. Podemos dividir o perfil do leito em 3 partes:
a primeira, entre a entrada em Portugal, até pouco depois de Constância (onde desagua o afluente Zêzere) - corre num vale entre serranias por vezes abruptas,
depois, essencialmente planície, vai entre Constância e Valada do Ribatejo,
I II III
aí começa a terceira parte (porque é o ponto mais a montante onde ainda se sente o efeito das marés): o estuário do Tejo que termina na foz em Oeiras.
ATRAVESSAR O RIO A PÉ FIRME
As notícias mostravam o rio com parte significativa do leito a descoberto e uma estreita linha de água. Tiradas na zona de Santarém, atribuiam o fenómeno à seca que se prolonga há muitos meses.
Explicação verdadeira, mas simplista.
Santarém situa-se na zona intermédia do rio (a zona II do mapa), com margens planas e leito mais largo. O caudal do rio perde parte da força que traz da zona anterior onde é “espremido” entre as margens.
Tal favorece a deposição de areias que o caudal transporta. E a quantidade destas areias tem vindo a aumentar devido aos incêndios que ano após ano sacrificam as florestas das serranias a montante. O desaparecimento da massa florestal reduz a capacidade dos terrenos reterem as suas camadas superficiais que depois vão parar ao rio e são arrastadas até se depositarem na “nossa” zona intermédia.
Ou seja, temos a falta de água (natural por efeito da seca e, como consequência desta, a que é retida nas barragens a montante - Fratel e Belver no Tejo nacional e Castelo de Bode no afluente Zêzere) e o açoreamento do leito do rio na zona intermédia.
Os dois factores conjugados resultam no fenómeno que permite atravessar o Rio Tejo a pé. E que testemunhei.
Nem na zona de serrania nem na zona de estuário se consegue atravessar a vau (apesar de os níveis estarem abaixo da média).
A CAMINHO DE ALMOUROL
Fui então percorrer as margens do Tejo. Até porque havia outras histórias para contar.
Fiz minha a margem esquerda pela EN118 e o Castelo de Almourol foi o limite.
Depois regressei pela margem oposta.
Procurei praias fluviais e pontos de observaçãomiradouros - onde pudesse ter uma perspectiva do rio.
Saí cedo. Atravessei a Vasco da Gama, dirigi-me a Salvaterra de Magos, e à primeira praia: a Praia Doce.
Apesar do nome, estava deserta e pouco cuidada.
AS ALDEIAS AVIEIRAS DO TEJO
Logo a seguir fica Escaroupim, uma aldeia avieira.
Quando passei pela Praia de Vieira de Leiriaver crónica “Eu gosto é do Verão” ou ler na Motociclismo de Agosto - falei-vos da arte xávega: o tipo de pesca praticado naquela zona.
Como é feita junto à costa e com barcos pequenos, torna-se perigosa no Inverno.
Ora, para sobreviverem nesse período, os pescadores de Vieira - daí a designação “avieiros” - começaram, 100 anos atrás, a procurar as margens do Tejo para prosseguirem a sua actividade.
Primeiro de forma sazonal e depois definitivamente, foram-se radicando aí. Pequenos agregados populacionais - as aldeias avieiras - que têm as habitações coloridas construidas em cima de estacas para evitarem os danos provocados pelas cíclicas cheias do Tejo.
Hoje, restam algumas destas aldeias, quase como curiosidade turística.
Até porque a maioria das casas oriundas desses tempos, têm as estacas em tijolo e cimento que antes as protegiam da água, a servirem de aduelas para a alvenaria que transforma os baixios em arrumos, garagens ou
Escaroupim é a mais conhecida e foi a primeira visitada. No regresso e na outra margem, ainda passei por Caneiras e Palhota, para mim a que se aproxima mais do que eram em tempos idos.
Escaroupim tem outra particularidade. Situa-se na Vala Real de Salvaterra. Tal como na outra margem, na Vala Real da Azambuja, é um canal que segue paralelo ao curso do rio e que proporciona melhores condições de navegabilidade. Aqui chegavam os barcos que transportavam a realeza que vinha até Salvaterra para as suas estadias de lazer.
Também era daqui que partiam produtosproduzidos na região, com destino a Lisboa.
DE REGRESSO AO CAMINHO
Prossegui por Muge e Almeirimnem Silas, nem sopa da Pedra, nem sequer melões o objectivo era outro! Cheguei a Alpiarça.
Convém referir que até aqui trazia companhia. Ao Carlos juntou-se por alguns quilómetros, o Fernando. Fomos até à Praia do Patacão.
Aqui tive a confirmação absoluta daquilo que procurava: era possível atravessar o Rio Tejo a vau! Um veraneante que por ali estava fê-lo nessa altura.
O destino seguinte foi o Miradouro de Nª Sª do Pranto na Chamusca.
A ausência de grandes elevações à beira do Tejo transforma as poucas existentes em locais preciosos para observarmos a beleza do rio e ... a penúria de água.
Ainda na Chamusca, procurei a Praia de Porto das Mulheres.
Mais uma praia fluvial (e antigo porto) onde meia dúzia de miúdos aproveitavam o rio para se refrescarem da canícula.
Evocação histórica do Porto das Mulheres
Praia de Porto das Mulheres ao fundo, grupo de jovens atenua os efeitos da canícula
É importante referir que a maioria das praias visitadas não tinha qualquer tipo de vigilância. E os banhos de rio, mesmo com a placidez que o Tejo apresenta, podem ser traiçoeiros.
Mais adiante fomos até à beira-rio junto a Pinheiro Grande. Aqui, o caudal do rio já tinha outra cara. Estamos na fronteira entre as zonas de serrania e planície.
Separei-me dos meus companheiros de viagem.
Foram para um lauto almoço e eu continuei a minha demanda à volta do Tejo. Os 3 Cs de andar de moto são isto: Conduzir, Conviver, Conhecer!
Cheguei ao ponto de retorno: o Miradouro do Castelo de Almourol.
Uma vista imponente sobre o Guardião do Tejo.
A partir daqui, para montante, o seu curso segue mais estreito entre margens abruptas, dando as condições para a instalação das barragens de Belver e Fratel (e onde a retenção de águas serve também para justicar que mais abaixo ela falte).
São complementadas por Castelo de Bode no afluente Zêzere, que se juntou ao Tejo um pouco acima, em Constância.
Iniciei o regresso e logo parei na pequena povoação de Arripiado.
Na outra margem, em observação mútua, fica Tancos.
Prossegui. Atravessei a ponte da Golegã e deixei definitivamente a EN118 que me trouxe desde Alcochete.
Atravessei esta terra de cavaleiros porque o rumo era Santarém.
Escolhi a divertida EN365. A temperatura ambiente escaldava ... e voltavam as referências literárias!
Paragem momentânea em Azinhaga do Ribatejo, terra natal do Prémio Nobel José Saramago.
Mas, pela forma a como a ela se referiu na sua obra “Viagem a Portugal”, não guardará nostalgia: “O viajante não parará. A casa mais antiga é uma casa deserta” . Essa casa é a que foi sua.
E sobre Azinhaga, “É uma terra comum, esta primeira casa do viajante. Não há mais que dizer dela” . Ainda assim, não o deixa esquecer.
Logo a seguir, Pombalinho com curiosa referência: a placa com o brasão da terra dá as boas vindas aos viajantes.
No verso, são identificados os níveis das 10 grandes cheias do Tejo que a atingiram desde 1940. Eu não teria pé durante a maior, de 11 de Fevereiro de 1979...não sou baixo e não estamos propriamente nas margens do rio!
Ia chegando a Santarém e, a partir de aqui, fiz o percurso que Almeida Garrett conta em “Viagens na Minha Terra”...mas no sentido inverso.
Para lá dos desencontros amorosos de Joaninha e Carlos, no cenário da guerra civil entre Miguelistas e Liberais (1832-34), foi na Ribeira de Santarém que o escritor terminou a sua viagem.
Iniciada em Lisboa e navegando até Vila Nova da Raínha, foi já em via terrestre que a concluiu: Azambuja, Cartaxo, Vale de Santarém e finalmente a capital ribatejana.
Por mim, chegado à Ribeira, apreciei o Tejo e por baixo da Ponte D. Luís I constatei a míngua de água.
Depois, pela íngreme e estreita Estrada de Alfange, cheguei ao Jardim das Portas do Sol: um dos mais belos miradouros do nosso país.
E aí sim, no magnífico cenário da lezíria, pude constatar de novo que era possível atravessar o Tejo a pé!
À saída, passei defronte da linda fachada da Igreja de Nª Sª da Graça, onde se supõe esteja sepultado Pedro Álvares Cabral.
Deixei Santarém e desci até à margem para ver a aldeia avieira das Caneiras.
De avieira já tem muito pouco, ficou alguma decepção.
CHEGUEI AO ESTUÁRIO DO TEJO
Para compensar, a seguir parei num dos meus locais favoritos: Valada do Ribatejo.
A bonita frente ribeirinha e a serenidade que emana do Tejo, qualquer que seja a época do ano, fazem-me respirar fundo e relaxar.
Segui em direcção aquela que na minha opinião será a mais típica das aldeias avieiras: Palhota.
Deu para registar que finalmente encontrei uma praia fluvial em condições e a ser devidamente usufruida.
Logo a seguir, Porto da Palha e depois, ainda antes de chegar à Azambuja, a visita a dois monumentos ao desleixo:
a Praia da Casa Branca, assoreada e infestada de jacintos-de-água e, mais à frente, junto à Vala Real da Azambuja, o Palácio das Obras Novas (a ruína contraria a designação).
Passei Azambuja e cheguei a Vila Nova da Raínha.
Se Almeida Garrett até aqui veio de barco, pela minha parte, aproximei-me das margens do rio e segui por estrada.
Em Vila Franca de Xira, subi ao Monte Gordo.
A vista lá de cima é deslumbrante e percebemos bem o que é a lezíria ribatejana.
Estátua de Hércules
monumento às Linhas de Torres
Depois, passei Alhandra e, no Sobralinho, subi ao monumento às Linhas de Torres.
Curiosa estatuária com a figura de Hércules bem lá no cimo e a oportunidade de lançar uma última vista panorâmica sobre o Tejo.
Chegado a Lisboa iria dar por terminado o périplo. Tinha confirmado a notícia - era possível atravessar o Tejo a pé - e revisitado algumas das histórias que podemos encontrar nas suas margens. Mas faltava-me algo!
TERMINEI NA MARGEM ESQUERDA...NUMA PRAIA DIFERENTE
Referência avulsa a uma praia fluvial, aqui bem pertinho de tal forma que quase a conseguiria ver da minha janela, suscitou curiosidade: a Praia do Sal em Alcochete, uma lingua de areia a permitir a sua utilização balnear.
A exposição aos ventos tornam-na um lugar de excelência para a prática do Kitesurf.
E assim fica a paisagem do rio, com Lisboa ao fundo, adornada pelo colorido das pipas.
A Praia do Sal, em Alcochete, foi cenário ideal para o final desta demanda...aqui mesmo, ao virar da esquina!
NOTA FINAL
Esta crónica foi publicada originalmente na Revista Motociclismo, na edição de Setembro, sob o título “À Volta do Tejo” .
O texto corresponde com ligeiras alterações mas inclui mais imagens que o espaço disponível numa revista impressa não permite.
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