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Cidade Contra Cidade: Rio Preto ganha sete ambulâncias
Corria o ano de 1969. A pacata Rio Preto vivia sua vidinha tranquila e nem imaginava o que viria a seguir. Certo dia, Roberto Toledo chegou em casa de seu trabalho na Independência, já deslanchando na carreira. Sua avó Maria Jorge de Lima (cega de um olho) contou a novidade: “Estão inscrevendo caravanas de cidades para competir no Silvio Santos. A cidade que ganhar leva uma ambulância para a Santa Casa. Por que você não se inscreve?” Ele achou um absurdo pensar que Rio Preto conseguiria alguma coisa com o poderoso Silvio Santos, que já caminhava para se tornar um fenômeno de comunicação. Era sonhar muito alto! No entanto, depois de uma noite insone, fez a carta de inscrição, a cidade foi incluída na competição e lá foi a turma competir na Capital. A cidade adversária era Uberaba (MG), que tinha levado até o orador espírita Chico Xavier em uma das provas. Concorrente invencível. Quase. Claro que Uberaba ganhou a parada, e a equipe perdedora voltou cabisbaixa e inconformada para casa. Insatisfeitos, os participantes analisaram o programa e descobriram um item
que não podia tirar a vitória de Rio Preto. Reuniram-se, então, sob a liderança de Roberto Toledo e convenceram o médico Wilson Romano Calil, que se destacava pelo acervo de conhecimentos, um homem culto que arrasava na oratória. Toledo tanto insistiu em nova inscrição, apresentando uma argumentação tão convincente e verdadeira, que deu certo. Resultado: o apresentador deu nova chance e a equipe compareceu ao auditório da Tupi, no Sumaré, sete vezes seguidas, devidamente garantida pela presença e pelo jogo de cintura de Calil. Assim, trouxe para casa sete ambulâncias zero quilômetro para doação. “A partir daí, minha carreira cresceu, fiquei mais conhecido e meus caminhos se abriram”, revela Toledo. A primeira participação foi em 1969, enquanto a segunda, que teve premiações em sete programas seguidos, foi em 1977. Nessas datas, a cidade viveu um mix de dias eufóricos e apreensivos, mas felizes.
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Homero Salles, o homem da TV Rio Preto
Homero conta a luta dos rio-pretenses que resultou em sete vitórias para a cidade. Ele trabalhava na TV Rio Preto e fazia um programa com o mineiro José Augusto inspirado no Cidade Contra Cidade do Sílvio Santos, o Cidade Frente a Frente. A participação dele e de Celso Lui, ambos de Rio Preto, foi tão valorizada por Silvio Santos que ele os segurou na Capital, com emprego no SBT. Ambos são aposentados hoje. Veja o depoimento de Homero para o site Tudo Sobre Tevê, na seção Depoimentos de Pessoas que Fazem a História da TV: “Criamos uma comissão em Rio Preto para representar a cidade, eram pessoas gabaritadas: o diretor de teatro Odair de Faria; Humberto Sinibaldi, que era dono de distribuidora de bebidas; pessoas ligadas à coreografia; enfim, foi criada uma comissão bem heterogênea para promover Rio Preto perante o Cidade Contra Cidade, que era o programa de maior sucesso do Sílvio, exibido pela Tupi e pela Record. O teatro onde íamos gravar era o Teatro Manoel de Nóbrega, na rua Cotoxó, no bairro Pompéia.
Eu fazia parte da comissão, encarregado do quadro Curiosidades de Rio Preto. Ajudava com todos os outros quadros, mas esse era de minha responsabilidade. A semana inteira trabalhávamos em cima dos projetos. O prefeito, que era o Adail Vetorazzo, mandou uma carta para liberar as pessoas do trabalho para que elas pudessem se dedicar às tarefas dos programas em prol da cidade. Eu era gerente de uma empresa de tratores e foi uma carta para a empresa pedindo a minha liberação e tudo mais. Aí fomos para São Paulo e começamos a vencer.”.
Rio Preto bate um recorde inédito
“Vencemos a primeira, a segunda, a terceira e começamos a abrir os olhos da produção... Vencemos a quarta. Vencemos a quinta, a sexta... e a sétima. Rio Preto venceu sete vezes consecutivas no programa. E o Sílvio Santos ficava deslumbrado, porque a cidade chegava com os quadros prontos. O Sílvio não era patrão de ninguém, então falava-se com ele do jeito que quisesse. No meu quadro, que era de curiosidades, eu tive embates incríveis com o Sílvio de falar deste jeito: ‘Você vai fazer desse jeito, porque senão vou perder o ponto... Como você é o apresentador, você vai fazer como eu bolei o quadro’. Ele não era o meu patrão, ele era o apresentador de um programa, então eu podia falar desse jeito com ele. Teve algumas coisas engraçadas no meio. Teve um dia que ele me expulsou do teatro porque, nas curiosidades, eu trouxe vários vegetais, milho embrulhadinho um a um, quiabo de sete metros, mamão grávido com mamãozinho dentro; juntei um monte de coisas pela rádio, juntei tudo isso, só que falei que era de um cientista maluco lá de Rio Preto que estava fazendo experiência genética. Quando ele descobriu que não era, me colocou para fora: ‘Seu moço mentiroso...’. Ele começou a prestar atenção em algumas pessoas de Rio Preto. Quando Rio Preto encerrou, um dia tinha que
perder, tínhamos ganhado sete ambulâncias para a cidade, não tinha doente suficiente para tanta ambulância que a gente ganhou do Sílvio Santos, não tinha mais estacionamento. Quando foi a sétima vez, fui me despedir dele. ‘Mas como é o seu nome mesmo?’; ‘O meu nome é Homero.’; ‘O que você faz mesmo?’; ‘Sou gerente de uma firma de tratores.’; ‘Ah tá bom... tchau, tchau.’ Uma semana depois recebi convite do Sílvio para vir trabalhar com ele. O convite era para mim e para Celso Lui, irmão de um colunista social de Rio Preto. Aí viemos, eu e o Celsinho com a cara e a coragem.”, relembra.
Momentos delirantes
O rio-pretense Celso Lui, autor e roteirista do SBT São Paulo, é irmão do jornalista e colunista social Waldner Lui, conhecido pela excelência do seu texto e promoção de eventos sociais em Rio Preto. Celso Lui estava lá. No Cidade Contra Cidade! E como Silvio Santos tem olho clínico para talentos, não deixou-o voltar para Rio Preto depois de finalizada a participação, contratando-o para a produção dos seus programas. E ele ficou nos estúdios paulistanos, aposentando-se no SBT em 2014. Portanto, se Silvio Santos tem uma programação considerada entre as melhores do mundo (com cotação inclusive no Guinness Book), um bocado desse mérito cabe sem dúvida a um rio-pretense. Celso Lui conta como foi: “Antes de recordar os bons momentos vividos no Cidade Contra Cidade, vale citar que o programa foi criado por Neimar de Barros, para aumentar a venda dos carnês do Baú da Felicidade pelo interior do Estado de São Paulo. Este programa já havia sido apresentado nas noites de quarta-feira na TV Tupi, inclusive com a participação de Rio Preto. Quando, nessa época, a cidade foi desclassificada, o programa abriu espaço para a defesa dos nossos pontos de vista, feita brilhantemente pelo Dr. Wilson Romano Calil.
Muito bem, isto posto, vamos rememorar um pouco dessa atração, na versão global, que tinha o Roberto Toledo como apresentador da cidade. Silvio, de cara gostou do Bob, pela sua bela voz e bela figura, e queria levá-lo para seus quadros. E que, para alegria de seus fãs rio-pretenses, ele não topou. Em Rio Preto, o clube Sírio-Brasileiro cedeu sua sede na Voluntários de São Paulo, para que a comissão organizadora fizesse suas reuniões de pauta e a equipe do Quadro Artístico realizasse seus ensaios comandados por Humberto Sinibaldi. Eu estava nessa equipe, como ator, e me lembro de passar madrugadas inteiras ensaiando. E me divertindo, claro. Fizemos quadros memoráveis como O Barbeiro de Sevilha, Dançando na Chuva e muitos outros. Para quem não sabe, cada quadro do programa valia um ponto na avaliação de um corpo de jurados, com exceção do quadro final que valia cinco pontos, e podia reverter o placar. No quadro final, chamado de Intelectual da Cidade, dois participantes respondiam a cinco perguntas de Conhecimentos Gerais, e cada resposta certa valia um ponto. No início, estávamos muito bem representados por um professor universitário, cujo nome me ‘escapa’ no momento. Mas, que por um problema de saúde, precisou sair de cena. Um belo dia, chega ao local em que ensaiávamos as criações de Sinibaldi um produtor do programa vindo de São Paulo (Luiz Mendes, com quem mais tarde trabalhei no Programa Silvio Santos) perguntando por mim. Ele disse que eu havia sido indicado para substituir o professor universitário no quadro final. E foi me fazendo uma porção de perguntas que havia levado escritas num caderno. De ‘qual é a moeda da Bolívia’ à ‘qual é a capital da Suécia’ tinha de tudo. Acertei todas e ele me escalou na hora como participante ‘intelectual’. Era muita responsabilidade, pois dependendo do andamento do programa, a vitória ou derrota da cidade estaria nas minhas mãos. Continuei fazendo a minha participação como ator e voltava no quadro final para encarar Silvio Santos com suas perguntas. Participei de alguns programas, vencendo sempre.
A cada resposta errada, pelo regulamento, o participante tinha cinco segundos para se corrigir. Num belo dia, Silvio dispara: ‘Qual peça do xadrez o jogador deita no tabuleiro ao levar um xeque-mate?’ Na hora deu branco e eu respondi que era o Rei. O apresentador pediu então que eu refizesse a resposta em cinco segundos. Neste curto espaço de tempo, para não errar, falei de Rainha a Peão, todas as peças do jogo. Ele teve de considerar certa a resposta. A partir desse dia o regulamento foi mudado, e só valia a primeira resposta dada. No final do programa, um dos produtores disse que o Silvio me chamava ao camarim. Fui temendo levar uma bronca. Mas ele só queria me propor um contrato de trabalho. Disse a ele que me interessava, mas só quando a cidade terminasse sua participação no programa. O resto é história. Passei a roteirizar o Cidade Contra Cidade, e o Domingo no Parque, que abria nas manhãs de domingo o Programa Silvio Santos. Depois de muitas idas e vindas, e passagens por várias emissoras, aposentei-me no SBT em 2014. Mas nunca esquecerei os momentos delirantes que foram participar ao lado de Roberto Toledo, Humberto Sinibaldi, Homero Salles (que também foi contratado pelo Silvio) e muitos outros que faziam parte da organização da equipe de Rio Preto. No palco do programa, um teatro alugado pelo Silvio Santos na Rua Cotoxó, no Sumaré, Roberto Toledo fazia a apresentação de cada quadro a ser exibido, com o brilhantismo de sempre, o que dava a toda a equipe nos bastidores a confiança necessária para executarmos tudo como havia sido ensaiado, e combinado. Nós nos saímos muito bem, e trouxemos várias ambulâncias para a cidade, que era o prêmio oferecido a cada programa.”.
“A cidade pirava”
O diretor teatral e empresário Humberto Sinibaldi Neto, de família de ascendência italiana com grande contribuição
para a história da cidade, era um dos integrantes da comitiva rio-pretense. “A cidade pirava com o programa, ajudava na produção das provas e torcia pela vitória e harmonia do grupo. De forte liderança, Roberto Toledo era o apresentador e levava o programa na maior tranquilidade. Entrava no palco e arrebentava! A gente fazia muita sátira nas produções e provas incríveis e isso despertava interesse nas pessoas. Em uma ocasião, a prova era levar o Sidney Magal (ou um sósia) ao programa. Não é que encontramos um sósia no último minuto e nem deu tempo de comprar aqueles adereços espalhafatosos que o verdadeiro Magal utilizava? Deram-nos então permissão para fazer compras em São Paulo e foi a nossa salvação. Eram provas difíceis, mas caminhávamos de semana em semana, cumprindo todas as tarefas solicitadas, até fazer essa conquista para a cidade. Roberto Toledo, seu primo Murilo e Homero Salles eram responsáveis por toda a documentação, o que era muito trabalhoso. O programa exigia que todos os participantes fossem rio-pretenses natos. A gente conseguiu diversão, entretenimento para Rio Preto e ainda sete veículos pelas sete semanas de programa. Porém, a equipe da produção achou que a presença repetida de Rio Preto estava desinteressando o público, e assim terminou nossa participação. Poucas vezes vimos tanta união, tanta amizade e tanto comprometimento quanto nesse período de participação. Muitas coisas positivas aconteceram, amizades foram firmadas. E, diante da capacidade de Celso Lui e de Homero Salles, ambos foram contratados por Silvio Santos e trabalharam a vida toda no SBT. Homero Salles foi o braço direito de Gugu Liberato.”.
Acervo Pessoal/Roberto Toledo
Roberto Toledo junto com as cartas que foram enviadas para a participação no programa Cidade Contra Cidade apresentado por Silvio Santos na extinta TV Tupi
Acervo pessoal/Roberto Toledo
Representantes de Rio Preto embarcam para a TV Tupi para participar do programa Cidade Contra Cidade
Acervo Pessoal/Roberto Toledo
Silvio Santos (centro) e Roberto Toledo (à direita) durante a gravação do programa Cidade Contra Cidade, no qual Rio Preto enfrentava Araraquara (SP)
Acervo Pessoal/Roberto Toledo
Participação de Wilson Romano Calil no programa Cidade Contra Cidade
Acervo Pessoal/Roberto Toledo
Roberto Toledo defendeu brilhantemente Rio Preto no programa Cidade Contra Cidade