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Quando as noites tinham um dono

Se Rio Preto tivesse que escolher um fundo musical, votaríamos em Skokiaan, o mambo que, durante mais de 40 anos, avisou as pessoas de que elas estavam prestes a entregarse a longas e agradáveis sequências de belas e inesquecíveis páginas musicais. Ele as avisava de que estavam mergulhando na “maior sequência musical do rádio interiorano”. Skokiaan, em clássica interpretação de Bert Kaempfert e Orquestra, servia de prefixo principal para o Programa Roberto Souza – o Dono da Noite, que consagrou entre os rio-pretenses o hábito de telefonar para a emissora de rádio, pedir músicas e oferecê-las para outros ouvintes, além de retribuir oferecimentos anteriores. A cada bloco de quatro ou cinco músicas, essa mistura de interesses musicais era capaz de compor uma colcha de retalhos deliciosamente multicolorida e disforme. A um Orlando Silva, por exemplo, seguia-se Bill Halley e Seus Cometas, Chitãozinho e Xororó e, não raro, a Orquestra Tabajara, Ray Conniff ou a Filarmônica de Berlim.

O Dono da Noite – título de propriedade de que se apossou pela notabilidade de seus programas, que começavam às 22h e avançavam pelo começo da madrugada – era apenas o guardião da diversidade de gostos de seu público, formado por professoras aposentadas jogando buraco com as amigas em casa; boêmios incorrigíveis nos bares da Bernardino; vigias noturnos à procura de um antídoto para o sono e para a solidão; moçoilas esperançosas na zona do meretrício; vizinhos reunidos na calçada; enfermeiros apressados; padeiros; jogadores de baralho; garçons; motoristas de táxi; policiais; travestis fazendo ponto na Quinze de Novembro; ou seja, toda a gente da noite, sem exceção. E mais: médicos, juízes, promotores, advogados, engenheiros, padres e empresários insones. Para resumir, quase toda a cidade, com poucas exceções. Nos anos 1970, recebeu dois avisos: um de um político para disputar a eleição de vereador, porque, com tamanha popularidade, a eleição era uma barbada; e outro de seu médico sobre um câncer avançado no estômago que lhe deixava muito pouco tempo de vida. Sem dinheiro para a campanha eleitoral, jamais conseguiu transformar a notoriedade em votos suficientes para se eleger. Sem tempo para pensar em doença, sobreviveu mais de 30 anos ao diagnóstico, vindo a morrer em dezembro de 2002, aos 73 anos. Quantos anos?! Perguntariam seus contemporâneos antes de delatar que ele tinha duas certidões de nascimento. Oficialmente, Arnulfo de Sousa Freire – era o seu nome – nasceu em Januária, Minas Gerais, em 5 de outubro de 1929. Sua idade de verdade ao chegar para trabalhar como padeiro para a família Muanis, em Onda Verde, talvez nem ele próprio soubesse. Da ligação com os Muanis – de quem tornou-se um irmão de criação –, não é difícil imaginar os atalhos que o levaram à Rádio Rio Preto PRB-8, primeiro como cantor e depois como locutor faz-tudo. Fez inclusive plantão esportivo nas transmissões de futebol. Nessa função, consta que, certa vez, Roberto Souza acompanhava o andamento de dois jogos, um no Pacaembu e

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Reprodução/Álbum Astros e Estrelas do nosso Rádio/Dezembro de 1957/Zacharias Waldomiro do Vale

Roberto Souza comandava o Programa Roberto Souza, na PRB-8

outro no Morumbi, e, a cada vez que o narrador esportivo acionava o plantão, Souza informava: — No Morumbi, São Paulo um, Juventus um; no Pacaembu, Corinthians um, São Bento um. E tantas vezes teve que repetir a mesma informação, o mesmo placar, que, a partir de determinado momento, resolveu simplificar: — No Morumbi e no Pacaembu, tudo zuns a zuns... Poucas cidades têm um fundo musical como Skokiaan. Na verdade, só Rio Preto teve um dono da noite!

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