41 minute read
A abordagem do tema água: o curso de aperfeiçoamento do instituto terra Diogo Fernandes Rosas e Marcus Vinicius Pereira
from TEIA DE SABERES NAS QUESTÕES AMBIENTAIS: da educação científica e filosófica à educação ambiental
A ABORDAGEM DO TEMA ÁGUA: o curso de aperfeiçoamento do instituto terra
Diogo Fernanes Rosas Marcus Vinicius Pereira
Advertisement
Introdução
Os recursos hídricos são de fundamental importância para manutenção da vida e equilíbrio nos ciclos que a natureza promove. Oceanos e mares concentram 97% da água do mundo, mas que, por ser em sua grande maioria salgada, não pode ser diretamente utilizada para beber ou na agricultura. Além disso, dos 3% restantes, três quartos (3/4) da água doce se encontra em geleiras e calotas polares, e as principais fontes de água doce constituem apenas 0,1% (BAIRD; MICHAEL, 2011). Tundisi (2003) e Rebouças et al. (2002) relatam conflitos em decorrência da água em várias partes do mundo, o que preocupa as gerações atuais e não somente as futuras com relação à disponibilidade de água potável para todos. Entre 2003 e 2005, foi criado o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), que, em janeiro de 2006 por meio da Resolução n° 58 (BRASIL, 2006), introduziu em sua estrutura a educação ambiental em consonância com a Lei Federal n° 9.795/99 (BRASIL, 1999), o desenvolvimento de capacidades, a difusão de informações, a comunicação e a mobilização social para a Gestão Integrada de Recursos Hídricos (GIRH). Em meio a essa nova conjuntura, foi criada, em 2004, a Câmara Técnica de Educação, Capacitação, Mobilização Social e Informação em Recursos Hídricos (CTEM) pela Resolução n° 39 do CNRH. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2019), estima-se que 2,1 bilhões de pessoas no mundo vivam sem água própria para o consumo humano.
Ainda nessa linha de debate, a ONU apresenta dados alarmantes ao informar que degradação ambiental, crescimento populacional e mudanças climáticas agravam o estresse hídrico em proporções aceleradas. A má gestão dos recursos hídricos associada à demanda crescente devido ao aumento da população e outros fatores torna a discussão do assunto em questão de grande relevância para perspectivas futuras. A mudança global do clima se soma dramaticamente a essa pressão e a educação como ferramenta de sensibilização e conscientização é um dos pilares mais importantes na busca pelo equilíbrio ambiental. Guterres (2019) afirma que, em 2030, aproximadamente 700 milhões de pessoas em todo o planeta poderão ter que se deslocar de suas terras em função da intensa escassez de água. Esses dados e outras pesquisas em andamento apontam para a real necessidade de investir em novas políticas educacionais que aumentem a abordagem do estudo sobre recursos hídricos em todos os níveis de ensino como ferramenta transformadora da consciência e sensibilização ambiental para as gerações futuras, de forma a promover também debate sobre outros tópicos importantes como desastres ambientais que nos últimos anos têm acometido o Brasil. Como exemplo, trazemos o ocorrido no dia 5 de novembro de 2015 com o maior desastre ambiental do país após o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, no município de Mariana em Minas Gerais (MG), onde houve o vazamento de lama e rejeitos de minérios de ferro oriundos da mineradora. Esse crime ocasionou grandes danos ambientais a diversas regiões banhadas pelo Rio Doce e seus afluentes, danos esses que foram considerados irreparáveis em alguns casos. Após a tragédia, houve grande mobilização no intuito de promover a minimização dos impactos negativos causados e, dentro desse cenário, a educação se faz presente sendo uma das maiores ferramentas de apoio na recuperação ambiental dos ecossistemas afetados e também de mobilização social através da conscientização da população. Nesse contexto, foi criada a Fundação Renova30, que teve origem após o crime ambiental ocorrido em Mariana (MG) e a assinatura do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) pela empesa responsável e com apoio de seus acionistas e órgãos ambientais com participação direta nas localidades atingidas para recuperação de parte das nascentes do Rio Doce.
30 A Fundação Renova é responsável por gerir os programas de reparação, restauração e reconstrução das regiões impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015. A instituição nasceu em 2016, a partir de um Termo de
Ajustamento de Conduta (TTAC). O documento foi assinado pela Samarco Mineração e suas acionistas – Vale e BHP Billiton – e, também, por instituições e órgãos do governo federal e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Porém, no dia 25 de janeiro de 2019, durante a realização desta pesquisa, um novo evento ocorreu de forma criminosa quando mais uma barragem rompeu e seu rejeito de lama dessa vez causou, além dos impactos ambientais, prejuízos financeiros e a morte de centenas de pessoas, desta vez no município de Brumadinho (MG). Um dos rios atingidos foi o Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco, fazendo com que a água ficasse imprópria para o consumo em muitas localidades e causando mortandade de peixes devido à diminuição da quantidade de oxigênio na água, o que também acarreta problemas sociais para comunidades ribeirinhas que dependem diretamente dessa fonte para sua sobrevivência. Diversos projetos foram implementados como ações mitigadoras, mas destacaremos no presente trabalho a importância do tema recursos hídricos, particularmente a água, no ensino de ciências, mais especificamente no curso de Formação de Agentes de Recuperação Ecossistêmica, promovido pelo Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica (NERE) do Instituto Terra (IT), onde são formados técnicos especialistas para atuar nas atividades relacionadas ao estudo, contribuindo para recuperação dos recursos hídricos da região e pela formação de discentes que se tornam agentes multiplicadores e especialistas no tema abordado. Temos como objetivo analisar a abordagem do tema “Água” no ensino de ciências observada no Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica ofertado pelo Instituto Terra. Diante do atual cenário de crimes ambientais com consequente contaminação de corpos hídricos no país, entende-se que seja necessário aprofundar estudos que contribuam para valorização do tema recursos hídricos na formação escolar. A partir desse contexto, a proposta apresentada no Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica ofertado pelo Instituto Terra possui particularidades que nos levam a crer que projetos desenvolvidos nessa instituição com intuito de capacitar melhor estudantes e futuros profissionais poderão estreitar a relação entre sociedade e natureza promovendo resultados positivos.
Educação ambiental e o tema água
A Constituição Federal Brasileira determina em seu Art. 225, inciso V, que cabe ao poder público promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino. No Brasil, em 1981, a Política Nacional de Meio Ambiente promove
a inclusão da educação ambiental em todos os níveis de ensino, reforçada na Constituição Federal de 1988. Em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais são aprovados e amplia-se o foco pela necessidade de temas sociais na educação, denominados temas transversais, o que inclui o meio ambiente. Assim, a educação ambiental passa a fazer parte das orientações curriculares nacionais (BRASIL, 1997).
A partir dessa aprovação, foi criada a Lei 9.795/99 (BRASIL, 1999) que dispõe sobre a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil, e tem como finalidade proporcionar aos indivíduos a aquisição de conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente. Essa lei estabeleceu a educação ambiental como um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. Para Marcondes (2008) os temas tornam mais significativo o aprendizado de acordo com o tipo de abordagem, uma vez que eles podem permitir o estudo da realidade, fazendo com que o discente reconheça a importância da temática para si próprio e para o grupo social a que pertence, favorecendo a relação de forma significativa dos conteúdos com o seu cotidiano. Em 2002, foi elaborado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia um documento intitulado Diretrizes Estratégicas para o Fundo de Recursos Hídricos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (BRASIL, 2002). O texto já apontava estratégias para a busca de soluções sustentáveis para os problemas de escassez ou excesso de água em determinadas regiões do país, degradação da qualidade da água, percepção inadequada de governantes e sociedade em geral sobre a gravidade da questão da água, fontes de fomento insuficientes para projetos que busquem ou minimizem problemas relativos aos recursos hídricos, ameaça à segurança e a paz devido a possíveis disputas territoriais, por rios compartilhados por dois países e perspectivas de mudanças climáticas que afetarão a distribuição e a disponibilidade de água no planeta. Dentre as prioridades apresentadas nesse documento, podemos destacar a capacitação de recursos humanos e infraestrutura de apoio à pesquisa e desenvolvimento. As soluções já discutidas naquele momento indicavam como oportunidades as contribuições da ciência e tecnologia em prol da sociedade brasileira. Tais prioridades possuem conexão direta com a perspectiva educacional e inserção do debate sobre recursos hídricos no ambiente escolar em diferentes modalidades, contribuindo para ampliação da relevância atribuída ao tema.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (BRASIL, 2012) afirmam que a práxis da educação ambiental se dará por meio de uma educação cidadã, responsável, crítica, participativa, envolvendo conhecimentos científicos e o reconhecimento dos saberes tradicionais. Constitui-se como elemento identitário que demarca um campo de valores e práticas, mobilizando atores sociais, comprometidos com a prática político-pedagógica contra hegemônica. A Política Nacional de Educação Ambiental caracteriza que a educação ambiental se encontra presente nos processos onde o indivíduo e a coletividade constroem conhecimentos, habilidades, valores sociais, competências e atitudes em prol à conservação do meio ambiente, sendo primordial a qualidade de vida bem como a sustentabilidade. É nele que se materializam as relações entre homem e natureza. Essa característica é fundamental para que a educação ambiental esteja no objeto de estudo das escolas e instituições, considerando todos seus aspectos, sendo incorporados junto às redes de relações socioeconômicas, culturais, políticas, ecológicas, estéticas e éticas (BRASIL, 1997). Nessa linha, a forma como temáticas são abordadas apresenta diferenças conceituais e estruturais em espaços distintos. O estudo do tema água usualmente se inicia com a abordagem do ciclo hidrológico, apresentando os processos por etapas. A importância de contextualizar este conceito permeia desde informações sobre o consumo diário, abastecimento nas residências, geração de energia elétrica, produção de alimentos, até os impactos ambientais sofridos por este recurso natural por outras atividades antrópicas. Um dos principais responsáveis pela entrada de água no ciclo hidrológico é a chuva. Quando precipita, parte dela escoa pelos rios, outra infiltra e o restante evapora ou é transpirada pelas plantas. Ao longo desse trajeto, a água pode ser utilizada de diversas maneiras até chegar ao mar, onde evapora e se transforma em nuvens que seguirão com o vento, reiniciando o ciclo. (ANA, 2019). Dickman e Carneiro (2012), a partir da reflexão de outros autores como Figueiredo, Jacobi e Loureiro, trazem como pressuposto a educação ambiental ser uma dimensão educativa crítica que possibilita a formação de um sujeitoaluno cidadão, comprometido com a sustentabilidade ambiental, a partir de uma apreensão e compreensão do mundo enquanto complexo. Para Lage, Nogueira e Foresti (2006), a realização de atividades teóricas, com participação ativa dos alunos, e de atividades de campo e laboratório, visando trabalhar a percepção sobre o mundo a sua volta, apresenta resultados positivos em relação ao aprendizado. Com isso, o desenvolvimento da percepção dos estudantes perante
Ciclo da água
Fonte: http://conjuntura.ana.gov.br/cicloagua
as necessidades latentes relacionadas ao debate ambiental nos dias atuais se torna uma prática importante devido aos possíveis resultados oriundos dessas metodologias. Já Soares, Nunes e Silva (2017) afirmam que a escola deve ter papel de destaque na formação de cidadãos conscientes quanto ao uso sustentável da água. Essa ideia caracteriza a importância de manter o tema em debate constante ao longo dos anos de estudo e sempre contribuindo para melhor abordagem deste conteúdo. Essas concepções corroboram a ideia de que as aprendizagens significativas desenvolvidas pelos alunos resultam em formação de cidadãos conscientes e capazes de modificar e construir soluções para problemas sociais e ambientais (WOITECHUMAS; BONMANN; ARAUJO, 2016). Alcântara (2009) afirma que os principais motivos da escassez hídrica em muitos lugares do planeta estão relacionados à degradação de corpos d’água, juntamente com o desperdício, além de zonas árias em alguns territórios. Mas para minimizar esses impactos e obter diminuição do consumo e desperdício, algumas ações devem
ser implementadas, tais como ações sociais que sensibilizem sobre o uso racional da água, recursos tecnológicos que promovam controle de desperdício, ações de teor econômico como forma de incentivar o consumidor nesta relação com o consumo e também a recursos humanos capacitados. Com o amplo debate realizado sobre o tema podemos citar a Agenda 2030 (ONU, 2019), que foi proposta em setembro de 2015 e promovida pela ONU, onde Chefes de Estado e de Governo adotaram um conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e metas universais para enfrentar desafios globais que trazem problemas ambientais, sociais e econômicos ao mundo. Dentre os objetivos elencados, o sexto possui certa relação com o presente trabalho, uma vez que é apresentado com o título de “assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos”, caracterizando que o acesso a água e saneamento afetam todos os aspectos da dignidade humana. Esse objetivo também apresenta metas em alguns de seus itens que seja estabelecida até 2020, como a proteção e restauração de ecossistemas relacionados com a água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos. Outro objetivo que caminha junto com o mencionado anteriormente é o ODS 13, que apresenta como meta “tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos”. Dentre os itens que compõem esse objetivo, damos ênfase ao 13.3, que aborda a melhoria na educação, aumento da conscientização e da capacidade humana e institucional sobre mitigação, adaptação, redução de impacto e alerta precoce da mudança do clima. Podemos considerar que essas medidas também fazem parte ou possuem vertente que remete aos objetivos do milênio. Entendemos, portanto, que a educação formal, considerando a legislação vigente, não pode ficar alheia a essas discussões, tampouco não trazer para a ordem do dia dos currículos escolares documentos como a Agenda 2030, entre outros, daí a importância deste trabalho.
Metodologia
O presente trabalho tem como base a pesquisa qualitativa, que utiliza uma análise diversificada envolvendo materiais analisados através de coleta de dados, documentos e trabalhos relacionados ao tema, além de visita de campo para observação real do desenvolvimento de um curso de aperfeiçoamento profissional. Essas abordagens caracterizam este trabalho como uma pesquisa
do tipo observação participante, com a imersão no campo durante uma semana, acompanhado todas as atividades desenvolvidas, realizando refeições e pernoitando em um de seus alojamentos. A observação participante é caracterizada neste estudo, embora alguns autores atribuam particularidades a essa metodologia que limitariam sua abordagem no trabalho em questão. Para Mónico et al. (2017), a observação participante é uma metodologia muito adequada para o investigador apreender, compreender e intervir nos diversos contextos em que se insere. Isso toma parte no meio onde as pessoas se envolvem e essa metodologia proporciona uma aproximação ao cotidiano dos indivíduos e das suas representações. Neste trabalho, assumimos que esses dois procedimentos (pesquisa documental e observação participante) foram contemplados por meio, respectivamente, do acesso a documentos oficiais do Programa e do Instituto Terra (incluindo vídeos, todos os disponíveis na página oficial do Instituto) e da visita de campo. O tempo de imersão no ambiente de estudo pode ser considerado um período curto, mas pode ser equilibrado de acordo com a intensidade da vivência realizada no local, onde foi possível extrair informações relevantes para o desenvolvimento do presente trabalho. A pesquisa documental caracteriza-se por estudos realizados a partir de documentos, sejam eles contemporâneos ou históricos, considerados como fontes científicas. Esse tipo de pesquisa permite associar a compreensão e observação do processo de desenvolvimento e de evolução de grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas etc (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009). O conceito de pesquisa documental define a análise de uma variedade de materiais, como documentos oficiais, cartas, relatórios, vídeos, fotos dentre outros. Todos esses materiais são utilizados como fontes de informações, de maneira que possa apresentar conteúdo válido para garantir a qualidade do objeto de estudo/pesquisa em questão e agregar mais valor ao material exposto. Com isso, dividimos a metodologia em etapas apresentadas na figura a seguir, em que a pesquisa bibliográfica deu início a todo processo através da procura e análise de materiais referentes ao tema abordado. Realizado esse filtro para obter o conteúdo de maior relevância, a segunda etapa consistiu na pesquisa documental, na qual foi possível verificar documentos oficiais do Instituto Terra (IT) como relatórios anuais de atividades, publicações sobre os programas e projetos envolvidos, entre outros. Na terceira etapa metodológica, foram assistidos vídeos disponíveis na página oficial do IT e também em suas
redes sociais onde muitos materiais são apresentados com fácil acesso (como, por exemplo, em seu canal no YouTube). Esses materiais foram de grande importância, pois possuem informações interessantes a respeito de algumas dúvidas e questionamentos encontrados ao longo do estudo. A quarta etapa, considerada a mais importante, foi realizada entre os dias 22 e 26 de outubro de 2018, quando se deu a pesquisa de campo por meio da visita e caracterizou-se pela observação participante, vivência e acompanhamento do dia-a-dia dos estudantes participantes do Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica durante uma semana de atividades. Por fim, a quinta etapa teve como objetivo a discussão e relato a partir dos dados obtidos nas etapas anteriores, a fim de formular melhor e de maneira didática tudo que foi explorado durante o desenvolvimento do presente trabalho. Neste processo surge também recomendações e propostas de novas pesquisas para a área de estudo onde foi realizado este projeto, como forma de ampliar estudos acadêmicos no local.
CENÁRIO EMPÍRICO: o Instituto Terra
O Instituto Terra (IT) é uma organização civil sem fins lucrativos fundada em abril de 1998, que atua na região do Vale do Rio Doce, entre os Estados de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES). Suas principais ações envolvem a preservação e restauração ecossistêmica da bacia do Rio Doce, produção de mudas de Mata Atlântica, extensão ambiental, educação ambiental e pesquisa científica aplicada. O IT administra a Fazenda Bulcão, que é constituída por uma área total de aproximadamente 710 hectares, sendo 608,69 hectares reconhecidos como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)31 desde a sua fundação – trata-se da primeira RPPN constituída em uma área degradada de Mata Atlântica. O nome origina-se do córrego Bulcão, que já se encontrava praticamente seco antes da criação do IT. As duas imagens a seguir ilustram a localização do IT dentro da RPPN Fazenda Bulcão.
31 É uma categoria de Unidade de Conservação criada pela vontade do proprietário rural, sem desapropriação de terra, com perpetuidade na matrícula do imóvel sem afetar a titularidade do mesmo. Ao decidir criar uma RPPN, o proprietário assume compromisso com a conservação da diversidade biológica.
Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica
O Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica (NERE) foi criado em agosto de 2005 para proporcionar a formação pós-técnica, teórica e prática, de técnicos agrícolas, ambientais, florestais e áreas correlatas. O núcleo tem como objetivo se tornar referência na capacitação de profissionais que possam atuar na recuperação de áreas degradadas, na restauração e valoração ambiental, além de fazer uso sustentável dos recursos naturais e de técnicas alternativas à produção, administração e manejo de propriedades rurais. A construção da residência dos alunos e a aquisição de equipamentos contaram com a colaboração da Philips do Brasil e da Fundação Florindon, na Suíça. O estudo para a criação do currículo do curso foi financiado pela International Finance Corporation (IFC). Hoje, o NERE tem seu curso financiado pela Fundação Renova, responsável pela verba destinada ao projeto que capacita os alunos aprovados para ingresso no Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica. Funcionando em regime de internato, são ofertadas 20 vagas por seleção a cada ano para o Curso, e inclui, além de alojamento e alimentação, uma ajuda de custo mensal durante o período de formação. Os estudantes selecionados passam a residir nas dependências do IT, com uma carga horária flexível, sempre obedecendo à necessidade individual do agente, e 80% de atividades práticas obedecendo a um calendário próprio (e não como um ano letivo o qual tradicionalmente seguem as escolas), de forma que esses agentes possam vivenciar pelo menos um período de plantio. O investimento na formação dos técnicos estudantes do Curso de Aperfeiçoamento Profissional promovido pelo IT orientados para a conservação e recuperação ambiental da Mata Atlântica visa atingir um público muito específico: agricultores da região do médio Rio Doce, bem como empresas e Governo. Essa é uma das ações que permitem ao IT replicar o conhecimento adquirido na recuperação da Mata Atlântica, incentivando um modelo de agricultura sustentável na região, tal como ilustrado nas imagens comparativas entre 2001 e 2009 após a restauração de uma região da Fazenda Bulcão.
Antes e depois da restauração na Fazenda Bulcão. 2001 x 2019 Fonte: Instituto Terra.
a) Discentes
O Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica tem como público alvo estudantes que já tenham concluído Curso Técnico em Meio Ambiente, Agropecuária, Agrícolas, Florestais ou áreas afins. No período de desenvolvimento deste trabalho, a turma do curso em 2018 era constituída por 17 alunos oriundos de Institutos Federais e Escolas Família Agrícola (EFA), com faixa etária entre 18 e 25 anos. Os alunos estudam no sistema de semi-internato dentro do IT com uma carga horária flexível, distribuídas ao longo de um ano com sólida formação que respeita a necessidade individual de cada Agente em Restauração Ecossistêmica (ARE). Eles são incentivados a ter um comportamento crítico e participativo, buscando constantemente o aprimoramento de técnicas e soluções tecnológicas para aumentar a produtividade com qualidade, bem como preocupação com a saúde, a sociedade e a preservação do meio ambiente. As Escolas Família Agrícola (EFA) são escolas comunitárias, geralmente coordenadas por associação de moradores e sindicatos rurais vinculados à comunidade. A pedagogia da alternância é a metodologia utilizada nesta modalidade de ensino, em que o estudante possui o regime de frequência diferente
dos tradicionais, o que equivale a um internato rural. Passam um período de estudos na escola e um período proporcional em casa, levando o conhecimento adquirido durante o curso para vida rural da família. Essa alternância proposta pela metodologia é que permite a formação básica e profissional, além de contribuir para formação de novas lideranças e diminuição do êxodo rural. Incorporada à grade curricular estabelecida pelo MEC, a EFA possui disciplinas de agroecologia, manejo animal, agricultura etc. Nesse contexto, a alternância busca conectar dois universos que tradicionalmente se ignoram ou mesmo competem pelo presente e o futuro do jovem do campo, possuindo uma proposta pedagógica adequada às características da vida rural, procurando, além de fixar o homem no campo, servir como instrumento do desenvolvimento agrícola. O projeto das EFA surgiu na França, em 1935, ligado à Igreja Católica e hoje está espalhado por todo o mundo. O modelo foi implantado no Brasil em 1968, no Espírito Santo (ES). Dentre os estudantes participantes da turma de 2018, vale destacar que havia adolescentes oriundos de famílias de pequenos agricultores e assentamentos rurais da região.
b) Estrutura
A formação do Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica é desvinculada da educação formal, por uma educação que envolve o agente nas atividades de modo dinâmico, crítico a participativo. Segundo a coordenação, a organização das atividades visa assegurar a formação dos Agentes em Restauração Ecossistêmica (ARE) dentro dos padrões técnicos do escopo das atividades desenvolvidas pelo IT, com isso os alunos são capacitados através da imersão e envolvimento direto nas atividades e projetos da instituição que apresentaremos mais adiante. A avaliação é feita de forma conceitual (observações), relatório de atividades, preparação de documentos, comportamento, compromisso com horários, cumprimento de prazos etc. O tema “recursos hídricos” é apresentado aos alunos do NERE principalmente através de suas práticas diárias e na observação da importância desse recurso para gerações futuras e para projetos do próprio IT, que incluem proprietários de terras na região, estudantes de escolas do munícipio e a população em geral. Dentre as disciplinas que fazem parte da organização curricular do curso, podemos citar algumas como por exemplo:
Agroecologia Apicultura e apiário escola Código florestal, Cadastro Ambiental Rural Coleta de sementes Comunicação, linguagens e interação Curso de gestão Ecologia Educação e interpretação ambiental Jardinagem e paisagismo Laboratório de ecofisiologia de sementes da mata atlântica Legislação ambiental Noções básicas de gestão de recursos hídricos Pagamento por serviços ambientais (PSA) Prevenção e combate a incêndios florestais Socialização pedagógica Softwares básico Técnicas de restauração ecossistêmica e conservação dos recursos naturais Viveiro florestal
c) Trabalhos desenvolvidos:
Durante o período do curso, os estudantes também realizam atendimento diretamente junto a pequenos produtores rurais da região, contribuindo para disseminação do conhecimento no intuito de promover e inserir práticas agroecológicas de produção, reflorestamento de Áreas de Proteção Permanente (APP), Reservas Legais (RL) e, principalmente, a proteção de nascentes, que faz parte de um dos projetos mais importantes do IT. Ressalta-se também a participação em diversas iniciativas englobando atividades educacionais de cunho ambiental diretamente ligadas às comunidades do entorno da sede da instituição. Os trabalhos desenvolvidos no Instituto são de suma importância para a formação desses agentes, uma vez que a participação direta nesses projetos possibilita maior aprendizado prático e teórico em assuntos relacionados ao tema principal do curso. Dentre eles, citaremos aqueles que apresentam maior relevância de acordo com a proposta do presente trabalho.
O Programa Olhos D’água é um dos principais projetos em atividade atualmente no IT e tem como objetivo principal a proteção e recuperação de mananciais da Bacia do Rio Doce (MG e ES), além de incentivar o saneamento em propriedades rurais localizadas também nesta Bacia. As atividades desenvolvidas nesse programa possibilitam um aprendizado diferenciado sobre recursos hídricos, em que os estudantes atuam na prática com situações específicas na recuperação dessas nascentes que são mapeadas na região. O projeto Terrinhas também é de grande relevância, pois é desenvolvido em parceria com escolas públicas e privadas de Aimorés (MG). A primeira turma foi formada em dezembro de 2008 e reunia 350 alunos, meninos e meninas, com idades entre 8 e 14 anos, que a partir dos conhecimentos adquiridos, se tornaram os monitores ambientais mirins ao receberem informação para atuar nos projetos pedagógicos de educação ambiental desenvolvidos nas escolas e participarem de atividades educativas em visitas ao IT. A participação dos estudantes do Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica em projetos como esses contribuem para evolução didática em abordagens de educação ambiental e funcionam como multiplicadores da popularização da ciência levando esse tema para ampla discussão e divulgação junto a sociedade. Essa consideração será melhor desenvolvida na seção dedicada à discussão dos resultados e ao final deste trabalho.
Coleta de dados
Foram pesquisados em documentos e outros materiais disponíveis, incluindo audiovisuais, diversas informações a respeito do IT e seus programas específicos, e foi dada ênfase aqueles que apresentassem relação direta com o NERE e o presente trabalho. Dentre os documentos, foram verificados o Estatuto Social do Instituto, Nota Técnica sobre o Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica, Relatório Anual de Atividades, Organização Curricular do Curso, entre outros. Nesta etapa da pesquisa, também foram analisados diversos vídeos do IT que apresentassem os trabalhos desenvolvidos e que possuíssem relação com o tema abordado. Também foram verificados outros conteúdos de fontes como a Fundação Renova, que complementam as análises realizadas para o assunto discutido. Alguns vídeos foram acessados diretamente nos canais oficiais do IT e
da Fundação Renova no YouTube. A seleção foi feita de acordo com o conteúdo dos vídeos e sua relevância com nosso objeto de investigação, no intuito de preserválo sem grandes desvios de informação que pudessem desfocar a proposta. Durante as etapas de pesquisas referentes ao IT e o Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica oferecido pelo NERE, houve uma troca de e-mails para buscar maiores informações sobre o curso junto a sua coordenação. Após alguns questionamentos sobre a pesquisa que viria a ser desenvolvida, um convite foi realizado pela orientadora educacional do núcleo para conhecer o curso e participar das atividades presencialmente, como forma de explorar e observar o trabalho produzido pela instituição. Essa possibilidade de vivência foi a chave para o desenvolvimento do estudo apresentado neste trabalho. Após acordo entre o investigador, o orientador deste trabalho e a coordenação do curso, a pesquisa de campo ocorreu entre os dias 22 e 26 de outubro de 2018, quando foi possível participar e realizar as observações com objetivo exploratório descritivo. Durante essa semana houve o acompanhamento das atividades desenvolvidas ao longo do programa, além de conviver com os estudantes e conhecer de perto suas rotinas, de forma que pudesse verificar as abordagens e a participação dos discentes no desenvolvimento e produtividade do curso. Para recuperação da micro bacia do Córrego Bulcão, foi necessário realizar o desassoreamento do leito do ribeirão e das barragens, a execução de obras de drenagem, pontilhões e barragens de laminação no córrego, para controle de vazões e apoio às atividades do viveiro de mudas. A recuperação desses espaços permitiu a criação de jardins e de espaços de lazer que aproveitam o recurso hídrico através de um manejo correto.
Resultados
Durante o período de observação dos discentes em atividades do Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica, foi possível identificar respostas para questionamentos apontados no início do trabalho. O comportamento e as perspectivas escutadas ao longo desse processo foram verificados com os resultados relatados ao término da vivência. O conteúdo explorado de forma teórica e prática torna o aprendizado mais efetivo à medida que há participação mais intensa entre os estudantes.
Controle de vazão do córrego. Fonte: acervo da pesquisa.
Barragem e jardins. Fonte: acervo da pesquisa.
A recuperação de nascentes é outro elemento de fundamental importância pois é parte intrínseca na manutenção e vitalidade do ciclo hidrológico, e essa é uma das atividades mais desenvolvidas durante as etapas do curso, sendo também o projeto de maior importância do Instituto. Os projetos desenvolvidos no IT também fazem parte deste conjunto, uma vez que apresentam foco principalmente na restauração ecossistêmica da região, o que leva à preservação dos recursos hídricos e complementa outros aspectos abordados nessa matriz. A pesquisa científica aplicada e o viveiro de mudas são exemplos dessa ligação direta, ao permitirem a estruturação de estudos específicos que venham a contribuir com o cenário acadêmico e científico através das características encontradas na área de estudo, com possibilidades potenciais de adquirir resultados de grande valor.
Visita de campo
Segundo Freire (1996), teoria e prática são inseparáveis tornando-se, por meio de sua relação, práxis autêntica, que possibilita aos sujeitos reflexão sobre a ação, proporcionando educação para a liberdade. Com isso, teoria e prática devem inseparáveis e sua relação deve ser entendida como um diálogo necessário e permanente, no qual a ideia de que o saber teórico está distante da ação prática não se fundamenta. A visita que fundamentou a pesquisa de campo realizada em uma semana do mês de outubro de 2018 configura a etapa mais intensa do processo, pois foi onde houve a maior troca de experiências e percepções pelas quais buscava ao iniciar o presente estudo. No primeiro dia da visita (22/10/2018) de acompanhamento das atividades no IT, fui apresentado aos alunos e a coordenação do curso, para que me inteirasse sobre o Instituto. Durante a primeira conversa com a Analista de Educação (Sra. Gladys Nunes Pinto), foram abordadas questões relacionadas à gestão do curso do NERE, quando fui informado sobre a metodologia do curso, carga horária, disciplinas, características, público alvo, (in)formalidade do curso, ideias, perspectivas, objetivos, dentre outras ideias que apresentavam relevância diante da pesquisa proposta. Os primeiros minutos de estadia foram de olhares curiosos de quem não somente será observador, mas também será observado durante uma semana, somando-se à curiosidade sobre o que estaria por vir. Entendo que aquele que se torna objeto de estudo, passa por um sentimento de cobaia dentro de um experimento e se mostra moderado ao responder qualquer
questionamento, porém, a confiança foi adquirida com conversas de cunho técnico e em pouco tempo já estávamos ambientados e em sintonia.
O segundo dia (23/10/2018) em campo foi de acompanhamento e visita externa do projeto Olhos D’água, que visa ao mapeamento, identificação e preservação de nascentes de água em propriedades rurais, quando foi possível conhecer a fundo a proposta deste programa e de que maneira os estudantes participavam Fonte: acervo da pesquisa.
das atividades.
Neste projeto os estudantes participam ativamente das etapas de visita ao produtor rural que pretende inserir-se no programa e realizam o acompanhamento das atividades específicas já descritas anteriormente. Na Figura abaixo, por exemplo, é realizada a marcação dos pontos com uso de GPS, para identificação da localização exata da nascente a ser caracterizada para integrar o mapeamento das áreas pro-
Pesquisa de campo do Projeto Olhos d’água. tegidas pelo projeto.
Discentes do curso atuando em pesquisa de campo do Projeto Olhos d’água. Fonte: acervo da pesquisa.
Nas Figura observamos a conversa realizada durante a visita técnica, em que um analista do IT verifica as condições do local explorado e avalia junto ao proprietário e estudantes algumas observações específicas referentes ao terreno em questão, que pode apresentar particularidades durante a implementação da atividade.
Discentes do curso atuando em pesquisa de campo do Projeto Olhos d’água. Fonte: acervo da pesquisa.
Discentes do curso atuando em pesquisa de campo do Projeto Olhos d’água. Fonte: acervo da pesquisa.
Nascente encontrada em uma das fazendas participantes do Projeto Olhos D’água. Fonte: acervo da pesquisa.
Na tarde do mesmo dia, em 23/10/2018, houve acompanhamento das atividades desenvolvidas no Laboratório de Sementes da Mata Atlântica, local de grande aprendizado dentro do curso, uma vez que nesta etapa ocorre o processamento e beneficiamento das sementes, para favorecer os plantios através do desenvolvimento de métodos que possibilitam a produção de mudas com maior qualidade e menor custo, através de análises físicas e fisiológicas das sementes estudadas. Com isso, também é possível tornar o processo mais eficiente para garantir o sucesso nos futuros plantios realizados na recuperação de áreas degradadas. As atividades realizadas no laboratório também verificam a condição de germinação das sementes, identificando a pureza das mesmas e analisando a umidade, o que mais uma vez nos mostra a importância da água também nesta etapa de preparação das sementes e posteriores mudas a serem utilizadas. O armazenamento dessas sementes ocorre através da câmara fria32, onde podem ser guardadas com maior controle e separadas de acordo com as necessidades de semeadura, para atender ao cronograma de atividades do viveiro de mudas da instituição. A coleção de sementes do laboratório possui mais de 85 espécies diferentes que auxiliam na identificação do que será produzido. Este espaço também funciona como ambiente didático, onde os alunos passam um período de acompanhamento para conhecerem todo o processo. O local também recebe a visita de pesquisadores, colaboradores e até mesmo de outros estudantes que queiram conhecer as atividades desenvolvidas, podendo assim aprenderem mais sobre a diversidade botânica da Mata Atlântica da região.
Laboratório de sementes Fonte: acervo da pesquisa
32 Câmara frigorífica específica para sementes e grãos, utilizada para manter a qualidade do produto desde o ponto de maturação fisiológica até a semeadura, garantindo melhor aproveitamento dos mesmos.
Laboratório de sementes Fonte: acervo da pesquisa
Laboratório de sementes Fonte: acervo da pesquisa
Após conhecer o laboratório, foi possível visitar o viveiro e a sementeira de espécies nativas produzidas para o programa de recuperação ambiental desenvolvido pelo instituto. Esse local é considerado dentro do IT como um berçário, uma vez que é onde a vida nasce através do desenvolvimento de mudas que serão plantadas posteriormente e mais de 6 milhões já saíram de lá com o destino de recuperar áreas.
Viveiro de mudas. Fonte: acervo da pesquisa.
Mudas de Angico Branco. Fonte: acervo da pesquisa.
Viveiro de mudas com espécies de mata atlântica Fonte: acervo da pesquisa.
Viveiro de mudas. Fonte: acervo da pesquisa.
Durante a visita foi possível observar que os tubetes de plásticos utilizados para desenvolvimento de mudas foram substituídos por novos tubetes biodegradáveis. O material utilizado é feito de fibras de celulose que se degradam no meio ambiente através da ação de microrganismos do solo. Nesse processo identificamos mais projetos inseridos no contexto do curso, em que muitas atividades práticas e específicas fazem parte do cotidiano dos alunos participantes.
Mudas em tubetes biodegradáveis. Fonte: acervo da pesquisa.
As mudas desenvolvidas nesta etapa atendem projetos de recuperação de nascentes, revegetação de mata ciliar e áreas degradadas, além de reflorestamento em áreas de recarga hídrica, no intuito de melhorar as condições hídricas e a conservação dos solos do município de Aimorés (onde situa-se o IT). A produção dessas mudas já atendeu muitas áreas com a finalidade de preservar e recuperar corpos hídricos pela região e os estudantes do curso atuam diretamente nessas atividades com o conhecimento adquirido e conseguem pôr em prática todo esse aprendizado recebido ao longo do curso. Em conversas com a turma, houve descrições sobre a importância do viveiro e as impressões no primeiro contato. Uma estudante relatou que ao chegar no Instituto se deparou com um mar de verde, que apresentava mais de 100 tipos de espécies e que aquilo a impactou ao imaginar como aquelas mudas poderiam recuperar áreas degradadas e recompor ecossistemas até então destruídos e com baixa perspectiva de regeneração.
O terceiro dia de estadia no IT (24/10/2018) foi composto pelo acompanhamento de visita de estudantes de mestrado do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), quando puderam conhecer as atividades do Instituto e foram guiados por alunos do NERE.
Estudantes de mestrado do IFMG conhecendo o viveiro de mudas. Fonte: acervo da pesquisa.
Em seguida, houve uma roda de conversa entre discentes do curso e os alunos de mestrado visitantes, quando foi possível apresentar melhor os participantes e suas perspectivas com as atividades desenvolvidas ao longo do Aperfeiçoamento Profissional e o envolvimento nos processos de troca de saberes e valores, nesta construção com atividades práticas e teóricas. Essa etapa contou com descobertas sobre o ponto de vista da turma, em que alguns participantes puderam mostrar aos visitantes suas experiências anteriores ao curso e motivações para o que viria futuramente. Destaco algumas dessas percepções, como a de um estudante que relatou buscar no curso a possibilidade de capacitação profissional que o faça retornar a sua comunidade de origem para melhor estruturar e inserir nela seu aprendizado técnico adquirido. Tal colocação nos faz perceber a importância de iniciativas que gerem oportunidades como essa, quando estudantes, em sua grande maioria do meio rural, podem se capacitar para representar melhor sua região.
Estudantes de mestrado do IFMG encontrando alunos do NERE. Fonte: acervo da pesquisa.
Estudantes de mestrado do IFMG encontrando alunos do NERE. Fonte: acervo da pesquisa.
Estudantes de mestrado do IFMG encontrando alunos do NERE. Fonte: acervo da pesquisa.
No 4º dia (25/10/2018) houve a visita de alunos do Curso Técnico em Meio Ambiente de um campus do IFES localizado em uma cidade predominantemente agricultora. Eles assistiram ao vídeo institucional, participaram de atividades de educação ambiental com estudantes do curso de aperfeiçoamento, debateram sobre a vivência ocorrida ao longo de um ano morando na sede do Instituto além de conhecerem a estrutura do local. Também foram convidados a participar do edital que seria aberto para o ano seguinte, na formação da turma de 2019. Havia muitos estudantes curiosos e interessados no programa apresentado e eles relataram conhecer boas referências de ex-alunos do IT que encontraram caminhos profissionais de sucesso após o curso de aperfeiçoamento. Na parte da tarde foi realizada uma pesquisa sobre os conteúdos abordados para poder caracterizar os temas desenvolvidos na semana, a saber: ciclo hidrológico, biomas, mata atlântica, proteção de nascentes, processos erosivos, solos, manipulação de sementes, viveiro de mudas, recuperação de áreas degradadas, educação ambiental, extensão ambiental e pesquisa científica aplicada.
Alunos do IFES assistindo à palestra em dia de visitação. Fonte: acervo da pesquisa.
No quinto e último dia de vivência no IT (26/10/2018), foi realizado o acompanhamento junto a estudantes da rede municipal de ensino que participaram de uma prática ambiental e visita guiada no local denominado Trilha dos Quatis, realizada em um trecho da RPPN, onde os visitantes caminham acompanhados de técnicos e discentes do NERE que apresentam e discutem temas relacionados a proposta. Nesta etapa são desenvolvidas dinâmicas de participação, que estimulam a sensibilização dos envolvidos na atividade a uma aproximação maior com o espaço natural que estão em contato.
Alunos da rede municipal na Trilha dos Quatis. Fonte: acervo da pesquisa.
Ainda nessa atividade, foi possível verificar a abordagem do tema água inserida na conversa com os estudantes da rede municipal que participavam da visita guiada, onde apresentou-se a importância da manutenção da floresta em pé e com a realização do manejo correto de espécies nativas. Aspectos como a influência no processo erosivo e a retenção de água no solo também se fizeram presentes nessa etapa de apresentação do conteúdo, como forma de mostrar no campo e de maneira mais didática a representação desses fundamentos da natureza. Com o desenvolvimento de dinâmicas como essa, verificou-se a maior atenção dos estudantes e uma participação mais ativa. O fato de levá-los para visualizar os aspectos naturais in loco tornam a atividade mais atrativa e prazerosa, uma vez que a rotina de sala de aula é alterada e a metodologia de aprendizado ganha novas vertentes, podendo gerar ganho significativo no entusiasmo pela maioria da turma além de contribuir para a aprendizagem.
Discente do NERE apresentando a vegetação. Fonte: acervo da pesquisa.
Alunos da rede municipal em dinâmica na Trilha dos Quatis. Fonte: acervo da pesquisa.
Após a formatura da turma de 2018, mantivemos contato com alguns estudantes (agora profissionais em restauração ecossistêmica) e pudemos identificar que traçaram novos rumos para sua carreira. Podemos citar como exemplo um grupo que criou o Rega Ambiental, uma equipe de trabalho em Recuperação Ecossistêmica e Gerenciamento de Águas.
Considerações
Através da pesquisa realizada, foi possível estruturar algumas considerações sobre o estudo desenvolvido. Dentre os tópicos relacionados, primeiramente ressaltamos a própria existência de um curso de aperfeiçoamento profissional pós-técnico durante tanto tempo, pois o mesmo funciona e sobrevive a partir de patrocínios e investimentos que são garantidos devido ao sucesso e importância do projeto, mas também pela visibilidade que o Instituto Terra possui mundialmente. A capacitação e qualificação dos participantes do curso também se enquadra como item de grande importância, uma vez que eles se tornam mão de obra técnica especializada com vasta experiência adquirida ao longo do ano em que fazem parte do Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica. Alguns desses profissionais que se destacam passam a fazer parte do próprio Instituto Terra e se tornam referências para turmas posteriores. Esse núcleo possui grande contribuição para formação desses jovens (em sua maioria oriundos de diversas regiões da Bacia do Rio Doce) e pode ser considerado um importante fomentador do desenvolvimento rural sustentável. Tal afirmação se dá pelo fato de que esses profissionais concluem o Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica aptos para promoção de impactos positivos na restauração ecossistêmica e recuperação de nascentes na região de origem. O período de vivência e acompanhamento do curso foi de fundamental importância para formular melhor o presente trabalho e compreender a proposta oferecida. Os dias de convívio permitem estruturar e apresentar com mais clareza as observações realizadas em uma pesquisa como esta, uma vez que a análise presencial possibilita um estudo mais completo. A abordagem sobre os recursos hídricos e sua importância é levada de maneira prática e didática aos produtores rurais como foi verificado principalmente no Programa Olhos d’água, podendo assim inserir lado a lado a preservação ambiental e o desenvolvimento produtivo dos proprietários. O avanço e sucesso deste programa multiplicam o registro e preservação de outras nascentes na região devido aos resultados positivos verificados nas propriedades que já fazem parte desta iniciativa. O poder transformador causado pelos trabalhos desenvolvidos também é bem observado no projeto Terrinhas, uma vez que os participantes fizeram parte deste efeito multiplicador de práticas sustentáveis e poderão influenciar direta e indiretamente o meio onde vivem, o que inclui a família e até mesmo a
comunidade em seu entorno. Ressalta-se também que é possível suprir a mão de obra técnica da região através do conhecimento adquirido neste período, como já ocorreu com diversos profissionais que concluíram o curso. As limitações identificadas a partir deste estudo permitem algumas recomendações para pesquisas futuras nesta mesma área de estudo / região. O município de Aimorés (MG) possui baixo índice de pluviosidade anual, tornando essa uma região com pouca chuva e relativamente seca em grande parte do ano. Observamos que o Instituto Terra possui ótima estrutura e potencial para desenvolver pesquisas na área de sistemas de captação de águas pluviais e que isso pode agregar mais valor e conhecimento, tanto acadêmico quanto social, para questão ambiental diretamente ligadas aos recursos hídricos da região. Isso o tornaria multiplicador de mais uma ferramenta de apoio a educação ambiental e ao desenvolvimento, respeitando a natureza e seus fundamentos. Espera-se que esse estudo tenha contribuído para a área de ensino de ciências ao tratar de uma formação não muito comum (curso de aperfeiçoamento profissional para técnicos formados) e em uma área de interesse como a restauração ecossistêmica.
Referências
ALCANTARA, V. Inserção Curricular da Educação Ambiental. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009. Disponível em: <http://www2.videolivraria.com.br/pdfs/24043.pdf>. ANA. Agência Nacional de Águas. Disponível em: <https://www.ana.gov.br/>. BAIRD, C.; MICHAEL, C. Química ambiental. 4. ed., Porto Alegre: Bookman, 2011. BRASIL. Lei Federal nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília: DOU, 1999. ______. Ministério de Ciência e Tecnologia / Centro de Estudos e Gestão Estratégica. Diretrizes estratégicas para o Fundo de Recursos Hídricos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Brasília, 2002. Disponível em: <http://seer.cgee.org.br/ index.php/parcerias_estrategicas/article/viewFile/198/192>. ______. Resolução do CNRH nº. 58, de 30 de janeiro de 2006. Aprova o Plano Nacional de Recursos Hídricos, e dá outras providências. Brasília: DOU, 2006. ______. Política de Águas e Educação Ambiental: processos dialógicos e formativos em planejamento e gestão de recursos hídricos / Ministério do Meio Ambiente.
Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano; (organização) Franklin de Paula Júnior e Suraya Modaelli. Brasília: MMA, 2011. ______. Resolução CNE nº. 2, de 15 de junho de 2012. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Ambiental. Brasília: DOU, 2012. ______. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. – Brasília: Câmara dos Deputados. Edições Câmara. (Série legislação; nº. 125). 2014. 86 p. DICKMAN, I.; CARNEIRO, S. M. M. Paulo Freire e Educação ambiental: contribuições a partir da obra Pedagogia da Autonomia. Revista de Educação Pública, v. 21, n. 45, 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. GUTERRES, A. Em dia mundial, ONU pede acesso universal a serviços de água e saneamento. Nações Unidas Brasil, 2019. Disponível em: <https://nacoesunidas. org/em-dia-mundial-onu-pede-acesso-universal-a-servicos-de-agua-esaneamento/>.
LAGE, F.; NOGUEIRA, M. G.; FORESTI, M. C. P. A importância do tema água doce no ensino fundamental: uma proposta de aulas teórico-práticas. In: PINHO, S. Z. de; SAGLIETTI, J. R. C. (Org.). Núcleos de ensino. São Paulo: UNESP, 2006. v. 1, p. 49-68. (2006) MARCONDES, M. E. R. Proposições metodológicas para o Ensino de Química: oficinas temáticas para a aprendizagem da ciência. Revista em extensão, Uberlândia, v. 7, 2008. MÓNICO, L. S.; ALFERES, V. R.; CASTRO, P. A.; PARREIRA, P. M. A Observação Participante enquanto metodologia de investigação qualitativa. In: Congresso Iberoamericano de Investigação Qualitativa, 6. 2017. Atas... 2017. Disponível em: <http://cienciasecognicao.org/cecnudcen/wp-content/uploads/2018/03/ A-Observa%C3%A7%C3%A3o-Participante-enquanto-metodologia-deinvestiga%C3%A7%C3%A3o-qualitativa.pdf>. ONU. Organização das Nações Unidas. Agenda 2030. Disponível em: <http://www. agenda2030.org.br/>. REBOUÇAS, A. C. Água doce no mundo e no Brasil. Águas doces no Brasil, 2002. SÁ-SILVA, J. R.; ALMEIDA, C. D. de; GUINDANI, J. F. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, v. 1, n. 1, 2009.
SOARES, A. E. P.; NUNES, L. G. C. F.; SILVA, S. R. da. Diagnóstico dos Indicadores de Consumo de Água em Escolas Públicas de Recife-PE. Periódico Eletrônico Fórum Ambiental da Alta Paulista, v. 13, n. 1, 2017. TUNDISI, José Galizia. Água no século XXI: enfrentando a escassez. In: Água no século XXI: enfrentando a escassez. 2003. WOITECHUMAS, L.; BONMANN, L. W.; ARAUJO, M. C. P. Recursos Hídricos: Um tema de aprendizagens significativas em livros didáticos do ensino fundamental. In: 5º Congresso Internacional de Tecnologia para o Meio Ambiente, 2016, Bento Gonçalves. Anais..., 2016.
Vamos ao jardim das plantações de banana, revestidos e de noite, a qualquer risco, que ali o Mestre sua o sangue dos pobres.
Dom Pedro Casaldáliga