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Floriano Alves Borba
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Copyright © 2017 by Floriano Alves Borba Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor.
Planeta Azul Editora.
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Editoração eletrônica e Revisão: Planeta Azul Editora. Capa: Vinicius Soares Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7/5880 B726c Borba, Floriano Alves Cigânia / Floriano Alves Borba. -- Rio de Janeiro : Planeta Azul Editora, 2017.
132 p. ; 14x21 cm . ISBN: 978-85-69870-61-6 1. Romance espírita.I.Título CDD 133.9
Índice para catálogo sistemático: 1. Romance espírita
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Dedicatória
Este livro é dedicado a todos os povos discriminados ou não, na esperança de que a humanidade entenda que somos um só povo, filho do mesmo Deus.
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Sumário
Capítulo 1: Forja .............................................................................................. 9 Capítulo 2: O acampamento .....................................................................11 Capítulo 3: A polícia .....................................................................................15 Capítulo 4: As crianças................................................................................19 Capítulo 5: Cigânia ........................................................................................23 Capítulo 6: Nação...........................................................................................27 Capítulo 7: Mathias e Soraia......................................................................31 Capítulo 8: Jade...............................................................................................35 Capítulo 9: A investigação..........................................................................39 Capítulo 10: A Slava......................................................................................43 Capítulo 11: A tentativa...............................................................................47 Capítulo 12: O emprego..............................................................................51 Capítulo 13: Raiva .........................................................................................55 Capítulo 14: Doze ..........................................................................................57 Capítulo 15: O telefone................................................................................61 Capítulo 16: A festa.......................................................................................65 Capítulo 17: Contra-ataque.......................................................................69 Capítulo 18: O cigano...................................................................................71 Capítulo 19: A liberdade e as crianças .................................................77 Capítulo 20: Os clãs.......................................................................................81 Capítulo 21: O Nomadismo........................................................................85 Cigânia • 7
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Capítulo 22: O álbum....................................................................................89 Capítulo 23: Soraia........................................................................................93 Capítulo 24: O guarda-costas ...................................................................97 Capítulo 25: A luta......................................................................................101 Capítulo 26: O jantar..................................................................................105 Capítulo 27: Cavalos..................................................................................109 Capítulo 28: O passeio..............................................................................113 Capítulo 29: Polícia Federal....................................................................117 Capítulo 30: O comendador....................................................................121 Capítulo 31: A invasão..............................................................................125 Capítulo 32: Os casamentos...................................................................127 Capítulo 33: A vida segue........................................................................129
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Capítulo 1: Forja
Planc! Planc! Planc! Faz a marreta na barra de ferro incandescente. Chispas luminosas saltam a cada batida. Yanko está em sua faina diária acariciando o ferro, como ele gostava de dizer, para transformá-lo em algo utilizável no dia a dia. Considerava cada peça que fazia uma obra de arte. O jovem Dimitri questiona: – Onde vês com tanto gosto o teu trabalho tão rude que é? – Transformar algo sem forma em algo útil é uma arte. – Mas quem dá valor a uma faca, um garfo ou a uma ferradura? – Em primeiro lugar, eu. E isso é o que mais me importa. Em segundo lugar, o cavalo que não se machuca, e você quando tem que cortar algo quente e espeta com o garfo e corta com a faca. Se fizer isso com os dentes da boca vai se queimar todo. – Ora, Yanko, o que há de grandioso nisso? Compra-se faca em qualquer lugar. – Dimitri, o artesanato fabrica coisas exclusivas, personalizadas. E já te falei que a grandiosidade de uma coisa não está só na visão, no olfato, no ouvido, no tato ou no sabor. Já te disse que há outros sentidos, e eles todos são regidos pela inteligência. – Sabes que eu não ligo para essas tuas divagações filosóficas. Para mim, as coisas têm que estar no concreto. Computadores, celulares, indústria... Este é o meu mundo. – Sentes saudades do teu falecido pai? Cigânia • 9
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– Claro que sim. – Esta saudade é concreta ou abstrata? Dimitri titubeia, abaixa a cabeça e não sabe o que responder. Yanko continua. – Menino, nem tudo que é concreto é concreto, nem tudo que é abstrato é abstrato. – Como assim? – A saudade que sentes dizem ser abstrata, mas em ti é concreta. No museu que fomos semana passada... – O de arte moderna? – Sim. – O que tem? – Gostastes de algumas peças, e outras não. Não foi? – Sim. – Lembras daquele monte de ferro retorcido e soldado? – O que chamaram “Bruma da Noite”? – Sim. Por que não gostastes dele? – Não significava nada. Foi um delírio do autor como você disse. Nisso, eu concordo. – Pois é. Para você, aquilo não tem significado. É completamente abstrato, não é concreto. Aprenda que só é real aquilo que existe em sua mente como real. Por isso, insisto com você que Deus é real. Vives querendo que eu te prove que Deus existe, mas se ele não for real dentro de você, nem ele, Deus, vai conseguir te provar alguma coisa. – Deus, Deus. Lá vem você de novo com isso. Ele não é concreto. – E a saudade é abstrata? E Dimitri retira-se pensativo, embora aborrecido novamente por ser vencido nos argumentos outra vez por aquele que, no fundo, no fundo, ele considerava seu mestre e, em sentimento, adotara como conselheiro após a morte do pai, que tinha nascido no mesmo ano que Yanko. Ouve-se outra vez o barulho. Planc! Planc! Planc!
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Capítulo 2: O acampamento
Dimitri e Yanko moram num acampamento cigano, ou como Dimitri gostava de dizer, num acampamento gipsy. Eram, praticamente, os extremos da ideologia que se digladiava na mente de conservadores e modernosos membros da comunidade. Na verdade, os mais idosos eram conservadores, os mais jovens é que balançavam entre permanecer na ala conservadora ou descambar para a modernidade com maior tendência para essa. Embora mais modernizados com seus caminhões e trailers, ainda eram discriminados aonde chegavam. Velhas chagas ainda permaneciam no imaginário popular como o rapto de crianças, a imagem de feiticeiros e adivinhadores, a pecha de indolentes por não terem emprego fixo e a imagem festiva que desagradava aqueles que cismam em serem taciturnos como se Deus não tivesse criado o universo para o homem ser feliz. A maioria gostava de dormir em seus trailers; Yanko, porém, gostava de armar a sua tenda, ao lado de seu caminhãozinho, direto no chão. Dizia querer estar em contato com a energia da mãe Terra. Eram cento e cinquenta e duas pessoas daquele grupo, e trinta e duas viaturas. Dimitri, como sempre, vem zoar Yanko. – No chão de novo, Yanko? – Claro. – Que coisa primitiva. Cigânia • 11
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– Do pó viestes para o pó voltarás. – Ah! Não. Ah! Não. Religião de novo? – Meu caro Dimitri, você não tem prestado atenção nas aulas dos anciãos. Quando Jesus diz “Sede um comigo e sereis um com o Pai”, o que ele quer dizer? – E eu sei lá. – O que é o Pai? – Deus – responde Natasha, namorada de Dimitri. – Sim, Natasha. Mas não perguntei quem é o Pai, mas o que é o Pai? – É tudo. – Isso, isso, Natasha. Tudo, tudo. Respirar o ar, deitar no chão, mergulhar no rio... É estar em contato com o todo. Sentir o vento, sentir a água acariciando o corpo. – Gostei da imagem acariciando o corpo. – Sim, Natasha. Embora o ar também acaricie o nosso corpo totalmente, só o sentimos quando expostos ao vento, mas na água, ao nos movimentarmos, sentimo-la acariciar o corpo todo, ao mesmo tempo. – É um poeta, é um poeta. Nisso eu tenho que concordar – diz, gargalhando Dimitri, acompanhado pela namorada. – Concordo com tudo que dizes, mestre Yanko – diz a menina. – Mas, mesmo assim, prefiro meu colchão no trailer. Yanko escuta a fala da menina e dá um sorriso de compreensão para logo falar. – Natasha, não importa a cama ou o chão, importa a sua ciganicidade. – Ciganicidade?! – Perguntam espantados, ao mesmo tempo, os dois jovens. – O que nos caracteriza? Somos um povo sem pátria, dizem alguns, mas nossa pátria é o planeta todo, é o um. Queremos liberdade, mas não só para nós, para os outros também. Que cada um viva a sua vida do jeito que quiser, mas sem prejudicar o outro. Somos anarquistas? Não, pois se fôssemos não teríamos a hierarquia dentro do clã. Temos disciplina também, leis. Só não queremos fronteiras, não queremos que haja fronteiras entre os seres humanos. Infelizmente, para isso, nos vemos obrigados a estabelecer algumas fronteiras como a de, por exemplo, não querermos que nosFloriano Alves Borba • 12
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sos filhos se casem fora do clã para melhor poderem manter nossas tradições. Não temos qualquer problema de aceitar um casamento fora do clã se o outro tiver uma alma cigana, livre, respeitadora da liberdade. Mas, em geral, não é isso que acontece e nossa ciganicidade se perde na prisão dos costumes de submissão social do tem que isso, tem que aquilo. – Mas isso seria um desgoverno. Sem pátria, sem liderança, tudo viraria um caos. Nós mesmos vivemos à custa do que outros produzem. – Discordo. Não vivemos à custa deles, porque prestamos serviços a eles; como eu, no meu ofício de ferreiro ambulante, para quem quer grades, amolador de facas em comunidades mais simples, forjador de ferraduras em alguns haras, ou qualquer outro serviço que apareça. Mesmo nesse mundo modernoso, ainda tenho o meu espaço. – Ora, Yanko, mais da metade de nós só quer saber de cantar, tocar e dançar. Pra que isso presta? – Os outros estão tão preocupados em produzir coisas concretas como você diz, que precisam de nossa alegria para diverti-los e não explodirem de angústia. Até o nosso modo artístico de ser é útil no mundo deles. – Mas tem que haver algum governo para as coisas caminharem. Nós estamos vivendo à margem, estamos parasitando. – Estaríamos parasitando se não produzíssemos nada e fôssemos sustentados por eles. Trocamos serviços como outros trocam. Pedreiros, costureiras, marceneiros, artistas de televisão são iguais a nós, só não são ambulantes. – Mas insisto que deveríamos ter uma forma de governo menos anárquica que a nossa. – Anárquica? E quem disse que a deles não é? Pelo simples fato de eu ser um ferreiro ambulante, não deixo de ser ferreiro. Pelo simples fato de termos um governo ambulante, não quer dizer que não tenhamos governo. E as diferenças sociais deles demonstram sua anarquia. – Mas e a lavoura para produzir alimentos? E a indústria de roupas, sapatos? O saneamento básico? Nós nos utilizamos da infraestrutura das cidades e não fazemos parte delas. Cigânia • 13
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– Como não, Dimitri? Tudo o que compramos nos é cobrado imposto. Cada sapato, cada quilo de feijão. Imposto esse que é utilizado para fazer isso tudo que você está falando. O rapaz não se dá por vencido e insiste. – Ainda acho que é um desgoverno o nosso modo de agir. – Concordo que temos nossos erros, mas qual é a forma de governo correta, Dimitri? Ela existe? – Sei lá. Existe? – Existe, mas ainda não a alcançamos. O ser humano tem que ter governo sobre si próprio, autogerenciar-se. Não esperar que o governo faça tudo. Ele não deve jogar um copo plástico na rua porque existe lixeiro, soltar balão que provoque incêndio porque existe bombeiro. Enquanto o homem não governar a si próprio, pensando nos outros e não em si, nenhuma forma de governo funcionará. Enquanto isso, eles ficam com a forma de governo deles, e nós com a nossa. – Desisto. Desisto. Você tem argumentos para tudo. E os jovens se retiram, sorrindo sob o olhar carinhoso do ferreiro.
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