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Copyright © 2018 by R. Soares Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7/5880 S676s Soares, R Sob a Roseira / R. Soares. -- Rio de Janeiro : Planeta Azul Editora, 2018. 236 p. ; 14 x 21cm . ISBN: 978-85-54151-37-9
1. Ficção brasileira. I. Título
CDD B869.3
Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção brasileira.
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O valor do amor está vinculado à soma dos sacrifícios que estas disposto a fazer por ele. Ellen G. White
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À minha irmã.
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Agradecimentos Primeiro gostaria de agradecer a mim, pela minha criatividade, por não me deixar na mão e evitar que eu tivesse muitos momentos de ‘’branco’’. Depois, à minha irmã gêmea Gabi, por opinar a favor ou contra dos personagens, sempre pensando no melhor para a história. Sem suas dicas e comentários, eu sofreria para acertar o final “perfeito’’. Obrigada aos meus pais, por acreditarem em mim e no meu desejo de publicar um livro, além de revisarem duas vezes o texto depois de pronto. Às minhas duas editoras, pelo excelente trabalho e pelas incríveis dicas. Vocês ajudaram-me a crescer como escritora. Finalmente, aos meus primeiros leitores e, também aos que virão, porque a obra de um autor não serve para nada, se não houver quem a leia. Então, obrigada por fazerem de mim uma verdadeira escritora.
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Sumário Introdução............................................................................ 13 Solução.................................................................................. 23 Investimentos....................................................................... 34 Separação.............................................................................. 44 Efeito Colateral.................................................................... 56 Chantagem........................................................................... 68 Teimosia................................................................................ 79 Visita Inesperada................................................................. 90 Contratempo...................................................................... 100 Decepção............................................................................ 111 Novas Regras...................................................................... 122 Gato e Rato......................................................................... 133 Xeque ou Xeque-mate?..................................................... 143 Desistências........................................................................ 154 Ameaçados......................................................................... 165 Reafirmando Lealdades.................................................... 177 Armadilha.......................................................................... 188 Sacrifício............................................................................. 200 Perda................................................................................... 210 Pacto de Vingança............................................................. 222 Sob a Roseira | 11 |
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Introdução
Quando minha mãe ficou doente, meu pai começou a beber cerveja, vodca, cachaça, uísque... Qualquer coisa que tivesse álcool e pudesse ser comprada no mercado, e tornando-se agressivo e descontrolado. Então, começou a roubar pequenos objetos de decoração para trocar por mais bebida, no momento em que seu salário passou a ser insuficiente para custear o vício e as contas de casa. Paralelo a isso, à medida que os sintomas dela avançavam, mais sentíamos o espaço entre nós três. Pelo menos eu podia contar com o apoio incondicional de minha irmã gêmea, Ana, o qual foi um grande consolo por muito tempo. Fisicamente, não éramos tão parecidas. Ela puxara mais ao meu pai, com longos cabelos escuros, rosto oval e cílios grossos, enquanto eu à minha mãe, com cabelos mais claros, cor de mel, um pouco mais baixa e com cílios mais finos. Porém, compartilhávamos o mesmo tom amarelado dos olhos que nossa avó materna tivera. Além disso, como dizia nossa mãe: “éramos como unha e carne”, sempre estávamos nos apoiando. Isso se tornava útil, por exemplo, quando havia algum problema na escola ou, posteriormente, quando precisávamos encobrir as saídas noturnas para as festas da faculdade. Sob a Roseira | 13 |
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Nas ocasiões em que meu pai vinha embriagado, tínhamos o cuidado com o que falávamos para não irritá-lo ainda mais, pois qualquer coisa poderia ser o gatilho de uma série de agressões físicas e verbais. Inicialmente, pensamos que essa fase passaria, porque com o passar dos dias ele perceberia que ela não iria melhorar, e não havia nada que pudéssemos fazer para salvá-la. Contudo, a agressividade dele aumentava continuamente e só nos restava manter a nossa união, torcendo para que o melhor acontecesse. Durante o período em que ela permaneceu em casa, apesar de ser horrível vê-la perder a memória aos poucos, eu até conseguia ver o lado bom da situação, pois, dessa forma, ela não teria desgosto ao se lembrar do ataque de raiva que ele tivera na noite anterior. Esses fatos ocorriam toda semana, originados por jogos de futebol perdidos, brigas de bar, problemas no trabalho... No final, estávamos cuidando de dois doentes, ao invés de um. Tentamos mantê-la em casa sob os nossos cuidados o máximo que pudemos, porém não tínhamos instrução nem equipamentos suficientes para deixá-la confortável. Logo, não havia outra escolha a não ser interná-la numa clínica especializada em pacientes com doenças degenerativas psicomotoras. Choramos muito no dia em que a deixamos lá. Meu pai chegou com um mau humor enorme, e se não fosse a paciência da equipe que a receberia, talvez sua boa intenção tivesse ido por água abaixo. Contudo, internamente, eu e Ana sentíamos que era a melhor alternativa, apesar de tudo. A clínica chamava-se Bella Vida, era um nome meio irônico, já que ninguém internado ali tinha uma vida bela. Entretanto, de acordo com a diretora da instituição, dona Bethânia, a escolha do nome “Bella” havia sido uma maneira de homenagear a mãe dos fundadores da clínica, visto que ela falecera por uma infecção pulmonar, após chegarem à Espanha. Nos primeiros três meses tudo correu conforme o planejado. Íamos à clínica Bella Vida uma vez por semana, pagávamos as contas nas datas corretas, e só não arranjamos um emprego, pois tínhamos que cuidar da casa, além de ir para a faculdade. R. Soares | 14 |
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Eu cursava Administração e Ana, Bioquímica. Com vinte e um anos, podíamos afirmar que nossa vida ainda possuía um longo caminho pela frente, já sabíamos falar três línguas, nossa mãe insistira em custear desde cedo uma escola bilíngue: “Dessa forma, quando vocês estiverem na faculdade, já poderão colocar no currículo que sabem inglês e alemão, além do espanhol” — afirmava confiante. Entretanto, ainda havia aquele probleminha envolvendo nosso pai, o qual acabou sendo o início de muitos dos nossos posteriores problemas. Até tentamos encaminhá-lo a uma clínica para pacientes alcoólatras, mas ele se mantinha intransigente, e quando mencionávamos o assunto, respondia grosseiramente: “eu não preciso de tratamento”. Se pudéssemos pelo menos obrigá-lo a se tratar, tudo poderia ter sido diferente, mas segundo o responsável por esse tipo de tratamento, o primeiro passo era a aceitação, somente a partir disso, a equipe poderia alcançar algum resultado satisfatório com o paciente. Normalmente, ele chegava as sete do trabalho, sentava-se à beira do rádio, em uma poltrona velha marrom e começava a beber. Nesse momento, tirávamos as contas de perto, caso contrário isso poderia piorar o humor dele, e somente o chamávamos na hora do jantar. Porém, por um azar do destino, no dia 2 de abril, perto da páscoa, o carteiro chegou atrasado, umas 19h40min da noite, de maneira que não houve tempo para esconder as cobranças até o dia seguinte. Ele se levantou, cambaleando, abriu a porta para o carteiro, pegou o envelope e sem dizer nada, sentou-se de novo. Depois de uns cinco minutos, ouvimos o estrondo de uma garrafa chocando-se contra a parede. Ele acabara de lançar uma garrafa de vodca, e tentava se levantar da poltrona a todo custo. Ana foi tentar ajudá-lo, mas ele acabou jogando o envelope nela, fazendo-a voltar à cozinha para me ajudar no preparo do jantar. Demorou dois minutos e ele veio atrás dela, gritando conosco. Tentamos acalmá-lo, mas aquela conta da clínica liberou uma onda de fúria incontrolável. Ele andava de um lado para o outro na cozinha, enquanto Ana mexia no molho do macarrão e Sob a Roseira | 15 |
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eu cortava os legumes para a salada. Ficamos ouvindo seus xingamentos e resmungos. Era visível a confusão mental que se passava em sua cabeça. Eu alternava meu olhar dele para Ana, e vice versa, tentando decidir o que fazer para controlar a situação, até que ele conseguiu clarear um pouco a mente e gritou: — Eu não vou pagar essa merda de novo! Isso é um roubo. Vocês duas também não fazem nada para ajudar. Tudo sou eu! Vocês são duas inúteis, não servem pra nada... Ficamos em silêncio esperando que ele terminasse de berrar, tentando abstrair da melhor forma que podíamos os insultos e xingamentos. Não era nossa culpa que a doença de nossa mãe fosse incurável. Até tínhamos tentado arrumar um emprego, pelo menos só por meio período, mas, embora falássemos mais de uma língua, não havia muitos empregos disponíveis, que aceitassem somente o diploma do Ensino Médio, depois da crise. Porém, ele não parou, ficou resmungando e andando de um lado para o outro. Cada vez que ele aumentava a voz, eu fazia mais força para cortar os legumes, era como seu meu cérebro estivesse me preparando para qualquer emergência. Contudo, não era só eu a incomodada com os gritos, eu podia ver a expressão zangada de Ana à minha frente, por isso apoiei, completamente, quando ela se virou e gritou: — Chega! Ele parou por um instante e, logo depois, um ódio tomou conta de seus olhos, de seu corpo, fazendo-o levantar a mão e esbofeteá-la tão forte que a jogou contra a parede. Nessa hora, congelei, só consegui pensar que ele a mataria de raiva. Podia ver em seus olhos que ele faria isso. E desse jeito, encolhida na parede, sem apoio ou arma, Ana seria um alvo muito fácil. Essa constatação transformou-se em coragem, uma coragem tão grande, que eu era capaz de qualquer ato para protegê-la. — PARE! Seu ignorante alcoólatra! — Gritei. — Largue ela! Ele se virou, olhou-me de cima a baixo, e se aproximou. Ana ficou caída no chão, passando a mão no rosto e o seguindo com o olhar. Depois de chegar bem perto, a ponto de conseguir me tocar, ele colocou as mãos nos meus ombros e, apertando-os, perguntou: R. Soares | 16 |
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— Do que foi que você me chamou? — Levantando a mão para me bater. — De alcoólatra ignorante. Antes que ele baixasse a mão e me batesse, igual como fizera com Ana, movi meu braço e enfiei a faca em seu abdômen. Não sei ao certo se ele tinha me subestimado ou se não prestara atenção no que eu segurava, só sei que ele me encarou duramente e, pela primeira vez, por um breve momento, olhou realmente nos meus olhos. Mesmo assim eu não parei, continuei enfiando a lâmina em seu tórax. Ele lutou, socou e me empurrou-me, tentando a todo custo me imobilizar, porém seus reflexos estavam prejudicados pelo álcool, tornando meus movimentos mais eficientes do que sua força. Levantei rápido, após cairmos, e fiquei de joelhos ao seu lado, com a faca ainda apontando para seu pescoço. Nós dois estávamos com a respiração pesada, sujos de sangue e machucados, porém como sua última demonstração de desprezo, ele cuspiu na minha cara. O cheiro de álcool exalava fortemente de seu corpo e, agora, misturado ao sangue, impregnava-se em tudo o que tocava. Eu não era mais sua filha, jamais teria o seu perdão, mas a intenção de obtê-lo não estava nos meus planos, queria somente que ele nos deixasse em paz. Sendo assim, simplesmente dei de ombros, perguntei, retoricamente, “Então é isso?”, e enfiei a faca em seu coração. Prática e rápida, sem muito diálogo ou tentativas inúteis de conversão moral. A princípio, eu não tinha a intenção de matá-lo, ainda mais daquele jeito, porém, naquele instante, era agora ou nunca. Ele não deixaria barato uma agressão como aquela, pagaríamos caro por isso, então tive que seguir em frente para nos proteger. Como diz um velho ditado: “Dê um passo atrás para poder dar dois para frente”, eu pensei. Contudo, mal sabíamos que esse crime seria a inauguração de um caminho sem voltas. Depois dos sinais vitais pararem, respirei com calma, relaxar meus músculos e tocar meu olho recém-socado. Meu corpo estava todo dolorido e só agora sentia os reflexos daquela briga, Sob a Roseira | 17 |
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mas, finalmente, tudo estava acabado. Nenhuma pessoa nos humilharia de novo na nossa própria casa, não teriam mais agressões físicas e verbais, e nem precisaríamos tomar cuidado com o que falássemos. — Te vejo no inferno, papai — disse, sarcasticamente, puxando a lâmina de seu peito. Sentei no chão, apoiada contra a parede, e joguei a faca para o lado. Por um longo minuto, somente acalmei a minha respiração e organizei meus pensamentos. A briga entre moral, medo, instinto e cansaço começavam a tomar forma e, provavelmente, eu teria tido sérios problemas psicológicos depois, se não tivesse tido esse tempo para me acalmar. Somente olhei ao redor para ver o que acontecera naquele cômodo, após reestabelecer a minha frequência cardíaca usual. A cena era um pouco assustadora, com muito sangue pelo chão, inclusive nas nossas roupas e corpos, além disso, vi que Ana olhava-me de modo insistente, mas não se aproximava, por isso achei melhor começar a conversa para quebrar o silêncio. — O que foi, Ana? — Você ainda pergunta “o que foi”? — Falou assustada. — Você está bem? — O meu olho está doendo um pouco, estou meio dolorida e cansada, mas tirando isso, estou bem. Por que você fica me olhando desse jeito? Relaxa, não é nada grave. — Tocando no olho para garantir que não havia danos profundos. — Não é por isso. É que foi um pouco chocante o que acabou de acontecer. Ainda estou digerindo que você o assassinou — argumentou, inclinando a cabeça para o local onde o corpo de nosso pai estava. — O que você queria que eu fizesse? Deixado ele nos espancar? Foi em legítima defesa — contra argumentei, ficando nervosa. — Eu sei, eu sei. É que jamais pensei que você fosse capaz de algo do tipo. Não sei se eu teria coragem de esfaquear alguém até a morte. — Sinceramente, também estou surpresa. Jamais teria imaginado que seria capaz, mas na hora não pensei muito a resR. Soares | 18 |
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peito, foi instintivo — suspirei. — Agora, prometa que a minha reação vai ficar só entre nós duas, porque as pessoas podem não entender direito o que eu quero dizer e acabarem me classificando como louca, mas, honestamente, depois do choque inicial, a sensação de adrenalina foi muito boa. Foi como se eu tivesse recebido uma injeção de cafeína, a única coisa em que eu pensava era que precisava lhe salvar. — É... Percebi no seu olhar que havia algo diferente. Você ficou pulando com essa faca na mão, enquanto eu torcia para ele não conseguir pegá-la, caso contrário nenhuma de nós estaria aqui. Ele nunca perdoaria uma agressão daquela. — Sim. Depois da primeira, pensei: Meu Deus, o que estou fazendo?! Mas agora já é tarde demais, tenho que ir até o fim, com isso. — Você sabe que eu te apoio, independente da situação, não é?! Mas, Maria, o que vamos fazer com o corpo? — Nós podemos colocá-lo no porta-malas, e jogá-lo no rio — sugeri. — Não vai dar certo, os vizinhos vão ver que saímos com o carro e depois se a polícia vier, não teremos como explicar. — É verdade. — E que tal queimarmos o corpo? — Sugeriu Ana. — Os vizinhos sentiriam o cheiro. — Como vamos tirá-lo daqui sem que o vejam? — Já sei! — Vamos enterrá-lo aqui mesmo, no jardim. — Ficou maluca, irmã? Como vamos esconder um corpo no jardim, e evitar que as pessoas sintam o cheiro de decomposição depois? — Não, Ana. A roseira da mamãe vai mascarar o cheiro, então eles não terão como adivinhar que o corpo está sob as flores — afirmei com segurança. — As rosas vermelhas, que a nossa mãe plantara, exalavam um cheiro tão forte e gostoso, que diversas vezes nossos vizinhos vieram à procura de mudas. — É, pensando bem, isso pode dar certo, aquela espécie de flor tem um cheiro bem forte, mas se por acaso houver algum problema, abortamos o plano e pensamos em uma alternativa. Sob a Roseira | 19 |
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— Vamos acelerar antes que algum vizinho resolva nos fazer uma visita. — Olhei para a janela fechada da casa ao lado. — Pegue uma toalha comprida para enrolá-lo. Enquanto isso, pego as pás no depósito. — Ok. Ela voltou depois de alguns minutos com uma toalha enorme nos braços, era verde e com babados nas quatro pontas. — Não tinha uma mais chamativa, não?! Ainda estamos em abril, o natal está muito longe — acabei rindo da toalha. — Não, Maria. Não tinha outra. E sei que o Natal é só daqui a alguns meses. Mas, vamos logo com isso. — Ok, Ok! Fomos para a parte de trás da casa, onde tinha o jardim, demos um espaço do pé da roseira e começamos a cavar. Demorou quase duas horas para acertarmos o tamanho ideal, medimos cinco palmos esticados de profundidade, três de largura, por dois passos e meio de comprimento. Foi difícil cavar, não tínhamos experiência em relação ao melhor jeito e a terra não era tão fofinha quanto parece nos filmes, mas no final conseguimos abrir um grande buraco. Entramos em casa para pegar o corpo embrulhado, e a nossa sorte foi que o sangue do piso já estava meio seco, caso contrário teria ficado uma bagunça de terra misturada com sangue. Segurei a toalha na parte das pernas e Ana, pela cabeça. Levamos o corpo até o jardim e após recolocarmos a terra, bem como os retângulos de grama, não havia mais cheiro de morte. — Você acertou, não sinto nada — Ana assentiu com a cabeça. — Vamos tirar essas roupas e queimá-las. — Sim, precisamos nos livrar de tudo que tenha ligação com essa noite. Tivemos um árduo trabalho de limpeza, esfregamos o piso da cozinha para tirar as marcas de sangue, queimamos nossas roupas e sapatos, colocamos os cacos de vidro da garrafa de vodca na lixeira do vizinho viciado, e jogamos alvejante em tudo. Quando fui me deitar, meus olhos mal ficavam abertos, estava exausta, porém, um pouco antes de adormecer, Ana me chamou: R. Soares | 20 |
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— Maria, você está acordada? — Não — resmunguei. — Não consigo dormir, fico pensando no que aconteceu. Em como ele morreu e que depois o enterramos no jardim. — E o que você quer que eu diga? — Impaciente pela insistência de Ana em me manter acordada. — Não sei. Talvez algo para amenizar minha consciência e me fazer dormir. — Está bem. Pense que eu o esfaqueei; e você, simplesmente, me apoiou, porque eu te salvei. — Isso pode funcionar. E só mais uma coisa, como você pode estar tão tranquila? Não parece nem um pouco afetada por essa noite. — Primeiro, porque estou com sono, segundo, foi em legítima defesa e, terceiro, porque eu não pensei a respeito ainda. Simples assim. Três motivos que mantêm minha consciência limpa — virei em sua direção para ver a sua reação, mas ela se limitou a assentir com a cabeça. — Entendi. Boa noite, Maria. — Boa noite. Além de estar cansada, não queria conversar sobre o que acontecera. Nem eu entendia o que estava sentindo, como poderia ter gostado da adrenalina que senti após a primeira facada? Será que eu tinha algum problema? Talvez a sensação de libertação dos abusos tenha bloqueado a minha visão da realidade? Se eu compartilhasse esses questionamentos com ela, agora, a culpa a consumiria, e ela se responsabilizaria caso eu fosse presa. As cadeias espanholas não eram as melhores, principalmente no quesito estrutural, cada assassinato poderia render ao presidiário de cinco a oito anos de reclusão carcerária, além de um registro no sistema da Polícia Federal, que dificultava qualquer tipo de saída internacional legal. Basicamente, não queriam que a pessoa deixasse a Espanha para evitar que cometesse crimes em outros lugares, e manchasse o nome da nação. Ou seja, se o juiz considerasse unicamente o crime do assassinato, eu poderia ficar meia década presa, e minha irmã seria julgada como cúmSob a Roseira | 21 |
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plice. Entretanto, se a ocultação de cadáver e a eliminação de provas também entrassem no rol de acusações, ficaríamos um bom tempo atrás das grades. E, honestamente, eu faria de tudo para evitar isso. Um dia, com certeza, teria que enfrentar as consequências disso sozinha, porém não agora.
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