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Paulo Gonรงalves Pereira
Toda a Ternura de
um Pai
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Copyright © 2016 by Paulo Gonçalves Pereira Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor.
Planeta Azul Editora.
www.planetazuleditora.com.br e-mail: planetazul2014@yahoo.com.br Rua Dr. Olinto de Magalhães, 152 F. Vidigal – Rio de Janeiro – RJ – 22.450-250 Tels.: (21) 2239-1179/ 99613-9632 Revisão: Liana Duarte Dantas e Planeta Azul Editora Editoração eletrônica: Planeta Azul Editora Capa: Vinícius Soares E-mail do autor: pgpereira@terra.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7/5880 P436t Pereira, Paulo Gonçalves,1952Toda ternura de um pai / Paulo Gonçalves Pereira . -- Rio de Janeiro : Planeta Azul Editora, 2016. 192 p. ; 14x21 cm.
ISBN: 978-85-69870-21-0 1. Pereira, Gonçalves (Família). 2. Biografia. I. Título. CDD 929.2
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“Abrirei os lábios, pronunciarei sentenças, desvendarei os mistérios das origens. O que ouvimos e aprendemos, através de nossos pais, nada ocultaremos a seus filhos, narrando às gerações futuras os louvores do Senhor, seu poder e suas obras grandiosas”. (Sl 77, 2-4)
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Agradecimentos
À minha esposa Francisca, nora de meus pais José e Ormezinda, pelo tempo que me cedeu para planejar, coletar dados e ajudar-me a redigir esta obra. Ao neto Roberto por ter-me proporcionado, toda vez que me interrompia com sua infantil interferência, a oportunidade de refazer a escrita interrompida e de redigi-la de maneira melhor. Ao neto Henrique que, mesmo distante, em certos momentos, trouxe-me inspiração. Aos meus filhos Rafael, Paulo Vitor e Thaís, bem como aos parentes e amigos, cujas preciosas informações ajudaram na elaboração desta obra. À escritora Maria da Glória Caxito Mameluque, pelo belo prefácio que só fez enriquecer esta obra. À professora Liana Duarte Dantas, pelo meticuloso trabalho de revisão gramatical e crítica literária do texto deste livro. Toda a Ternura de um Pai | 7
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Prefácio
A
nos depois de ter escrito o prefácio do livro Toda a Ternura de um Homem eis que o conterrâneo e escritor Paulo Gonçalves Pereira me convida a escrever o prefácio deste novo livro. Para mim, surpresa e honra, pois, convivendo no Rio de Janeiro, onde pululam os intelectuais, seria muito fácil para ele contar com um belo e rico prefácio para seu livro. Ao lê-lo pausadamente, indo e vindo nas suas páginas, entendi a escolha. Todas as pessoas e locais, relatados no livro, eu conheci e tive o privilégio de conviver durante a minha vida em São Romão, nossa terra natal. Paulo começa descrevendo quem foi José Gonçalves Pereira, seu pai, e Ormezinda Batista de Oliveira, carinhosamente chamada Misu; para mim, descrição desnecessária, pois me lembro com muita clareza dos dois. O livro apresenta o gênero narrativo em que o autor conta a história de sua família, inspirada em eventos reais, e as cenas vão se desenrolando de forma sequencial no espaço e no tempo. Traz um enredo com marcas temporais, cenários e personagens determinados com precisão. Paulo é um memorialista. Apesar de ser este um estilo relativamente recente na literatura brasileira, as memórias Toda a Ternura de um Pai | 9
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possuem um alto nível de realização formal e estética, sendo bem representada por grandes escritores como José Lins do Rego e Graciliano Ramos, entre outros. Até o Século XIX a literatura brasileira era composta por cartas, relatos de viagem, sermões e poemas épicos e litúrgicos. Um exemplo de que o memorialismo procurou conciliar vida privada, recordações de infância e púbicas, encontra-se na obra Minha formação do abolicionista e monarquista Joaquim Nabuco, publicado em 1900. O memorialismo modernista sofreu um grande impacto no início do Século XX com a publicação da obra A la recherche du temps perdu de Marcel Proust nas décadas de 1920 a 1930. Daí, seguiram-se muitas outras de vários autores como Manoel Bandeira, Oswald de Andrade, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos e Cyro dos Anjos. O gênero memorialista tem sido visto em função do conhecimento que o leitor pode auferir da vida particular de um determinado indivíduo. Pode ainda resgatar conhecimentos ou histórias obscuras, como também testemunhar eventos marcantes. Neste livro, cujo protagonista o autor diz ser seu pai, Paulo foi além: não só Zezé, mas toda uma família da qual ele é o patriarca, detendo-se na história de cada um: irmãos, filhos, netos. É a saga de uma família que passou por momentos de lutas, de dificuldades, de dor, mas que saiu ilesa, superando tudo, não perdendo a fé e os valores de uma família verdadeiramente cristã. Na sua narrativa, Paulo se assemelha ao grande jornalista e romancista francês Émile Zola, um dos principais escritores do naturalismo, pela descrição das cenas com grande realismo e riqueza de detalhes: Enorme lua cheia pairava no céu iluminando o rio... Seus raios misturavam-se agora à claridade da fogueira erguida no meio da praça... 10 | Paulo Gonçalves Pereira
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Para avivar a memória do leitor, o escritor parte da história do seu avô, tão ricamente mostrada no seu primeiro livro. Isto para que todos compreendam as raízes ou origens da família que ora aborda nesse opúsculo. Acresce ainda, a essa narrativa, os antepassados da sua mãe, parte integrante e indispensável dessa história. Sua descrição de São Romão na primeira metade do Século XX é fiel e feita com todos os detalhes dos acontecimentos daquela época e que eu ainda criança a muitos presenciei: A água de beber era guardada em potes de barro colocados nos cantos mais frescos da casa. Quem quisesse beber água não precisava ir ao pote grande, bastava se utilizar da moringa e dos copos sempre disponíveis em cima da mesa da sala de jantar... Assim também era na minha casa, nos tempos idos da minha infância. Até mesmo a história do lendário Zé Besta, carregando água do rio em duas latas suspensas por um pau e as calças arregaçadas até o joelho, povoaram minha meninice e minhas lembranças em São Romão. Os acontecimentos que fazem o pano de fundo para a vida de Zezé e Misu estão ali com riqueza de detalhes: A Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, o nascimento do Frei Pedro, meu primo, em 1926, mais tarde o fim da Segunda Guerra, o lançamento das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki e o governo ditatorial de Getúlio Vargas, de 1939 a 1945. Narra ainda o autor que, no início dos anos 50, com a chegada dos primeiros rádios em São Romão, as salas onde havia o “novo” aparelho se enchiam de pessoas para ouvirem as novelas “O Direito de Nascer” e “Jerônimo, o herói do sertão”. Num dos meus livros, Um grande amor não se Toda a Ternura de um Pai | 11
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divide, faço referência a esse episódio, cujo texto que o descreveu foi usado na prova de português da Unimontes (Universidade Estadual de Montes Claros). Como num filme em câmera lenta, os personagens deste livro vão desfilando em minha mente, pois conheci quase todos: Manoel Simões que se chamado para atender a qualquer doente, medicava com sabedoria e competência; tia Ascenção, organista da Igreja, com quem tive oportunidade de cantar nas missas; os padres Frei Miguel, Frei Bertoldo e depois Frei Ricardo; Manoel Bispo, maestro da Banda; meu tio Quincas Caxito, várias vezes citado; Diomedes, meu padrinho, que nos aplicava as famosas injeções de Impaludam para curar as malárias; Chiquinho Pitangui, Seu Edístio, pai de Penha; Cazuza. Fiquei feliz em ver até mesmo o nome do meu pai, quando o autor faz referência ao “Beco de Manoel Jovino”. Conheci alguns irmãos de Zezé e Misu e a todos os seus filhos. Lembro-me muito de Zuza, no Grupo Escolar Afonso Arinos, onde estudei. Há um episódio especial que preciso contar: quando o autor foi acometido de poliomielite como ele narra, aos sete meses, lembro-me de ter acompanhado a minha mãe numa visita à amiga Misu, cujo filho estava doente. Eu deveria ter uns sete anos, mas essa cena não me saiu da cabeça. E como o mundo dá muitas voltas, eis aqui aquela menina franzina de sete anos prefaciando mais um livro do filho de Zezé e Misu, ambos escritores forjados na beira do rio e nas ruas da pacata São Romão de outrora. Fatos dolorosos são narrados como a morte por afogamento do menino Pedrinho nas águas do riacho e mais tarde do neto Mateus, quando moravam em Pirapora. Na 12 | Paulo Gonçalves Pereira
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história de todas as famílias, os acontecimentos se alternam: dificuldades, tropeços, sofrimentos e alegrias. Mas a família de Zezé e Misu, estruturada nos valores cristãos, tudo enfrentava e vencia com fé inquebrantável, pois construída sobre a rocha e não sobre areia, como cita o Evangelho. Nos meados do livro, Paulo passa a contar a sua própria vida. Refere-se a si mesmo, seu ponto de vista, seus pensamentos e sentimentos; está dentro da história. Expõe suas fraquezas de juventude sem medo, sua trajetória profissional, suas andanças até encontrar Francisca, que deu um novo rumo à sua vida. Credita isto às orações de sua mãe, a exemplo de Santa Mônica: Santa Mônica rezou por trinta anos pela conversão do filho rebelde. Minha mãe não precisou de tantos anos de oração... para que Deus me iluminasse e eu encontrasse uma moça boa, com a qual viesse a me relacionar, gostar dela e com ela me casar. Dizem que às preces de mãe, Deus nunca deixa de atender. Ele as escutou e colocou Francisca na minha vida. Francisca era o equilíbrio que faltava na sua vida, até mesmo quando tomou conhecimento da sua filha Thaís, havida antes do casamento. A serenidade de Francisca foi o ponto forte no acolhimento de Thaís, trazendo-a como um novo membro da família. A generosidade de Zezé e Misu, acolhendo Maria Antônia e Lia, foi recompensada pela dedicação de ambas quando precisaram de um apoio amigo e fraterno nas suas debilidades. E isto não foi negligenciado na narrativa de Paulo. Ao final, lembro-me que em uma das minhas idas a Pirapora, estando numa celebração na Igreja de São Sebastião, meu irmão José Reinaldo chegou perto de mim e disse: Toda a Ternura de um Pai | 13
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Glorinha, Dona Misu está ali naquele banco. Terminada a cerimônia, procurei-a e abracei-a demoradamente, recebendo dela o mesmo tratamento afetuoso de sempre. Foi a última vez que a vi. Fico feliz e agradecida a Paulo por me dar a oportunidade desse prefácio, pois a vida de Zezé e Misu merece ser contada como exemplo a ser seguido. Montes Claros (MG) 20 de janeiro de 2016. Maria da Glória Caxito Mameluque Membro da Academia Montesclarense de Letras Membro da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros Fundadora e 1ª Presidente da Academia Feminina de Letras de Montes Claros
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Nota do Autor
N
esta obra foi utilizado conhecido método literário em que o autor às vezes constrói a narrativa na primeira pessoa, e isto pode induzi-lo a algum julgamento, razão pela qual se pede a compreensão do leitor. Os fatos relatados nesta história, embora referentes a uma família específica, são, contudo, de natureza universal, pois podem acontecer em quase todas as famílias, no mundo inteiro e em qualquer tempo. Para facilitar a leitura, foi colocada, em anexo, a genealogia de meu pai desde seus bisavós, por parte de pai, Capitão Pedro e dona Umbelina, e por parte de mãe, Major Diogo Antônio de Vasconcelos e dona Luiza da Rocha e Almeida, até seus filhos e netos.
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Sumário
Prefácio................................................................................................................9 Nota do Autor...................................................................................................15 Preâmbulo.........................................................................................................21
I. Um Pouco Antes • 23 1. O Capitão Pedro, bisavô de Zezé................................................................23 2. Pedro, o farmacêutico, o Dr. Tinô..............................................................24 3. José.................................................................................................................25 4. Misu................................................................................................................26 5. Delphina........................................................................................................28
II. Enquanto Isso... • 31 6. Como era antes.............................................................................................31 7. Datas e fatos..................................................................................................34
III. Infância e Adolescência • 39 8. Cenário da época..........................................................................................39 9. A infância......................................................................................................41 10. A Casa dos Relógios...................................................................................42 11. Ephigênio, o contador de histórias...........................................................43 12. Os revoltosos...............................................................................................44 13. Adolescência...............................................................................................45 14. Outros fatos.................................................................................................47
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IV. Em São Romão • 49 15. Desorientado...............................................................................................49 16. O namoro....................................................................................................50 17. O casamento................................................................................................51 18. A família......................................................................................................53 19. Os filhos de José e Misu.............................................................................56 20. Caçadas e pescarias....................................................................................59 21. Deus, Pátria e Família................................................................................63 22. Generosidade..............................................................................................64 23. Integrados aos costumes............................................................................66 24. Capela de Santa Teresinha ........................................................................68 25. Poliomielite.................................................................................................70 26. O primogênito............................................................................................71 27. O seminário.................................................................................................80 28. Zuza..............................................................................................................81 29. O futuro.......................................................................................................82 30. Zé Besta.......................................................................................................85
V. Os Irmãos de Meu Pai • 89 31. Esthercina....................................................................................................89 32. Newton........................................................................................................91 33. Pedro............................................................................................................92 34. Ester.............................................................................................................93 35. Milton..........................................................................................................97 36. Sebastião....................................................................................................100
VI. A Mudança • 109 37. Pirapora ou Januária?...............................................................................109
VII. Em Pirapora • 115 38. Quando os filhos vão embora.................................................................115 39. Cenário em Pirapora................................................................................119 40. Casa da Vó.................................................................................................123 41. Preces maternas........................................................................................126 42. Desvelo materno .......128 43. Grosseria....................................................................................................129 44. Maria Antônia...........................................................................................131 45. Acidente de lambreta...............................................................................134 18 | Paulo Gonçalves Pereira
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46. Acidente de carro.....................................................................................138 47. Maria José..................................................................................................143
VIII. Francisca • 145 48. Orações e preces.......................................................................................145 49. Relatos........................................................................................................146 50. Sob as bênçãos do Papa...........................................................................149 51. Namoro......................................................................................................153 52. O casamento..............................................................................................155 53. Os filhos chegaram...................................................................................157
IX. Mateus • 159 54. Neto amado...............................................................................................159 55. Em Varjota-CE..........................................................................................161 56. Lembranças amargas................................................................................163
X. Parkinson • 165 57. Sintomas....................................................................................................165 58. Convivência com os netos.......................................................................168 59. Compaixão................................................................................................169
XI. Thais • 173 60. O enigma...................................................................................................173 61. O encontro com Roberto........................................................................176 62. O primeiro encontro com Thaís.............................................................178 63. Ainda Francisca........................................................................................180
XII. Ainda Minha Mãe • 181 64. A viúva.......................................................................................................181 65. Outra neta.................................................................................................182 66. Algo especial.............................................................................................183 67. Glória esplendorosa.................................................................................184
Anexos • 187 Bibliografia • 191
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Preâmbulo
Q
uem foi José Gonçalves Pereira, mais conhecido como Zezé? Ele era apenas um cidadão comum entre os mais comuns da Vila de São Romão. Assim como seu pai, o farmacêutico Pedro, também chamado de Dr. Tinô, sempre lembrado pela sua dedicação aos conterrâneos doentes. Se levarmos em conta a exata definição de caridade, José foi uma pessoa extraordinariamente humana, cheia de virtudes e extremamente caridosa. Nasceu em 19 de março de 1915, por isto recebeu o nome de José, em homenagem à mística figura bíblica do carpinteiro, esposo de Maria e pai adotivo de Jesus. Não fraquejou no pior momento de sua vida, aquele em que, em viagem a serviço do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, lá pelas bandas do Rio Urucuia, foi informado por apressado mensageiro sobre a trágica morte, por afogamento, de seu primogênito, Pedro, de apenas 10 anos de idade. Nem tampouco procurou relacionar a tragédia de seu filho com aquela outra, a de seu irmão, também chamado de Pedro e também morto afogado nas mesmas águas do riacho que agora acabaram de levar seu filho.
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Ormezinda Batista de Oliveira, carinhosamente chamada de Misu... Quem foi essa amável e decidida mulher? Não se pode falar em Zezé sem se falar em Misu. Na memória dela, sempre permaneceu bem nítida aquela cena em que se assustou com um menino que, de repente, surgiu correndo de dentro da casa defronte à qual ela e seu pai Anastácio se encontravam. O menino trombou com ela, derrubou-a ao chão, antes de sumir em direção à Igreja de Nossa Senhora do Rosário. E esse menino, José, viria a ser, anos mais tarde, seu esposo. As alegrias, os dramas pessoais, os infortúnios, as esperanças e desilusões pelos quais Zezé e Misu passaram não foram nem maiores nem menores do que aqueles de tantos outros pais, moradores da Vila de São Romão. Zezé e Misu foram grandes, não por atos extraordinários que praticaram em suas pacatas vidas, senão pelo contínuo exercício das suas mais espontâneas virtudes: a bondade, a simplicidade, a amizade, a compaixão e a caridade. Meu pai, carinhosamente conhecido, em São Romão e Pirapora, como Zezé de Misu, faleceu no Natal de 1996, dia em que comemorava 59 anos de matrimônio com minha mãe Misu, que veio a falecer em agosto de 2003. A história de meus pais, Zezé e Misu, será contada a partir de agora.
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I
Um Pouco Antes
1. O Capitão Pedro, bisavô de Zezé A história de meu pai começa com a de seu bisavô, o emblemático Capitão Pedro, e passa pela de sua filha Delphina, a tia do farmacêutico Pedro, que veio a ser o pai de José, a principal personagem deste livro. Para melhor compreensão desta obra, convido o leitor a se dirigir aos quadros anexados no final deste livro. O Capitão Pedro juntara enorme fortuna em gado e terras na região do Rio Urucuia, afluente da margem esquerda do Rio São Francisco. Era homem generoso, ao qual não se podiam aplicar os dizeres bíblicos sobre a dificuldade de pessoas ricas entrarem no Reino dos Céus. O Capitão era de fato um homem rico, porém sabia compartilhar seus bens materiais com quantos deles precisassem. Sentindo a proximidade da morte, o Capitão e a esposa Umbelina foram ao cartório onde registraram um documento de partilha de seus bens para as quatro filhas e único filho: Felizbina, Carolina, Luzia, Delphina Maria e Severiano. Sem menção aos distúrbios psicológicos que às vezes acometiam Felizbina, a filha mais velha, o documento de partilha especificava que os bens que lhe coubessem seToda a Ternura de um Pai | 23
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riam administrados pela irmã Delphina. Severiano, o filho mais novo do Capitão, com a parte que lhe coube, transferiu seus negócios para Goiás. Luzia casou-se com um comerciante de São Francisco e Carolina veio a ser a mãe do farmacêutico Nestor, seu filho único. Nestor formou-se em Ouro Preto, na mesma turma de Pedro, o pai de meu pai, e nunca exerceu a profissão, tendo- se dedicado à pecuária e à criação de cavalos de raça. Felizbina casou-se com Felizardo Gonçalves Pereira. Eles tiveram a filha Emygdia e, dezenove anos depois, o temporão Pedro, o pai de meu pai.
2. Pedro, o farmacêutico, o Dr. Tinô Muitos são-romanenses ainda se lembram da vida esplendorosa, da agonia e morte de Pedro, o farmacêutico, cuja vida foi relatada no meu primeiro livro Toda a Ternura de um Homem. Por muito tempo, na Vila de São Romão, ficaram registrados, na memória daqueles que não conheceram Pedro, os relatos sobre aquele belo homem que vivera em função de cuidar da saúde de seus conterrâneos. Literalmente, ele dera a vida em favor deles. Pedro foi um homem que se dedicara totalmente a cuidar da comunidade carente de serviços de saúde. Ele e seu sobrinho, também farmacêutico, Manoel Simões, assumiram as lacunas da saúde pública deixadas pelo governo provincial das Minas Gerais. Meu avô Pedro foi casado com Silvina de Vasconcelos, carinhosamente apelidada de Sici, de tradicional família de Ouro Preto e Mariana. 24 | Paulo Gonçalves Pereira
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