Vicenzo: Irmandade Horus (Degustação)

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Copyright 2019 © Mari Sales Revisão: Carla Santos Capa e Edição Digital: Criativa TI _____________________________________________ Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência. _____________________________________________ Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios – tangível ou intangível – sem o consentimento por escrito da autora.

Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.


Para todas as mães que em algum momento se sentiram sozinhas, a Irmandade Horus representa a força que há dentro de cada uma. Somos mães, somos grandes, damos conta.


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Sinopse Uma mulher enganada conseguiria confiar em outro homem para estar ao seu lado? Júlia passou de mulher sedutora a mãe solo insegura quando descobriu a traição do companheiro e se viu sozinha para cuidar de uma criança não planejada. Apesar das dificuldades, ela não desistiria, porque Pedro havia se tornado sua razão de viver. Ao mudar-se de apartamento para economizar, ela não sabia que sua vida mudaria tanto quanto a de todos ao seu redor. Estar sob a proteção da Irmandade Horus, mais precisamente de Vicenzo Rizzo, era recobrar sua confiança, seu lado mulher e independência. Enquanto Júlia lutava contra a atração e dedicação de Vicenzo, ele encontrava maneiras de expor seus segredos para a mulher que não merecia


ter nenhuma mentira no seu caminho. O que era para ser apenas um acordo entre adultos se tornou em uma nova chance para o amor.


Prólogo Vicenzo

Fomos convocados para fazer a segurança da concessionária de automóveis e do dono. Era a festa de lançamento do modelo esportivo da marca e apenas a alta sociedade apareceria, além dos funcionários e suas famílias. Ou seja, muito dinheiro estava em jogo; era necessário ter proteção para que tudo acontecesse tranquilamente. Éramos discretos e passávamos despercebidos entre as pessoas. Eu, Tobias e Ivan estávamos devidamente trajados com roupa social, terno e gravata pretos, assim como a camisa por baixo e os sapatos. Nós mantínhamos o cabelo longo solto e a barba comprida, mas, para a ocasião, prendemos os fios rebeldes e aparamos os pelos do rosto, deixando o perfil


lenhador intimidador de lado. De maloqueiros à homens de confiança com apenas alguns minutos no barbeiro. A intenção era nos misturarmos e evitar qualquer deslize por parte dos convidados. Eram a elite, mas não estavam imunes aos bandidos infiltrados e arruaceiros da mesma classe social. — Da porta central, duas horas — Tobias falou pelo nosso comunicador de ouvido, indicando a posição que deveria olhar. Um casal estava de costas e não consegui focar em nada além das curvas da mulher no vestido vermelho. — Esse não era o idiota que tentou fazer parte da Horus? — Ivan comentou e andou do outro lado do salão para ter uma melhor visão. — Mas que filho da puta, não avisou que era comprometido! — O primeiro requisito para estar na Horus é não mentir. — refleti por alguns segundos. — Você sabe, pode ser apenas uma acompanhante. — A minha torcida era para que fosse, porque tencionava tê-la para mim. Poucas mulheres despertavam meu interesse apenas pela aparência ou como se portavam. Direto, sempre as abordava, até o encanto acabar depois de uma noite de prazer. Pelo menos, isso era constante na minha vida: uma noite e nada mais. Aproximei dos dois pela lateral e a mão da mulher de vermelho, que segurava a taça de champanhe, ostentava um anel de compromisso brilhante. — Merda, é namorada ou noiva — sussurrei, pois passava por entre os convidados e ninguém precisava escutar-me xingando. Bem, ninguém


precisava saber que estava de olho na minha próxima foda ao invés de cuidar do salão. — Lídio já estava fazendo todo o levantamento digital desse cara para ingressar na Irmandade, agora, com esse ocultamento de informação, nem precisará terminar. — Ivan voltou para a sua posição e fez a ligação para o nosso especialista em investigação. Quem quisesse estar conosco teria que ser sincero sobre sua vida, sem mentiras ou omissões. Horus arriscava a vida para proteger as pessoas que faziam parte da Irmandade, além das outras atividades liberais que necessitava de confiança. Se alguém precisava mentir, então, não servia para nós. Por alguns minutos fiquei observando a mulher de vermelho, que de interessante passou a ser irresistível. A mão que segurava a taça era sensual, seus lábios com batom da mesma cor do vestido sorriam com malícia para ninguém em particular e quando seu homem a tocava, ela sussurrava em seu ouvido, com certeza obscenidades. Tinha um tesão enorme pela atitude confiante e poderosa. Essa mulher conseguia manter a postura e a classe, mas sem perder sua sensualidade. Seu olhar era confiante, de uma pessoa muito bem resolvida, o que me atraía mais ainda. Não tinha paciência para as inexperientes e tímidas, quanto mais liberta sexualmente, melhor minha performance na cama e a satisfação mútua.


Assim que o idiota do seu marido – que também era funcionário da concessionária – se afastou para mostrar o automóvel em exposição a alguém, atrevi-me a abordá-la pelas costas para não ver meu rosto. Queria essa mulher; e se ela não me quisesse, não precisava recordar minha aparência. — Uma mulher como você não deveria estar bebendo sozinha — falei sedutor sem a encarar e assim que se virou para me encarar surpresa, posicionei-me de perfil. Apesar de não nos encarar, consegui visualizar seu enorme decote e seios fartos pela minha visão periférica. — Minha falta de companhia é apenas temporária, não se preocupe. — Sorriu demonstrando não estar ofendida e percebi que estava aberta a conversar e flertar pelo seu tom. — Bom para mim, que pretendo preencher esse momento com muito prazer. — Umedeci os lábios com malícia e cruzei meus braços, mostrando todo o meu potencial. Ela ficou de lado e entrou no meu jogo sem nenhuma intimidação. — Não sei se acredito, existe muita propaganda enganosa — provocou tomando um gole da sua bebida, o que aumentou minha ousadia com as palavras. — Vestida para despertar a imaginação de todos os homens, a concorrência poderá ser alta, mas não será suficiente para o meu poder de persuasão. — Movi meu corpo para ficar de frente às suas costas e fiz um movimento sutil com meu quadril, indicando o real significado das minhas palavras. Estava ultrapassando um limite, seria ela que me colocaria no lugar que quisesse.


Indiscreta, virou, olhou para baixo e me avaliou por completo. Com uma mão na cintura e a outra segurando a taça de champanhe, intimou-me: — Lado de fora, em dois minutos; se você me fizer gritar, eu farei o melhor boquete que já teve. Chocado, fiquei sem reação e pensei se realmente essa mulher iria trair seu companheiro em um local tão público, mas sua risada descontraída me fez perceber que sua intenção era apenas essa: deixar-me surpreso. — Estou pronto — respondi tardiamente e, para meu deleite, ela me rodeou, passou pelas minhas costas e apertou discretamente minha bunda. Segui seus passos, mas parei quando ela encontrou seu marido e o fez agarrá-la depois de sussurrar palavras em seu ouvido. A demonstração pública de afeto me incomodou, porque as pessoas em volta curtiram o show que não estava sendo protagonizado por mim. Nessa situação, preferia me exibir a assistir. — Acho que alguém ficou interessado pelo fruto proibido — Tobias zombou pelo comunicador. — Essa mulher ainda será minha, porque esse idiota mentiroso não tem bolas o suficiente para mantê-la! — profetizei convicto, porque eu conquistava e fazia direito. Nada nem ninguém me impediria.


Capítulo 1 Júlia

Era a quarta vez que Pedrinho acordava durante a noite e eu, como a mãe exemplar e preocupada que era, levantei da minha cama e fui até o seu quarto para amamentá-lo. Ele tinha dois meses e meio de vida e, por incrível que pareça, os quinze dias que faltavam para completar três meses parecia uma eternidade. Não via a hora das cólicas cruéis passarem. Pelo menos rezava e acreditava que seria assim, como a maioria. Precisava que meu filho fosse como os outros bebês, porque a falta de sono estava causando transtornos a minha mente e a de seu pai. Falando no pai do bebê, ele estava na nossa cama dormindo e roncando enquanto Pedrinho reclamava de fome. Se ele chorasse além do que deveria, de acordo com Gustavo, eu era uma má mãe e não me preocupava


com o bem-estar do meu filho ou dele próprio, que precisava do seu sono intacto para trabalhar. Peguei um Pedrinho choroso do berço, me acomodei na cadeira de amamentação que havia em seu quarto e observei, como todas as madrugadas, o quanto minha vida mudou no momento em que montei esse cômodo. Apesar da gravidez não planejada, assim que soube fiquei muito feliz. Fui daquelas mães que se apaixonou pelo seu bebê desde a descoberta! Diferente de Gustavo, que apenas mudou de amoroso para distante. Morávamos no mesmo apartamento há um ano e nunca passou pela cabeça dele que poderia ser pai. Disse que não queria um filho, que sua carreira profissional como gerente de uma grande concessionária de carros não cabia a família tradicional. Bem, consegui reverter a situação ao omitir minha gestação no nosso dia a dia. Sorte que não tive nenhum sintoma e apenas o sono era o vilão do nosso relacionamento. Ele queria que eu acompanhasse seus programas de televisão até onze horas da noite. Ainda hoje exigia isso e mesmo estando completamente cansada, me forçava a estar com ele, comentar e, na maioria das vezes, transar. Ele dizia que esse era o único momento que conseguíamos estar juntos, já que trabalhava de segunda a segunda e em outros momentos me dedicava ao bebê. Meu companheiro não gostava quando Pedrinho atrapalhava nosso momento e quando eu precisava ficar com ele no meu colo por um longo tempo, Gustavo resmungava do quanto o mimava e ia dormir emburrado.


Assim que o nosso filho parou de mamar e dormiu nos meus braços, delicadamente coloquei-o de pé apoiado no meu ombro e o fiz arrotar rezando para que não acordasse novamente. Olhei para o relógio de pulso e vi que já passava das cinco da manhã. Ainda no quarto do bebê, depois de colocá-lo no berço, com uma meialuz iluminando o cômodo, peguei a linha, agulha e continuei a fazer o tapete de crochê que me encomendaram. Essa era a minha vantagem, trabalhava em casa, fazia meus horários, cuidava da casa e de meu filho. Claro que Gustavo não valorizava ou achava que fazia mais do que eu. Tudo isso não passava de hobby para ele, mas as compras do supermercado eram feitas com o dinheiro que eu ganhava das minhas confecções. Seis e meia, ambos acordaram em sincronia. Abandonei meus afazeres e enquanto o pai do meu bebê colocava a cabeça para dentro do quarto onde estava, eu me sentava para amamentá-lo novamente. — Esse menino acordou novamente? — A resposta era óbvia! Ele perguntava a mesma coisa todos os dias e eu respondia da mesma forma: — Sim, ele está com fome — respirei fundo, com o resto de paciência que, pouco a pouco, se esvaía. — Você está mimando esse bebê, depois fica sem dormir direito e malhumorada. Ele só precisa de peito de três em três horas — resmungou com seu humor rabugento matutino e decidi apenas me concentrar no bem precioso nos meus braços antes de fazer qualquer coisa como mandá-lo à merda. Há muito tempo meu amor por Gustavo estava desgastado, desde que – duas semanas antes do meu parto – precisei de repouso absoluto e não


poderia

ter

relações

sexuais.

Ele

valorizava

muito

essa

parte

do

relacionamento e confessava que sempre fui uma entusiasta no assunto. Era sedutora, usava meu corpo para a paquera e gostava muito de transar, tinha até o livro do kama sutra na estante, mas com a maternidade veio outras prioridades e então descobri o quanto Gustavo nunca precisou me conquistar para fazer sexo, sempre estive pronta. Apesar da quarentena, minha boca não precisou de descanso, o que lembrava com certa insatisfação. Assim que fui liberada, o sexo foi o pior que já tive na vida. Nunca pensei que algo que sempre me fez sentir bem, agora se tornou um pesadelo. Além de me sentir horrível com o corpo que estava, não houve lubrificação ou preliminar, sequer romantismo, muito menos disposição por parte do meu companheiro para acender a minha libido. E continuava dessa forma até hoje. Sentia-me virgem a cada relação que tinha com Gustavo e por um bom tempo achei que a culpa era minha. Depois de pesquisas na internet, descobri que a lactação fazia isso com a libido junto com todo o estresse de ter um bebê em casa enquanto o casal não parecia em sintonia. Gustavo não queria saber de minhas dúvidas e lamentações, ele precisava de sua dose quase diária de prazer e eu, como a mulher ninfomaníaca que um dia fui, precisava atendê-lo. Fazia o meu papel, porque não tinha forças o suficiente para sair da rotina imposta pelas minhas escolhas. Olhei para a porta e percebi que ele estava esperando algo de mim, ou seja, alguma defesa da minha parte.


— A pediatra aconselhou que desse o peito por livre demanda, até para melhorar as cólicas e o vínculo entre nós. Não se preocupe, estou dando conta — respondi baixo e cansada, mas com um sorriso amarelo nos lábios, para tentar melhorar o humor dele ao mesmo tempo que tentava me convencer. Se o pai do meu bebê estava de bom humor, eu não receberia suas patadas. Estava exausta demais para o massacre. — Que bom então. Termine aí e venha para o banho comigo, preciso de você para me animar — com seu tom de ordem, piscou um olho para mim e voltou para o nosso quarto. Olhei para o Pedrinho e suspirei. Não tinha vontade; assim que ele terminasse de mamar iria dormir e eu precisava aproveitar o sono dele para fazer minhas encomendas. Mas qualquer desculpa que desse para o Gustavo seria pior para mim. Já sabia que essa era uma etapa difícil para o casal e queria, por tudo, que aguentasse e superasse. Se dependesse de mim, não entraria nas estatísticas de me separar com um bebê de menos de um ano no colo. “É apenas uma fase”, repeti em minha mente. Como uma boa mulher compreensiva, mas que começava a ficar de saco cheio, deixei meu filho dormindo no berço, despi no meu quarto e entrei no banho para a minha dose de tortura. Fechei os olhos e deixei que ele me usasse para seu prazer e bom humor. Gustavo ficaria o dia inteiro fora e eu conseguiria reunir meus pedaços enquanto fazia minhas encomendas. O crochê, além de trabalho, era o que me mantinha sã desde a gravidez.


Com outro sorriso amarelo, agradeci o orgasmo que não tive e nem fingi e saí para preparar seu desjejum matinal. Preparei seu café, pão na chapa e salada de fruta. Coloquei tudo na mesa trajando nada além do que uma toalha enrolada no corpo. Não dava tempo de me trocar antes dele estar pronto para que comesse. Gostava de mimá-lo, sempre fiz desde o momento em que começamos a morar juntos, mas tudo isso acabou se tornando obrigação ao invés de agrado. Não valorizou meus esforços e nunca retribuiu, nem no meu aniversário tive um café da manhã pronto por ele. A cada dia de sofrimento, algo dentro de mim perdia o sentido e o medo dominava. O celular dele tocou e como sempre fazia, a pedido dele próprio, atendi. Também não me importava antes, até que virou uma obrigação. Antes que dissesse alô, uma voz feminina e sensual soou: — Amor, venha me ver, preciso de você — gemeu no final e antes que eu risse, achando que era algum engano, a moça continuou: — Gu, amor, venha para mim. Você sabe que a gorda da sua mulher não te satisfaz como eu. Vou te animar antes de começar a trabalhar do jeito que você gosta. Toda a cor do meu corpo deveria ter sumido. Apertei o celular na minha mão e comecei a tremer. Não estava acreditando no que ouvia, Gustavo tinha uma amante? Chocada e com o coração acelerado, respirei fundo e informei: — Gustavo não pode atender no momento, mas passarei o recado para ele. — No outro lado da linha escutei um engasgo. Na minha frente, com sua roupa social, meu companheiro e pai do meu filho me encarou com o cenho franzido perguntando com os lábios quem era. Continuei com a mão


instável e os olhos encharcados pelas lágrimas não derramadas. — Apenas para sua informação e a dele, que está na minha frente, eu não o satisfaço, porque ele também não faz isso por mim. Meu saco explodiu. Encerrei a chamada com os olhos no canalha à minha frente, que tinha muitos defeitos, mas que amei por algum tempo. Não agora. Não mais. Precisava dele, psicologicamente, porque não me via sozinha cuidando de uma criança, por mais que ele nunca me ajudou a trocar uma fralda sequer. Não mais. Nunca mais. Gustavo me olhava com frieza, sem pesar, e inabalável, como sempre. — Eu não queria que você soubesse dessa forma — se fosse possível, sua voz transmitia todo o cinismo que nunca vi nele. — O que vamos fazer, Gustavo? — perguntei, porque não sabia ou não tinha coragem de expulsá-lo de casa. Não poderia cuidar de um bebê, estava exausta, sentindo-me usada e agora sozinha. — Arrume todas as minhas roupas na mala, vou trabalhar e, quando eu voltar, pego-a e te deixo em paz. Ele comeu seu pão e tomou o seu café sentado à mesa, como se nada tivesse acontecido e eu continuei de pé, apenas de toalha e completamente chocada. Violada.


O que deveria fazer? Meu coração acelerado não permitia que raciocinasse direito. Ele ainda me pediu para fazer sua mala! Minha vontade era de jogar suas roupas pela janela ou até mesmo de queimá-las, mas como a mulher que era e com o coração partido do jeito que estava, respirei fundo e deixei as lágrimas escorrerem. Faria como pediu, porque dependia dele. Era o pai do meu filho além do chefe da família. E se fizesse algo com o bebê? Não, nunca! — Não chore, vai fazer o menino acordar. — Então, reparei que ele nunca havia chamado nosso filho pelo nome. — Pedro, ele se chama Pedro — enfatizei entre as lágrimas, com a voz embargada. — Tanto faz, só se controle, senão ele vai chorar e estragar o meu dia. — Sim, porque terminar o relacionamento com a mãe do filho dele não abalava o dia o suficiente. Queria espernear, gritar e puxar os seus cabelos, mas minha posição como mãe, como a pessoa que precisava ter o controle e serenidade para lidar com tudo, já que Pedrinho sentia tudo o que eu sentia, me impedia. Então respirei fundo, enxuguei minhas lágrimas com a toalha do meu corpo e perguntei: — Como faremos? Você sabe que não tenho meus pais e meus avós não têm condições de me ajudarem por serem muito velhos e doentes. Eu não...


— O aluguel desse apartamento está pago por seis meses. Irei ao banco e sacarei o dinheiro da nossa poupança que você destinou para a festa de casamento. Acho que é o suficiente para você começar a procurar um emprego de verdade e sustentar seu filho. Meu filho, não nosso. Ele se levantou, pegou o celular da minha mão, a sua carteira, as chaves do carro e saiu. Ainda estava chocada o suficiente para não questionar sua ideia de solução da nossa vida e o barulho da porta se fechando fez com que Pedrinho chorasse assustado, tanto como eu estava. Mas, como a mãe que deveria suportar o mundo ruir sem se abalar, respirei fundo e segui até o quarto para consolá-lo ao mesmo tempo que tentava me manter sã. Durante todo o dia, precisei ficar com ele no colo deixando-o apenas para fazer a mala do homem, que não serviria nem como pai do meu bebê, foi que consegui com que Pedrinho se acalmasse. Minha vida tinha mudado e apenas MEU filho estaria lá por mim. Não poderia fraquejar, não nesse momento. Haveria de existir um dia em que finalmente poderia me deixar levar pelas emoções conflituosas que sentia, porém, minha jornada como mãe solo estava apenas começando e força era o que mais precisaria ter.


Capítulo 2 Júlia

Já se passaram seis meses desde que minha vida mudou pela segunda vez. Não queria mais contar quantos dias faziam que não via nem escutava sobre Gustavo, mas fazia e endurecia meu coração um pouco mais a cada avanço dessa dolorosa contagem. Mudei de nosso antigo apartamento para um pequeno canto em um complexo de torres de três andares, sem elevadores e com muitos jovens solteiros. Era barulhento, maltratado, mas barato e o único que cabia no meu bolso. Era um teto e só dependia de mim para bancar. Michele queria que eu fosse morar com ela, mas em hipótese nenhuma aceitaria ser um estorvo em seu relacionamento. Minha melhor amiga era


recém-casada e nenhum dos dois pretendiam ter filhos. Imagine uma amiga recém-separada e um filho como agregado? Nem pensar! Quando descobri a traição de Gustavo, Michele foi a última pessoa que pensei em ligar. Se não fosse por sua amizade e preocupação, com sua ligação semanal para saber de seu afilhado, estaria sucumbindo em piedade e culpa por mais tempo do que gostaria. Sim, senti culpa, por mais absurdo que isso pudesse ser visto por mim hoje. Gustavo era um asno, nunca me mereceu, mas na fragilidade do momento que era a maternidade, se sustentar e se separar, pensei que a responsabilidade de tudo era minha. Não tinha feito o suficiente, falhei. Para me ajudar de outra forma, Michele criou uma loja virtual com meus tapetes de crochê e então minha renda, junto com meu trabalho, aumentou. Continuava como uma mulher zumbi, Pedrinho nunca dormiu mais do que duas horas seguidas e assim que fiquei sozinha na cama de casal, coloquei-o para dormir comigo aliviando grande parte do meu desgaste em levantar e voltar. No final das contas, ele era meu acalento para dormir e eu o dele. Não pude trazer todos os móveis e nem consegui falar com Gustavo sobre a partilha dos nossos bens. Não éramos casados formalmente, mas o mínimo de consideração achei que ele teria. Engano meu. O corretor de imóveis foi a pessoa quem lidou comigo chorando, Pedrinho nervoso e nossa mudança. O que não trouxe para o meu apartamento de trinta metros quadrados voltou para o seu dono, o homem que doou um esperma para fazer meu filho.


Michele queria processá-lo, pedir pensão e tudo mais. Cheguei a juntar todos os papéis, ir ao advogado, mas depois de uma profunda conversa com o operador de Direito, descobri que não queria compartilhar a guarda da criança. Nunca gostei dos pais de Gustavo e um lado meu agradeceu que ele sumiu junto com sua família, porque Pedrinho era MEU, apenas meu. Sofreria, mas daria conta de nós dois como sempre foi. Eu tinha formação técnica de secretariado e almoxarifado. Nunca tive muito dinheiro, sempre sobrevivi, porque meus pais morreram em um acidente de carro quando era adolescente e meus avós me sustentavam em uma pensão com o dinheiro do seguro de vida deles. Ter-me por perto era doloroso para eles, além de serem muito velhos e fragilizados. Nunca me quiseram e sempre segui minha vida na sombra de Michele, que me acolheu como amiga, praticamente uma irmã, e nunca mais me largou. Gustavo foi meu primeiro relacionamento sério e, quando pediu para que eu saísse da pensão para morar com ele, na intenção de ter sexo todos os dias, fui sem pensar duas vezes. Quando souberam, meus avós nunca mais enviaram dinheiro para me ajudar e nunca mais fui atrás deles. Estava livre e com a única pessoa que me amava ao lado. Relações sexuais era a única distração que tinha enquanto me descobria como mulher. Era tachada de puta no colégio, mas não me importava desde que Michele estivesse lá para me consolar. Quando formamos no ensino médio, não houve mais nenhuma preocupação quanto a minha reputação e pude me aperfeiçoar na arte do prazer. Michele sempre me obrigou a ser cuidadosa, comprava preservativos e


anticoncepcionais para mim. Deixei que ela fizesse o papel de mãe enquanto não me proibisse de ser quem eu era. Confiante e sedutora, tinha os homens aos meus pés mesmo que meu coração tivesse apenas um dono: Gustavo. Com 22 anos, morando com o amor da minha vida, trabalhava informalmente em empresas que precisavam de pessoas temporárias e por isso, assim que descobri minha gravidez, me dispensaram. Nunca me preocupei com emprego, já que Gustavo sempre esteve confortável financeiramente, nunca me privava de nada. Com a ajuda da internet, depois do choque de estar infeliz profissionalmente pelo desemprego, aprendi a fazer crochê e apaixonei-me pela arte. Fiz tapete para os parentes da Michele, depois amigos dela e assim consegui um pouco de renda para comprar o enxoval do Pedrinho. Agora que havia terminado completamente com Gustavo, descobri o quanto fui ingênua e idiota. Praticamente paguei tudo o que estava relacionado com o bebê, além da nossa alimentação diária. O dinheiro da poupança do nosso não-casamento me ajudou, mas acabou rápido, já que pegou metade para ele. Queria discutir, enfrentá-lo na justiça, mas pensava em Pedrinho e decidia que o melhor a fazer era sumir da vida dele, como ele fez da minha. Estava bem com meu filho e não tinha a menor intenção de voltar atrás. Já havia aceitado que o único homem da minha vida seria meu Pedro. Foi com um sentimento de vitória que recepcionei minha amiga na humilde residência que escolhi, depois de desembalar tudo.


— Sua casinha está linda, Júlia. — Michele sentou no sofá com Pedrinho no colo e observou ao redor. — É bem menor do que seu antigo apartamento, mas será mais fácil de administrar. — Ainda falta muita coisa, mas é melhor assim. Ter menos coisas para limpar com certeza facilitará minha vida. — O barulho da música do vizinho de baixo atrapalhou nossa conversa. Fizemos uma careta. — Bem, vamos ter que aprender a conviver com o barulho. — Você sabe que pode recorrer a minha casa. Se não for para morar, que seja para dormir uma noite completa. Ela fez cosquinhas em seu afilhado e seu riso me fez esquecer qualquer dificuldade que enfrentei ou que iria enfrentar. Pedrinho tinha esse poder sobre mim. — Ele é colado em mim, você sabe. Enquanto houver leite, Pedrinho nunca desgrudará de mim. O vínculo com meu filho através da amamentação não acabaria tão cedo depois que descobri o valor do leite em pó. Já gastava horrores com fralda descartável, não poderia me dar ao luxo de gastar com algo que produzia de graça. Nesses seis meses sozinha, havia perdido o peso da gravidez e uns quilos a mais. Comia apenas o essencial e agora, com as papinhas de Pedrinho, só comia seus restos ou dividia sua comida. Ainda não conseguia gastar com algo exclusivo para mim e nem pensava sobre isso. Tinha muitas outras coisas como prioridade do que o prazer de comer.


— Minha mãe fará lasanha para nós amanhã. Vai comer lasanha da vovó? — brincou com o afilhado. — Que bom, estaremos lá. — Venho te pegar às dez. — Levantou e entregou-me Pedrinho depois de enchê-lo de beijos em sua cabeça careca. Meu bebê esfregou seu rostinho nos meus peitos assim que chegou nos meus braços. Sorri e já fui levantando minha blusa para amamentá-lo. — Não disse? Grudinho — falei orgulhosa enquanto beijava minha amiga em despedida. Sentei-me no sofá e comecei a alimentar meu filho. Pensei em dona Marisa, mãe de Michele, e lembrei do dia que finalmente percebi que ela adotou Pedrinho como seu neto e, claro, agradecia por eles estarem na minha vida, apesar de não gostarem muito de mim. Ela sempre deixou claro que eu era má influência para a sua filha e depois que Gustavo me largou, comecei a frequentar mais a sua casa e ela se apaixonou por Pedrinho. A avó postiça do meu filho ajudou com roupas, fraldas e qualquer antipatia que ela tinha comigo foi ofuscada pelo bem que fazia ao meu filho. Suspirei frustrada quando meu bebê terminou de mamar e continuou acordado, provavelmente por conta do barulho. Para meu desespero, o som de música alta perduraria durante todo o dia e a madrugada.

***


Fazia uma semana que estava no meu novo apartamento e meu vizinho de baixo não dava trégua para a música. Tinha tapetes para terminar e havia desmanchado duas vezes mais de dez pontos por não conseguir me concentrar pela falta de sono. Pedrinho não se acostumou com o barulho e acordava de hora em hora para se acalentar em meu peito. Seus dentinhos já haviam nascido e a cada mudança de tom na música, mordia meu peito sem dó. Não aguentava mais, eram onze na noite e Pedrinho começou a chorar desesperado sentado aos meus pés. Estava com tanto sono quanto ele, mas precisava nos sustentar com meu trabalho. De pijama, com um bebê de quase nove meses no colo, desci as escadas e fui até o vizinho barulhento. O som parecia ensurdecedor na entrada do apartamento e, para conseguir com que me escutasse, bati com a mão aberta na porta e com força ao mesmo tempo que embalava Pedrinho choroso com a outra. Um homem mal-encarado, enorme e com cara de poucos amigos me atendeu. Ele estava vestindo apenas uma calça jeans sem estar abotoada deixando sua cueca à mostra, peito musculoso e tatuagens, muitas delas. Uma barba enorme combinando com seu cabelo molhado na altura dos ombros completava o perfil nem um pouco receptivo. Ele era assustador e dei um passo atrás assim que Pedrinho chorou com mais pesar de tão assustado. Também estou, filho.


— O que foi? Não tenho leite, apenas uísque em casa — resmungou o brutamontes. Reuni todas as forças que tinha como mãe e abri minha boca: — Eu... eu só queria... — gaguejei e tentei abraçar meu filho em busca de apoio. Não desistiria de pedir, precisava tentar, mesmo que o homem não parecesse nem um pouco sensibilizado com minha situação. — A música está muito alta e não conseguimos dormir. Ele... — Esse não é um condomínio para crianças. Além do mais, estou na minha casa e faço o que quiser. Vá reclamar com o síndico! — Já havia reclamado, mas parecia que esse homem tinha o aval de todos para poder escutar sua música. Perdi as esperanças de ter uma nova vida tranquila quando ele ia fechar a porta, mas alguém atrás de mim intercedeu e interrompeu seu movimento. Um braço musculoso parou e intimidou o vizinho barulhento. Abraçada ao Pedrinho, olhei para trás e me assustei com a intensidade do olhar desse homem para o barulhento. Cabelos de tamanho mediano bagunçados, barba por fazer, algumas tatuagens nos braços e escondidas na sua camiseta regata branca intimidou-me e acolheu-me ao mesmo tempo. — Tobias, não seja um cuzão e abaixe a música do caralho. Se não sabe escutar som como gente decente, desligue! — Forte e sombria, a voz do homem parecia como lei e meu vizinho, sem responder ao comando, fechou a porta de vez e desligou a música.


Enfim, silêncio, como há muito não havia escutado. Dei alguns passos longe desse homem, virei-me em sua direção e agradeci. — O-obrigada. — Se ele ou qualquer outra pessoa te perturbar, eu moro aqui — anunciou mostrando a porta do seu apartamento, onde se via duas mulheres em diferentes níveis de nudez, mas na mesma página de sedução. Coloquei o rosto de Pedrinho, já mais calmo, em meu pescoço e voltei ao meu andar correndo. Estava assustada, porque o homem que se colocou como meu defensor, era promíscuo e lindo. Ele estava completamente vestido, mas tinha certeza de que estava fazendo parte daquele momento de luxúria. Em outra época, em outra situação, poderia até me convidar para tal antro de perdição. Sim, ele definitivamente era alguém que me interessaria, mesmo que fosse apenas um flerte inocente. Há muito não pensava no meu prazer e o silêncio, que há muito não escutava, soou estranho. Enquanto acalentava Pedrinho já no meu apartamento e pensava em tudo o que aconteceu, meus olhos cansaram e meu bebê adormeceu em meus braços. Mesmo com minhas encomendas atrasadas, deitei na cama com ele e dormi como há muito não fazia, não desde quando Pedrinho nasceu.


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