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O SENHOR DOS ROLEX
FOI BICAMPEÃO NACIONAL DE KARTING, VENCEU NA FÓRMULA FORD E CHEGOU A TESTAR UM F1 COM A MINARDI, MAS FOI NOS EUA QUE JOÃO BARBOSA FEZ NOME, EM PORTUGAL E NO ESTRANGEIRO. CONHEÇA O PORTUGUÊS QUE VENCEU POR TRÊS VEZES AS 24 H DE DAYTONA TEXTO ANDRÉ BETTENCOURT RODRIGUES
THE WINNER TAKES IT ALL – ABBA
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JOÃO BARBOSA
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Skype está ligado e aguarda impacientemente pelo “online” de uma estrela portuguesa, mais mediática no país que o acolheu do que na terra onde iniciou a carreira. Dada a distância que nos separa dos EUA (e o preço das tarifas telefónicas), esta acabou por ser a melhor maneira de falar com João Barbosa, o portuense que se mudou para o outro lado do oceano para estar mais perto da Action Express Racing. Com ele vieram também a esposa Mariana e os filhos Gil, de sete anos, e
Rodrigo, de dez. A equipa está sediada na Florida, junto ao circuito de Daytona — a prova que o piloto acaba de vencer pela terceira vez nos últimos 11 anos. Primeiro, nos GT. Depois, duas vezes à geral, em 2010 e 2014. O carro com que triunfou em Janeiro, um Daytona Prototype, é feito mais acima, no grande estado da Carolina do Norte.
FRIED CHICKEN João começa por nos contar que esta vitória teve uma repercussão diferente das anteriores, explicada pelo número de vezes que o telefone tocou após o seu triunfo na clássica norte-americana. Uma das corridas mais emblemáticas dos EUA, as 24 Horas de Daytona exigem uma entrega ao nível das 24 Horas de Le Mans. “Os carros andam mais juntos e a pista muda radicalmente entre o dia e a noite, sendo difícil encontrar pontos de aderência”, explica um nortenho que continua a adorar “francesinhas” e a tentar replicar a receita na sua nova moradia. Longe de casa, mas com a família e os amigos no coração, esta é uma das formas que Barbosa encontrou para estar mais perto deles. Descobriu uma comunidade portuguesa “a cerca de 45 minutos” da casa onde vive e é lá que faz questão de comprar os alimentos tradicionais da gastronomia nacional. No entanto, admite deixar-se levar por uma boa dose de “fried chicken” e
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outros pratos típicos da churrascaria norte-americana, tão aclamada um pouco por todo o mundo pela sua combinação explosiva de sabores bem gulosos. Três vitórias nas 24 H de Daytona traduzem-se imediatamente em três Rolex no bolso, devidamente ornamentados com o ano da vitória — uma das muitas tradições das corridas “yankees”, como o leite no pódio ou a passagem obrigatória pela “victory lane” que tantas vezes atira para a ribalta o vencedor. João é fã de todas e confessa utilizar os seus Rolex diariamente: “É melhor do que escondê-los em casa. Posso esquecer-me de onde os guardei, ao passo que no pulso torna-se mais difícil que isso aconteça”, atira, entre risos. O primeiro e o último a entrar no carro durante as duas vitórias à geral com a Action Express Racing, o piloto português interpreta esta decisão como um sinal da inabalável confiança que a equipa deposita nele. Admite que a situação de bandeiras amarelas provocada no final da edição deste ano poderia ter estragado o passeio pela glória, uma vez que a entrada em pista do safety-car reduziu toda a margem obtida durante a noite. O resultado? Um final sempre a ritmo elevado e sem margem para erro, como demonstra a diferença de apenas 1,5 segundos entre o primeiro e o segundo classificado. “Estava bastante confortável quando entrei para o carro e tentei gerir a pressão da melhor forma possível. Sabia que tinha um bom carro para enfrentar a última hora e meia de corrida e felizmente consegui cruzar a linha da meta no primeiro lugar”, refere. Tal como na primeira vez em que venceu a prova, João diz que o sentimento que lhe subiu à cabeça foi somente o de “dever cumprido” após um Inverno repleto de cuidados: “Fomos a única equipa que apareceu em todos os testes programados pelo campeonato e trabalhámos de forma extraordinária para que tudo corresse bem durante a corrida”. Mas o que faz de Daytona um evento tão especial, amado pelos adeptos e patrocinadores que a povoam? Nas palavras do português, o desafio: “Eu adoro Daytona e acho até que é uma prova mais difícil do que Le Mans. A pista é mais estreita e conta com 67 carros espalhados por
CRONOLOGIA
1 Barbosa, Bourdais e Fittipaldi bem sorridentes após receberem o troféu 2 O piloto português teve a honra de cruzar a linha da meta em primeiro lugar 3 Em grande estilo no Action Express nº5 contra o campeão de 2013 do Daytona Prototype Championship, o Corvette nº10 da Wayne Taylor Racing
“VEJA-SE A GT ACADEMY, QUE SÓ EM PORTUGAL TEVE 30 OU 40 MIL INSCRITOS. NÃO É GENTE QUE GOSTA DE CORRIDAS?” 1
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“NA EUROPA, A PRIMEIRA COISA QUE NOS PERGUNTAM É QUANTO DINHEIRO PODEMOS TRAZER PARA A EQUIPA. PERDEU-SE TODA A VERGONHA” 2
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CURIOSIDADES
1 Adora correr à noite e considera o LMP1 com que correu em Le Mans como o melhor carro que já conduziu 2 Três vitórias em Daytona deramlhe três Rolex personalizados que usa e abusa com muito gosto. Apesar do currículo norte-americano, mantém o sonho de um dia vencer as 24 H de Le Mans. Sabe, no entanto, que a janela do tempo está cada vez mais estreita
quatro categorias diferentes que colocam os pilotos em alerta. Quem aqui vem pela primeira vez acha que é um traçado com meia dúzia de curvas e um banking, mas depois percebem como ela e os carros são complexos. Além disso, temos sempre situações de bandeiras amarelas que obrigam os carros a andarem muito juntos”.
ABRIR O ESPECTRO No registo incrivelmente humilde que dominou a hora e meia de conversa, João diz que qualquer um dos pilotos da equipa tinha capacidade para levar o carro até ao fim. Mas cruzar a meta, ouvir os aplausos do público, colher os holofotes da consagração e ganhar novamente como o piloto que colhe a bandeira de xadrez é um momento incrivelmente especial, ainda mais numa prova com esta dimensão. Poder fazê-lo ao volante é um feito extraordinário de alguém que começou nos karts, passou pela Fórmula Ford e correu na Fórmula 3 italiana, sem grandes recursos ou patrocinadores. O motivo para, em 1997, apanhar o voo para os EUA e tentar a sorte na Fórmula Atlantic, após um teste de Fórmula 1 com a Minardi que acabou por não dar em nada. Quando chegou, sentiu que as diferenças para a Europa eram enormes. “Há uma grande proximidade com o público e todos os campeonatos têm por objetivo envolver mais pessoas para dentro das corridas” — precisamente o contrário do que acontece em Portugal, afirma: “O ambiente é demasiado fechado e as corridas são muitíssimo caras para a realidade do país. Devia-se abrir o espectro, mas também não se devem esquecer os problemas relacionados com a promoção. Nunca compreendi o motivo, mas lembro-me de que havia sempre grande pudor em mostrar e falar dos patrocinadores. Aqui todos nos perguntam quais são os nossos patrocinadores e a marca pela qual corremos. É a primeira coisa que fazemos quando saímos do carro, uma vez que são a equipa e os patrocinadores que tornam todo o espetáculo possível”. Ainda sobre as corridas lusitanas, João diz não perceber a opinião de algumas pessoas que afirmam que ninguém quer saber do desporto motorizado: “Veja-se a GT Academy, que só em Portugal teve 30 ou 40 mil inscritos.
Não é gente que gosta de corridas?” A decisão de vir para os EUA, em 2010, foi difícil. Mas justifica-se pelo respeito que os norte-americanos têm pelos pilotos e pela necessidade de estar mais disponível para a equipa e o país que o acolheram: “Na Europa, a primeira coisa que nos perguntam é quanto dinheiro podemos trazer para a equipa. Perdeu-se toda a vergonha. Depois, estava realmente a fazer cada vez mais viagens entre os dois países e acabei por ter uma boa oportunidade para me mudar para cá”. Hoje, o português é uma pequena celebridade na zona onde vive, apesar de a timidez continuar a deixá-lo incomodado quando fala para o público. “Já fui convidado para falar em escolas e dar palestras de motivação para miúdos, mas também sou solicitado para eventos com convidados e fãs da equipa, numa lógica um pouco diferente da europeia. Aqui não é comum fazerem-se sessões de autógrafos ou co-drives em pista. Preferem almoços ou jantares em que convivemos com as pessoas de forma descontraída”. Por falar em co-drives, na memória de todos está ainda o passeio que, no ano passado, deu com a esposa em Daytona. Um registo absolutamente hilariante dado o desespero alheio e que até teve honras na televisão norte-americana: “Estava a andar com alguns jornalistas a convite da Continental e surgiu a oportunidade de ela vir comigo. Ela descontrolou-se completamente quando ainda estávamos no pitlane porque eu fiz um arranque com as rodas a patinar um pouquinho. Como não a deixei habituarse, ela começou imediatamente aos gritos e foi assim até ao fim da experiência.” Um terror que dificilmente será repetido: “Já me disse que nunca mais quer repetir a dose!” João sabe que o mediatismo que tem em Portugal é raro e muitas vezes efémero, surgindo apenas quando vence provas com a dimensão de Daytona. Vive bem com essa situação porque “felizmente” encontra-se numa fase em que não depende dele para prosseguir a carreira, embora tenha consciência de que o seu fim está mais perto: “Assusta-me não saber o que fazer quando largar o volante”, confessa. Descansa, campeão. Independentemente do desafio, temos a certeza de que irás ultrapassá-lo com sucesso.
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