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IGNIÇÃO
FORD
MUSTANG CAVALO
O modelista da Ford Charles Keresztes faz uma maquete em barro do que viria a ser o símbolo do Mustang. Foto de 1963
UM DOS NORTE-AMERICANOS MAIS FAMOSOS DO MUNDO CHEGA AO MERCADO EUROPEU EM 2015, DETERMINADO A CONQUISTAR TODOS OS QUE SE CRUZAREM COM ELE. À HISTÓRIA EMBLEMÁTICA JUNTA MOTORES POTENTES E UMA ESTÉTICA DE SONHO — ARGUMENTOS DE PESO PARA UM CASAMENTO ETERNO TEXTO ANDRÉ BETTENCOURT RODRIGUES
A
ntes de construir milhões de unidades do Model T — o tal que os clientes podiam encomendar em qualquer cor, desde que fosse preto —, o norteamericano Henry Ford necessitou, primeiro, de criar uma reputação. Fê-lo da forma mais rápida possível, numa pista de corridas, vencendo, em 1901, a primeira prova em que participou. “O Henry tem passado a vida a cobrirse de glória e pó”, diria mais tarde a
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JUNTOS, ENFIM!
esposa, Clara Ford. “Aquela corrida publicitou-o por toda a parte”. Em 1964, já com o neto à frente da companhia, a Ford Motor Company precisava urgentemente de revitalizar a sua imagem e de instituir, novamente, essa mentalidade guerreira de superação humana. A II Guerra Mundial tinha deixado marcas na empresa, com a destruição de várias fábricas na Europa, e a concorrência feroz da rival Chevrolet ameaçava a rentabilidade do maior construtor do mundo automóvel. O desportivo Mustang e um novo programa competitivo, do qual sobressaía a participação nas 24 Horas de Le Mans e uma acesa disputa entre continentes, em particular contra o italiano Enzo Ferrari, tornaram-se exatamente no empurrão que a Ford augurava para atrair os “baby boomers” que acabavam de atingir a maioridade.
QUANDO O MODELO SE SOBREPÕE À MARCA O sucesso do Mustang foi imediato. Devolveu a Ford às luzes da ribalta, assumindo-se, no mesmo instante, como líder indiscutível dos “pony cars” — automóveis compactos,
acessíveis, com motores potentes e um estilo marcadamente desportivo. O sentimento da época, pautado pelo culto da liberdade e mobilidade a si associada, e a recuperação económica do País, deram azo ao surgimento de versões de maior desempenho do Mustang, como os Shelby GT350 ou os Boss 302 — espécies multivitaminadas, com nutrientes ricos em emoções fortes, de forma a cativar ainda mais os consumidores e fazer corresponder o sucesso que a marca obtinha em pista. Num vídeo divulgado pelo gigante fundado em Detroit, Matt Henderson, responsável pelo Museu Henry Ford, fala do percurso fascinante do Mustang. Diz que basta falar no nome do modelo para que todos o associem ao fabricante: “É um Ford, mas é quase uma marca em si mesmo. Tem uma história e um trajeto próprios”. A revelação de Matt está longe de ser surpreendente. A mediatização do Mustang e o culto do “sonho americano” via Hollywood tornou-o num ícone universal, com o símbolo do cavalo galopante a ser reconhecido por fãs e dissidentes. No entanto, reza a história que a inspiração do
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nome surgiu num dos aviões mais famosos da Segunda Grande Guerra — o “P51 Mustang” da Força Aérea norte-americana, ao qual foi depois associado o espírito selvagem do Oeste e um exemplar equestre que o tinha implantado no sangue. O primeiro protótipo, “Mustang 1”, começou a ser delineado em Maio de 1962: “A Ford queria projetar uma imagem de desempenho desportivo e precisava de um carro que transmitisse essa ideia para o mercado e o seu compromisso com as corridas”, conta Matt Henderson. Cinco meses depois, em Watkins Glens, chamou a atenção de todos os que viram, pela primeira vez em público, nesse Outubro: “Roubou o show. Ninguém ficava indiferente ao carro e saiu em todas as revistas de automóveis até ao final desse ano. Foi um grande sucesso para a companhia”. SUBIDA AO ARRANHA-CÉUS Entre o modelo final, lançado em 1964, existem poucas semelhanças, embora Matt pense o contrário: “O símbolo é o mesmo e há pequenos apontamentos, como as luzes sinalizadoras, que assumem o mesmo formato redondo e posicionamento no pára-choques da primeira geração”, afirma, mas a verdade é que, além do nome, pouco
mais ligava o “Mustang 1” com o “ponycar” que lhe seguiria. O protótipo assumia a forma de uma pequena “barchetta”, tinha capacidade para apenas dois ocupantes e um motor de quatro cilindros montado em posição central. Já o projeto “T5” (daí a sua designação na Europa quando a Alemanha e Suíça exportaram alguns modelos) de Lee Iacocca e Donald Frey contava com um motor V4 do Ford Taunus, deixando cair os dois lugares iniciais por uma configuração 2+2 após o fracasso comercial do Ford Thunderbird de 1955. Um seis cilindros em linha de 2.8 litros e 105 CV, e um mais potente V8 de 4.3 litros e 164 CV de potência acabariam por compor a primeira gama de motores, enquanto o desenho final foi atribuído a Joe Oros, David Ash, Gale Halderman e John Foster. Cinquenta anos representam um percurso que não se faz, nem se explica, num dia. O caminho para a eternidade do Mustang e o estatuto de ícone que entretanto adquiriu foi feito à custa do seu sucesso comercial, mas também à conta de ações de marketing de grande gabarito. A presença, em 1964, no filme “Goldfinger”, o terceiro da saga “James Bond”, ou a subida ao arranhacéus mais famoso de Nova Iorque, o
CRONOLOGIA
1 Colocá-lo no topo do Empire State Building foi uma das formas mais originais e cativantes de chamar a atenção sobre o Mustang. Cerca de 14 mil pessoas viram-no ao vivo a 20 de Outubro de 1965 2 Lançado originalmente em 1969, o Mustang Boss 302 foi apenas uma das muitas variantes inspiradas no sucesso do modelo nas pistas de corridas. A ligação a Carol Shelby tornarse-ia igualmente indiscutível
Empire State Building, em Outubro de 1965, criaram uma aura difícil de igualar. Para concretizar esta última, os engenheiros da Ford foram obrigados a cortar o carro em quatro seções independentes, todas com suportes que facilitassem a sua montagem de forma a que cada uma coubesse nos elevadores do edifício. No primeiro ano de atividade foram comercializadas mais de 400 mil unidades, um valor bem acima das expetativas iniciais de 100 mil veículos projetadas no “business plan” original. Em 1966, a fasquia subiu para uns incríveis 607 568 Mustang — o maior valor de sempre num ano isolado. Além do título de “modelo mais rapidamente vendido na história da indústria automóvel”, feito obtido graças aos números impressionantes do seu primeiro ano de comercialização, o Mustang tornou-se também no modelo que precisou de menos tempo para chegar ao milhão de unidades. As décadas seguintes continuaram a alargar a sua lenda, com novas gerações a surgirem em 1974, 1979, 1994 e 2005. No próximo ano chega até nós a sexta parte desta película, cujo protagonista é um modelo global, incumbido com a missão de satisfazer, pela primeira vez, as preferências de europeus e norteamericanos.
COM MAIS DE NOVE MILHÕES DE UNIDADES COMERCIALIZADAS, O MUSTANG É O SEGUNDO MODELO DA FORD MAIS VENDIDO EM TODO O MUNDO, ATRÁS APENAS DO MODEL T 1
DIFERENTES DO ORIGINAL
Na longa história do Mustang houve gerações mais disruptivas que outras, em particular a terceira, produzida entre 1979 e 1993. Durante o tempo em que esteve ativa recebeu dois tipos de carroçaria (imagens à esquerda e à direita), mas em nenhum caso apresentava semelhanças com o modelo original. A quinta geração, em vigor de 2005 a 2014, apostou no revivalismo e convenceu, novamente, a legião de fãs do modelo
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CAVALO
esponsável pelo desenho da terceira geração do Focus, Kemal Curic não queria acreditar quando lhe pediram para ser o obreiro do novo Mustang. Nascido na Bósnia, no centro da Europa de Leste, mas com sotaque vincadamente norte-americano, o encarregado da modernização estética de um dos ícones mais aclamados da indústria automóvel é o primeiro a admitir a importância de conceber um modelo que pudesse agradar aos fãs espalhados pelos dois continentes, até porque o “pony car” está de regresso ao mercado europeu (a Ford fala em “estreia”, mas a Alemanha e a Suíça chegaram a exportar alguns modelos com a designação “T5”) após um interregno de trinta e cinco anos. Cinquenta anos volvidos após o lançamento do Mustang original representam uma efeméride cujo impacto visual tem forçosamente de estar à altura do momento. É por esse motivo que o novo modelo procura preservar alguns dos atributos das gerações anteriores, sem deixar de
BRAVO SELVAGEM E ÁGIL. É ASSIM QUE O ARTESÃO DO NOVO MUSTANG DEFINE A SUA OBRA-PRIMA. NO FUNDO, UM REGRESSO ÀS ORIGENS DE UMA DINASTIA COM 50 ANOS REPLETA DE EMOÇÕES FORTES ENTREVISTA ANDRÉ BETTENCOURT RODRIGUES
KEMAL CURIC
DESIGNER DO NOVO FORD MUSTANG
conter o cunho de novidade que o mercado pede e que a tecnologia atual permite. Saiba porquê, nesta entrevista exclusiva. Turbo: O que procuraram demonstrar com o novo Mustang? Kemal Curic: O nosso maior objetivo era prolongar a nossa linha de sangue. Uma linha que foi muito bem definida nos anos 60, com o lançamento da primeira geração — um modelo ainda hoje aclamado no mundo inteiro e que nós, internamente, continuamos a ver como um grande carro. Infelizmente, durante os 50 anos do Mustang tivemos anos muito bons e anos maus, gerações mais felizes do que outras, e por isso pensámos que este carro poderia conjugar o melhor de tudo o que tínhamos feito até aqui. Este pensamento começa em 2005, com o lançamento da geração anterior — um carro muito bem sucedido na América e que se distinguia pelo seu estilo retro. Mas agora pensámos que era preciso dar um novo salto e que o novo carro tinha de transmitir a ideia de que seguimos em frente. No fundo, tínhamos de capturar a essência do Mustang sem fazer dele um parque de diversões com elementos de todos os seus antecessores e sim tornando-o
TEJADILHO COM DUAS SALIÊNCIAS CAPOT EM FORMA DE PUNHO NARIZ EM FORMATO TUBARÃO
A MESMA LINHAGEM
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sexta geração do Mustang leva o traço de Kemal Curic e mantém os atributos que fizeram dele um dos automóveis mais deliciosos que já povoaram o nosso imaginário. A traseira curta e a frente longa, o perfil descendente do teto e o enorme vidro traseiro são elementos característicos do “pony-car” mais famoso do mundo, sempre bem acompanhados por motores potentes e ruidosos, capazes de fazer as delícias de quem não prescinde de uma boa dose de adrenalina. O segredo desta longevidade está em mexer o menos possível nos seus traços
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identificativos, sendo esse o motivo para que elementos clássicos, como as luzes triplas da traseira, se mantenham inalterados. No entanto, os tempos são mesmo outros e é por isso que, na Europa, um V6 Ecoboost de 2.3 litros (305 CV e 407 Nm) fará companhia ao V8 de 5.0 litros (426 CV e 529 Nm), de modo a fazer justiça à época mais ecológica e menos sorvedoura em que vivemos hoje. Em comparação com a geração anterior, o novo Mustang é mais baixo, comprido e elegante. Os mais implacáveis poderão criticar o desenho dos faróis dianteiros, mas apenas porque estes não são uma cópia fiel do modelo que substitui ou do clássico inaugurado em 1964. As jantes de 19 polegadas completam o aspeto desportivo, enquanto o habitáculo apresenta-se muito mais cuidado. A suspensão foi revista para satisfazer as estradas dos dois continentes, com a arquitetura independente a receber travões mais potentes, um novo subchassis e triângulos sobrepostos à frente. Juntas traseiras em alumínio
BOM PARA AS CURVAS
1 Jantes de 19 polegadas contribuem para o aspeto desportivo 2 A frente agressiva e o formato do pára-choques faz lembrar o Concept Evos 3 As luzes triplas da traseira mantêm-se como um dos traços inigualáveis do Mustang, mas receberam agora tecnologia LED 4 O interior apresenta-se mais moderno e luxuoso, estando de acordo com os padrões de exigência europeus
reduzem a massa não suspensa para uma condução e manobrabilidade melhoradas, enquanto a vetorização do binário e a possibilidade de escolher entre três modos de condução que ajustam a direção e a resposta do acelerador provam como o Mustang pode ser domesticado ao gosto de quem se encontra atrás do volante. A comercialização europeia tem início no primeiro trimestre de 2015 (as vendas nos EUA começam no final deste ano), sendo que a chegada a Portugal está prevista para o mesmo período. Os preços ainda não foram confirmados, mas sabe-se que andarão longe dos praticados pela marca no continente norte-americano. Fonte oficial da Ford Lusitana confirmou à TURBO que a versão de 2.3 litros “nunca custará menos de 60 mil euros”, enquanto o mais potente V8 estará disponível por um valor “entre 90 e 100 mil euros”. As duas variantes de carroçaria (coupé e descapotável) serão comercializadas em simultâneo.
VINCOS LATERAIS PARA UM ASPETO MAIS BAIXO E COMPRIDO
FORMATO GARRAFA DE COCA-COLA
FRENTE INSPIRADA NO MODELO DE 1968 LUZES LED
COXAS VOLUPTUOSAS
JANELAS MODERNAS
LUZES TRIPLAS EM LED
LINHA DESCENDENTE DO TEJADILHO
LINHA DE CINTURA AGRESSIVA DIFUSOR DESPORTIVO INSPIRADO NAS CORRIDAS
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moderno e intemporal. Quais as principais características do novo modelo? Primeiro, as proporções. Todos os Mustang distinguem-se pela dimensão das formas: frente longa, linha descendente do tejadilho e rabo curto. O carro tem uma presença muito grande, que deve ser imediatamente reconhecida à distância, e a sua manutenção era muito importante para nós. Mesmo semicerrando os olhos, tu olhas para a silhueta e identificas imediatamente o seu perfil baixo. Depois, olhas para o rabo e deixas-te contagiar pelas luzes tríadas da traseira — uma característica que nenhum outro modelo tem e que está presente no Mustang desde a primeira geração. É a sua assinatura há 50 anos e nós quisémos prolongá-la, mantendo-os tridimensionais, mas, ao mesmo tempo, tornando-a mais moderna com luzes de assinatura LED. A frente também está mais apelativa. A grelha em trapézio lembra o Shelby de 1968 e o carro parece mais destemido. O rosto tem um temperamento agressivo, tal como o primeiro “pony”, tal como o Mustang. É um cavalo bravo. É um cavalo selvagem, muito ágil, muito fluido. Inspirou-se no Evos Concept? O desenho das óticas da frente e a zona do pára-choques apresenta
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algumas semelhanças... Se olhares para a história do Mustang, se olhares para esses modelos dos anos 60, verificas que os Mustang sempre tiveram uma sobrancelha por cima das óticas. Naqueles tempos os carros tinham que ter óticas maiores para iluminar a estrada pois não havia a tecnologia de iluminação que hoje temos disponível, como os LED. Isso deu-nos a oportunidade de emagrecer as óticas tornando-as, assim, mais modernas. Colocámos-las no canto entre a cobertura do motor e o pára-choques para fazer com que a grelha sobressaísse e para que toda a frente parecesse mais larga. Era esse o objetivo. Não creio que existam semelhanças com o Evos, até porque este Mustang — se calhar não devia dizer isto — foi desenhado antes, em 2010. Quando se olha para o carro nota-se que está mais desportivo, mas, ao mesmo tempo, que apresenta um refinamento que não encontrávamos nas gerações anteriores. É propositado? Absolutamente. Quisemos torná-lo desportivo, ágil, mas ao mesmo tempo muito estiloso. Fazer uma declaração que pudesse perdurar no tempo e agradar públicos mais conservadores. Findo este processo de desenho, as pessoas perguntam-me sobre o que
EVOLUÇÃO
Tal como na anterior geração, o estilo retro é para manter, até porque há detalhes que os fãs do Mustang pretendem ver continuamente prolongados. No entanto, Kemal Curic - de costas, a esculpir o automóvel - não se coibiu de alterar alguns elementos clássicos, como o formato redondo das óticas dianteiras
eu anseio. Eu respondo-lhes que anseio pelo carro na estrada, na rua, porque aí todos poderão apreciar verdadeiramente tudo o que fizemos. Todo o movimento que aplicamos na carroçaria, toda a sua escultura. Só em estrada é que podemos dar-nos conta da profundidade que não consegues obter com o carro parado num salão, numa montra. Gosta mais do coupé ou do cabrio? Servem dois tipos diferente de cliente. Como eu sou um piloto mais orientado para a performance, o máximo desempenho desportivo, prefiro o coupé. Mas também há clientes que adoram o descapotável. Felizmente, como vocês têm bom tempo em Portugal, penso que vão adorar o descapotável e ainda ter a performance esperada de um Mustang. É um automóvel que satisfaz os desejos dos clientes americanos e europeus? Sem dúvida. Primeiro, quisemos satisfazer os clientes americanos, uma vez que os EUA representam o nosso principal mercado. Mas sabemos que na Europa existem imensos fãs do Mustang e uma comunidade que, com certeza, irá apreciar os nossos esforços no desenho desta nova geração e no cuidado que tivemos no interior e na tecnologia para que ele pudesse ser um sucesso no vosso continente.