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DR. MIGUEL OLIVEIRA
02.12.38
JOAQUIM SANTOS
09.06.52
TETRA-CAMPEÃO NACIONAL DE RALIS EM 1982, 1983, 1984 E 1992
E M O Ç Ã O
FIGURA EMBLEMÁTICA PELA FORMA COMO CONDUZIU A DIABOLIQUE E AS VITÓRIAS QUE SOMOU PARA A EQUIPA, MIGUEL OLIVEIRA É UM DOS COPILOTOS PORTUGUESES MAIS VITORIOSOS DA HISTÓRIA DOS RALIS
A SUA CONDUÇÃO AGRESSIVA CATIVOU UMA LEGIÃO DE FÃS ENQUANTO ESTEVE NO ATIVO. FICARÁ PARA SEMPRE ASSOCIADO AOS FORD DA DIABOLIQUE E À PARCERIA QUE MANTEVE COM MIGUEL OLIVEIRA
Não se explica, sente-se. Não morre, perdura. Vinte e cinco anos após o seu encerramento, a equipa privada de maior sucesso dos ralis nacionais continua bem viva no imaginário dos fanáticos pelas corridas. Celebramo-la com uma visita e jantar exclusivos, tudo para que possa recordar os feitos de um grupo de diabólicos Texto André Bettencourt Rodrigues Fotografia Vasco Estrelado DON’T YOU FORGET ABOUT ME - SIMPLE MINDS
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uas viagens. Dois momentos que, pela importância dos intervenientes e pela paixão partilhada, ficarão eternamente registados na nossa memória. O primeiro é um jantar, um repasto único e especial com os homens que forjaram a história da Diabolique, mas também com um dos inúmeros adeptos que, pese o seu encerramento, não pouparam esforços na missão de perpetuá-la para lá da cronologia. O segundo tem sabor espanhol e assume caráter museológico, traduzindo-se numa visita ao refúgio do BT-56-16, o primeiro carro de Joaquim Santos ao serviço da estrutura liderada pelo patrão, co-piloto e amigo Miguel Oliveira. Em 1981, “Quim” Santos, ladeado por Luís Alegria, fazia no Rali Rota do Sol a sua estreia ao volante do Ford Escort RS 2000 pintado no branco, vermelho e dourado inconfundível da Diabolique — a mesma máquina com que o espanhol Rafael Cid e Miguel Oliveira tinham subido ao lugar mais baixo do pódio no Rali das Camélias desse ano e terminado no 7º lugar a mais emblemática das provas nacionais, o Rali de Portugal/ Vinho do Porto. Se para os fãs incondicionais do tetra-campeão nacional de ralis e da equipa privada de maior sucesso em Portugal este é um automóvel precioso, esse sentimento também se aplica aos dois empresários espanhóis que o adquiriram, em 2007, a Fernando Santos. Neste caso, pela simbólica ligação com o automobilismo do seu país. Mas também — veja bem — pelas recordações de infância de quem viu “Rafa” e a Diabolique em provas da Península Ibérica.
“indefectível fã”, nas palavras do seu incontornável criador, que sabe com a rapidez e precisão de um disco rígido todos os resultados da equipa. E também não é de Julio Alvarez e de Francisco Alonso, os atuais proprietários do BT-56-16. A Diabolique é, assim, de todos e de ninguém — transfigurou-se numa espécie de seita religiosa cuja liderança é partilhada por aqueles que, quase 25 anos após o seu desaparecimento, ainda acreditam que é possível correr pela paixão de correr, sem ser necessário outro motivo para além desse. Não deixa de ser curioso que o nome do restaurante escolhido para celebrar o encontro da Diabolique (“Segunda Casa”) personifique também a forma como fomos recebidos em Ourense, a localidade galega onde se esconde o Ford Escort RS 2000 que passou pelas mãos de Rafael Cid, Joaquim Santos e Rui Souto. Se à mesa se recordaram as lutas com Santinho Mendes ou Joaquim Moutinho, as etapas favoritas ou “aquela vitória em Castelo Branco, ao longo de 70 km, no troço mais longo de um rali em Portugal”, em Espanha fez-se continência a essa forma de estar ímpar que contaminou os fãs do desporto na década de 1980. Julio e Francisco podem não ser portugueses, mas sentem as cores da equipa com o mesmo fervor de qualquer lusitano. Desde logo por estas declarações que explicam o que os levou a comprar o BT-56-16: “Na nossa opinião, o valor não passa pelo carro em si, mas sim pela história que tem por trás”, avançam. Daí terem procurado mantê-lo o mais original possível: “Num restauro essa história perde-se, por isso demos-lhe apenas o que ele tinha perdido pelo caminho. Fizemo-lo pela sua imagem da Diabolique, recuperando os elementos que tinham sido modificados ao longo dos anos. Agora é um automóvel de época. Sentas-te nele e vês um carro com o envelhecimento natural de quem está vivo há 30 anos”.
UM MIMO
Imaculadamente pintado e preservado, o primeiro Ford Escort RS 2000 de Joaquim Santos encontrou nesta garagem um lugar à sua altura. Delicie-se com um dos segredos mais bem guardados de Ourense
POR MAIS ESTRANHO QUE ISSO LHE POSSA PARECER, A DIABOLIQUE, HOJE, É O SOMATÓRIO DO CONTRIBUTO DE VÁRIAS PESSOAS
VIVO HÁ 30 ANOS O efeito de contágio é transversal e vem atestar uma realidade que foi crescendo com o passar do tempo: por mais estranho que isso lhe possa parecer, a Diabolique, hoje, é o somatório do contributo de várias pessoas. Não é apenas de Miguel Oliveira, nem de Joaquim Santos, nem de Joaquim Bessa, nem de José Leite, embora todos eles tivessem estado no jantar que, anualmente, reúne os pais fundadores num restaurante de Matosinhos. Também não é de Fernando Coelho, o
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DIFÍCIL DE EXPLICAR Além de preservarem o passado glorioso do modelo (só as bacquets e os cintos escapam ao rigor por questões de segurança, mas nesta garagem secreta é possível ler confortavelmente uma revista sentado nos bancos originais), Julio e Francisco são também precursores da filosofia que tanta fama e adeptos reuniu junto da Diabolique. Correm sem quaisquer patrocinadores e tal como o pioneiro Miguel Oliveira deixam para quem sabe a arte de escorregar a traseira ao longo de uma sucessão de curvas. O felizardo é um piloto e mecânico espanhol encarregue não só de conduzi-lo, mas também de prepa-
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OS DIABÓLICOS
Da esquerda para a direita: “Kikas” Bessa, Joaquim Santos, José Leite e Miguel Oliveira. O fundador continua sem perceber o motivo para as pessoas se interessarem tanto pela Diabolique 25 anos após o seu fim. A porta do BT-56-16 autografada pelos diabólicos. Para não estragar as portas autografadas, existem portas para substituír sempre que o Escort faz uma prova
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rar o Ford Escort RS 2000 antes das provas — um processo são muitos os que o podem fazer, é certo. Mas, do mesmo sempre supervisionado por um dos seus proprietários, acres- modo, nem todos se manteriam fiéis à convicção de que esta centa Julio, até porque são os únicos que podem transportá- é a única forma de respeitar o legado da Diabolique e de pro-lo no reboque que também recebeu as cores da Diabolique. longar os pergaminhos de uma história omnipresente, cujo “Eu penso que o Miguel e eu temos o mesmo problema — espírito permanece bem vivo. O motivo? “Difícil de explicar”, somos muito competitivos. Quando tens toda uma infra-es- como em todas as paixões que prezam esse nome: “Não há trutura montada tens desejo de fazer bem as coisas. E se vês um porquê. Nem o sabemos. Se procuras um porquê é porque que quem falha é quem vai ao volante tens que ocupar umas acreditas que há uma razão por trás. Isto é totalmente irraciofunções que são semelhantes à tua forma de ser ou estão mais nal. Não sabes porque o fazes. Mas fazes, vês os resultados, ajustadas às tuas capacidades. Daí ter-me sempre parecido retiras satisfação e conheces pessoas”, conta Julio, acrescennatural dar oportunidade tando ainda que, quando a outras pessoas que ainda era miúdo e via os carros por cima demonstraram, a correr, nunca lhe passou no seu momento, que são pela cabeça que “um dia ia bons pilotos e que tampoder estar à mesa com o bém têm uma paixão sobre Dr. Miguel Oliveira, com o desporto e esta forma de o Joaquim Santos”, parfazer as coisas. Porque tilhando estas histórias. também é muito difícil “Ter o carro facilitou essa dizer hoje a alguém: ‘Tens ligação, claro. Eles inteeste carro e tal como está. ressam-se e quando dás Não me peças que te popor ti já estás sentado com nha uma direção assistida eles. Mas o que me estraporque não ta vou meter, nha é que se dê valor a isto nem que te coloque umas — nós encontrarmos o portas em fibra ou um cacarro e recuperá-lo e chaMIGUEL OLIVEIRA pot de carbono. Este é o marem-nos de loucos — carro e tu tens que te adapquando na verdade eles é tar a ele, manter a sua hisque tinham valor. O louco tória e seguir alargando-a. Fazê-la crescer. Eu vou ajudar-te realmente era o Miguel Oliveira. Quem montou a estrutura, com o carro. Gosto muito de manter a sua história e por isso quem gerou algo em redor de uma marca que não existia foi não quero perder o espírito que sempre existiu ao redor dele. ele, não nós”. E se depois se fazem coisas distintas às quais se pode manter AGUÇAR O APETITE a imagem da Diabolique, então muito bem’”. Apesar de não conduzirem o carro, Julio e Francisco têm vin- São 20h15m. Quinze minutos antes da hora marcada, Mido a inscrever o BT-56-16 em “quatro/cinco provas por ano”, guel Oliveira apresenta-se no restaurante na companhia do assegurando, pelo caminho, que nada lhe falta quando sai filho, Miguel Pedro Oliveira, e do amigo e fã da Diabolique, à rua. São livres. Vivem com a forma mais pura e fortuita de Fernando Coelho. Pouco depois chegam Joaquim “Kikas” fazer corridas — a despreocupação de quem não depende de Bessa, antigo diretor desportivo, José Leite, antigo chefe dos apoios a não ser os oriundos da sua própria motivação. Não mecânicos, e ainda o pilotaço Joaquim Santos, com a trupe a
TÍNHAMOS O MELHOR PILOTO, A MELHOR ORGANIZAÇÃO, OS MELHORES PNEUS. ATÉ TÍNHAMOS UM HOMEM, O ANTÓNIO, PARA ABRIR RASGOS NAS BORRACHAS DE ACORDO COM O PISO
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completar-se com Irino Pereira e Artur Bastos, dois dos fiéis mecânicos da equipa. O momento é histórico, não há volta a dar. Pela reunião e, claro, pelo convite endereçado. Mas convém não esquecer que este é sobretudo um jantar de amigos. Fala-se de futebol (no Estádio do Bessa jogavam Boavista e Sporting), das famílias, dos encontros que se tiveram e das novidades, antes de a conversa fluir, então, ou não fossem todos decanos das corridas, para os triunfos, as desilusões, as peripécias e as memórias. Neste particular, Joaquim Bessa revela uma agilidade mental impressionante, ao contrário de Joaquim Santos, que admite estar esquecido de muitas coisas. Compensa-o com a sua enorme simpatia, tal como os restantes convidados, enquanto Miguel Oliveira revela a cordialidade e gentileza próprias de um cavalheiro britânico, não tivesse sido ele campeão de bridge na juventude, seja pela forma como responde à nossa curiosidade, seja pelo modo paternalista em que insiste para comermos (“Ó meninos, sirvam-se senão a certa altura…”) as diversas iguarias que nos
são apresentadas. “O cabritinho assado que é muito nortenho, muito bom” é um ótimo exemplo. É natural que uma equipa tão emblemática como a Diabolique seja continuamente escrutinada. Assim foi no ativo e assim é nas dezenas de fóruns que retratam os ralis em Portugal e o seu palmarés invejável. Mas queremos acreditar que existem coisas que ainda não foram descobertas. Que existem segredos por revelar e que este jantar serviu para que os pudéssemos desconstruir em bocadinhos preciosos que agora serão partilhados consigo. Sabia, por exemplo, que Remédios/Portões Vermelhos, nos Açores (“Começava mal, passava a asfalto e depois começava a subir estreito… Eu quase que ainda o faço sozinho”) é o troço favorito de Miguel Oliveira? Que o Eduardo Maia Pinto e “a sua mulher francesa” são os responsáveis pelo nome Diabolique e que este, por ter má conotação em Inglaterra (“Diabolic”), impediu a exportação do perfume para o Reino Unido? Que o programa “Onde está o Ás”, de 1984, proposto por Udo Kruse e Miguel Oliveira para reavivar
PAIXÃO DESMEDIDA
Francisco Alonso com um dos seus bens mais preciosos. Apesar de Julio Alvarez ter optado por não ser fotografado, a dúvida mantém-se: quem será o verdadeiro dono do BT-56-16? Em baixo, à direita: Foto de arquivo de Miguel Oliveira e Rafael Cid em 1981
ILUSTRAÇÕES RICARDO SANTOS
CARROS QUE FIZERAM A HISTÓRIA DA DIABOLIQUE
PORSCHE 911 1980
FORD ESCORT 1980-1985
FORD RS200 1986
PALMARÉS
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VITÓRIAS FORD SIERRA COSWORTH 1987-1990
FORD SIERRA COSWORTH 4X4 1990
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CAMPEONATOS NACIONAIS DE RALIS
SE PROCURAS UM PORQUÊ É PORQUE ACREDITAS QUE HÁ UMA RAZÃO POR TRÁS. ISTO É TOTALMENTE IRRACIONAL JULIO ALVAREZ
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a Fórmula Ford em Portugal foi idealizado “num Domingo”, conta “Kikas” Bessa, e que graças a ele venderam-se, desde logo, 24 mil unidades dessa fragrância? Ou que, pese o fiasco comercial (“a estes 24 mil frascos venderam-se outros dez mil das 100 mil unidades fabricadas”, diz Miguel Oliveira), a Diabolique recebeu uma oferta de compra de stock e passou a constar das estatísticas como “os maiores exportadores de sempre” de perfumes portugueses? Fan-tás-ti-co. E só lhe estamos a aguçar o apetite. Se há coisa que aprendemos desta experiência é que a educação é uma virtude injustamente menosprezada. Tivemo-la de sobra, da parte dos colecionadores e dos protagonistas, que nos receberam de braços abertos sem outro motivo que não a sua boa vontade e desvalorizaram, humildemente, a homenagem que lhes é merecida. Para “Kikas” Bessa, o sucesso da Diabolique foi apenas lógico: “Ele [Joaquim Santos] era o melhor, por isso andar à frente dos outros Escort era lógico, tal como foi perdermos para os Renault e para os Lancia, carros de outra geração. Quando tivemos o RS 200 ganhámos porque era um bom carro e portanto, mais até em função dos carros, nós conseguimos sempre cumprir com o que estava estipulado”. Já para Miguel Oliveira, o sucesso e a paixão explicam-se da seguinte forma: “Tínhamos o melhor piloto, a melhor organização, os melhores pneus. Até tínhamos um homem, o António, para abrir rasgos nas borrachas de acordo com o piso. Depois, a minha mãe ia sempre com o “Kikas” Bessa e distribuía iogurtes e fruta até que começou a haver dinheiro a mais em jogo, apareceram as marcas e as coisas estragaram-se todas.” Ao longo dos seus 10 anos de atividade, a Diabolique celebrou
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39 vitórias e três títulos de campeões nacionais de ralis. Com 34 triunfos, a dupla Joaquim Santos/Miguel Oliveira ainda hoje é uma das mais vitoriosas da história da modalidade, um feito inacreditável tendo em conta a distância que nos separa de Outubro de 1990. Houve momentos bons e, como em todas as histórias, também os houve maus. O acidente no Rali de Portugal de 1986 assume-se como o mais doloroso, mas José Leite recorda que, mesmo então, nunca pensaram em terminar o projeto. A decisão de encerrar a equipa aconteceria quatro anos mais tarde, após mais um título perdido e a desilusão com o novo Sierra 4x4: “Mais do que um choque, foi uma tristeza muito grande. Sempre fomos muito bem tratados. Onde ficava o dono da equipa ficava a equipa toda. Jantávamos sempre juntos, portanto nunca houve separação. Ele sempre nos tratou como uma família. Mas o fim era previsível e foi o acumular de uma série de coisas. O nosso Sierra de 1987 era muito mau, em 1988 e 1989 tivemos problemas e depois veio aquela penalização que nos fez perder o campeonato. Em 1990 procurou-se, com um grande esforço financeiro e de todos nós, fazer um carro novo para tentar tudo. Mas depois não se via no horizonte nada de bom da Ford para o nosso campeonato e era o momento de parar. A concorrência estava a aparecer com carros melhores, estava a adivinhar-se a mudança de regulamentação e de evolução dos carros e a Ford não tinha nada, como não teve. E depois ele sempre teve o objetivo de parar aos 50 anos. Não me parece que tenha havido arrependimento porque foram também 12 anos de muitas alegrias e entre os 38 e os 50 preenche-se uma parte da vida. Mas dentro do carro dá para perceber o quanto ele ainda gosta. Ele diz que não, mas é mentira”.
FOTO DE FAMÍLIA
Da esquerda para a direita: Miguel Pedro Oliveira, José Leite, Artur Bastos, Miguel Oliveira, Joaquim Santos, Fernando Coelho, “Kikas” Bessa e Irino Pereira