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E M O Ç Ã O ENTREVISTA
PEDRO LAMY
CONTA-ME COMO FOI
20 ANOS DEPOIS DA ESTREIA EM MONZA, LAMY RECORDA A EXPERIÊNCIA NA LOTUS E MINARDI, OS CONSELHOS DE SENNA E O PONTO CONQUISTADO EM 1995, O GRANDE MOMENTO DA SUA PASSAGEM PELA FÓRMULA 1. É VERDADE, JÁ PASSOU TANTO TEMPO! TEXTO ANDRÉ BETTENCOURT RODRIGUES FOTOGRAFIA ARQUIVO DE JOSÉ VIEIRA E JOSÉ BISPO (FOTO DE LAMY COM SENNA)
ONCE – PEARL JAM
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WWW.TURBO.PT / NOVEMBRO 2013
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ntrevista rápida com o mais internacional dos pilotos portugueses, um tal de José Pedro Lamy Mourão Viçoso. O motivo? Entrar na espiral do tempo para recuar até 12 de Setembro de 1993, dia em que se realizou o GP de Monza, dia em que o jovem Pedro, na altura com 21 anos, fez a sua estreia na F1. Ladeado pelos “tiffosi” italianos, impecavelmente vestidos com as cores da Ferrari, Lamy desistiu a quatro voltas do fim, terminando a corrida no 11º lugar, enquanto o mais experiente colega na Lotus, o inglês Johny Herbert, ficou pelo caminho logo no início da corrida. Um balanço mais do que positivo para quem vinha da F3000 com a missão de substituir um senhor chamado Alessandro Zanardi. Turbo - Que diferenças notaste entre a F3000 e a F1 assim que te sentaste no carro? Pedro Lamy - Um F3000 já era um carro bom, com muito apoio aerodinâmico. Não era tão evoluído como um F1, mas era bastante rápido. Diria que as grandes diferenças estavam sobretudo na potência e nos travões em carbono, que funcionavam de forma muito eficaz.
Foi um choque ou uma evolução do que já conhecias? Apesar de não ser um carro tão competitivo como outros, o Lotus era um monolugar rápido e muito exigente em termos de condução. Por isso, tive que me habituar a ele, apesar de não ir minimamente preparado. Realizei apenas um curto teste antes da corrida, no circuito mais pequeno de Silverstone. Durante a tua passagem pela F1 também guiaste para a Minardi e tiveste ainda oportunidade de testar um Sauber, um Tyrrel e um Footwork. Qual o melhor? Até ao meu acidente só guiei mesmo o Lotus. Depois é que testei com essas equipas. É difícil comparar porque em todos os testes que fiz ainda estava um bocado limitado, não vinha a cem por cento. Talvez o Minardi fosse o carro mais fácil de guiar, também porque tinha um pouco menos de potência. O motor não era tão forte, mas o chassis era bastante equilibrado e interessante. O Footwork foi provavelmente o que mais gostei de conduzir. Apanhaste o fim da Lotus, uma equipa sem a capacidade técnica dos tempos do Colin Chapman. Isso condicionou a tua carreira na categoria? Penso que fomos todos um pouco enganados pela situação da Lotus. Tinhamos inclusivamente o apoio do Ayrton NOVEMBRO 2013 / WWW.TURBO.PT
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Senna, que se informou dentro da Honda —na altura Mugen apoios e dos patrocínios, em equipas onde provavelmente — quais eram as intenções da marca no regresso à F1. Eram também não conseguiria ter grandes resultados. boas e assim se viu alguns anos mais tarde, mas a Lotus Acho que alguns anos mais tarde teria tido uma abertura estava a ser gerida por um grupo de pessoas que se calhar completamente diferente, indo falar diretamente com as não eram assim tão sérias como pareciam. pessoas e pedindo-lhes uma oportunidade para mostrar o Por outro lado, como foi trabalhar com uma que era capaz de fazer. referência como o Giancarlo Minardi? Arrependo-me um bocado, mas a verdade é que não estava Muito bom, apesar de ter consciência da limitação da a ser feliz. equipa. Além de uma pessoa bastante experiente e com E é aí que começa a aventura com a Oreca e a alguma reputação na Fórmula 1, o Giancarlo era sobretudo Chrysler. um apaixonado pelas corridas. Ele sempre foi uma figura Sim, a F1 tinha acabado e comecei logo a pensar noutras carismática que amava a Fórmula 1 e a equipa que construiu, coisas, FIA GT, Le Mans. Corri com a Porsche, mas a portanto fazia tudo o que estava ao seu alcance para aquilo equipa também não tinha muito dinheiro e depois chegou correr bem e tinha bom “feeling” com os pilotos. Eu aprendi a oportunidade com a Chrysler, em que consegui ser muito e tinha um bom relacionamento com ele, mas a campeão do mundo da Classe GT2 e voltar a sentir-me bem pressão de estar numa equipa fraca e de querer ser feliz na e realizado. Foi importante para concluir que a F1 realmente vida empurrou-me para que eu saísse. não era tudo, já que até lá chegar achava que não havia mais Ainda tens contacto com alguém desse tempo? paisagem. Muitos já lá não estão. Por curiosidade, há uns tempos O Senna era um ídolo ou um amigo? Como te encontrei o meu engenheiro na Minardi, mas que já não relacionavas com ele? está ligado à F1. E um dos mecânicos que estavam comigo Penso que ele era um ídolo, acima de tudo. Um amigo é já trabalhou com o António Félix da Costa na Toro Rosso. difícil de dizer. O Ayrton tinha uma vida muito ocupada e No geral, penso que tenho um bom relacionamento com as era muito determinado na sua profissão, portanto era difícil pessoas com quem trabalhei, colegas e adversários. manter um relacionamento próximo com ele. Eu também Mas, nas corridas, como em qualquer era bastante tímido e nunca explorei empresa, nós vivemos um bocado muito bem essa vertente. Passados das relações que fazemos e quando poucos meses ele partiu e não houve mudamos para outro sítio essas ligações oportunidades para nos tornarmos mais TEMPORADAS NA F1 também se alteram. próximos. Foram três anos que souberam a Ele gostava muito de Portugal e era pouco? muito amigo do Domingos Piedade, por EQUIPAS Eu acho que as coisas sabem a pouco isso acredito que o apoio que ele me deu quando correm bem e quando são muito se tenha devido ao relacionamento entre boas. Quando não são tão boas como ambos. GP DISPUTADOS nós gostaríamos que fossem, até sabem Ele tinha o hábito de acolher novos a tempo a mais. Foi uma experiência pilotos e de lhes dar uma palavra de agradável e é um marco importante na incentivo? Fez isso contigo? PONTO CONQUISTADO AUSTRÁLIA 1995 minha vida, mas eu sempre fui habituado Fê-lo comigo e penso que também o a vencer em todas as categorias e é isso o fazia com outros pilotos, só que falando que me faz feliz. português as coisas tornam-se mais Como não tive oportunidade de obter fáceis. Durante as corridas falávamos ESTREIA bons resultados, essa não é uma época sempre um pouco sobre as situações que me traga grandes recordações de específicas de cada GP, mas a primeira êxito e de felicidade. vez que falei com ele foi ao telefone, ÚLTIMO GP Quem te ajudou nessa transição? antes do meu primeiro teste com o O Domingos Piedade? Lotus. Principalmente o Domingos. Era a pessoa que estava mais Estive ali uma série de tempo com ele a explicar-me como envolvida, que mais me apoiava e que mais me ajudou na deveria abordar o carro e os travões, a minha profissão, e eu minha carreira até à F1. Temos uma ótima relação e ele olhava para o telefone e pensava: “Não acredito, o Ayrton direcionou-me sempre. Senna está a falar comigo!” O ponto que tu conseguiste em Adelaide marca a tua Como foi o teu acidente? Recordas-te do impacto? passagem pela modalidade? Eu acho que o corpo humano apaga o que não lhe interessa. Soube-me bem por ter sido o meu melhor resultado quando Sei que perdi os sentidos, mas só me lembro de ter dores à nunca tive uma equipa muito competitiva e lembro-me de conta das pernas partidas e das fraturas nas costas. De resto, ter sido uma grande festa para todos, até porque facilitou não há muito a dizer: a asa cedeu e o carro fugiu. uma verba muito grande para o ano seguinte. No entanto, Achas que hoje os pilotos têm a vida mais facilitada? acredito que fazer a ponte e participar num GP é já um feito O risco é menor? respeitável e o sonho de qualquer jovem piloto. Esse é o meu Eu vejo isso de uma forma muito natural. É a lei da evolução grande marco. da vida e da tecnologia. O perigo continua lá. Sim, diminuiu Esperavas que esse 6º lugar te conduzisse a outras bastante, mas nos anos em que eu corri também já se paragens? tinha minimizado o risco. O problema às vezes está em Nunca achei nada disso, até porque eu estava um pouco pensarmos que já não acontece nada, que o desporto é cansado de não ter grandes oportunidades. É verdade que completamente seguro. Basta bater mal, como se viu este não me convidaram para continuar, mas eu também já tinha ano em Le Mans, quando eu perdi um colega de equipa. decidido que ia mudar a minha vida. Vamos continuar a ver-te vencer por Portugal? Em 1996 tinha 24 anos e estava numa idade em que deveria Espero que sim. Quero continuar a fazer o que gosto — procurar outra coisa em vez de continuar na senda dos competir.
PARA RECORDAR
1 Lamy na famosa parabólica de Monza 2 Atento a todas as indicações dos engenheiros e à preciosa telemetria 3 A guardar o volante depois de uma falha elétrica ter estragado a estreia italiana 4 Era um Lotus, mas a equipa estava longe dos tempos áureos com Colin Chapman 5 Com a Minardi no Estoril 6 Lamy à conversa com Senna no circuito português em 1994
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1993-1996
LOTUS E MINARDI 32
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ITÁLIA 1993
JAPÃO 1996
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