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O Hamilton estava lá e falámos com ele. Leia a entrevista na página 131
CASA DOS SEGREDOS
CENTENAS DE COMPONENTES EM FIBRA DE CARBONO, VÁRIOS SIMULADORES, UM TÚNEL DE VENTO E PEÇAS MECÂNICAS EXTRAÍDAS DA MAIS FINA LIGA DE ALUMÍNIO SÃO APENAS ALGUNS DOS SEGREDOS DA FÁBRICA DE FÓRMULA 1 DA MERCEDES. CONHEÇA UM DOS SÍTIOS MAIS RESGUARDADOS DO PLANETA! TEXTO ANDRÉ BETTENCOURT RODRIGUES
IF I EVER FEEL BETTER - PHOENIX
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abe quando a escolha é farta mas, infelizmente, não podemos levar nada connosco? Desconfortável, não é? Vêm logo os “ses” à memória… Bom, foi mais ou menos isso o que sentimos assim que entrámos no “lobby” que abriga a receção e os elevadores de acesso à fábrica de Fórmula 1 da Mercedes: “Tantos troféus… Será que eles notavam se levássemos um connosco?” A imaginação tem destas coisas. Põenos a sonhar acordados, a imaginar como seria se as duas modelos que acabavam de entregar o nosso sumptuoso cartão de acesso desaparecessem por cinco segundos. Coloca-nos num ciclo profundo de auto-flagelamento, no qual repetidamente damos bofetadas internas por não termos trazido uma mala maior ou qualquer elemento de distração que nos permitisse levar adiante os nossos intentos maquiavélicos. Bastava um. Um qualquer. Um pneu, um bocado de uma asa, uma peça em fibra de carbono. O troféu do 16º lugar, caso
ele existisse. Uma coisinha tão simples como um capacete do Hamilton ou aquela miniatura do W03 que está ali a compor a entrada. Adiante. Antes de mais nada, é importante transmitir que visitar o antro de Rosberg, Lauda e Brawn não foi nada fácil. O primeiro e-mail enviado tem data de Janeiro. E de lá para cá passaram-se dez meses, uma eternidade para quem anda com uma vontade louca de saber como se faz um Fórmula 1. Depois, dizer-lhe que tivemos direito a uma visita guiada de duas horas (e um almocinho tipicamente britânico num pub das redondezas) a quase todas as áreas da fábrica situada em Brackley, no Sul de Northamptonshire, a pouco mais de uma hora de distância de Londres – um voo que, aliás, apanhámos bem cedo, a tempo de não falhar o compromisso marcado.
LIGAÇÃO UMBILICAL A viagem do aeroporto até à fábrica foi, como não podia deixar de ser, a bordo de um Mercedes, só para não nos esquecermos ao que íamos. E tivemos a certeza de que estávamos no sítio certo quando contornámos uma pequena rotunda adornada com o símbolo da estrela, mesmo antes
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A FÁBRICA de passarmos o portão de entrada. Exagero? Bom, em primeiro lugar, a verdade é que, ali perto, pouco há para ver. Estamos no campo e por isso a paisagem é povoada por pequenas vias circundantes e prados entre o amarelado e o verdejante. Depois, na fronteira da região existem algumas das fábricas mais antigas da Fórmula 1: Enstone, onde se fazem os Lotus, fica a 33 km. Leafield, de onde saem os Caterham, a 45. Milton Keynes, da campeoníssima Red Bull, a outros 33 e Grove, da Williams, a 55 km. Por isso, convém que a da Mercedes seja reconhecível de imediato, não vá alguém pensar que está noutro sítio. Por fim, é preciso ter noção de que estamos a falar, muito provavelmente, do construtor de automóveis mais importante do mundo, olhando para a sua dimensão, a tecnologia que se dispõe a criar e a força de trabalho que emprega em todo o mundo. E que ela, alemã de origem, tem a sua estrutura de Fórmula 1 em Inglaterra, dividida por um conjunto de edifícios que, noutros tempos, já vestiram as cores da Brawn, da BAR e da Honda. Quem nos diz, então, que esta rotunda não é a primeira tentativa de criar uma ligação umbilical anglogermânica com os mais de 600 colaboradores que por ali passam todos os dias? Bradley Lord, um dos dois responsáveis pela comunicação da equipa e nosso cicerone durante a visita à fábrica reafirma essa necessidade de ligar as pessoas. De criar pontos em comum entre elas através de uma identidade que é partilhada por todos. A ponte é feita de várias formas, a começar pela estreita relação entre Brixworth, onde são produzidos e construídos os motores que correm não só nos monolugares da Mercedes, mas também nos carros da McLaren e da Force India, e Brackley, onde se definem todos os aspetos relacionados com o desenvolvimento do carro. Depois, na criação de eventos partilhados entre todos os membros da equipa – jantares de Natal, por exemplo. E por fim, no factor número um – o sucesso! “Até lá, senteste pressionado a fazer parte dessa história. Mas quando vences tornas-te parte dela”, refere. Bradley acrescenta que há colegas que vão a Estugarda conhecer pessoas com
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quem comunicam apenas por e-mail ou videoconferência e outros que vão ao museu da marca para compreender a história, a tradição e a herança da Mercedes. Define a equipa de Fórmula 1 como “um pequeno comando que representa 300 mil pessoas no mundo inteiro” e acrescenta que ter a direção muito próxima de toda a estrutura através da voz de Niki Lauda (membro do conselho não-administrativo, mas detentor de 10 por cento das ações da equipa) e de Toto Wolff (diretor executivo da operação da Mercedes, com outros 30 por cento a seu cargo) é uma “grande vantagem”, já que permite agilizar todo o processo decisivo.
CHUVA DE ESTRELAS Foi precisamente na companhia deste último dirigente, casado com a piloto de testes da Williams, Susie Wolff, que iniciámos a nossa marcha rumo ao quartel-general da equipa. Apanhámos o elevador de acesso ao último andar do edifício, entrámos na sala reservada ao departamento de marketing e comunicação e sentámo-nos confortavelmente à espera de Toto no pequeno arranjo de dois sofás e uma mesa de centro que servia de sala de espera. Mexemos em duas revistas ao acaso e assim que olhámos para o lado direito demos de caras com uma chuva de estrelas composta por Paddy Lowe, Bob Bell e Lewis Hamilton. Isso mesmo: um painel de engenheiros de topo, reunidos numa sala de reuniões com o campeão mundial de 2008! Como deve imaginar, tornou-se impossível disfarçar a emoção do momento, para mais quando, naquele recinto, eram exibidas as primeiras imagens do carro de 2014. Como o segredo ainda é a alma do negócio, então no competitivo mundo da Fórmula 1, assim que se apercebeu do que estava em causa Bradley pediu-nos imediatamente para passarmos para o gabinete de Toto. Mal sabia ele que não conseguimos ver rigorosamente nada, até porque estávamos de frente para as pessoas que ali estavam reunidas, sem qualquer visibilidade para o que estaria a ser apresentado no quadro. Concluída a entrevista, era tempo de olhar para o Centro de Design, onde se concentra a maior
1 Pavilhões dedicados à produção dos carros, simuladores, túnel de vento e armazenamento compõem a estrutura montada em Brackley 2 É na Autoclaves que se cozem as peças em fibra de carbono 3 Mais de 100 pessoas trabalham diariamente no Centro de Desenho 4 A oficina de pintura é composta por oito cabinas e uma sala de cor 5 Os três Brawn originais que venceram o campeonato do mundo iam ser devolvidos aos donos (Button e Brawn são dois deles) no dia em que visitámos a fábrica 6 Dois dos carros do ano passado estavam a ser utilizados para testar peças de 2014 7 Três camadas de carbono antes de serem juntas e moldadas para darem a forma aos F1
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ESTA VISITA COMEÇAVA A ADQUIRIR INGREDIENTES COMPARÁVEIS A UM EVENTO VIP, SÓ QUE EM VEZ DA LILI CANEÇAS ÍAMO-NOS CRUZANDO NOS CORREDORES COM LEWIS HAMILTON, PADDY LOWE, TOTO WOLFF E NICK FRY 7
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fatia dos colaboradores. Só que uma ida aos lavabos resultou num encontro imediato com Paddy Lowe, o homem que, no início deste ano, trocou a McLaren pela Mercedes e, tudo indica, irá ocupar o lugar de Ross Brawn na direção técnica da equipa a partir do próximo ano. Abanámos a cabeça no típico cumprimento masculino de casa-de-banho, em que ninguém fala mas todos fazem questão de marcar a sua presença. E voltámos a fazê-lo durante a saída de cortesia, como se já nos conhecêssemos há algum tempo. Esta visita começava a adquirir ingredientes comparáveis a um evento VIP, só que em vez da Lili Caneças íamo-nos cruzando nos corredores com o Lewis Hamilton, o Paddy Lowe, o Toto Wolff e, já no fim, com o Nick Fry. Que chatice, não é?
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EFEITO SURPRESA
HORAS PARA PRODUZIR UM CARRO
De regresso ao Centro de Desenho, Bradley explica-nos que este é o ponto nevrálgico da fábrica. De segunda a sábado mais de 100 pessoas aplicam todo o seu conhecimento no desenho de componentes do carro e na análise da telemetria gerada em cada teste e corrida, sendo comum vê-las regressar ao Domingo para continuar o trabalho interrompido. Seguimos para as principais áreas de produção, onde máquinas monstruosas protegidas por uma caixa azul fabricam os principais compósitos do carro. O som é muito mais ruidoso, o ambiente totalmente diferente. É como se tivéssemos deixado o fato no escritório para vestir a pele de quem se prepara para mexer na massa. Apesar de haver aparelhos para tudo – cortar, cozer, lixar – a paisagem é estranhamente limpa. Os cheiros ausentes. A maioria encarrega-se exclusivamente de componentes em fibra de carbono, material que compõe cerca de 85 por cento do carro, das asas à carroçaria, dos braços de suspensão ao chassis. Outras tratam dos componentes mecânicos numa divisão própria para o efeito, a “Machine Shop” ou “Casa das Máquinas”, pegando em blocos inteiros de metal que depois são prensados e transformados numa só peça, sem quaisquer frechas, como um veio de transmissão ou um cubo da roda. Continuamos pelos corredores e num instante estamos na área que testa a rigidez da suspensão. Não nos é permitida a entrada, mas por entre a porta conseguimos espreitar um chassis à escala real, com lastro traseiro para simular o peso do motor. Sofre todo o tipo de tensões por um conjunto de máquinas capazes de esmagar-nos em poucos segundos, enquanto múltiplos sensores colocados no carro recolhem a informação transmitida – dados que depois serão analisados minuciosamente. Entretanto, já estamos no armazém de pintura, composto por oito cabinas e uma sala de cor. Secundados por um antigo monolugar da BAR, resquício de um passado antigo, mas não assim tão distante, quatro técnicos retocam as asas dianteiras utilizadas por Hamilton e Rosberg no Grande Prémio do Japão, num ato do mais puro perfecionismo. Depois, interrompemos um momento de espionagem fotográfica (o nosso olhar apanhou o que pareciam ser imagens de um dos Red Bull de Adrien Newey) para tocar no troféu de construtor ganho pela Mercedes no GP da Hungria deste ano, aproveitando ainda a oportunidade para ver um dos capacetes utilizados pelos mecânicos da equipa. Com oito “poles” e três vitórias em 2013, a Mercedes parece bem encaminhada para enfrentar os desafios do próximo ano. Em Brackley encontramos uma estrutura extraordinariamente profissional, com material de topo e recursos altamente qualificados. A viajar para as corridas ou a mexer no carro na fábrica, o seu trabalho é provavelmente invejado pelos amigos, irmãos, amigos dos amigos e quaisquer outros companheiros de vida. Menos nós, que pudemos beber um bocadinho desta paixão incrível. Obrigado!
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COLABORADORES
1 MILHÃO CUSTO DO MONOLUGAR
250 000 HORAS PARA DESENHAR UM CARRO
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COMPONENTES
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MECÂNICOS E TÉCNICOS POR GP
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DIAS NA ESTRADA EM MÉDIA PARA CADA MECÂNICO
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HECTARES: ÁREA TOTAL DA FÁBRICA
TOTO WOLFF
DIRETOR EXECUTIVO DA MERCEDES AMG
Que desafio representou a mudança da Williams para a Mercedes? A Williams é uma equipa tradicional, responsável por si mesma, que corre pelo propósito de correr. A Mercedes é uma corporação multinacional com o objetivo de desenvolver e vender os melhores carros do mundo, fazendo da Fórmula 1 o veículo ideal para promover a sua marca. Temos uma vasta organização por trás de nós composta por milhares de pessoas e por isso o tipo de trabalho é completamente diferente. É uma enorme diferença. Que ambiente encontrou na equipa? Uma equipa muito profissional, consciente do que tem de ser feito e composta por pessoas muito boas a nível humano e técnico. E dois dos melhores pilotos do mundo nos nossos carros. Diria que o ano superou as expetativas? Não terá pressão acrescida em 2014? Obviamente que as expetativas crescem à medida que vamos tendo mais sucesso e se temos oito poles, muitos pódios e três vitórias é normal que isso aconteça e que as pessoas pensem que vencer é fácil, quando não é. Por isso, gerir expetativas é muito importante, internamente e externamente. Toda a gente espera que ganhemos e estão motivados para isso, mas sabem que o caminho não se faz num dia. A reformulação técnica operada pela equipa é um sinal da vossa ambição? A equipa sempre almeja voos mais altos, mas temos de reunir os ingredientes certos para poder crescer. Foi o que fizemos e ainda estamos a fazer. A razão para estarmos aqui é vencer um dia o campeonato do mundo.