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MESTRE EDUARDO
EDUARDO SANTOS DEDICOU A VIDA A PREPARAR AUTOMÓVEIS, MUITOS DELES PORSCHE, QUASE TODOS 911. CONHEÇA O ROSTO DA FÁBRICA DE SONHOS PORTUGUESA QUE GANHOU FAMA A CUIDAR DO DESPORTIVO MAIS EMBLEMÁTICO DO MUNDO
A GARAGEM DO MESTRE TEXTO ANDRÉ BETTENCOURT RODRIGUES FOTOGRAFIA VASCO ESTRELADO
CORIOLAN OVERTURE – BEETHOVEN
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cenário chega a ser desolador de tão perfeito que é. Existem Porsche por todos os lados e a primeira coisa que nos vem à cabeça é se não podemos levar um para casa, às escondidas, como fazem os putos reguilas quando querem muito uma coisa. Querer é poder. E não há dúvida de que a expressão se aplica perfeitamente na história de vida do Mestre Eduardo. Eduardo Santos, pai, comanda há quase 50 anos os destinos da Garagem Aurora. É o rosto da empresa, embora ela seja hoje gerida pelo filho, engenheiro mecânico, também ele chamado Eduardo Santos, também ele apaixonado pela casa de Estugarda. A devoção é partilhada por todos: mecânicos e clientes, entusiastas por automóveis, fanáticos das corridas. E são eles e elas quem dão pinceladas de cor a um edifício que de outra forma seria taciturno, sombrio — igual a tantos outros. Aqui, pelo contrário, respira-se amor. Paixão. Carinho. Um sem fim de coisas boas que deixam em evidência o respeito pelo 911 e pelo legado entretanto adquirido pela família Santos.
HISTÓRIA BONITA Para quem não gosta de dar entrevistas, acaba por ser surpreendente como conseguimos conversar durante duas
EXISTEM PORSCHE POR TODOS OS LADOS E A PRIMEIRA COISA QUE NOS VEM À CABEÇA É SE NÃO PODEMOS LEVAR UM PARA CASA, ÀS ESCONDIDAS, COMO FAZEM OS PUTOS REGUILAS QUANDO QUEREM MUITO UMA COISA
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horas e meia sobre os feitos de um homem que ganhou nome a preparar e a modificar belos Porsche 911, clássicos e modernos, mas sobretudo de competição. Ao olhar para os traços vincados do seu rosto percebe-se que carregam as rugas próprias de quem já viveu muito ao longo dos últimos 75 anos. De quem sobreviveu para contar a história. De quem passou dificuldades. De quem pensou ter perdido tudo à conta de um incêndio. De quem viu o mundo desabar, à custa da morte de amigos como “Kiko” Ribeiro da Silva. A voz, essa, tem o timbre da sabedoria, o calor de quem conhece a sua arte como ninguém. Na pequena sala que serve de escritório não faltam quadros, miniaturas e taças que lembram tudo o que a Garagem Aurora conquistou ao longo do tempo: muitos prémios individuais, mas, acima de tudo, respeito pela obra. Nada segue uma ordem específica e apenas um troféu, partido, se destaca mais do que os outros. A partir daqui é o mini-caos instalado, com caixas e peças dispersas por todos os cantos. Servem de alerta para que nunca nos esqueçamos de que este é um local de trabalho; de que o amanhã é incerto e não convém dormir sobre os louros festejados. A ligação de Eduardo Santos à Garagem Aurora nasce em 1951, quando começa a trabalhar como aprendiz para Manuel António Alves, patrão e fundador da oficina, que assim lhe tinha chamado em homenagem à sua mulher e filha, ambas Aurora. Conheceram-se “na igreja, durante a missa” e de forma propositada, já que o então jovem Eduardo sabia que o senhor, religioso, ali se deslocava todos os Domingos. Deixou-se ver em várias dessas sessões e um dia ganhou coragem para lhe pedir emprego, um repto que acabaria por ser aceite com alguma resistência, já que naquela altura não se podiam contratar pessoas com menos de 14 anos. “Comecei então à experiência e só quando fiz
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DEDICAÇÃO
1 Uma carreira ao serviço da Porsche e do 911 (apesar da oficina manter o estatuto de multi-marca, 90% dos automóveis que ali passam são Porsche) é a história da Garagem Aurora 2 As mãos do mestre seguram a paixão que nasceu em Vila do Conde, no início dos Fórmula V: “O António Espírito Santo, do Banco Espírito Santo, a quem estava a dar assistência, pediume para levar o carro à verificação. Fui levá-lo e aquilo mexeu comigo de tal maneira que passado pouco tempo tinha um feito por mim”. Apesar do sonho de ser piloto, nunca chegou a correr: “O meu lugar era na box”, contou, entre risos
14 anos é que assinei o meu primeiro contrato”, recorda o Mestre, algo emocionado. O gosto e conhecimento pela mecânica provocaram a subida a pulso e aos 21 anos Eduardo era já “encarregado da casa”, com muitas pessoas que tinham sido seus “oficiais” agora à sua responsabilidade. “Depois o meu patrão começou a ter problemas de saúde com a idade e pediu-me para ficar com a garagem. Há aqui uma história bonita e ele acreditava que eu seria o único capaz de conservar o nome”, contou. A história bonita de que o Mestre fala é também trágica. E Eduardo estava longe de saber do que se tratava quando começou a mexer em bielas e carburadores. “Fiquei a saber que as duas tinham falecido num acidente de carro. Primeiro a mulher. Depois a filha, que tinha acabado de se formar como doutora. Quando chegou a altura de abandonar a profissão, o senhor Manuel pediu-me para ficar à frente da casa. E disse que eu seria a única pessoa de 18 empregados capaz de levar por diante o nome da mulher e da filha. Acedi. Trabalhava com ele desde os 13 anos”.
DE CABEÇA Com 26 anos, Eduardo era agora o responsável máximo pela oficina na qual tinha iniciado a carreira. E foi mais ou menos nesta altura que visitou pela primeira vez a fábrica da Porsche, na Alemanha, viagens que viria a repetir por diversas vezes, com o gosto de sempre, enquanto esteve no ativo. “Eu já trabalhava alguma coisa nos 356, que são os primeiros Porsche, quando tinha cerca de 23 anos e ainda era empregado desta firma. Mas o convite partiu do Manuel Nogueira Pinto, que corria num Lotus 47 Team Palma, em Lisboa, e estava sempre cheio de problemas. Eu já fazia
os Fórmula V e o Manuel pede-me então para ir com ele à Alemanha para que eu fizesse um curso rápido na fábrica de forma a poder dar-lhe assistência a um Porsche 906 que ele tinha comprado. Eu aceitei porque era uma coisa que me valorizava e estive então na Porsche a estagiar. Foi aí que me apaixonei verdadeiramente pela marca”. Eduardo andou por lá durante duas semanas, apesar de não saber falar alemão. “Tinha um espanhol à minha beira que também estava lá a estagiar e que me ajudava na tradução daquilo que eles diziam”. Daquela época, recorda ter achado a mecânica dos carros “extremamente simples” e com os pormenores dados pela fábrica “mais simples ainda”, o que reforçou o encantamento com o fabricante germânico: ”Eram realmente carros muito acessíveis mecanicamente e eu já tinha a experiência de ter transformado muitos Volkswagen Carocha à conta da Fórmula V, carros que obviamente tinham a mesma influência de Ferdinand Porsche. Apesar de Filipe Nogueira ter sido “o primeiro a testá-lo junto à Igreja do Marquês”, o Fórmula V inaugural tinha, na verdade, sido construído para o próprio Eduardo. “Ao fim de meia dúzia de voltas, o Filipe Nogueira levava meia volta de avanço sobre os outros e isso ainda me entusiasmou mais. Após esse teste cedi-o a Manuel Albuquerque e depois apareceu o Giannone, que me pediu para fazer outro. Construí mais seis ou sete e dei a aventura por encerrada”. Naquela altura, lembra, “fazia-se primeiro uma mestra para construir o chassis. A carroçaria compunha-se depois com um bocado de chapa aqui e ali”. Já o processo era todo feito “de cabeça”, sem seguir uma única anotação. Um dos quadros que Eduardo Santos olha com maior carinho é uma pintura do Aurora-Porsche Spyder, com
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NOSTALGIA
1 A Garagem Aurora ganha vida pelas decorações dos carros que ali estão parados, à espera de reparo ou de que o cliente os venha buscar 2 A história da empresa está representada nas ilustrações de Rui Queirós e fotografias penduradas pelas paredes. É possível ver os Aurora-Porsche RSR de “Kiko” Ribeiro da Silva, Rufino Fontes, Joaquim Moutinho e António Barros, considerados por Eduardo Santos como alguns dos melhores com quem trabalhou
“NAQUELA ALTURA FAZIA-SE PRIMEIRO UMA MESTRA PARA CONSTRUIR O CHASSIS. A CARROÇARIA COMPUNHA-SE DEPOIS COM UM BOCADO DE CHAPA AQUI E ALI” Robert Giannone ao volante: “Acaba por ser o carro mais emblemático pelos problemas que aconteceram no seu decurso, desde o acidente que resultou na morte de João Posser de Andrade Villar, à reconversão do carro em “barchetta” e o seu regresso a Portugal”. Eduardo conta que a ideia de transformar o Carrera 6 num Spyder surgiu numa corrida no Autódromo do Estoril. “Estava a dar assistência a outros carros e aparece-me à frente da minha boxe a dianteira de um Chevron. Pensei: ‘Olha que giro para o
princípio de um Spyder’. E a partir daqui comecei a magicar como tudo seria feito.” O processo demorou “cerca de dois anos”, com Giannone a correr no carro. E depois veio o 25 de Abril, “em que toda a gente se queria desfazer das coisas à conta do medo. O carro desapareceu pelo Canadá e nunca mais ninguém soube nada dele até que há três anos encontrei-o. Ainda me lembro do tipo austríaco que o comprou dizer-me que só havia dois no mundo: um francês e aquele, um ‘Aurora de Portugal’. Apresentei-me e ele ficou encantado.” Foi então que há cerca de meio ano o Aurora foi anunciado num leilão em França: “Falei com o Rui Macedo Silva, porque o pai tinha interveniência no carro, e ele deixou-me pouco tempo depois uma mensagem no telemóvel a dizer que o carro já cá cantava. Sei quanto custou, mas não lhe digo. Para mim, não tem preço. É inestimável.” Apesar da idade, Eduardo Santos continua a falar destes momentos com a mesma alegria de uma criança e com a satisfação de quem sempre foi “um apaixonado pela velocidade”, como o próprio descreve. Para trás ficou o sonho de ser piloto, mas há outra paixão que persiste até hoje: “Mexer nos carros. Foi sempre o que me deu mais gozo”.
GANHE UM CO-DRIVE A BORDO JÁ! DE UM PORSCHE 911 DE COMPETIÇÃO
PARTICIPE
Como as coisas boas são para ser partilhadas, decidimos dar aos nossos leitores a oportunidade de viverem sensações a bordo de um automóvel de competição, desta feita num Porsche 911 ao lado do piloto Pedro Marreiros. Tem apenas de responder corretamente a estas três questões e enviar-nos uma frase sobre a revista TURBO. Ganharão os três melhores classificados.
1 Em que campeonato(s) participa o piloto Pedro Marreiros em 2013? 2 Qual a sua mais recente vitória? 3 Qual o nome da sua equipa técnica atual? Envie-nos as suas respostas para turbo@turbo.pt (até 4 de outubro de 2013) e aguarde pela próxima edição da revista para saber se a sorte esteve do seu lado. Atenção: data e local dos co-drive a combinar com a agenda de treinos de Pedro Marreiros