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A DERRADEIRA AVENTURA
PERCORRER 19,96 KM NUM DOS PERCURSOS MAIS SINUOSOS DO MUNDO É UM DESAFIO APENAS AO ALCANCE DOS MELHORES PILOTOS. WALTER RÖHRL, MICHÈLE MOUTON E ARI VATANEN SUPERARAM-NO COM SUCESSO, MAS LOEB FEZ O QUE NINGUÉM ESTAVA À ESPERA: ESMAGAR O RECORDE LOGO À PRIMEIRA TENTATIVA! TEXTO ANDRÉ BETTENCOURT RODRIGUES EM PIKES PEAK
THE SKY ABOVE THE RAIN - MARILLION
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PIKES PEAK
Não há no mundo um lugar onde, ao mesmo tempo, fosse tão improvável – mas fizesse tanto sentido – existir uma corrida
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m projeto competitivo perfeito é aquele que junta, no papel, o melhor carro com o melhor piloto. É aquele que recorda a história grandiosa de uma marca e procura, anos depois, prolongar os feitos que a compõem através de novos desafios que sirvam de chamariz para cativar a atenção das pessoas. É talvez por tudo isto que o regresso da Peugeot à colina de Pikes Peak tenha sido encarado com tanta expetativa. E que, pelas mesmas razões, tenhamos ficado tão entusiasmados com a oportunidade única de assistir, ao vivo, à prova, partilhando, junto de centenas de norte-americanos, o prazer daquele momento.
PAÍS PEQUENO
1 Aqui não existem escapatórias nem “rails” de proteção e todo o conceito de segurança está a milhas do que se passa na Europa 2 875 CV para 875 kg de peso. A relação peso/ potência do 208 T16 é impressionante. Para Loeb foi mais marcante do que guiar um F1
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UM SOPRO
Esqueçamo-nos por instantes do papel de jornalista e concentremo-nos antes no adepto das corridas de automóveis. No fanático dos motores ruidosos, das grandes atravessadelas, da borracha que fica marcada no chão ou do cheiro a gasolina, tão inflamada quanto possível para elevar ao máximo a potência dos carros. E se lhe dissermos que Pikes Peak é tudo isto? E que há mais, muito mais à volta da corrida, além da luta incansável por ser o mais rápido a subir a montanha? Que as cordilheiras de Colorado Springs são absolutamente extenuantes e que os nossos olhos têm dificuldade em encontrar pontos de focagem perante a imensidão do cenário que nos rodeia? Exagero? Talvez. Afinal, entre as 4h00 e as 9h00 – as horas em que, durante os treinos, ficámos presos na montanha –, o tempo parece mais longo e distante. Mas, depois de se assistir às primeiras passagens dos carros, a ideia com que se fica é a de que não há no mundo um lugar onde, ao mesmo tempo, fosse tão improvável – mas fizesse tanto sentido – existir uma corrida. Ao contrário de anos anteriores, em que a terra saltava à vista, o piso é agora completamente revestido de asfalto e a potência de alguns carros anda perto dos 900 CV. Se juntarmos a aerodinâmica reforçada, com estruturas completamente revestidas a fibra de carbono, é fácil imaginar como num sopro se atingem velocidades absolutamente estonteantes ao longo dos 19,96 km do percurso. Só que aqui não existem
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escapatórias. Nem sequer “rails” de proteção: um erro significa caminhar em direção ao abismo e é por isso que é preciso fazer continência à montanha, não vá ela pregar-nos uma partida. Este aviso é igualmente válido para os espetadores, sobretudo os que estão mais habituados aos padrões de segurança europeus. “Zonas espetáculo”? Esqueça-as! Tudo é plausível de ser povoado em abundância e em regime de supervisão limitada, num processo conduzido mais por voluntários da corrida do que propriamente por elementos das forças de autoridade. Por isso, a responsabilidade cabe sempre a quem estiver disposto a arriscar o pescoço na procura do melhor sítio para ver as máquinas.
À PENDURA Quinta-feira. Passam poucos minutos das 9h00 e, em Glen Cove, o frio começa a desaparecer da colina, dando lugar a um calor torturante. O local onde as equipas da classe “Unlimited” preparam a segunda parte do troço é um dos melhores pontos do roteiro e não muito longe do seu início há um gancho perfeito para acompanhar a ação do dia. Foi lá que vimos pela primeira vez o Peugeot 208 T16 de Sébastien Loeb. Primeiro, às 6h00. Depois às 7h00 e às 8h30. No instante em que ele passou por nós, imaginámos como seria conduzir aquele carro. Dominar os seus 875 CV de potência e deixar que o cérebro absorva,
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lentamente, a sensação de acelerar até aos 100 km/h em balísticos 1,8s, aprisionar esse momento e, logo de seguida, esperar apenas mais três segundos até que atingíssemos os 200 km/h. O mais provável seria despistarmo-nos ao final da primeira curva. Ou então andar muito abaixo das limitações do carro, o que nos levou ao pensamento seguinte: “Bom, bom seria ir à pendura e tê-lo a guiar o carro!” Descabido, não é? Enquanto o 208 era desmontado pelos mecânicos, Loeb aparece em cena com ar de quem está satisfeito, à maneira dele. Afinal, o francês nunca foi expansivo ou particularmente dialogante. Está ali porque a sua profissão – e o estatuto que entretanto atingiu – obriga-o a esse compromisso, não porque tenha qualquer gozo particular em falar com a imprensa ou em vangloriar-se de tudo o que conquistou. Só que estamos a falar de nove campeonatos e 79 vitórias. Nove anos em que um piloto dominou por completo o Mundial de Ralis, uma das competições mais difíceis e exigentes do desporto motorizado. O que é isso senão um feito absolutamente extraordinário de um homem que, confessou-nos, quer apenas ser lembrado como “um tipo normal, que adora conduzir carros potentes”? Loeb não quer que o chateemos – tudo bem, campeão. Sem problema! Há mais pessoas com quem falar e por isso passámos à conversa com Bruno Famin, Diretor Técnico da Peugeot Sport.
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Chamem-lhe pitoresco, amador, ridiculamente pimba ou até preso no tempo, mas aqui não faltam doses de elevada adrenalina NOVOS TEMPOS
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HISTÓRIA PERFEITA Num inglês tão perfumado como o cargo exige, Bruno explica-nos que o projeto do 208 T16 foi aprovado em “Dezembro de 2012” e que o carro demorou “apenas quatro meses a ser construído”. O chassis tubular foi feito de raiz, tal como a carroçaria em fibra de carbono, mas tudo o resto resulta de um aproveitamento tecnológico de coisas que já existiam: “A asa traseira é importada do 908 HDI que venceu as 24 H de Le Mans, em 2009, tal como as suspensões, que aqui têm um curso mais curto, os travões e até o respirador que se encontra no tejadilho. Os pneus foram desenvolvidos em conjunto com a Michelin e cumprem o regulamento das 24 H de Le Mans de 2014, enquanto o motor V6 é uma unidade que tínhamos desenvolvido para a Pescarolo, em 2005”, referiu. O responsável pelo departamento de competição da marca francesa acrescentou ainda que os custos envolvidos no desenvolvimento deste 208 T16 são incomparavelmente inferiores em relação ao programa que a Peugeot tinha em Le Mans. Insistimos nos valores, mas a única resposta que obtivemos foi a de que esta aposta estava mais do que ganha, ainda nem tinha decorrido a grande corrida: “Posso dizer que é menos de um terço do programa de Le Mans e que o impacto mediático tem sido de tal maneira elevado que, mesmo que tudo corra mal no Domingo, este nosso
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regresso foi acertado”. Bruno tinha razão. Muito provavelmente, se não fosse pela Peugeot e pela Red Bull, a 91ª edição da corrida de Pikes Peak teria passado despercebida do outro lado do oceano. Talvez nos lembrássemos dela enquanto recordávamos os feitos de Ari Vatanen ao volante do 405 T16, agora que se cumprem 25 anos dessa célebre vitória, imortalizada para sempre no filme “Climb Dance”. Mas também é verdade que a Peugeot não veio à procura de uma história qualquer. Veio à caça da história perfeita! E isso significa que Loeb teria obrigatoriamente que vencer e bater o recorde da prova.
“YOU’VE COME A LONG WAY”
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É sexta-feira e há um mar de gente à nossa volta. De tal forma que a digestão das suculentas “ribs” que comemos ao almoço começa a tornar-se difícil. Os norte-americanos sabem realmente dar um espetáculo. Conhecem a arte do marketing como ninguém e só assim se explica que tenham estado cerca de 30 mil pessoas no tradicional “Fun Fest” que antecede a corrida, um número recorrente ano após ano. Andy Hanna tem 36 anos e é um dos muitos amigos que fizemos em Pikes Peak. Conhecemo-lo na quintafeira, em Glen Cove, e encontramo-lo na sexta, no Devil’s Playground. Mais tarde, demos novamente de caras com ele no “Fun Fest”.
1 Ao contrário do passado, a pista é agora de asfalto e os carros rondam os 900 CV de potência 2 Para sentir bem a atmosfera, Loeb saboreou o traçado numa Harley... 3 156 curvas a mais de 4300 metros de altitude. Esta é a corrida de montanha mais famosa do mundo e a segunda mais antiga dos EUA. 4 ... depois esmagou o recorde da prova com um tempo canhão
Andy adora o desporto motorizado e estranhou termos vindo do outro lado do Atlântico para ver a prova: “Portugal? Wow! You’ve come a long way”, atirou quando nos conhecemos, que é como quem diz “Uau! Vocês vieram mesmo de longe”. Ficou maravilhado quando viu Loeb a voar no Peugeot 208 T16, embora não tivesse gosto em fazer o que ele faz. “Sou mais calmo e gosto mais de pick-ups”, contou-nos. Responsável por uma loja de peças e componentes automóveis, o simpático norte-americano fazia parte da equipa LoveFab, com o piloto Cody Loveland. Mas um azar na terça-feira fez com que os rapazes de Michigan não tivessem outra hipótese senão assistir de longe à corrida. Desmoralizados? Nada disso. Mesmo com o carro destruído, assistiram à prova e participaram no “Fun Fest”, a pedido do principal patrocinador. Há alguém que se dê ao luxo de dispensar uma visibilidade de 30 mil pessoas? Por isso, também não foi de estranhar que inúmeros concessionários estivessem ali representados a tentar vender alguns automóveis. O “Fun Fest” é um momento onde a “downtown” de Colorado Springs se enche de fãs sedentos por uma cerveja, um “hot dog” e muita velocidade. Chamem-lhe pitoresco, amador, ridiculamente pimba ou até preso no tempo, mas aqui não faltam doses de elevada adrenalina, seja pelos “motards” da Red Bull que se atiram ao ar em incríveis piruetas, seja através do rugir dos motores de alguns carros que participam na prova e fazem as delícias dos presentes. Todos ajudam à festa. Até Loeb, que não teve outro remédio senão perder duas horas a distribuir sorrisos e autógrafos. O ambiente, no entanto, não deixa de ser tenso. Será que vai chover no Domingo, como indica a meteorologia? E o carro? Irá aguentar-se? Conseguirá a Peugeot bater o recorde? A cada instante, estas questões pareciam vir ao de cima nos olhos dos membros que compõem a equipa. Mas pouco tempo após as 11 horas do grande dia já ninguém se lembrava disso. Loeb tinha esmagado o recorde da prova com um tempo canhão de 8:13:878, o Peugeot 208 T16 portou-se imaculadamente e ganhou a corrida e os fãs tiveram o espetáculo que queriam. A história teve um final feliz. E nós esquecemonos de que tínhamos dormido três horas e acordado à 1h00, subido para a montanha às 3h00, suportado tonturas derivadas da altitude (fomos ao topo e estivemos 14 horas a 3500 m de altitude) e sofrido com as quatro estações do ano (até granizo caiu). Obrigado, Pikes Peak. Conhecer-te foi um dos grandes prazeres da nossa vida.
“de algum tempo para cá que as 24 horas de le mans se tornaram Numa corrida de sprint”
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