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EMOÇÃO

ENTREVISTA WALTER RÖHRL

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1,93 M

GANHOU DOIS TÍTULOS MUNDIAIS DE RALIS E HÁ QUEM DIGA QUE É O MELHOR PILOTO QUE A MODALIDADE JÁ VIU, À FRENTE ATÉ DO GALARDOADO LOEB. ENQUANTO ESTEVE NO CAMPEONATO, O ALEMÃO BATEU BLOMQVIST, MOUTÒN, VATANEN, MIKKOLA,TOIVONEN E SALONEN. EXISTE MELHOR CARTA DE APRESENTAÇÃO DO QUE ESTA? ENTREVISTA ANDRÉ BETTENCOURT RODRIGUES ILUSTRAÇÕES RICARDO SANTOS

A

WORLD IN MY EYES - DEPECHE MODE

o vivo é ainda mais alto do que o seu 1,93m aparenta e acabou por ser bem mais simpático do que estávamos à espera. Não sabemos se foi das histórias da Michèle Mouton ou de outros pilotos que lidaram com ele, como o finlandês Ari Vatanen, mas sempre imaginámos que o alemão Walter Röhrl seria gelidamente distante, pouco dado à substância, monossilábico e sem espaço para humor ou sorrisos. Precisamente o contrário do que vimos no Autódromo do Estoril, durante a festa dos 50 anos do Porsche 911. O antigo bicampeão do mundo de ralis distribuiu autógrafos, acedeu sem qualquer tipo de hesitação aos múltiplos pedidos de fotografias que dessem aos fãs e a famílias inteiras a oportunidade de registarem o momento e até lidou bem com a ocasional conversa de circunstância, como aquelas que sempre acontecem durante a atribuição dos troféus aos vencedores. Durante todo o fim-de-semana de 8 e 9 de Junho, Walter nunca reclamou, apesar de estar longe da sua gata e de ter a casa a contas com uma inundação. A nossa entrevista é a prova disso. Ora veja. Turbo - Ser piloto foi o culminar de uma ambição de vida? Walter Röhrl - Quando eu era pequeno sonhava em ser piloto de ralis ou de corridas. E de repente tive a possibilidade única de o fazer. Sabes, eu não tinha dinheiro, não tinha nada. Daí dizer que o que me aconteceu foi algo absolutamente fantástico. Tive a grande, grande sorte de ter encontrado um amigo que puxou por mim, senão nunca o teria feito. Ele dizia: “Walter, tu tens de ser um piloto

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de corridas. Eu nunca vi ninguém com um sensação de controlo tão grande sobre um carro”. Foi assim tão fácil? Nada disso. Eu respondia: “Ok, mas quem é que vai pagar por tudo isso?”, até que ele me pergunta se eu guiaria um carro organizado por ele. “Sim, se não me custar nada”, respondi. Em três anos tínhamos feito cinco provas e em cada uma delas ele escrevia para os jornais dizendo que eu era o melhor piloto de ralis do mundo. Foi então que, de repente, após essas cinco provas, recebi um telegrama da Ford a proporem-me um contrato. O que sentiu quando se sentou pela primeira vez num carro de ralis? Pareceu-lhe natural? Sim, porque ninguém me disse o que se estava a passar. Lembro-me de estar sentado num Ford Capri e de chegarmos em primeiro lugar nos troços, ainda sem eu saber em que lugar ia, e de ter dito ao meu co-piloto: “Porque é que eu vou tão devagar?” Eu próprio não tinha noção de quão depressa ia! Fiquei tão surpreendido, depois de pensar que todos iam passar por mim como uma bala. Estava a fazê-lo pela primeira vez, sem saber bem ao que ia, mas parecia que tinha um talento para este desporto. Porque optou por esta modalidade? Porque desde novo percebi que, se estivermos num circuito sem um bom carro, não somos ninguém. Nos ralis, mesmo que não tivesse o melhor carro à minha disposição, tinha a certeza de que podia mostrar o meu valor à chuva, com gelo, no meio do nevoeiro, com o piso frio ou na descida de um troço. Mais tarde corri também em circuitos, mas nunca recuperei a diversão daqueles tempos. Houve algum carro que tenha gostado em particular? Penso que o nível de topo da condução estava nos carros de tração traseira, porque exige que tenhamos a sensação da potência que é utilizável. Não é apenas deixar o carro escorregar ou pô-lo a andar de lado. E essa não é uma tarefa

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propriamente fácil. Usar um carro de tração traseira com 320 CV de potência, como o Lancia 037, e tentar colocar a potência no chão — esse era o grande desafio da condução automóvel. É muito mais impressionante do que ter um carro de tração dianteira, porque para colocá-lo na direção que queremos não precisamos de nenhuma sensação em particular. O que sentiu quando se sentou pela primeira vez num carro do Grupo B? Muitas pessoas perguntam-me quantos cavalos são necessários para nos sentirmos satisfeitos. E eu digo que não consigo ter potência suficiente. Um carro do Grupo B era algo verdadeiramente especial. No nível de evolução mais alto a força era realmente impressionante e penso que, quanto mais potência tinha ao meu dispor, maior era a minha vantagem perante os meus adversários. Tinha realmente a capacidade de ir em frente de forma correta, de guiar para a frente e não apenas de lado. O seu fim era inevitável? Em 1986, eu estava no Rali de Monte Carlo com um carro de 535 CV e em 1987 tinha apenas 230 CV. Pensei: “isto já não tem nada a ver com condução — 95% é sempre em frente porque não tenho potência nenhuma”. Foi um corte radical. Deviam ter feito uma coisa a meio, com cerca de 350 CV. Teria sido muito melhor. Os pilotos atuais também têm apenas 330 CV, mas vivem numa era mais técnica, tecnológica, com tração às quatro rodas. Os travões, pneus e suspensões são muito mais evoluídos. No entanto, penso que hoje é demasiado fácil conduzir estes carros e é por essa razão que todos estão tão próximos uns dos outros. No meu tempo era muito mais fácil mostrar que éramos os melhores, porque quem liderava, liderava por minutos. Desapareceram pelo caminho todas as coisas que mostram que és um bom piloto: já não têm que brincar com a caixa de velocidades, que usar a embraiagem, que ter uma condição muito boa para guiar durante 35 horas, à noite e no gelo... Qual era o piloto que mais tinha em conta? Antes de começar era o Hannu Mikkola. Era um nome... Ui, até tremia quando o ouvia! Já durante a minha carreira, penso que o melhor que conheci foi o Markku. Ele era muito bom. Tive o azar de ser o companheiro de equipa dele quando ele foi campeão do mundo. Ele era mesmo bom, no asfalto, na terra, na neve. Não cometia grandes erros e era um tipo às direitas. Tive muitos companheiros de equipa de quem não posso dizer o mesmo. Ganhou por quatro vezes Monte Carlo. Era a sua prova favorita? Absolutamente. Era uma motivação especial para mim mostrar que o piloto era importante, não apenas o carro. Eu tinha sempre problemas em andar em estradas com buracos, porque isso danificava o meu carro e obrigava os mecânicos a fazerem muitas alterações. Em Monte Carlo tinha sempre uma estrada limpa, com neve, e era apenas uma questão de guiá-la o melhor possível. Vencer a prova pela primeira vez foi o momento mais feliz da minha vida. Na sua opinião, qual era a sua melhor qualidade? Primeiro, ter uma boa memória. Se fizesse os troços

duas, três vezes, conseguia ter 80 a 90% das estradas na minha cabeça. Depois, ter um “feeling” muito bom sobre o que é uma linha correta, uma trajetória rápida. Estava sempre à procura de ser o mais limpo possível, enquanto se calhar muitos iam à procura do espetáculo. Esta minha forma de ser vinha do esqui. Costumava esquiar quando era mais novo e percebi que um esqui é mais lento se formos de lado. Para ir depressa temos de ir em frente e essa era a grande vantagem que eu tinha sobre os restantes. Como vivia o Rali de Portugal? Ainda hoje há quem fale muito sobre Arganil... As etapas eram fantásticas e havia sempre partes em que podíamos ir completamente a fundo; outras em que tínhamos apenas de cuidar do carro. Em 1982, lembro-me de olharem para o meu carro e o do Markku e de haver gente a dizer que era impossível que eu estivesse a usar as mesmas estradas: “Vejam, ele não tem marcas no carro!” Se eu visse um grande buraco, desviava-me. Estava sempre a agir com cuidado. Correr em Pikes Peak foi especial? Muito. Ao princípio não estava interessado, porque era apenas um dia a conduzir durante 20 km. Pensei que era demasiado tempo para nada. Mas depois fui lá e vi, em primeiro lugar, uma estrada muito bonita. Quase imaculada. Depois que era sinuosa e pensei que isso devia ser bom porque eu sou um piloto muito preciso, sei onde posso e não posso apertar. E disse: “Ok, é o meu trabalho, vou fazê-la e tentar vencê-la”, embora continuasse sem muita vontade. No entanto, agora percebo o quão importante foi na minha carreira, porque às vezes as pessoas falam comigo mais sobre Pikes Peak do que sobre os meus títulos no Mundial de Ralis. Lembro-me de um lugar chamado “Devil’s Corner,” uma direita longa, seguida de uma esquerda a descer, com o carro de lado e mais de metade do pneu da frente fora da berma. Foi perfeito! Perdeu alguma coisa ao longo dos anos? Não. Se estiver com a Porsche no Nürburgring sinto que ainda consigo fazer os mesmos tempos de há 15, 20 anos. Só que às vezes pergunto-me se é necessário fazê-lo. Neste momento, o meu principal trabalho é testar o 918. E sabes, num 918, num circuito como o Nördschleife, facilmente atinges os 317 km/h. Às vezes começo a pensar: “Porque estás a fazer isto? Se acontecer alguma coisa, um problema técnico, morres”. Agora que eu estou vivo depois de 40 anos de desporto motorizado, porque é que devia lutar por cada segundo? Se calhar é tempo de deixar essa missão para os pilotos mais jovens. Mas, se me sento num carro durante uma sessão de testes e ainda luto com eles, sinto-me muito orgulhoso por ver que continuo a ser rápido (risos). Se eu estiver numa pista como estou agora, sinto a mesma paixão de há 45 anos. É como se tivesse 20 anos de idade. Um dia tenho de parar com estas coisas estúpidas! Imagina-se algum dia a fazê-lo? A parar? A estar em casa a ver televisão? Às vezes penso nisso, em viajar e como seria bom talvez por duas semanas. Mas depois não sei se poderia viver com essa

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situação, a gastar os meus dias a andar de bicicleta, a jogar golf ou a trabalhar no meu jardim. Penso que o ideal seria tentar reduzir o meu programa, mas continuar a fazer o que sempre fiz. Percorreu milhares de quilómetros no Nördschleife. Ainda o trata com o mesmo respeito? Depende do carro que estou a guiar. Eu tenho respeito pelo 918, mas perco-o ao volante de um 911. O 911 é parte de mim. Tenho uma t-shirt em que se pode ler “all over eight minutes I don’t take a helmet” [acima de oito minutos não levo capacete], mas sabes, oito minutos é muito rápido e há três semanas fiz um teste com o 918 em que fiz 7:30 e pensei: “Agora tenho de mudar a t-shirt para 7:30!” (risos). É preciso ser-se louco para fazer 7:30 sem capacete! Tem desenvolvido vários modelos da Porsche. Qual deles lhe deu maior prazer? O Carrera GT. Tenho um, mas é propriedade da fábrica porque é um carro “zero”, não pode ser vendido. Mas a única pessoa que o pode conduzir sou eu. E estou desejando prová-lo na próxima semana, porque no desenvolvimento do 918 encontrámos uns novos pneus slicks que servem no Carrera GT e o carro fica completamente diferente com estes pneus modernos. É muito mais agradável de guiar do que o antigo. Considera-se exigente no desenvolvimento do carro? Os engenheiros seguem fielmente as suas instruções? Não, porque sou apenas responsável pela parte dinâmica. Tenho apenas que andar depressa e ver o que o carro anda a fazer, sobretudo ao nível da suspensão. O processo é muito engraçado: às vezes temos muitos testes e eu só apareço de seis em seis semanas. Pego no carro e faço uma observação como “penso que mudaram a potência dos amortecedores à frente” e eles dizem “é impossivel que estejas a sentir isto!”

E eu: “Sim, eu sinto-o!” Isso é muito, muito bom porque fazem tanta coisa com computadores e depois eu chego e mudo tudo. A experiência é muito importante. Mas temos agora muitos pilotos jovens e eu tenho feito força para que eles venham testar. Um dia estarei acabado e alguém tem de fazer este trabalho. Há alguma coisa que gostasse de experimentar? Não, penso que fiz tudo o que era interessante. Só que às vezes vejo o WRC na televisão e penso que seria agradável ver onde estaria se conduzisse um carro moderno. Aceitaria essa possibilidade se alguém lha oferecesse? Penso que não, porque eu sou inteligente o suficiente para saber que não funcionaria. A última vez que guiei a fundo numa estrada de terra foi há 10 anos e precisaria de muito treino para chegar ao mesmo nível que antes. Depois, se eu o fizesse hoje e perdesse um segundo por quilómetro ficaria desapontado. E se fosse um teste privado? Isso já seria bom. Gostaria de ver como estes carros se comportam, porque a última vez que estive num WRC foi talvez há 10, 12 anos com o Toyota Corolla e naquela altura senti que era tudo um bocado sintético, sabes? Já não parecia tão rápido, ficava a faltar aquela sensação mecânica e é por isso que gostaria de saber como são os novos WRC. Há um piloto da atual geração que o tenha impressionado? O Loeb, claro. Ele tem feito as mesmas coisas que eu fiz, conduzindo de uma forma limpa e aproveitando as linhas certas. Essa é a maneira de o fazer. Foi difícil ver alguns pilotos morrerem à sua frente? O Henri era meu companheiro de equipa e essa foi uma situação difícil para mim. Mas é engraçado: tu apenas ficas a pensar sobre isso durante um dia. A partir do segundo já

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te esqueceste do que aconteceu. Mesmo hoje, se um amigo morrer, eu penso que tenho de mudar a minha vida, de usar este tempo para mim, mas após três horas estou de volta à minha vida normal. Também teve uma batalha feroz com a Michèle Mouton. Que opinião tem dela? Quando estivemos juntos na Fiat eu estava sempre a motivá-la e a colocar-lhe pressão para ela ir para a Audi e quando ela lá chegou batê-la tornou-se realmente num problema grave para Hannu e o Stiq. Depois fui eu para a Audi e ela ficou tão assustada apenas de ouvir o meu nome. Pouco depois ela parou de correr em ralis e não sei se foi por minha causa ou por outra coisa qualquer. De qualquer forma ela era muito especial, muito boa mesmo. Precisava de se concentrar antes de entrar no carro? Durante as provas penso que estava mais concentrado do que os outros. Ou mesmo nos treinos. Sabes, nós íamos para os treinos e depois à noite alguns iam beber umas cervejas, outros iam sair e eu ia para a cama as 22h. De manhã, às 8h00, estava sentado no carro e durante 12 horas estava concentrado em lembrar-me de cada curva, mais nada. Eu não falava com o Christian o dia inteiro, ele apenas me dizia as notas e eu ouvia-as. Essa era uma grande vantagem. Como quer que as pessoas se lembrem de si? Uma vez estávamos numa super especial e a ambulância ainda não tinha chegado. Tínhamos um atraso de 30 minutos e toda a gente saiu do carro. Markku, Mikkola, Blomqvist, Michèle, Vatanen, Toivonen, Salonen. Eu continuava sentado a pensar: “Fifty-medium-left, on the

right there is a three, one-hundred-right, at the left side there’s a small house”, a fazer a leitura de todo o troço. Como não tinha saído do carro, eles pensavam que eu não queria falar com eles. Após esses 30 minutos, todos saltaram para o carro para retomarmos o rali e eu fui um minuto mais rápido porque estava completamente focado no que se ia passar. Penso que sou uma pessoa estranha para eles e a verdade é que sou mesmo. Sou um tipo de que quando diz que é não, é não. Ninguém consegue mudar-me. Qual a importância de ter tido o mesmo co-piloto ao longo dos anos? Muita. O Christian tratava de tudo para mim. Era o responsável por eu ter um hotel para dormir, um voo para voltar para casa ou alguma coisa boa para comer à noite. Tivemos 11 anos sem quaisquer problemas, apesar de ele ser completamente diferente de mim. Ele saía à noite para as discotecas e gostava de arranjar namoradas e eu dizia-lhe: “Podes fazer o que quiseres, mas amanhã às 8h00 nós começamos e tu tens de estar aqui!” Ainda tem algum sonho por realizar ou acha que já os satisfez a todos? Tenho o sonho de ter mais tempo, de um dia vir a Portugal com a minha mulher e de ficar no Buçaco. De dormir dois dias no hotel para mostrar-lhe que há 30 anos ficávamos sempre aqui a dormir enquanto bebemos um copo de vinho. Gostava de a trazer para que pudéssemos gozar um pouco mais a vida, mas penso que é um sonho, porque não sou capaz de o fazer.

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