RUSH - NIKI LAUDA VS JAMES HUNT

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3 E M O Ç Ã O

DO CIRCO PARA O CINEMA

REALIDADE E FICÇÃO

Junte-se uma grande história, um realizador conceituado E 50 milhões de libras e eis a fórmula para um filme tremendo sobre desporto motorizado. Conheça os segredos de “RUSH”, a película que conta a RIVALIDADE ENTRE James Hunt e Niki Lauda

37 anos separam estas duas imagens. De um lado, pode ver Niki Lauda e James Hunt a lutar pela vitória no GP de Espanha de 1976. Do outro, Chris Hemsworth e Daniel Brühl no papel destas duas lendas do desporto motorizado

TEXTO ANDRÉ BETTENCOURT RODRIGUES FOTOS DE ARQUIVO JOSÉ VIEIRA

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s anos 70 estão na moda. O “soul” regressou às pistas de dança, as calças à boca-de-sino tomaram de assalto a indumentária masculina e as grandes suíças e bigodes farfalhudos são cada vez mais comuns nos rostos de quem nos cruzamos na rua. Vivemos num mundo em que o “cool” está intimamente relacionado com o antigo e assim se explica a grande expetativa em torno de “Rush”, o mais recente filme do realizador norte-americano Ron Howard. Apesar de contar com dois intervenientes de luxo — Chris Hemsworth, no papel de Hunt, e Daniel Brühl, no lugar de Lauda —, tornar um dos campeonatos mais renhidos da história da Fórmula 1 num “blockbuster” de sucesso está longe de ser uma tarefa fácil. Primeiro, porque as audiências em torno de filmes sobre automóveis ou corridas de automóveis nunca foram propriamente extraordinárias. Depois, pelos condimentos próprios de uma temporada repleta de (dis)sabores que apenas aumentam a pressão sobre quem a procura retratar.

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CRONOLOGIA Esteja preparado, Sr. Howard. A expetativa é grande e os fãs da estatística não vão perdoar qualquer falha!

BONS INGREDIENTES 1976 foi, afinal, o ano em que James Hunt se estreou pela McLaren e venceu pela única vez na sua carreira o campeonato do mundo. Foi o ano em que Niki Lauda, campeão em título, quase perdeu a vida num terrível acidente no Nürburgring e, apenas seis semanas depois, num ato de infinita coragem, levantou-se literalmente do inferno em que esteve deitado para impedir que o amigo e rival britânico ocupasse o seu lugar no panteão dos vencedores. Só por aqui se vê que retratar os dilemas e suspiros que prenderam a atenção dos adeptos em cada uma das dezasseis corridas do campeonato é por si só um desafio tremendo. Mas há mais: afinal, não é por acaso que esta é considerada uma das épocas mais apaixonantes da história da modalidade, com todos os ingredientes que podem tornar um filme memorável: está repleto de ação (não faltam carros ruidosos e cheios de velocidade), muita polémica (as desqualificações/mudanças de vencedor nos GP de Espanha e da Grã-Bretanha são exemplo de decisões tomadas na secretaria com reflexos decisivos no desfecho do campeonato) e uma boa dose de drama (o episódio no

1 Hunt e Lauda no GP da Grã-Bretanha de 1976. O inglês venceu a prova, mas viria a ser desclassificado. No final, um ponto decidiu a favor de Hunt o título de campeão 2 Chris Hemsworth e Daniel Brühl a bordo de duas das réplicas construídas para o filme

Nördschleife ou a desistência de Lauda na última corrida do campeonato mantiveram o interesse até ao último segundo). Qual é, então, o resultado desta aventura cinematográfica? “Impressionante. É incrível o que eles conseguiram retirar da época de 1976, num filme de Hollywood para os jovens de hoje, que não sabem nada sobre o que aconteceu nesse ano”, contou-nos o próprio Lauda, em dez minutos de conversa que souberam a pouco durante a segunda sessão de treinos do último GP da Hungria. Não dá vontade de saltar para o cinema e exigir que antecipem a estreia do filme, marcada para 3 de Outubro em Portugal? Convidado a participar na produção de “Rush” desde o primeiro dia, o atual chefe não-executivo da equipa de Fórmula 1 da Mercedes está confiante que aqueles que o virem irão sentir a intensidade da época de 1976, até pelas reações de alguns privilegiados que já puderam viver essa experiência: “O filme foi apresentado à comunidade da Fórmula 1 no último GP da Alemanha e fiquei impressionado pela forma como todos reagiram. Fazem parte do meio e por isso são os críticos mais acérrimos”, referiu com toda a razão um Niki que se apresenta hoje com 64 anos e alguns quilinhos a mais derivados da idade.

RON HOWARD

Galardoado com dois Óscares de melhor filme e realizador por “Mente Brilhante”, que conta a história do matemático John Nash, este cineasta nascido em Oklahoma ficou ainda conhecido pelas suas intervenções no clássico espacial “Apolo 13”, na adaptação ao cinema do “Código Da Vinci” e na execução do drama “Frost/ Nixon”, que retrata o escândalo que envolveu o antigo Presidente dos EUA precisamente no início da década de 70. Mas será que o comum dos mortais sabe quem foi James Hunt? Ou terá noção da heroicidade de Niki Lauda, o austríaco que sobreviveu ao “Inferno Verde” de Jackie Stewart, não só para viver mais um dia, mas também para juntar, pela terceira vez, o seu nome aos grandes campeões mundiais?

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NÃO TÊM CHAVE! Tal como em “Apollo 13”, em que Ron Howard ignorava por completo as esferas que ligam astronautas e vaivéns espaciais até arrancar com o projeto, também o mundo da Fórmula 1 era totalmente desconhecido para o realizador norte-americano. Por isso, a ajuda de Lauda e de outras pessoas do meio revelou-se decisiva: “O Peter Morgan ligou-me a perguntar se eu poderia ajudá-lo com mais informação para que ele pudesse escrever o guião da época de 1976. Já tinha por diversas vezes sido contactado para outros documentários e filmes, mas sabia que ele era um argumentista nomeado para dois óscares e que as suas intenções eram sérias. Concordei, comecei a trabalhar com ele e só depois é que o Ron Howard apareceu”, explicou. “No início, o Peter apenas me colocava questões. Perguntas que não têm nada a ver com o resultado final do guião, mas que são importantes para perceber a história, como a minha relação com o James Hunt. Por exemplo, nós não éramos grandes amigos como as pessoas creem, mas respeitávamo-nos mutuamente por participarmos num desporto muito perigoso”. Depois, ao que parece, entrou a magia de Howard, que tornou a história verosímil para o cinema, apesar de “nunca antes ter estado presente numa corrida de Fórmula 1” — conta o austríaco. “É por isso que

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“Nós não éramos grandes amigos como as pessoas creem, mas respeitávamo-nos mutuamente por participarmos num desporto muito perigoso” NIKI LAUDA

estive permanentemente em contacto com ele e com o Daniel para lhes dizer o que estava certo e errado.” Numa entrevista à edição de Agosto da revista inglesa F1 Racing, Lauda refere um episódio caricato que espelha bem o desconhecimento. Num dos esboços iniciais do guião é retratada uma cena em que Daniel Brühl, o ator que representa o antigo tricampeão do mundo, entra no seu Ferrari, liga a ignição e arranca com o carro. Lauda dá um grito e solta: “Vocês não percebem nada disto! Os carros de Fórmula 1 não têm chave!” Stuart McCrudden, um inglês que durante muitos anos foi responsável por todas as competições desportivas da Ford na Europa e que há dez anos coordena o Campeonato do Mundo de Fórmula 1 Históricos confirmou-nos o alienamento inicial da equipa em relação ao mundo da Fórmula 1. Mas isso não significa que o resultado final seja mau, até pelo esforço que todos fizeram para o tornar o mais realista possível. “A primeira vez que vi o Hemsworth, o australiano que faz de Hunt, fiquei boquiaberto. Ok, ele tem o cabelo e o aspeto, mas não é só isso. Tem a mesma linguagem corporal! E o Daniel Brühl, com a caraterização pós-acidente do Lauda... É impressionante! Fiquei orgulhoso deles, mas não apenas por isso”. O britânico recorda um dia passado com os atores num armazém em

PURO ENTRETENIMENTO

1 Os atores aprenderam pequenas coisas como os movimentos das mãos: “No final estava a sorrir porque eles falavam como eu e tu falaríamos sobre um carro que curva à esquerda ou foge de traseira, estaríamos a abanar as mãos como se fosse um carro”, diz Stuart McCruden 2 Ron Howard tirou “milhares de fotografias” a duas miniaturas para perceber como os carros se comportavam no circuito. Aqui é possível vê-lo a dar algumas indicações ao ator Daniel Brühl


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DUELO DE TITÃS que teve de lhes explicar coisas como “entrar e sair” de um carro: “Sabes, um piloto não entra com o rabo espetado. Enfia primeiro uma perna, em seguida a outra e só depois é que se senta. Mostrei-lhes também que, quando saímos do carro, tiramos primeiro o capacete, passamo-lo a alguém e depois tiramos as nossas luvas, colocamo-las acima do volante e levantamo-nos de forma elegante. É como uma rapariga a sair da parte de trás de um carro com uma saia curta vestida. Há uma técnica para fazê-lo”.

ALUGAR UM FIESTA Com uma vasta rede de contactos, McCrudden foi determinante em diversos aspetos da produção do filme. Reuniu os 24 carros que participaram na época de 1976 (todos originais e com a decoração da época) e garantiu, com a ajuda igualmente preciosa do realizador, que as oito réplicas construídas para serem guiadas pelos atores passariam despercebidas ao crivo dos mais atentos. Mais importante ainda foi educar a produtora sobre os carros, a forma como eles funcionam, explicando-lhes como é difícil conduzi-los e pô-los a trabalhar. “Eu conto sempre uma história que se passou durante um almoço, logo após a definição do orçamento. Estávamos a falar de como o filme seria feito e eles dizem que só tínhamos 16 semanas

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para a filmagem e por isso queriam os carros durante esse período. Pergunto: ‘Durante todas as 16 semanas?’, ao que me respondem ‘não, seria apenas parte do tempo’. No entanto, eles achavam que um Fórmula 1 histórico era como alugar um Fiesta. Era só deixar o carro estacionado e assim que o quiséssemos guiar voltávamos ao sítio onde o tínhamos deixado. Disse-lhes: ‘Vocês não sabem como estas coisas são temperamentais. Precisamos exatamente de uma hora para aquecer os carros e pô-los a andar. Correm durante 20 minutos e depois temos de deixá-los parados o resto do dia. ‘A sério?!’” Stuart acrescenta que foi aqui que combinaram construir algumas réplicas, porque assim podiam “abusar delas, em vez dos carros verdadeiros”. Refere também que, ao contrário do que se possa pensar, não foi difícil reunir os carros de 1976: “Assim que concordámos no budget e no preço das despesas pude dizer aos seus proprietários qual era o preço do aluguer para um dia de filmagens em andamento, um dia de filmagens com os carros parados, o preço relativo aos custos de transporte de camião, quanto é que iríamos pagar aos seus mecânicos e quanto é que eles próprios iriam receber se os guiassem durante as filmagens. No final, toda a gente ficou satisfeita, até porque isto era uma novidade. Não estamos a falar de seis meses,

1 James Hunt ao volante do seu McLaren M23 2 Niki Lauda aos comandos do Ferrari 312 T 3 O cartaz promocional de “Rush” esconde uma história em que 30 por cento é desporto motorizado e 70 por cento é amor, drama, emoção e coisas do género”, conta Stuart McCrudden. Esteja atento ao site da turbo (www.turbo.pt) e habilite-se a ganhar bilhetes para ver o filme, com estreia marcada para 3 de Outubro

estamos a falar de três, quatro dias das suas vidas em que, de repente, todos se tornam numa estrela de cinema.” Os pilotos foram enviados para “track-days” para terem uma melhor noção das reações do corpo à velocidade, mas a grande maioria das cenas que gravaram foi a baixa velocidade, enquanto as réplicas foram baseadas em alguns fórmulas Opel/Lotus e Mygale de Fórmula 3. Dois BRM foram construídos de raiz, com chassis tubulares e motores da Rover. O investimento rondou os 50 milhões de libras e apesar de muitos o considerarem um filme de Hollywood, a verdade é que apenas dois norte-americanos fizeram parte do processo: Ron Howard e o realizador assistente Todd Hallowell, um dado que, honestamente, é perfeitamente irrelevante para nós, mas não para Stuart McCrudden: “Acredito que as pessoas não estão à procura de um filme de corridas por si, porque isso as televisões de hoje já o entregam perfeitamente. Estão à procura de 100 por cento de entretenimento e eu penso que o Ron é a pessoa certa para o entregar. Todos pensávamos que a indústria do cinema estava cheia de prima donnas, mas depois de os conhecermos vemos que são os tipos mais trabalhadores, simpáticos, focados e responsáveis que podemos conhecer, tal e qual a malta do desporto motorizado.”

James Hunt

Niki Lauda

92 GP 10 vitórias 14 pole-positions 8 voltas mais rápidas

171 GP 25 vitórias 24 pole-positions 25 voltas mais rápidas

Campeão em 1976

Campeão em 1975, 1977 e 1984

Equipas

Equipas 1971-72 (March) 1973 (BRM) 1974-77 (Ferrari) 1978-79 (Brabham) 1982-85 (McLaren)

1947, Surrey, Reino Unido

1973-74 (March) 1974-75 (Hesketh) 1976-78 (McLaren) 1979 (Wolf)

1949, Viena, Áustria

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