7 minute read
CINDACTA I - Pioneirismo e integração na defesa e no controle do espaço aéreo brasileiro
CINDACTA I
Pioneirismo e integração na defesa e no controle do espaço aéreo brasileiro
Dan Marshal Freitas - Coronel Aviador
Subcomandante do CINDACTA I
Em 1946, no pós-guerra, o então Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, assinou o Decreto-Lei nº 9.888, que tratava sobre a organização do Ministério da Aeronáutica. Em seu primeiro artigo, o Ministério da Aeronáutica era incumbido de todos os assuntos referentes à Aeronáutica Militar e Civil, dentre eles: organizar, aparelhar e adestrar a Força Aérea Brasileira; orientar, desenvolver e coordenar a Aeronáutica Civil e Comercial.
Em seu artigo 11, ficou decretado que, dentre as Diretorias-Gerais que fariam parte da Alta Administração da Aeronáutica, estaria a Diretoria de Rotas Aéreas (DR), que teria a incumbência de organizar a operação das aerovias nacionais, além dos serviços de comunicações aeronáuticas, de meteorologia, proteção ao voo e de aeroportos. Nascia, assim, o aspecto dual, civil-militar, legado ao Comando da Aeronáutica.
Na década de 1960, houve um incremento significativo do número de voos no País, todavia não se dispunha de co-
bertura radar. Os voos eram controlados de forma convencional, por meio de comunicação-rádio entre pilotos e controladores, não possibilitando conhecer todas as aeronaves que trafegavam por determinada porção do espaço aéreo. Em virtude desse cenário, o Ministério da Aeronáutica iniciou, em 1968, diversos estudos no intuito de modernizar o Sistema de Proteção ao Voo, além de implantar um Sistema de Defesa Aérea mais eficaz.
A solução selecionada foi integrar o Sistema de Controle de Tráfego Aéreo ao de Defesa Aérea. Com isso, haveria otimização dos recursos humanos, material, técnicos, operacionais e administrativos, além de significativa redução dos custos. Assim, em 11 de maio de 1972, o então Ministro da Aeronáutica, Joelmir Campos de Araripe Macedo, aprovou a implantação do Sistema de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (SISDACTA). No mês seguinte, uma aeronave Camberra da Força Aérea Peruana caiu próximo da cidade de Alegrete, no Rio Grande do Sul. Esta aeronave não possuía plano de voo nem tão pouco autorização para adentrar em nosso espaço aéreo. As razões pelas quais estaria voando naquela região eram também desconhecidas e este fato gerou preocupações, uma vez que estava muito longe de seu país e que só fora descoberta por ter caído com pane seca.
Pouco mais de um ano, em 14 de novembro de 1973, ocorreria a criação do Primeiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA I), sediado em Brasília, além dos Destacamentos de Proteção ao Voo, Detecção e Telecomunicações (DPV-DT), localizados em São Roque (SP), Petrópolis (RJ), Caeté (MG), Três Marias (MG) e Gama (DF).
A ativação do CINDACTA I ocorreu em 30 de abril de 1974, e a dos Destacamentos, em 2 de maio de 1975. No dia 21 de julho de 1975, ocorreu a inauguração oficial do Primeiro Centro de Operações Militares (COpM-1), com a presença do então Presidente da República, Ernesto Geisel, já contando com a operação das aeronaves de caça Mirage III que começaram a ser incorporadas à FAB no ano de 1972.
Às 21h do dia 22 de outubro de 1976, o Centro de Controle de Área de Brasília (ACC-BS) assumiu a responsabilidade de controlar o espaço aéreo compreendido entre as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Esta data marcou a entrada em operação do CINDACTA I, sendo considerada como a data de criação deste Centro.
A inauguração do CINDACTA I foi um ponto de inflexão na trajetória do controle do espaço aéreo brasileiro. A partir daí, exerceu-se uma real capacidade de controle de tráfego aéreo, bem como de expressão de poder para assegurar a soberania do espaço aéreo brasileiro. Foi uma luz que se acendeu, um brilho, possibilitando o incremento substancial da segurança de voo, por meio da implementação do
tratamento dos planos de voo de forma integrada, a correlação desses planos com as aeronaves visualizadas pelos radares, bem como a possibilidade de interagir e coordenar com a Defesa Aérea tais informações, facilitando a identificação das aeronaves conhecidas e, por conseguinte, classificando as desconhecidas.
Ideia inovadora e bem-sucedida, permanece até hoje, tendo sido expandida, aprimorada e adotada como padrão para a criação de outros três Centros: Curitiba, Recife e Manaus. Incidentes como o do Camberra de 1972, deixaram de acontecer. No dia 9 de abril de 1982, às 22h15, o COpM-1 recebeu uma mensagem telegráfica do Ministro da Aeronáutica, informando que o Governo Brasileiro havia negado autorização de sobrevoo para uma aeronave cubana Ilyushin 62, voando de Paramaribo para Ezeiza. À época, o Brasil não mantinha relações diplomáticas com Cuba. Assim, o COpM-1 acionou dois Mirage da Base Aérea de Anápolis para interceptar o Ilyushin, às 00h25, obrigando a aeronave a pousar em Brasília para prestar esclarecimentos. Estava realizada a primeira interceptação real conduzida pelo COpM-1. Naquele mesmo ano, no dia 3 de junho de 1982, por volta das 10h26, foi detectada, pelo COpM-1, uma aeronave próximo da costa brasileira, com proa da cidade do Rio de Janeiro, que emitia uma mensagem de socorro: ASCOT 2357 MAYDAY MAYDAY MAYDAY. Era uma aeronave bombardeiro Vulcan da Real Força Aérea Inglesa (Royal Air Force – RAF). Ressalta-se que naquela época, Argentina e Reino Unido encontravam-se em guerra, disputando a posse das Ilhas Falklands / Malvinas. A intenção da aeronave era desconhecida e o Brasil havia declarado neutralidade no conflito. Todavia, havia um pedido de socorro a ser averiguado.
Assim sendo, ao entrar na área de cobertura radar do DPV-DT do Pico do Couto, em Petrópolis, as consoles do CINDACTA I puderam apresentar o código Transponder 7700 acionado pelo Vulcan, indicativo de emergência. Prontamente, o COpM-1 acionou duas aeronaves F-5 da Base Aérea de Santa Cruz para decolar e interceptar a aeronave britânica. Foram instruídas para acionar seus pós-combustores, subindo o mais rápido possível para o nível 400. Tais decolagens não passaram desapercebidas pelos cariocas, pois estes ouviram o boom sônico, ocasionado pela quebra da barreira do som perto do litoral. Não havia tempo a perder, pois se tratava de uma aeronave militar estrangeira armada de intenções desconhecidas.
Com a aproximação do Vulcan, foi possível o contato rádio e sua visualização, oportunidade em que foi alegada pane no reabastecimento em voo e necessidade de pouso imediato em virtude da falta de combustível. Assim, os F-5 brasileiros acompanharam a aproximação final do Vulcan para pouso no aeroporto internacional do Galeão, no Rio de Janeiro.
Recordo-me com clareza do ano de 1982, por dois motivos principais: a incrível Copa do Mundo
Construção da sede do CINDACTA I
Sede do CINDACTA I - década de 70
Vista Aérea do CINDACTA I - década de 70
de Futebol e a Guerra das Malvinas. Aquela situação de conflito bélico gerou apreensão em muitos brasileiros em virtude da proximidade com o nosso País. Anos mais tarde, eu viria a saber que o chefe controlador que conduziu a interceptação do Vulcan havia sido o meu pai, à época Tenente CTA Ademir. Ele havia chegado ao CINDACTA I no início de 1979, tendo escolhido atuar na Defesa Aérea, recebendo, após a sua formação, o código LINCE 46. Trabalhou vários anos como chefe da Seção de Instrução do COpM-1, responsável pela formação dos chefes controladores e controladores de operações militares.
Apesar da pouca idade na época, lembro-me de visitar o CINDACTA I quando criança e, de certa forma, sinto saudades daquele tempo. Hoje, é a minha vez de contribuir com o contínuo aprimoramento deste valoroso projeto de extremo sucesso que possibilitou um elevado incremento na segurança de voo em nosso País.
Diante dessa história de pioneirismo, vanguarda tecnológica e inovação, sintome extremamente honrado por exercer, atualmente, a função de Subcomandante deste Centro. Milhares de abnegados profissionais por aqui passaram nestes 45 anos. Homens e mulheres, civis e militares, contribuíram de forma indelével para que um sonho se tornasse realidade, para que o Brasil pudesse atingir o patamar de excelência no controle de tráfego aéreo, bem como na manutenção da soberania de seu espaço aéreo.