ALIMENTAÇÃO ANIMAL PAC
REFORMA DA PAC: UMA PROPOSTA IDÍLICA?
Manuel Chaveiro Soares Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
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ALIMEN TAÇÃO AN IMAL
O acordo de princípio sobre a reforma da PAC recentemente adotado pelos Estados Membros representa a morte da agricultura enquanto atividade económica no espaço da União Europeia e consagra uma visão urbana dos campos enquanto paisagem e mero espaço de lazer. Tínhamos a esperança de que a Europa havia tomado consciência das suas fragilidades estratégicas atuais resultantes de políticas ditas ambientais que conduziram à desindustrialização, fragilidades que ficaram bem expostas na atual crise socioeconómica. Afinal, os mesmos erros vão ser estendidos agora à agricultura. Agrava-se a dependência alimentar da Europa em nome de valores ambientais aos quais a agricultura podia dar resposta se tivessem sido outros os decisores políticos e, sobretudo, outra a vontade política. Tendo tomado conhecimento de alguns tópicos do acordo de princípio sobre a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) e considerando a formação académica e o percurso profissional dos principais atores políticos responsáveis pela aludida reforma, eu interrogo-me sinceramente sobre o seu real conhecimento do mundo rural e da atividade agrícola, questionando-me se não estão a usar a sua melhor boa vontade a fim de contribuírem para moldar uma Europa idílica. Mas, a meu ver, trata-se de uma proposta arredada da realidade. De facto, não tem em conta a perda de competitividade das explorações agrícolas europeias, nem o decréscimo da produção de alimentos e consequente aumento de custo dos mesmos para os consumidores: discriminando assim negativamente agricultores e consumidores, mormente os mais carenciados. Acresce que ao promover o modo de produção biológico, nem sempre acautela a saúde pública e a economia dos produtores pecuários, como, por exemplo, quando fomenta a criação de galinhas poedeiras ao ar livre, ficando assim estas sujeitas a diversas contaminações perniciosas, com relevo para a gripe aviária. Na verdade, ao ser proposto que as condições produtivas se adaptem aos objetivos ambientais previstos no Pacto Ecológico Europeu, fixam-se metas muito restritas para os agricultores da UE-27, sem considerar, nomeadamente, a competitividade que as explorações agrícolas têm de apresentar quando inseridas numa economia que tem vindo a ser cada vez mais globalizada. Nestas condições, na minha opinião põe-se em causa a soberania alimentar da UE, já fragilizada no que toca principalmente a fontes de proteína vegetal, designadamente de soja, cuja importação se eleva a mais de 35 milhões de toneladas por ano, na sua maioria geneticamente
modificada; de salientar que também o café, o cacau, o óleo de palma e a cana-de-açúcar, importados de regiões com alta vulnerabilidade a secas, poderão vir a tocar diretamente as nossas vidas. Como agricultor português, ao examinar os traços principais do aludido acordo provisório sobre a reforma da PAC, não descortino sensibilidade para algumas preocupações que sinto no exercício da atividade, a saber: (i) existência de um mercado agrícola e florestal frequentemente em oligopólio, quando não mesmo monopólio, tanto a montante (fatores de produção) como a jusante (grandes cadeias de distribuição e de transformação de produtos florestais), o que obviamente esmaga a margem líquida das explorações agrícolas e florestais; (ii) a propósito do que precede, fico estupefacto quando assisto à promoção de géneros alimentícios a preços extremamente atrativos, abaixo do custo de produção, para assim atrair clientela, podendo a título de exemplo apontar que até já assisti à venda de leite UHT ao preço da água; (iii) acesso a água para rega ajustada criteriosamente às necessidades das culturas, com vista a maximizar a sua produtividade, nomeadamente em regiões com clima mediterrânico, sem todavia criar riscos para o ambiente, nomeadamente no que concerne à lixiviação do azoto sob forma nítrica; (iv) uma burocracia paralisante, que obstaculiza os investimentos, principalmente no âmbito da produção animal e, ao considerar algumas restrições constantes da proposta em apreço, propendo a crer que irá estender-se também à produção vegetal exercida em moldes mais eficientes (como exceção positiva, recorde-se o antigo programa Vitis do Ministério da Agricultura, que exigia apenas um pedido de ajuda – pré-fixada); (v) a propósito dos obstáculos administrativos com que os agricultores se deparam, proponho que se torne mais amplo o uso do deferimento tácito; (vi) dificuldade em recrutar trabalhadores agrícolas portugueses, considerando que se trata de um problema que se irá acentuar no futuro, designadamente porque a nossa taxa de natalidade é extremamente baixa. O referido acordo de princípio sobre a reforma da PAC também prevê o apoio a projetos de jovens agricultores; mas, sem que sejam dadas respostas adequadas às dificuldades supramencionadas, com relevo para a prática de preços justos, não creio que os jovens se sintam atraídos para a atividade agrícola, pelo menos de forma prolongada, pois nas condições ora propostas a rendibilidade da agricultura será por via de regra cada vez mais inferior à obtida noutros setores económicos. Do que conheço da proposta de reforma da PAC em apreço não descortino qualquer alusão à moderna biotecnologia, que tem experimentado avanços cien-