Revista Ponto & Vírgula - Ano 5 - Edição 31 - Janeiro/Fevereiro 2017

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Janeiro/Fevereiro Ano 5 | Edição 31 Distribuição Gratuita ISSN: 2317-4331

PONT & VIR ULA

Lygia L. dos Santos

Vera Regina M. Gaetani

Chloris C. Justin

UNIDAS PELA AMIZADE E PELO AMOR À CULTURA Janeiro/Fevereiro 2017  Revista Ponto & Vírgula  1


PROGRAMA

PONTO & VÍRGULA

ANUNCIE: irene.pontoevirgula@gmail.com

2  Revista Ponto & Vírgula  Janeiro/Fevereiro 2017


ÍNDICE JANEIRO/FEVEREIRO

Novo ano!!! Esperança renovada! Feliz pelo privilégio de poder continuar divulgando escritores, poetas, artistas plásticos, fotógrafos, músicos, enfim, todos que lutam pela Educação e Cultura do nosso povo! Neste bimestre temos o prazer de homenagear: Vera Regina Marçallo Gaetani, presidente do Centro Cultural Luiz Gaetani, Lygia Lopes dos Santos, presidente da Academia Feminina de Letras do Paraná e Chloris Casagrande Justen, presidente do Centro Paranaense Feminino de Cultura. Três escritoras, educadoras, que tanto fizeram e continuam fazendo em prol da Educação e Cultura! Nas páginas seguintes conhecerão um pouco mais sobre elas e, com certeza, se encantarão! Nossa admiração, reverência e agradecimento a todos os nossos apoiadores e colunistas que fazem com que a nossa “Ponto & Vírgula” seja cada vez melhor! A você, leitor/a, o convite para juntar-se a nós!

Heloísa Crosio

Pág. 1 Capa - Unidas pela Amizade e pelo amor à Cultura Pág. 2 Publicidade Pág. 3 Índice, Editorial e Expediente Pág. 4 Lygia Lopes dos Santos Pág. 5 Vera Regina Marçallo Gaetan Pág. 5 Chloris Casagrande Justen Pág. 7 Cantinho Literário de Vera Regina Marçallo Gaetani Pág. 8 Homenagem à Vera Regina M. Gaetani por Nely Cyrino Pág. 9 De Eva a Capitu - Ely Vieitez Lisboa Pág. 10 Mundo Real e Virtual - Jugurta de Carvalho Lisboa Págs. 11 e 12 Cantinho Literário de Bridon e Arlete Pág. 13 Árvora Chorosa - José Antônio de Azevedo Pág. 14 Gramática da Língua Portuguesa Padrão | Amini Boainain Hauy Poéticas Visuais - Simone Abi Kalil Neves Pág. 15 A Despedida - Aline Olic Pág. 16 Poesia Rima com Fotografia - Ricardo e Maria Isabel Faria Poetas em Destaque: Alceu Bigato; Fernanda Mesquita Págs. 17 e 18 Sarau de Lançamento 30a. Revista Ponto & Vírgula Pág. 19 Publicidade Págs. 20 Foto: Old Library, Trinity College. Dublin, Irlanda.

EDITORIAL

Irene Coimbra I Editora

EXPEDIENTE Direção Geral: Irene Coimbra de Oliveira Cláudio – irene.pontoevirgula@gmail.com | Edição: Ponto & Vírgula Editora e Promotora de Eventos | Diagramação: Aline Olic | Impressão: São Francisco Gráfica e Editora. Fotos de Capa: Arriete Rangel de Abreu - SEMEARTE; Fúlvia Freitas| Fotos do Sarau: Heloísa Crosio Anuncie na Revista Ponto & Vírgula. Associe sua marca à Educação e Cultura! Mídias: Impressa, Digital e Audiovisual. Publicidade e Venda: Irene – (16) 3626-5573 Tiragem: 3 mil exemplares Os artigos assinados são de responsabilidade do autor. A opinião da revista é expressa em editorial. Janeiro/Fevereiro 2017  Revista Ponto & Vírgula  3


LYGIA LOPES DOS SANTOS

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Futuro Cristalino Os passos cansados vagueiam, lutam por um futuro cristalino. Alcançar a felicidade anseiam, vão ao encontro do destino. Pela estrada vazia, solitária, segue o errante peregrino que persegue a trilha centenária do caminho sublime do divino. As folhas secas caem das árvores, o sopro do vento as eleva aos céus. Surgem, então, os pássaros cantores. A estrada vazia torna-se alegre, da amargura arrancam-se os véus. A vida retorna aos seus amores. Curitiba, 23.11.2008 4  Revista Ponto & Vírgula  Janeiro/Fevereiro 2017

asceu em Paranaguá em 17 de agosto de 1934, filha de Pompília Lopes dos Santos e Dario Nogueira dos Santos, ambos professores e escritores. Fez licenciatura em Letras-Inglês e Pós Graduação em Teoria da Literatura na PUC. Lecionou no Instituto de Educação do Paraná (1953). Trabalhou no Grupo Escolar D. Pedro II (1956). Foi proprietária, diretora e professora do jardim da infância Branca de Neve (1956). Professora na Escola Técnica de Comércio De Plácido e Silva. (1970). Trabalhou na Fundação Cultural de Curitiba de 1973 a 2000, até se aposentar. Ocupou os cargos de Coordenadora de Cursos, Conferências e Concursos, Chefe do Setor de Treinamento e do Setor de Informação e Turismo. Em 1978 publicou o livro de contos Dança do Caos, com as apreciações de Helena Kolody e Denise Guimarães e o prefácio de Walfrido Pilotto. Em 1979 entrou na Academia Feminina de Letras do Paraná, ocupa a cadeira 39, sendo Presidente desde 2004. Em 1982, durante a presidência do Jornalista Sérgio Mercer, fundou e coordenou a Livraria Dario Vellozo durante cinco anos. À disposição da Universidade Federal do Paraná, lotada na Editora Scientia et Labor, criou a Livraria da Universidade Federal do Paraná, no dia 23 de junho de 1988, na gestão do Reitor Riad Salamuni. É sócia do Centro Paranaense Feminino de Cultura (1989). Na Academia Paranaense da Poesia ocupa a cadeira 7 (2003). Faz parte do Centro de Letras do Paraná desde 2005. Recebeu da CMC a Medalha de Mérito Fernando Amaro (2006). Tem publicações em Revistas, Livros e Jornais.


VERA REGINA MARÇALLO GAETANI

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Fúlvia Freitas

era Regina Marçallo Gaetani nasceu em Curitiba, Paraná. Reside em Ribeirão Preto há mais de cinquenta anos. É membro da Academia Ribeirãopretana de Letras; da ALARP – Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto, da Casa do Poeta e Escritor de Ribeirão Preto. Pertence, também, à Academia Feminina de Letras do Paraná e do Centro Paranaense Feminino de Cultura - Curitiba, além de ser membro da UBE - União Brasileira de Escritores. Livros publicados: “Cantos, Contos e Crônicas” com prefácio de Nicette Bruno e Paulo Goulart, (esgotado); “A Menininha Loira” (segunda edição); “A Menininha Loira” em Braille; “A Fada e seus dois Amigos” (infantil), ilustrado por Graziela Protti, com adaptação teatral e musical de Adriano Steinway Chan e readaptação musical do Maestro Nazir Bittar. “Mes Moments/Murmure”, livro escrito a dois, em francês, juntamente com o poeta francês Claude Archimbaud. Prêmios: Três prêmios da Revista Brasília de Comunicações, um em poesia “Não Quero Mais” e dois em contos, “O Tempo e o Relógio” e “Entre Parêntesis (Ou Conto Pirado)”. “O Filho do Estupro”, conto premiado pela Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e Mulheres Emergentes, pelo seu poema “Momento de Loucura”. Todos de âmbito nacional. Recebeu uma medalha, “Stella Brasiliense”, por ocasião dos vinte anos de circulação da Revista Brasília de Comunicações “pela sua participação nas iniciativas literárias do Grupo Brasília de Comunicação”. Dois de seus poemas “A Menininha Loira” e “Poema Platônico” foram musicados pelo artista húngaro Csorba Zoltán. Vários poemas traduzidos para o francês. Nereo Richetti, de Verona, traduziu para o italiano seu “Poema Platônico”.

A volta por cima Extrapolei os sonhos! Vivenciei as mágoas. Convivi com fracos, suportei os falsos. Mantive-me em pé, mesmo com pedras me atingindo em cheio. Varri da alma a revolta ignóbil, o desprezo inútil, a tristeza vã, a descrença falsa. Reabri meu coração à vida, deixei reflorescer ternura... Olhei em volta e para o céu sem fim. Aceitei o mundo, aceitei a vida. A vida e o mundo que mereci pra mim. Obrigada, Senhor, pela volta que a vida me fez dar. Aprendi a amar-Te, sem mandamentos, pela simples razão de Te amar! Janeiro/Fevereiro 2017  Revista Ponto & Vírgula  5


CHLORIS CASAGRANDE JUSTEN

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para a gestão 2013/2014, deu o início a procedimentos que levaram à implantação do projeto “A Academia vai à Escola” com a oficialização do ensino de conteúdos da História do Paraná em todas as séries do Sistema do Ensino Fundamental e Médio do Paraná, que se estende à interligação entre todas as Academias de Letras do Estado, ligados aos Nucleos de Ensino das comunidades do Interior. Reeleita para uma segunda gestão, 2015/2016, deu início ao projeto “Uma sede para a Academia”, instalada no Prédio Belvedere, onde funciona também o Observatório da Cultura Paranaense em um projeto que se estende à dinamização da Cultura, como um todo, sempre embasado no Projeto “A Academia vai à Escola”. Na Presidência do Centro Paranaense Feminino de Cultura dirige o Projeto “O Centro de nossos Sonhos”, com uma ampla gestão administrativa e cultural de ação global.

Arriete Rangel de Abreu - SemeARTE

hloris Casagrande Justen, filha de Izaura Raymundo Casagrande e José Damian Casagrande, nasceu em Curitiba, em 23/09/1923, é viúva do Desembargador Marçal Justen, mãe de Chloris Elaine Justen de Oliveira, Liana Marcia Justen e Marçal Justen Filho. Tem nove netos e doze bisnetos. Pedagoga e diplomada no Instituto de Desenvolvimento do Potencial Humano, em Philadelphia, EUA, com vários cursos de aperfeiçoamento, foi Diretora Geral do Instituto de Educação do Paraná, Presidente do Conselho Estadual de Educação, Fundadora do Conselho do Magistério do Paraná, Governadora da Região Brasil do Soroptimista Internacional das Americas, tendo representado o Paraná em outros estados e o Brasil no exterior. Escritora e poetisa, com vários livros publicados, é autora do livro O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Instituição Escolar, com vinte mil exemplares trabalhados em cursos para professores em todo o Sistema Estadual de Ensino e em outros estados, em convênios com a UNICEF. É autora do livro de poesia bilíngue Essências Transfiguradas. Tem sua biografia em livro da Escritora Teresa Teixeira de Britto -Chloris- Uma História de Resistência e, poesia, no livro Minha Alma Gêmea, da poetisa Shyrlei Queiroz. Pertencendo à muitas instituções culturais, tendo recebido inúmeras homenagens em distinguidos diplomas, bronzes e troféus municipais, estaduais e nacionais, entre os quais, em Cartão Dourado, o Título: Mulher Cidadã Bertha Lutz, do Senado Nacional, e o Diploma de Comendadora da Ordem Estadual do Pinheiro, conferido e entregue solenemente pelo Governador do Estado do Paraná, Grão Mestre da honorífica Ordem. Tendo seu nome ligado a variadas instituições, cabe ressaltar o Salão Nobre do Instituto de Educação do Pararná, a Biblioteca da Escola Municipal Desembargador Marçal Justen, o Teatro do Centro Paranaense Feminino de Cultura, todos marcados oficialmente com o nome Chloris Casagrande Justen. Presidente da Academia Paranaense de Letras

Colheita Lavrando por entre a neve, Vou semeando primaveras, Vislumbrando mil floradas E frutos já sazonados. Não vou saborear cerejas Das sementes que lancei Nem as braçadas de auroras Que na jornada colhi. Da semeadura de agora Serei fruto, flor e seiva Dançando como perfume Em outras colheitas de auroras.


Cantinho Literário de

Vera Regina Marçallo Gaetani À GRACIETTE SALMON*

Querida Graciette, Há quanto tempo! Quanto? Nem tanto... Conquanto sua presença continua tão viva na minha memória que até parece ontem. Ontem, quem sabe, foi a última vez que fui visitá-la. Você me recebeu naquela saleta que eu achava um pouco escura. Será que era? Ou quem sabe são aquelas recordações distorcidas que guardamos de nossa infância e mocidade, do tamanho e disposição das coisas. Mas nada era mais acolhedora do que aquela saleta. Imagine! Você poetisa de renome dando tanta atenção àquela garota sonhadora de então, relatando-me seus Caminhos de Ontem. Quando escreveu no seu livro O que Ficou do Sonho “Para Vera Regina, talento, arte e beleza espiritual, o carinho sincero da Graciette”, não imaginou o tamanho de minha alegria. Será que eu merecia? Ou você, na sua meiguice, sentia-me assim... E eu saía pelos salões do Centro de Letras do Paraná ou Centro Paranaense Feminino de Cultura recitando Uma Cartinha Tua que eu adorava. Digo teu nome como numa prece, ...não sei se é pranto que de meus olhos desce, ...não sei se treme a carta ou minha mão. Já casada, longe de nossa querida Curitiba, sempre que podia voltava a vê-la e, cada vez, uma surpresa a mais: “Querida Vera Regina, marcando o ensolarado 9 de abril de 1.968, quando Dona Vida me permitiu revê-la e abraçá-la, esta afetuosa lembrança, Graciette”. Voltei. Precisava voltar, mas carregando no coração:

Fúlvia Freitas

A vida?... A Vida!... Lição de sofrer. E em contrapartida que belo é Viver. Quando me presenteou com seu Pássaro Perdido, você escreveu: “Vera Regina, as flores e os pássaros sempre se deram bem, espero que isso aconteça com você e este meu Pássaro Perdido. Afetuosamente, Graciette.” Pois saiba, querida, não só nos demos muito bem, como eu me inspirei, muitas vezes, nos seus versos, recitando-os além das fronteiras, além dos limites que nos separavam. Veio junto, também, o Cantinho da Poesia onde escreveu: “Vera Regina, para um Cantinho no seu lar”. Quanta ternura, quanta amizade. Por tudo isso e pelas coisas que eu lhe confidenciava você estará sempre presente no meu coração Enquanto Houver Caminho. Vera Regina Mais tarde, já bem mais velha, escrevi: O que ficou do sonho? Espanto, de haver sonhado tanto! O que ficou do sonho? Lembranças despidas de esperanças. O que fiou do sonho? Utopia dourada? Utopia quebrada... Desse sonho enganado só restou um momento frustrado. *Graciette Salmon, poetisa paranaense, minha Imortal Patrona na Academia Feminina de Letras do Paraná. Obs.: As palavras em itálico são títulos ou versos de poemas de Graciette Salmon. Janeiro/Fevereiro 2017  Revista Ponto & Vírgula  7


Homenagem Para Vera Regina Marçallo Gaetani Tradução

Si....

Se

Nely Cyrino de Mello

Nely Cyrino de Mello

Si vous avez le coeur touché par la tristesse de voir tomber la pluie, pensez au soleil qui peut briller encore. Si vous avez le coeur déprimé en présence d’une querelle, pensez à la réconciliation qui ne s’attarde pas Si vous avez le coeur émue de voir pleurer un petit enfant vous ne devez pas s’en partir attendez une minute encore et vous le verrez sourire. Si l’idée de la mort vous épouvante pensez au début d’une autre vie. Ainsi, chaque moment d’angoisse vous sera plus petit. Et, si par hasard, vous sentez la joie d’un lever du soleil, de la paix d’une réconciliation, et du sourire d’un innocent, ne pensez plus à la pluie, ni à la querelle, ni aux larmes, et jamais à la mort. Faites d’un moment heureux une expérience profonde et d’une tristesse infinie un petit rien.

Se ao contemplares a chuva te sentires triste, pensa que amanhã, talvez, o sol volte a brilhar. Se ao presenciares uma briga te sentires deprimida, pensa que a reconciliação não tardará. Se as lágrimas de uma criança te comoverem, não te vás embora espera ainda um minuto e a verás sorrir. Se a ideia da morte te apavora pensa na outra vida que começará. Assim,cada momento triste parecer-te-á menor. E quando sentires a alegria do nascer do sol, a paz da reconciliação, e do sorriso inocente, não lembres mais da chuva nem da briga, tampouco das lágrimas e jamais da morte. Faze de cada momento feliz uma vivência profunda e de cada tristeza um pequeno nada.

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DE EVA A CAPITU Ely Vieitez Lisboa

A

s mulheres já nascem Capitu, ou aprendem depois? É bem verdade que exegetas famosos enfatizaram a esperteza de Eva, aliciando Adão, para que ele comesse a maçã proibida, com a ajuda de um falso coadjuvante de terceira. Então, a história vem de longe. Lucas pensou que tirara a sorte grande. Encontrar o amor, ser correspondido pela mulher amada era um prêmio. E Marialva parecia ser tudo que ele queria. Desde que se conheceram, a morena linda era só carinho, parecia gostar muito dele, era doce, compreensiva. Como não amar uma mulher como aquela? Na cama, os dois se entendiam tão bem, que o sexo, todas as noite, parecia uma festa! E assim o namoro durou dois anos. Ele teve certeza de que Marialva era seu grande amor, a companheiro de sua vida. Resolveram se casar. Alugaram um apartamentinho no bairro Ipiranga, começaram os preparativos. O primeiro susto foi o vestido de noiva, que ela exigiu ser muito caro, de seda pura. E a festa! Foram tantos convidados, na grande lista, buffet de renome, flores, músicos. Lucas começou a ficar preocupado com os gastos. O orçamento já estourara há muito. O que aconteceu?! No dia seguinte do casamento, Marialva era outra pessoa. Onde a mulher carinhosa e compreensiva? Um pesadelo. Parecia uma metamorfose às avessas. A namorada era a borboleta que virou lagarta. Pior. Cobra venenosa. Quando ela disse que estava grávida, ficou espe-

rançoso. Qual nada! Passou a gravidez, a criança nasceu e foi batizada na Catedral, com toda pompa. Aí ele perdeu a esperança. Marialva ignorava-o, cuidava da filha e algum tempo depois, resolveu trabalhar fora. Afinal, ela fizera Direito na Unaerp, queria advogar. E assim foi. Lucas começou a desconfiar de tudo. A menina não se parecia nada com ele, a mulher tratava-o muito mal, era seca, malcriada, bruta. Por isso, ele nem estranhou quando vieram lhe contar que ela tinha um amante. Seguiu-a algumas vezes e descobriu tudo. Era um homem da idade dele, bem moreno, da cor da menina. Ele ficou arrasado! Sou definitivamente um corno! Reuniu o resto da vergonha que tinha e abandonou Marialva. Até hoje ele trabalha como um mouro, para pagar suas dívidas e ainda a maldita exigiu uma pensão para a filha. Agora, sua esperança era fazer o DNA, provando que a menina não era sua. Até esses dias, nada conseguiu. Dizem que Marialva, esperta como ela só, manipulava os testes e invalidava os exames. A última vez que vi Lucas, ele parecia o mais infeliz dos mortais, carregando uma cruz grande demais para suas costas. E-mail: elyvieitez@uol.com.br

Ely Vieitez Lisboa, Mestre em Letras e Semiótica, pela UNESP. É contista, poetisa, ensaísta, crítica literária e articulista de vários jornais. Membro da ARL e UBE. Tem 14 livros publicados. Entre eles: A Senhora das Sombras, Cartas a Cassandra, Replantio de Outono e Tempo de Colher.

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MUNDO REAL E VIRTUAL Jugurta de Carvalho Lisboa

vivido um momento mágico, diante de tanta beleza por sua arquitetura, pelos afrescos retratando o Velho e o Novo Testamento, pelas magníficas pinturas de Michelangelo, enfim, penetrou em um mundo real que jamais sonhou conhecer. O segundo, apesar de estar mergulhado nos porões do tempo, pois data do início da Década de quarenta, que mesmo tendo transcorridos por volta de setenta anos ainda permanece bem nítido na minha memória. Agora estou falando da Igreja da Matriz de Cássia - MG, minha terra natal. Foi durante minha pré-adolescência que, concluída a construção, iniciaram a pintura daquela Igreja. Para isto, vieram três pintores famosos da Itália, todos já bem idosos. Esses três abnegados artistas foram contratados para fazer a pintura do teto, que ficava a aproximadamente uns vinte metros de altura. Até hoje me emociono ao lembrar-me de quando eu ficava deitado de costas no chão e permanecia durante horas a contemplar aqueles três magos da pintura, também deitados de costas sobre altíssimos andaimes, reproduzindo verdadeiras obras artísticas com seus pincéis mágicos. Diante das considerações acima, convido os leitores a uma reflexão sobre a diferença de comportamento entre aquele ser humano que tinha contato somente com o mundo real e o que mergulha no mundo virtual, movido pelo avanço tecnológico.

Aline Olic

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m dos milagres da Internet é trazer para tela do nosso computador as maravilhas existentes em todos os quadrantes do globo terrestre. Assim, assentados confortavelmente e sem ter que arredar os pés de casa, podemos empreender viagens que estariam completamente fora do nosso padrão de acesso, trazendo o mundo todo para diante de nós. Graças a esse fabuloso avanço tecnológico, o mundo tornou-se tão próximo e pequeno, que basta tão somente leves toques em um teclado ou em um mouse, para que surja diante de nossos olhos, lindas imagens em fotos com altíssima resolução ou em vídeos, que nos proporcionam memoráveis viagens virtuais. Até aqui, estamos falando de um mundo virtual, onde podemos penetrar sem necessidade de passaporte e outras formalidades a que estaríamos sujeitos. Transportemos agora para o mundo real, que difere do virtual, por tocar de forma muito mais intensa a nossa sensibilidade e nossas emoções. Assim, gostaria de levar ao caro leitor, dois fatos que comprovam a nossa diferença de comportamento diante da imagem virtual e da real. O primeiro, ocorrido recentemente, foi relatado por um dos meus filhos, quando da sua participação em dois Congressos de Informática em Roma e um em Veneza, onde ele fez a apresentação de seus trabalhos. Contou-nos das maravilhas que teve a oportunidade de conhecer durante os doze dias que permaneceu na Itália. A que mais tocou sua sensibilidade, sua emoção, sua admiração e seu encantamento foi conhecer a Capela Sistina, localizada no Palácio Apostólico, residência do Papa, no Vaticano. Disse ter

E-mail: jugurta.lisboa@gmail.com

Jugurta de Carvalho Lisboa, mineiro de Cássia (1933) onde viveu até 1944. Desde então, vários pousos e decolagens entre Minas, São Paulo e Rio de Janeiro; neste último durante trinta e um anos. Em dezembro de 2004, mudou-se para Ribeirão Preto. No limiar de seus oitenta anos, nasceu o sonho de publicar um livro. O tema escolhido foi sua própria vida. Recolheu os cacos guardados no fundo de seu baú e os desnudou sob forma de Literatura Testemunhal.

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Cantinho Literário de

Bridon e Arlete

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Créditos da Imagem: Pixabay

o mundo que vivia outrora, levou uma vida cheia de tristezas e amarguras, infestada que era por turbilhões de emoções negativas. Sua vida não merecia ser observada por ninguém, já que tratava a si mesmo como alguém acometido de uma terrível doença que lhe corrompia seu mais profundo íntimo, fazendo sofrer a muitos que o amavam. Inexplicavelmente trilhava por caminhos obscuros, cujas noitadas eram voltadas para o lado ruim de sua vida. Desejava, a todo custo mudar, no entanto, sua pequena força de vontade, determinação e aceitação, o impediam. Acreditou sempre que um Poder Maior iria tirá-lo daquele mundo perdido, sem que pudesse vislumbrar algo de bom. Considerava-se um esquecido entre todos os homens, por isso, tornou-se um caminhante de noites perdidas e caminhos pedregosos, que lhe tiravam a vontade de lutar e vencer. Eram noites e mais noites mal dormidas, fervilhadas de esquecimentos, apagamentos e condicionamentos físicos. Tratava-se muito mal, sequer cuidava de sua aparência, mal

JC Bridon/Gaspar/SC barbeado, não muito bem vestido, seguia mundo afora como se o caminho que desejava, jamais seria encontrado. Certa ocasião pensou que talvez se “esquecesse os sapatos” não sairia de casa e as coisas ruins não mais aconteceriam. Ledo engano, porque mesmo assim, daquela forma, descalço, saía sem se importar com nada, pois sua mente, já enfraquecida, não atinava mais nada. Assim, os anos foram passando e após vivenciar os mais terríveis pesadelos, as mais terríveis angústias fazendo sofrer a quem não merecia, suplicou ao Poder Maior que o ajudasse a mudar o sentido de sua vida. Numa clara manhã de sábado encontrava-se esquecido e abandonado, largado feito um ninguém, sem os “sapatos esquecidos”, talvez deixados no lar para ter um motivo para não estar ali, em pleno “apagamento” memorial, físico e moral, sem falar do espiritual, voltou à realidade e observou onde aquele caminho o tinha levado: miséria, desgraça, abandono de lar e familiares. Não suportando mais tudo aquilo, elevou os olhos Aquele que

Studio Cine Foto Mary

Sapatos Esquecidos

poderia mostrar-lhe uma nova luz e teve em seu interior a resposta que tanto buscava. Saiu do local às pressas, pegou o carro, dirigiu-se ao local de onde nunca deveria ter saído em momento algum e após confessar aos seus entes queridos o que mais desejava para si, viu-se transformado em outro alguém e hoje, com a ajuda do Poder Maior, de amigos sinceros e verdadeiros e de sua importante família, é um ser normal, feliz, com responsabilidades que o levaram a trilhar seu caminho da paz. Seus “esquecidos sapatos” só não os usa para repousar em casa, na praia e ao dormir. Venceu os medos, as dificuldades e hoje transita, pela vida, tranqüilo, sereno e com vontade de continuar a vencer, levando apenas “um dia de cada vez”.

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Maria das Dores

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Arlete Trentini dos Santos/Gaspar/SC

asceu Maria das Dores, a filha caçula da família que já tinha outros 12 filhos. De um parto muito difícil, depois de 20 horas de lidas da velha parteira, a pequena berrou. Ela foi um presente para família. Eles já tinham 7 meninos e 5 meninas. Todos sempre estavam empenhados no trabalho da lavoura, criação dos animais, coisas de quem mora na roça. Maria das Dores recebeu este nome na pia batismal por sugestão da parteira. A menina franzina crescia e era a alegria de todos. Manhosa, dengosa, conseguia tudo o que queria só com um chorinho. E assim foi crescendo. Nas primeiras cólicas menstruais já fez tanto escândalo que chamou a atenção de todo mundo. Daí para frente começou a achar que tinha todos os males do mundo. Uma hora doía aqui, outra hora doía ali. A mãe com sua eterna preocupação poupava Maria das Dores do trabalho. Queria que a menina estudasse para ser professora. Mas, Das Dores dizia que não tinha ânimo para ir à escola. A preocupação da mãe era de não cumprir sua missão de criar esta frágil menina. Aos 20 anos Maria das Dores casou. Na primeira gravidez foi um Deus nos acuda. A cada dia era uma reclamação. Dizia que não ia aguentar parir o nenê. Mas assim que nasceu o primeiro, e nos anos seguintes vieram mais seis. Maria das Dores continuava sempre reclamando de alguma dor e tomando chazinho a toda hora. Das Dores enviuvou e todos acharam que este era o seu fim, pois além da mãe, dos irmãos, o marido a tratava com muita atenção. A dor da viuvez durou dois anos. E Maria das Dores encontrou um novo companheiro. Este, ela encontrou no consultório médico numa de suas muitas andanças por lá. Começaram a conversar e viram que tinham tudo em comum. Muitas dores e muitas reclamações. Uniram-se. Os filhos foram casando, os netos chegando e Maria das Dores continuava reclamando. Seu Zé da farmácia, a entendia e atendia. Ela tomava um remédio, para curar o que outro remédio havia estragado. Cada 12  Revista Ponto & Vírgula  Janeiro/Fevereiro 2017

nova doença que surgia ela sentia os sintomas. Era frequentadora assídua de consultórios médicos. Lá sempre encontrava gente contando de suas doenças e ela ia comparando com as suas e aumentando assim a sua lista de males. O maior presente de sua vida foi um plano particular de saúde. Fez consulta em todas as especialidades existentes. Já chegava ao consultório com seu diagnóstico pronto. - Olha seu doutor hoje eu tô com labirintite e também acho que a gastrite atacou. E assim os médicos a mandavam fazer exames e davam medicamentos. Quase todos os remédios, eram realmente para a cabeça. Ela era hipocondríaca. Escutava alguém falando de alguma doença e já estava com todos os sintomas. Numa das visitas ao médico disse: - Doutor eu acho que tenho problema de próstata e quero que o senhor me opere. O doutor lhe respondeu: - Isso não pode ser Maria das Dores. - Olha eu sinto tudo o que o seu Genésio também sentia e ele disse que foi operado da próstata e estase sentindo novinho em folha. Então também quero ser operada. - Mas, Das Dores, isso é coisa que só homem tem. - Pois sim. O senhor é que vem com estas coisas de dar preferência só para homens. - Das Dores, mulher tem útero, ovários estas coisas, e homem tem próstata. Portanto a senhora não tem próstata e não vai ser operada e ponto final. - Tá bom doutor, mas se eu morrer disso a culpa vai ser do senhor doutor. Maria das Dores enterrou dois maridos, o pai a mãe, filhos e muitos amigos. Cada final de ano, ela tinha por habito dizer: - Vejo o fim deste ano, mas com esta minha saúde abalada não vejo o novo ano. Morreu aos 95 anos. De quê? Atropelada! Já tinha cruzado a rua saindo de um consultório médico e resolveu voltar. E suas últimas palavras foram: - Esqueci de falar mais uma coisinha para doutor. Morreu com a caderneta de capa preta na mão. Era ali que ela marcava o nome de todas as doenças que tinha ou que imaginava ter.


ÁRVORE CHOROSA POR

C

JOSÉ ANTÔNIO DE AZEVEDO

aparosa é uma árvore – também chamada de capauva, pelos caboclos – nativa dos campos serrados, com propriedade para extrair bastante umidade da terra, acumulando água em forma de espuma nas folhas. No verão e, raramente na primavera e outono, ela deixa cair a água das espumas gotejando continuamente para molhar a terra. É um fenômeno explicável pelos biólogos, mas inacreditável pelo homem simples do campo. Assim dizia Maicro ser uma caparosa chorona, como a árvore a escorrer lágrimas face abaixo chegando a molhar o chão quando, pensativo, assentado na sua cadeira tosca, ficava horas e horas com as mãos no queixo, apoiando-se com os cotovelos nos joelhos. Assim prostrado, remoendo fatos passados, imaginava episódios alegres que o enchiam de satisfação quando trabalhava no roçado com a lavoura bem formada prenunciando boas colheitas. Direcionava o pensamento para as tardes fagueiras – quase noitinha – e lá chegavam lembranças da Lilinda. Era uma moça bonita de rosto cheio, lábios róseos naturais, morena de olhos verdes e cabelos ondulados caídos nos ombros. Era a sua princesa encantada. Ficavam os dois de bonde, assentados lado a lado, de mãos dadas na felicidade sem fim. Naquele devaneio extasiavam-se em um mundo todinho deles, sem ver nem ouvir sequer o tagarelar das crianças e a chuva que teimava cair do telhado em forma de goteiras. Em outros momentos, agora morando na cidade grande, lembrava-se da esposa, a mesma namorada, ainda cheia de encantos a lhe afagar com doces cafunés nas altas noites ao chegar cansado do emprego. Na cidade, alguns anos depois, ainda conservava os mesmos prazeres do homem simples da roça. Os filhos só lhe davam alegrias no trabalho e na escola, profetizando grandes homens na família e na sociedade. Três já casados e dois ainda solteiros eram cidadãos honrados como foram os pais e tios desde épocas remotas na Fazenda Florestana. Era uma comunidade de baianos, constituída de

nove famílias de retirantes nordestinos, fugidos da seca no Sul da Bahia. Eram todos parentes, vivendo harmoniosamente e trabalhando honestamente como num verdadeiro paraíso. Não tinham querelas, respeitavam-se uns aos outros numa convivência fraternal de irmãos, tios, sobrinhos, cunhados e genros. Mais outro tanto de tempo na vida urbana, Maicro ainda desfrutava uma vida prazerosa com vários amigos fidelíssimos e os filhos a lhe fazerem cortesias até a partida definitiva de Lilinda para o céu e a sua juventude acumulada beirar sete décadas. Até aquela etapa da existência o jovem velho... Viveu. Inerte e perdido em pensamentos na sua cadeira tosca - com assento de palha sobre quadro pés rústico sem encosto – o velhote acorda do torpor e meio zonzo tenta constatar onde está. Olhando em volta e ainda sem se localizar, procura por alguém na sala, na cozinha e em todos os cômodos da casa e... Constata estar só. “Sozinho, eu e Deus”, resmunga! Num átimo desesperado, o desventurado velhote sente rolar grossas lágrimas pela face enrugada dentro da noite eternizada, igualzinho a caparosa. São águas vertentes dos olhos a lhe ensopar o lenço. Na realidade da vida do século XXI, naquele momento de solidão e em gritos de silêncio, Maicro sentiu-se fora da família e da sociedade na ingratidão de todos e de tudo, como a Caparosa arrancada do seu habitat para dar lugar à plantação de cana. Já não tinha mais lágrimas para chorar. Naquela eterna noite e no seu desencanto da vida Maicro percebeu o chão abrir-se sob seus pés e ser tragado pelo abismo! Trôpego no quintal e abraçado a um travesseiro ergueu os olhos para o céu dourado no amanhecer e desabafou num silêncio de contrição... Que ecoou nos grotões do seu íntimo com a repetição: Cadê os meus filhos? Os filhos deles?! Onde estão os meus amigos?! Por onde andam todos?...

Janeiro/Fevereiro 2017  Revista Ponto & Vírgula  13


COLEÇÃO DIDÁTICA DA EDUSP (5 VOLUMES)

Amini Boainain Hauy

A

Universidade de São Paulo (USP) pela primeira vez publicou uma gramática do português acadêmico: “A Gramática da Língua Portuguesa Padrão”, da autora ribeirãopretana Amini Boainain Hauy, pós-graduada, mestra e doutora em Filologia e Língua Portuguesa pela USP. A obra, que tem 1.344 páginas e inúmeros comentários e exemplários, é considerada “um manual de referência em torno da língua padrão” e hoje compõe a Coleção Didática da Universidade (Vol. 5). Publicada em 2014, a obra recebeu o prêmio Jabuti 2015, na categoria “Teoria, Crítica Literária, Dicionários e Gramáticas”. Vale lembrar que o Jabuti é a mais importante e tradicional premiação do mercado editorial brasileiro, promovido pela Câmara Brasileira do Livro. Redigida conforme o Novo Acordo Ortográfico, a “Gramática da Língua Portuguesa Padrão” é assim apresentada pela Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP) ao público leitor e às autoridades da Educação, na contra-capa do livro: “A Gramática da Língua Portuguesa Padrão descritiva, normativa e crítica, é o resultado de décadas de pesquisa e elaboração, e contou com a grande experiência de ma-

dist.edusp@usp.br

gistério da autora Amini Boainain Hauy. A obra sistematiza a tradicional teoria gramatical do português acadêmico. ............................................................ No momento em que as autoridades da Educação envidam esforços para a melhoria da qualidade do ensino e propõem a avaliação dos diversos cursos, para a qual obviamente necessitam de um padrão de desempenho linguístico ‘culto’, torna-se oportuno e honroso subsidiar, com a publicação desta obra, a consecução dessa prioridade de âmbito nacional.”

“Poéticas Visuais” SIMONE ABI KALIL NEVES Artista plástica premiada, nacional e internacionalmente, é formada em Artes Plásticas, pela Escola Panamericana de Artes de São Paulo; História da Arte, pela Fundação Caloust Gulbenkian, Lisboa/Portugal; Decoração de Interiores, pelo Centro de Formação profissional, CEAC, Barcelona/Espanha, entre vários outros. 14  Revista Ponto & Vírgula  Janeiro/Fevereiro 2017

Ibraim Leão

OBRAS DE REFERÊNCIA

Gramática da Língua Portuguesa Padrão – vol. 5


A DESPEDIDA POR ALINE

A

música “Eduardo e Mônica” de Legião Urbana nunca havia feito muito sentido para ele. Como alguém poderia se envolver com alguém tão diferente de si mesmo? Mas gostava da melodia, então não se importou quando a música começou a tocar em seus fones de ouvido, no metrô. Era sexta-feira e chovia. Ao chegar a casa, acendeu somente os três abajures da sala. Escolheu um dos discos de Hank Jones, para sua vitrola, comprada em um antiquário há alguns anos, na Vila Madalena. O lirismo do músico norte-americano o fascinava. Normalmente, após um dia tão estressante como aquele, escolheria John Coltrane. Dizia que o acalmava. Mas aquele dia, em especial, escolheu Jones. Com a gravata afrouxada, já sem os sapatos, e uma taça de vinho na mão esquerda, caiu no sofá. “Um bom vinho e uma boa música. Perfeita noite de sexta-feira.” pensou. Era muito clichê e ele sabia disso. O celular vibrou com uma mensagem. Era ela. Dizia que no dia seguinte buscaria a caixa restante. “Ok” respondeu. Do sofá, viu a caixa com os pertences dela. Sabia o que havia dentro: duas camisetas, uma branca e outra azul, uma escova de dentes verde, uma bola de baseball comprada em Nova Iorque em 2007, autografada por Babe Ruth, nos anos 40. A assinatura, falsa, não importava. Três grampos médios para cabelos e 1 cartão postal de Salvador, datado de 1953, que seu pai havia enviado a sua mãe, quando ainda namoravam. Ele sabia que a única coisa que realmente importava para ela era o cartão postal pois o envolvera em uma folha plástica para que tivesse a certeza de que nenhum acidente o comprometesse. Dormiu no sofá. Acordou no meio da madrugada. A música já não tocava mais. Agora, só o silêncio reinava no apartamento. A chuva continuava fraca e persistente. O sofá confortável e a temperatura ideal do ambiente, mais o convidavam a continuar sua noite ali na sala. Dormiu. Acordou na manhã fria de sábado, com a vibração do celular. Era ela. “Estou aqui embaixo”. “Já desço”. Na recepção do prédio, esperava sentada. Vestida com várias camadas de roupas, só seu rosto estava desprotegido. Ele sorriu ao ver seu gorro de ursinho

OLIC

panda. Ela entendeu o motivo do sorriso. “Eu sei! Não encontrei meu gorro ‘de adulto’.” Sorriu. Pegou a caixa, abraçou-o, carinhosamente, agradeceu e foi embora. Quando já não podia vê-la mais, entrou no elevador e voltou para o apartamento. Ele gostava de jazz, ela de blues. Faziam um belo par. Seu filme nacional preferido era Lavoura Arcaica, o dela O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro. Tinham gostos parecidos. Cozinhavam juntos, gostavam dos mesmos restaurantes e preferiam chá a café. Queriam ter três filhos. Corriam juntos todos os dias, exceto sextas. Entendiam suas piadas, reclamavam de suas manias e discutiam sobre quem lavaria a louça. O respeito era mútuo e o amor imensurável. Quando abriu a porta do apartamento, sentiu-se triste. Estava só. A foto dos dois juntos, no Ano Novo de 2010, em Gramado, que ficava no porta-retratos, na estante da sala, o fez suspirar. Com o celular na mão, fez uma ligação. “Amor, ela veio buscar as coisas.” “Oi amor, você está bem?” “Sim, mas sabe, foram 10 anos juntos.” “Eu sei. Mas lembre-se que agora nós começamos uma vida juntos.” “Eu sei, e quando me lembro disso, quase não cabe tanta felicidade em mim.” “Daqui a pouco levo minhas coisas.” Desligaram dizendo “eu te amo”. Após 10 anos morando junto de sua melhor amiga, ele finalmente iria morar com seu melhor amigo, o homem e o amor de sua vida. Ela havia sido a primeira a quem ele contara que estava apaixonado e a primeira a quem contara que queriam morar juntos. E, como de costume, fora quem mais o apoiara nas duas decisões. Ligou para ela. “Eu já estou com saudades.” “Eu também, querido.” “Como é o novo apartamento?” “Um ovinho de codorna.” Os dois riram. “O filme começa às 20h?” “Isso. Te vejo às 19h então, ok?” “Tudo bem. Até a noite.” “Até.” “Liz?” “Oi?” “‘Eduardo e Mônica’ até que faz algum sentido, né?” “‘E quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?’ É, até que faz.” Janeiro/Fevereiro 2017  Revista Ponto & Vírgula  15


Poesia Rima com Fotografia

al e de reepoeunrote’’ n a C e d n a r G ‘‘O al de luz um longo caud Dalila Cruvinel

P ois tudo‘‘aOquuro Preto lucilacao do tri e simplesmente anscendente .’’ Carlos Drumm ond de Andra de

Fotos: Ricardo e Bel | Ricardo De Moura Faria e Maria Izabel Silva Faria são casados e residem em Belo Horizonte.

POETAS EM DESTAQUE O QUE TEM NA CIDADE TEM NO SERTÃO Alceu Bigato

Iluminando a cidade transforma noite em dia. A mesma alternada energia controla frio e calor. E as luzes do sertão, além da vela e o lampião, estrelas, manto multicor. E o silêncio da lua, seu romantismo atua como talismã do amor. Luzes sem geradores, fusíveis e transformadores, obra-prima de um Ser Superior. Avenidas de tantos contrastes, belezas e brutalidades. Excesso de velocidade, desrespeitando o farol. No sertão nossas avenidas, ladeadas por calçadas floridas, linha reta e em caracol, tem semáforo girando com o astro rei que não é aquele, mas a ausência dele, pode até alterar o calendário do futebol, e o semáforo que eu citei é o girassol. 16  Revista Ponto & Vírgula  Janeiro/Fevereiro 2017

NA TEXTURA DA NOITE Fernanda R. Mesquita

Alceu Bigato

Fernanda Mesquita

Na textura da noite o piar melancólico de uma coruja inspira o poeta a tocar os sonhos com as pontas dos dedos. Ao longe ouço o piar melancólico de uma coruja; na mesa, o papel converte-se a pio e eu a ave noturna.


SARAU DE LANÇAMENTO

30a. REVISTA PONTO & VÍRGULA FOTOS POR HELOÍSA CROSIO

Carolina Raany, Michelle Picasso, Irene Coimbra, Ana Camila Castilho Bordino e Mônica Picaço

Nely Cyrino de Mello e Leda Pereira

Alciony Menegaz, Heloísa Alves e Aldair Barbosa

Edson e Marlene Cerviglieri

Jugurta Carvalho Lisboa e Ely Vieitez Lisboa

Ricardo Marcolongo e Cínthia Moretti

Ricardo Faria, Irene Coimbra e Carol Bonacim

Janeiro/Fevereiro 2017  Revista Ponto & Vírgula  17


Carlos Eduardo de B. Aragão, Kátia Gisele Bagio e Edison Rodrigues dos Santos

Adalberto Gomes da Silva, Solange B. da Silva e Suely B. Bertagnoli

Sebastiana S. Laxa, Elisa Alderani e Nilza Pelá

Alceu Bigato e Jannes Cyrino

Leonor Barros, Lucy Stefani, Shirley Stefani e Christiane Réa

Marcia Maria Anaga, Alciony Menegaz e Sandra Anaga

Mária de Fátima Granato, Cezar Augusto Batista, João Cecheto, Luzia Madalena Granato e Michelle Zanin

Elizabeth Bevilacqua, Nadir Moyses Ferreira, Rosa Vugman, Raissa e Ithamar Vugman

18  Revista Ponto & Vírgula  Janeiro/Fevereiro 2017

Hans e Heloíza Eichel

Nelson Jacintho e Dumara Piantino Jacintho

Dr. Camilo Xavier, Alberto Gonçalves, Vera Gonçalves e Dr. Geovah Paulo da Cruz

Márcia P. Jacintho e Silva e Hugo Luís Franco e Silva

Henrique Jacintho Marques, Felipe Jacintho Marques, Rafaela de S. Mendonça, Silvana P. Jacintho Marques e José Roberto F. Marques


Janeiro/Fevereiro 2017  Revista Ponto & Vírgula  19


20  Revista Ponto & Vírgula  Janeiro/Fevereiro 2017

Old Library, biblioteca do Trinity College. Dublin, Irlanda. Foto por Aline Olic


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